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MARIA DE LOURDES BACHA

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Academic year: 2018

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MARIA DE LOURDES BACHA

A Teoria da Investigação de C.S.Peirce

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MARIA DE LOURDES BACHA

A Teoria da Investigação de C.S.Peirce

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Breno Serson.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo estudar a Teoria da Investigação (inquiry) de C.S.Peirce.

Para Peirce, a investigação começa a partir de um estado de dúvida incomodo paralisante, no qual não se consegue escolher entre dois cursos de ação.

A dúvida, da qual a investigação parte é uma dúvida real, genuína, e não simplesmente uma dúvida metodológica, um "faz-de-conta".

A investigação científica constitui um esforço para colocar fim à dúvida e voltar a um estado de crença. A verdade seria, então, um estado de crença inatacável pela dúvida. A investigação tem por objetivo único o acordo de opiniões.

A Teoria da Investigação também pode ser chamada de Teoria do Método Científico. Para Peirce, somente o método científico pode nos levar à verdade, em longo prazo, num longo percurso, que constitui o processo dinâmico da investigação. Este processo está sujeito ao erro, ao acaso, mas também é passível de auto-correção.

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AGRADECIMENTOS

AO MEU ORIENTADOR PROF.DR.BRENO SERSON, AO PROF.DR.IVO ASSAD IBRI,

A PROFª.D.CECÍLIA ALMEIDA SALLES, AOS MEUS FILHOS ANA E JÚLIO,

ÀS COLEGAS SUSANA E JORGINA.

ESTE TRABALHO CONTOU COM A COLABORAÇÃO DA

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 008

Capítulo I.FUNDAMENTOS DA SEMIÓTICA PEIRCEANA ... 015

1. Introdução ... 015

2. O lugar da Semiótica na filosofia peirceana ... 018

3. O inter-relacionamento das Ciências Normativas: A Estética, a Ética e a Lógica ... 032

4. O escopo da Semiótica peirceana ... 053

5. As divisões da Semiótica. ... 063

Capítulo II.ATEORIA DA INVESTIGAÇÃO ... 072

1. Introdução ... 072

2. A questão do método em Peirce ... 078

2.1. O anti-cartesianismo peirceano ... 083

2.2. O método científico ... 099

2.3. Evolução dos conceitos peirceanos a partir das inferências para tipos de raciocínio e finalmente para estágios da investigação. ... 116

2.3.1. Abdução ... 122

2.3.2. Dedução ... 137

2.3.3. Indução ... 144

2.3.4. Relação entre abdução, dedução e indução e as categorias .. 152

3. A lógica da Investigação. ... 160

CONCLUSÕES ... 168

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INTRODUÇÃO

De acordo com Murphey1, a Teoria da Investigação foi desenvolvida por Peirce, entre 1870 e 1872.

Um dos pontos mais importantes da Teoria da Investigação está na concepção peirceana de ciência, ligada a um “processo socio-históricode investigação”. 2

Para Peirce há duas concepções tradicionais de ciência. A primeira, caracterizada como um corpo sistemático e organizado de conhecimento, seria “um corte superficial capturando principalmente os remanescentes fossilizados da ciência”. A segunda seria “um corte mais profundo”, caracterizada como um método do saber. A segunda visão seria a mais certa, podendo, no entanto, ser comprometida por uma concepção metodológica individualista e por vezes não suficientemente dinâmica.3

A Teoria da Investigação parte de um dos pontos-chaves da teoria peirceana, que é a rejeição aos "apriorismos" ou a rejeição à tradição fundacionalista. Segundo Peirce, é muito

1 M Muphey, (1993) The Development of Peirce's Philosophy. p. 159.

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diferente partir daquelas coisas das quais nós não duvidamos, o que não quer dizer que existam verdades ou certezas absolutas. Todo conhecimento tem início nas percepções recebidas pelos sentidos, mas estas percepções em si mesmas não constituem conhecimento nem podem ser premissas para o conhecimento.

A rejeição peirceana aos “apriorismos” pode ser expressa na frase: "Não bloqueie o caminho da investigação". O que Peirce quer evitar é dogmatismo e ceticismo.

Peirce acreditava, por um lado na inexorável marcha da ciência para a verdade, e o método científico seria aquele método que inevitavelmente levaria à verdade em longo prazo, por outro lado nenhuma teoria, nenhum conceito, nenhum sistema de idéias traduz verdades finais.

A filosofia evolucionista de Peirce embute a idéia de aprendizagem e ciência pressupõe evolução. Aquilo que é verdade hoje, pode se mostra falso no futuro e, se o campo observacional aumentar, algumas teorias podem se mostrar incompletas ou falsas.

Entretanto, guiados por nossas crenças e empregando métodos de investigação que não sejam apropriados, poderemos chegar a uma opinião errada, já que todas as teorias científicas são falíveis e seus resultados devem ser submetidos à crítica

Para Skagestad, a Teoria da Investigação de Peirce reconcilia alguns conflitos ou discrepâncias entre religião, darwinismo e ciência. Ela é vista como um "socialismo lógico", por Murphey, para quem o pesquisador peirceano é um membro de uma comunidade que devota sua vida à busca desinteressada da verdade. A descoberta da verdadeira estrutura da realidade, por intermédio da ciência, seria "um dever religioso".

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adotar a hipótese da realidade e sua adoção pode ser justificada pelo fato de que leva ao conhecimento da realidade. A hipótese realista é fundamental para o método da ciência.

Se nós adotamos a hipótese da realidade - e, realidade, para Peirce, é algo externo e estável, e tudo aquilo que está fora do alcance da investigação não é real, - estamos nos compromentendo com uma busca única e desinteressada da verdade, estamos aptos a sacrificar opiniões em curto prazo pelo consenso estável e duradouro, o que pressupõe uma visão realista contra a visão nominalista da realidade. A realidade é a causa final da investigação porque reflete a fixação das crenças sobre as quais a investigação se apoia.

De acordo com Peirce, os três estágios da investigação são: abdução, dedução e indução. Esta distinção é que fundamenta a Teoria da Investigação, formalizando um ciclo; abdução, dedução, indução, nova abdução...

A Teoria da Investigação está inserida na terceira divisão da semiótica, a metodêutica, na qual está concentrado o objeto deste estudo. A Semiótica Peirceana se divide em:

1. Gramática Especulativa ou Gramática Pura, 2. Lógica Crítica ou Lógica propriamente dita, 3. Retórica Especulativa ou Metodêutica.

A Gramática Especulativa constitui a teoria geral da natureza e significado dos signos sejam eles ícones, índices ou símbolos; a Lógica Crítica classifica os argumentos e determina a validade e o grau de força de cada um, e a Metodêutica, que estuda os métodos que deveriam ser perseguidos na investigação, exposição e aplicação da verdade. Cada divisão depende da precedente. (CP 1.191)

Segundo Serson (1996: b), a Metodêutica pode ser vista por dois ângulos:

1. O primeiro, ligado à teoria geral da investigação e aos métodos científicos e,

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interlocutores ideais ou duas inteligências científicas ao conversar possam provar alguma coisa uma para a outra.

Por outro lado, sendo a investigação uma atividade voltada a um fim, este fim não pode se resumir à ação, mas este fim é uma busca do "admirável", o “summum bonum” da investigação.

Esta dissertação foi dividida em três capítulos.

O Capítulo I tem como título “Fundamentos da Semiótica Peirceana”. O principal objetivo deste capítulo consiste na apresentação de algumas idéias sobre a Semiótica peirceana e suas divisões que são a Gramática Pura, a Lógica Crítica e a Metodêutica.

Este capítulo foi dividido em cinco itens. O primeiro item do Capítulo I procura mostrar resumidamente a importância da Lógica ou Semiótica na obra de Peirce. A concepção peirceana de Semiótica é de uma Lógica que leva em consideração todos os possíveis tipos de signos e seus específicos modos de ação.

No segundo item do Capítulo I, a Semiótica será contextualizada no corpo da arquitetura filosófica de Peirce, utilizando-se o diagrama da classificação das ciências, noqual os princípios da interdependência de cada ciência são exibidos.

No item 3 do Capítulo I, procura-se mostrar o inter-relacionamento das Ciências Normativas, isto é, como se relacionam a Estética, a Ética e a Lógica ou Semiótica. A Lógica ou Semiótica, como a ciência do raciocínio e do pensamento deliberado, extrai seus princípios da Estética e da Ética. A Lógica estabelece as regras que deveriam ser seguidas para o raciocínio, mas precisa recorrer ao propósito ou meta que justifique estas regras. 4 Este tópico será retomado posteriormente no contexto da Teoria da Investigação.

No quarto item do Capítulo I são apresentadas algumas idéias sobre o escopo da Semiótica peirceana.5 A Semiótica estuda todas as espécies de signo e, além disso, é a ciência normativa dos métodos de investigação inteligente e do raciocínio em geral.

4Idem, op.cit. p.121.

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Para Peirce, todo pensamento ou representação cognitiva é um signo, sendo o signo peirceano uma relação triádica complexa envolvendo o signo, objeto e o interpretante. Em função desta relação triádica os signos podem ser classificados de várias maneiras, três das quais são resumidamente apresentadas neste capítulo.

No quinto item do Capítulo I são apresentadas as três divisões da Semiótica. A Gramática Pura, que estuda o que deve ter o signo para incorporar qualquer significado, a Lógica Crítica ou Lógica propriamente dita que estuda as condições de verdade das representações e a Metodêutica que é a ciência que estuda as condições pelas quais um signo gera outro, e especialmente um pensamento dá origem a outro. (CP 1.444)

O Capítulo II tem como título "A Teoria da Investigação" e foi dividido em cinco itens.

O primeiro item do Capítulo II explica em linhas gerais a concepção peirceana de ciência como um processo sócio-histórico de investigação, subentendendo uma comunidade de pesquisadores que, num determinado tempo, com unidade de propósito, torna o resultado da investigação mais do uma simples somatória de resultados individuais.

O segundo item do Capítulo II, se refere à questão do método, discutindo a visão anti-cartesiana de Peirce, sua rejeição à tradição fundacionalista e oposição às idéias de certeza e verdade absolutas. A análise destes pontos é feita a partir dos textos conhecidos como a "série da cognição":

1. Questões Referentes a Certas Faculdades Reivindicadas pelo Homem” (CP 5.213-63),

2. “Algumas Conseqüências das Quatro Incapacidades” (CP 5.264-317)6 e

3. “Fundamentos para a Validade das Leis da Lógica: Outras Conseqüências das Quatro

Incapacidades”. (CP 5.318-57).

A análise das idéias peirceanas sobre o método científico, sobre a concepção de investigação e sobre a teoria dúvida-crença, é feita a partir de uma série de seis artigos denominada "Lógica da Ciência", que são os seguintes:

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1.“Fixação das Crenças” -1877 (CP 5.358-87),

2.“Como Tornar Nossas Idéias Claras” -1878 (CP 5.388-410), 3.“A Doutrina dos Acasos” - 1878 (CP 2.645-60),

4.“A Probabilidade da Indução” -1878 (CP 2.669-93), 5.“A Ordem da Natureza” -1878 (CP 6.395-427) e, 6.“Dedução, Indução e Hipótese” -1878 (CP 2.619-44).7

Estes artigos têm como principal característica a insistência de Peirce quanto à concepção de realidade independente do que pensamos, a apresentação de uma nova abordagem para a justificativa dos métodos de investigação e regras de inferência, e a distinção entre observação e raciocínio como ênfase para o teste das hipóteses.

A evolução dos conceitos peirceanos a partir das inferências para tipos de raciocínio e finalmente para estágios da investigação também é discutida neste capítulo. Sua análise se baseia principalmente no texto "Tempo de Colheita", do livro A Assinatura das coisas de M. Lúcia Santaella.

Resumidamente, se pode dizer que no início de seus trabalhos, Peirce considerava que todas as formas de inferência poderiam ser reduzidas ao silogismo Bárbara (CP 2.620), mas a noção peirceana de inferência evoluiu, e as inferências passaram a ser três tipos distintos e irredutíveis dos argumentos ou raciocínio.8 Inicialmente, Peirce incluía a analogia como o quarto tipo de raciocínio, mas posteriormente acabou reconhecendo que a analogia combina as características da indução e da retrodução. (CP 1.65)

Ainda dentro do Capítulo II, são apresentadas as principais idéias peirceanas que caracterizam cada um dos três estágios da investigação. A abdução, a primeira etapa, é o processo de geração de hipóteses. A dedução, que é a segunda etapa, consiste em traçar imaginariamente todas as conseqüências necessárias que se seguem à adoção da hipótese. A terceira etapa, que é a indução, consiste em testar a hipótese e suas predições dedutivas, comparando-se os resultados experimentais obtidos com as predições originais.

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O item 5 do Capítulo II discute a lógica da investigação, vista como um ciclo abdução/ dedução/indução. Quando fatos surpreendentes que são observados, ou diferenças entre as previsões e os resultados obrigam a reformulação da hipótese original ou ao seu abandono ou a conseqüente formulação de hipóteses inteiramente novas, então se reinicia o ciclo como nova abdução/dedução/indução/nova abdução...Toda a idéia da investigação, no contexto da metodêutica, é mostrar como se encadeia este ciclo de abdução/dedução/indução/nova abdução...

O capítulo Conclusões faz uma junção de todos os pontos discutidos anteriormente, procurando mostrar como questões fundamentais da teoria peirceana (a concepção de ciência, de verdade, evolucionismo, teoria da realidade, idealismo objetivo, as categorias, o inter-relacionamento das ciências normativas) estão implicadas na Teoria da Investigação. A partir desta análise procura-se mostrar qual seria o “summum bonum” da investigação. A investigação, mesmo sendo lógica, ainda assim ela implica numa escolha ética, e numa busca do fim último admirável.

***

As obras de Peirce são citadas obedecendo às abreviações comumente aceitas entre os estudiosos.

CP Collected Papers

HP Historical Perspectives on Peirce’s Logic of Science. MS Manuscritos da Houghton Library Harvard University

N Charles Sanders Peirce: Contributions to The Nation.

NEM The New Elements of Mathematics

PW The Correspondence between Charles S.Peirce and Victoria Lady Welby.

W Writings of Charles S.Peirce.

SL Studies in Logic by Members of John Hopkins University

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Capítulo I - FUNDAMENTOS DA SEMIÓTICA PEIRCEANA

1. Introdução:

"Dada a pergunta: Em que medida é admissível existir aparência no mundo moral?, a resposta deve ser sumária: na medida em que a aparência for estética, isto é, uma aparência que não quer passar por realidade e tampouco quer que esta a substitua.”

(SCHILLER, 1991:140)

Os primeiros contatos de Peirce com a filosofia deram-se na adolescência com a Lógica de Whateley, e mais tarde através das cartas de Schiller e das obras de Kant, de quem ele saberia de cor a Crítica da Razão Pura. (CP 1.44)

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Peirce é um filósofo sistêmico e sua filosofia busca respostas harmônicas para uma série de questões entre as quais o estatuto do cosmos, a questão da temporalidade, a questão do conhecimento, a questão da crença e da dúvida, a questão da interioridade e exterioridade, a dicotomia sujeito-objeto, as condições de possibilidade do pensamento, do real, do imaginário.

Peirce levou para a Filosofia o espírito da investigação científica, assumindo que as disciplinas filosóficas são ou podem se tornar também ciências. Para tal, propôs aplicar na Filosofia, com as devidas modificações os métodos de observação, hipótese e experimentos que são praticados nas ciências. Para Peirce, o caminho para a Filosofia deveria ser feito através da Lógica, isto é, através da Lógica da ciência. “Peirce era uma espécie de filósofo que era, em primeiro lugar um cientista e uma espécie de cientista que era em primeiro lugar, um lógico da ciência.” (FISCH, apud SANTAELLA, 1985:26) 9.

Portanto, sendo antes de tudo um cientista, seu interesse em Lógica era primeiramente um interesse na Lógica das ciências e, entender a Lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus métodos de raciocínio.

Durante 60 anos de sua vida Peirce lutou pelo reconhecimento da Lógica como ciência. Segundo Santaella, tudo o que Peirce fez, todas as atividades científicas que praticou tinham a Lógica como mira, e, ao se aprofundar no estudo da Lógica, acabou se deparando com sua insuficiência ou incompletude. “Esta incompletude está no cerne de sua concepção de signo. Todo signo, por fatalidade congênita, está destinado a ser incompleto” (SANTAELLA, 1994:155).

Mas à medida que constatava a incompletude da Lógica, Peirce trouxe a Estética e a Ética para ajudá-lo naquelas tarefas teóricas que a Semiótica não podia realizar por si mesma. Primeiramente Peirce concebeu a Lógica propriamente dita como sendo um ramo da Semiótica. Mais tarde concebeu uma concepção mais ampla da Lógica. Mas do fato de que todo raciocínio e todo pensamento se dá em signos, não havendo pensamento ou raciocínio

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possível sem signos, a Semiótica, como estudo de todos os tipos possíveis de signos, nasceu como uma conseqüência natural das descobertas peirceanas em Lógica.

Fazendo uma divisão cronológica na obra de Peirce, podemos distinguir segundo Murphey10,quatro fases :

1. a primeira, englobando os primeiros escritos e tendo sofrido grande influência da lógica kantiana, iria de 1857 até 1865-66.

2. a segunda, que começaria com a descoberta da irredutibilidade das três figuras silogísticas, pode ser estendida até 1869-70.

3. a terceira, que inaugura a descoberta da lógica dos relativos, continuaria até 1889. 4. a quarta, que começa com a descoberta da quantificação e a teoria dos conjuntos

continuaria até a morte de Peirce. Estas fases não devem ser tomadas como sistemas distintos e sim como diferentes revisões dentro de um único sistema arquitetônico.

A partir de 1900, Lógica e Semiótica se tornaram sinônimos para Peirce11:

A Lógica não é senão outro nome para a Semiótica (PEIRCE, CP 2.227). A Lógica será definida aqui como Semiótica formal. Uma definição de signo será dada que não tem nenhuma referência ao pensamento humano, não mais do que teria a definição de uma linha como o lugar que uma partícula ocupa, parte por parte, durante um lapso de tempo (PEIRCE, NEM 4:20).

A Lógica, em sentido geral, é, como entendo haver demonstrado, apenas outra denominação da Semiótica, a quase necessária ou formal doutrina dos signos (PEIRCE, CP 2.227).

Segundo Santaella, a Semiótica está colocada bem no coração do conjunto da obra de Peirce. A Semiótica peirceana não é uma ciência teórica nem uma ciência aplicada, é uma ciência formal e abstrata, num nível de generalidade ímpar.12 À medida que harmonizava as Ciências Normativas, a concepção de Lógica de Peirce foi adquirindo contornos mais amplos, podendo-se distinguir para ela dois sentidos:

10 M Muphey, (1993) The Development of Peirce's Philosophy. p. 3. Por outro lado Houser, na Introdução de The Essential Peirce, aponta outras divisões cronológicas da obra de Peirce, tais como a de Max Fisch e Deledalle, p.xxiii

11C.S Peirce,(1972) Semiótica e Filosofia, p. 93, L. Santaella, (1992) op. cit. p.49 e B. Serson (1996) Introdução à Semiótica de C. S. Peirce, p. 17-18.

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No sentido mais estreito, é a ciência das condições necessárias para se atingir a verdade. No sentido mais amplo, é a ciência das leis necessárias do pensamento, ou melhor (o pensamento sempre ocorrendo por meio de signos), é Semiótica geral que trata não apenas da verdade, mas também das condições gerais dos signos... também das leis de evolução do pensamento, que coincide com o estudo das condições necessárias para a transmissão de significado de uma mente a outra, e de um estado mental a outro (PEIRCE, CP 1.444).

Na última década de sua vida, Peirce estava trabalhando num livro que se chamaria “Um sistema de Lógica, considerada como Semiótica”.13

2. O lugar da Semiótica na filosofia peirceana

.

Embora Peirce considerasse toda e qualquer produção, realização e expressão humana como sendo uma questão semiótica, a Semiótica é apenas uma parte do seu conjunto filosófico, que, por sua vez, é também parte de um sistema ainda maior, “um gigantesco corpo teórico”, o que pode ser percebido através da análise de seu diagrama de classificação das ciências.

Antes de iniciar a análise do diagrama das ciências, é interessante ressaltar que a concepção de ciência de Peirce é bastante diferente dos seus contemporâneos.

A concepção de ciência de Peirce tem grande abertura, permitindo as liberdades de criação e descoberta, e “não há nada mais deliberada e naturalmente liberal do que a concepção peirceana das ciências” (SANTAELLA, 1992:29). “Distender o arco na direção da verdade, com atenção no olhar, com energia no braço” (PEIRCE. CP 1.235)

Para Peirce, a finalidade da ciência seria aprender a lição que o universo tem a ensinar. Ciência, portanto, não se confunde com conhecimento acumulado.

Cientista, para Peirce, será aquele movido pela sede da verdade. (CP 7.609) A ciência é “um modo de vida”, a vida dedicada à busca do conhecimento e devoção à verdade, não a

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verdade como cada um a vê, mas a devoção à verdade que não se é ainda capaz de ver, mas se está lutando para obter. 14

Não é o conhecimento, mas o amor ao conhecimento que caracteriza o cientista. (CP 1.44) Espírito científico é aquele que aprende com a experiência. Os “genuínos homens da

ciência“ são aqueles movidos pelo desejo efetivo e sincero de aprender.

A vida da ciência consiste no desejo de aprender. Se este desejo não é puro, mas está misturado com o desejo de provar a verdade de uma opinião definitiva ou de um modo geral de conceber as coisas, ele vai inevitavelmente levar à adoção de um método errôneo (...) (PEIRCE, CP 1.235).15

Peirce desenvolveu um diagrama das ciências, no qual divide as ciências em ciências da descoberta, ciências da digestão e ciências aplicadas (CP 1.180 e CP 1.203-83).

As ciências da descoberta, das quais a Semiótica faz parte, serão privilegiadas neste trabalho. Elas se dividem em três grandes classes:

1. Matemática, 2. Filosofia e, 3. Ciências Especiais.

Segundo este diagrama, quanto mais abstrata for a ciência, mais ela será capaz de fornecer princípios para as menos abstratas. É por isso que o diagrama da classificação é um esquema similar a uma escada de degraus, onde cada degrau é, ele mesmo uma escada de degraus” (SANTAELLA, 1992: 120).

A classificação das ciências de Peirce não é um esquema linear, mas uma série de escadas relacionadas numa forma tri-dimensional, de forma a exibir as relações de dependência entre as ciências. É baseada na lógica dos relativos e na forma diagramática de pensamento, mostrando os efeitos concebíveis de uma ciência, ou em outras palavras. seu

14C. Eisele (1987) Historical Perspectives on Peirce's Logic of Science p. 804 e L.Santaella, (1992) op.cit. p.108.

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significado pragmático, que segundo Peirce seria uma das formas mais completas de se entender uma ciência. 16

Sendo as ciências interdependentes, este diagrama mostra os princípios de sua interdependência. A classificação das ciências de Peirce, segundo Santaella (1992:28), explicita as relações de interdependência de uma ciência para com as outras, indicando os escalonamentos em níveis de abstração através dos quais as ciências mais abstratas funcionam como fundamentação para as menos abstratas, na medida em que é das mais abstratas que as mais concretas tomam emprestados seus princípios, ao mesmo tempo em que é com dados fornecidos pelas ciências menos abstratas que as ciências mais gerais se abastecem.

A classificação das Ciências não é um sistema fixo e rígido porque está sempre em evolução. Sua imagem é de um continuum tridimensional, onde pontos poderiam ser acrescentados ou tirados em qualquer localização.17

Peirce reconhecia que as ciências não podiam ser rigidamente definidas; suas linhas de demarcação não tinham grande importância, de forma que novas ciências pudessem emergir, ou aquelas que se tornassem obsoletas poderiam ser retiradas do diagrama. O importante é que a classificação deveria ser capaz de incorporar estas mudanças.

Fundamental para Peirce era a ordenação das ciências com relação às categorias. Existe dentro de sua classificação uma lógica ternária e os números 1,2,3 indicam não somente a ordem, mas são indicadores de um conteúdo lógico-relacional, de tal forma que, onde o número 1 estiver, há relação com a primeira categoria, a Primeiridade, que é a categoria da qualidade, sentimento, acaso, indeterminação. O número 2 indica relação com a segunda categoria, a Segundidade, que é a categoria do existente, da ação, do aqui e agora, da dualidade. O número 3 está relacionado com a terceira categoria, a Terceiridade, que é a categoria da continuidade, da lei, da generalidade, do crescimento e da evolução.

Para Peirce, todas as ciências são observacionais, a diferença entre elas reside no modo de observação empregado em cada uma delas. 18

16B. Kent (1987) op. cit. p. 47,139, 141-139

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No diagrama peirceano, a Matemática é a ciência mais genérica e abstrata e não depende de nenhuma outra ciência (CP 1.53). No entanto todas as outras ciências dependem da Matemática, seja implícita ou explicitamente, já que os problemas matemáticos aparecem em todas as ciências e na vida quotidiana, pois sempre temos que estabelecer conseqüências de estados gerais de coisas. Conseqüentemente, todas as ciências têm um conteúdo matemático, ou algum ramo para o qual a Matemática é chamada.19

A Matemática é a grande ciência do geral, da generalidade. A Matemática constrói relações possíveis dentro de uma sintaxe, com a qual é coerente sem se preocupar com a realidade. As estruturas matemáticas não necessitam ter aplicação. Para Peirce, as verdades matemáticas são verdades necessárias, isto é, a Matemática chega a conclusões derivadas necessariamente de suas premissas. (CP 1.633)

A Matemática é uma ciência que constrói seus objetos na forma de hipóteses, e delas extrai conseqüências necessárias, sem lidar, contudo, com questões de fato. (CP 4.232)20

Embora a necessidade teórica esteja relacionada às conclusões matemáticas, isto não significa infalibilidade.

Certamente, acredito que a certeza da Matemática pura e de todo raciocínio necessário se deve à circunstância de que ela se relaciona com objetos que são as criações de nossos próprios espíritos... (PEIRCE, CP 5.166).

Ao mesmo tempo a Matemática requer “certo vigor do pensamento, o poder de concentração da atenção de forma a manter na mente uma imagem altamente complexa.” (CP 2.81)

No texto "Reason's Conscience"21, Peirce explica que o matemático não se fia em nada, ele simplesmente estabelece o que é evidente e mostra as circunstâncias que tornam isto evidente.

18 C.Eisele (1985) "Laws of Nature" op.cit. p.851.

19 idem p.881.

20 ver I. Ibri (1992).Kosmos Noetós: Arquitetura Metafísica de Charles S. Peirce. p 3 e S. Rosenthal, (1994) Charles Peirce's Pragmatic Pluralism, p. 21-25

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A Matemática não é uma ciência positiva pois “constrói no seu interior as hipóteses com as quais opera, independente do universo dos fatos”. As teorias matemáticas são meras possibilidades. (CP 1.248) O falso e verdadeiro na Matemática tem a ver somente com suas próprias regras e não com o mundo. “As hipóteses da matemática pura são puramente ideais na intenção, e seu interesse é puramente intelectual” (PEIRCE, CP 5.126).

A Matemática não necessita suporte experimental para suas conclusões, que são baseadas em coisas hipotéticas. A Matemática parte “de uma hipótese, cuja verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio; e naturalmente, suas conclusões são igualmente ideais” (CP 2.145). Isto não significa, entretanto, que não dependa da observação (CP 3.427).

Em outra passagem do texto "Reason's Conscience", Peirce observa que o interesse do matemático se concentra na forma das conclusões necessárias e tudo aquilo que não está relacionado com as conclusões necessárias, inclusive as relações, é considerado pelo matemático como estranho à matemática. Somente algumas poucas relações entre os indivíduos do universo imaginário do matemático são consideradas, somente as que levam à conclusão necessária, sem o que não terão para ele nenhum interesse.22

A Matemática está engajada em descobertas. A descoberta ocorre através da observação de um diagrama geométrico ou uma disposição de símbolos algébricos, representando os elementos formais do universo descrito na medida em que há regularidades. 23 A Tarefa do matemático é a de moldar uma hipótese arbitrária e a partir dela deduzir as conseqüências necessárias através do raciocínio diagramático. (CP 1.443) A natureza diagramática do raciocínio matemático foi descrita por Peirce como a sua primeira descoberta real a respeito de procedimentos matemáticos24.(CP 2.778)

A primeira coisa que descobri foi que todo raciocínio matemático é diagramático e que todo raciocínio necessário é matemático, não importa quão simples ele possa ser. Por raciocínio diagramático, quero significar raciocínio que constrói um diagrama de acordo com um preceito expresso em

22idem p. 849, Tradução nossa, a citação completa original é a seguinte:: “Now the mathematician's whole interest is in the forms of necessary conclusions; and whatever does not concern them is regarded by him as foreing to mathematics, it is the same in regard to relations. Only a few relations between the individuals of his imaginary universe are noticed at all by the mathematician , and as to those few, what he cares for is the presence (or absence) of an unbroken rule as to the identity of objects in different sets of objects between which the relation subsists. If there is no such rule, which might serve as the means of drawing some necessary conclusion, he will regard the relation as having no mathematical interest.” 23 B.Kent (1987) op. cit. p. 147 e Santaella (1992) op. cit. p. 119.

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termos gerais, realiza experimentos sobre esse diagrama, nota seus resultados e os expressa em termos gerais. Esta foi uma descoberta de importância, mostrando tal como ela o faz, que todo conhecimento vem da observação. (NEM 4:47)25

Existe outro elemento importante da Matemática, no seu elemento dedutivo e necessário, pois é a ciência das conclusões exatas a partir de hipóteses. Suas demonstrações tem uma infalibilidade teórica, e quando submetidas à crítica matemática adequada, não podem ser geralmente postas em dúvida.

O procedimento do matemático é primeiro, afirmar sua hipótese em termos gerais; segundo, construir um diagrama, seja um arranjo de letras e símbolos com o qual "regras" convencionais ou permissões de transformação estejam associadas, seja uma figura geométrica, a qual não apenas lhe dá segurança contra confusões em relação a todo e alguns, mas também coloca um ícone diante dele de cuja observação será detectadas relações entre as partes do diagrama diferentes daquelas que foram usadas na sua construção. Esta observação é o terceiro passo. O quarto passo reside em assegurar a si próprio que a relação observada seria encontrada em toda representação icônica da hipótese. O quinto e último passo está na afirmação do assunto em termos gerais. (PEIRCE, NEM 3:749)

No entanto, como uma ciência heurística, as descobertas da matemática ocorrem através da observação de diagramas. Para desenvolver e descobrir relações, os matemáticos utilizam as regras gerais de seus postulados. Sendo puramente hipotética, todo o seu raciocínio é dedutivo e definitivo, pois cada etapa do raciocínio matemático consiste na aplicação de uma regra, daí suas conclusões serem uniformemente universais, isto é, quando estabelecidas de forma abstrata e generalizada, devem ser aplicáveis a quaisquer diagramas construídos de acordo com os mesmos preceitos. (CP 5.147-148). 26

Dentro do diagrama das ciências de Peirce, a ciência que ocupa o segundo lugar é a Filosofia.

A segunda classe é a Filosofia, que lida com verdades positivas, pois de fato, satisfaz-se com observações tais como as que são pertinentes à experiência normal e diária de todo homem, e nas mais das vezes, em toda hora consciente de sua vida (PEIRCE, CP 1.241)

A Filosofia tem apenas a Matemática como ciência mais abstrata. Dela retira seus princípios. Enquanto a Matemática estuda aquilo que é logicamente possível, a Filosofia como

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ciência tem como função descobrir “o que é realmente verdadeiro, limitando-se, porém, à verdade que pode ser inferida da experiência comum que está aberta a todo ser humano a qualquer tempo e hora” (SANTAELLA, 1994:113).

A Filosofia peirceana é uma filosofia científica, que também deve empregar métodos de observação, hipótese e experimento como qualquer outra ciência. A Filosofia tem um caráter observacional porque visa examinar e compreender tudo o que se oferece à nossa experiência.27

Já expliquei que, por Filosofia, entendo aquele departamento da Ciência Positiva, ou Ciência do Fato, que não se ocupa em reunir fatos, mas simplesmente com aprender o que pode ser aprendido com essa experiência que nos acossa a cada um de nós diariamente e a todo o momento. (PEIRCE, CP 5.120)

Para Peirce, as questões relativas às leis da natureza ou à classe geral de regularidades da natureza também são questões filosóficas. Por outro lado, fica difícil trazer nossa atenção para aqueles elementos continuamente presentes na nossa experiência, podemos apenas contrastá-las com estados imaginários de coisas, o que torna a observação filosófica bastante difícil.28 A Filosofia tem três grandes divisões:

1. Fenomenologia 2. Ciências Normativas 3. Metafísica.

A Fenomenologia tem por função fornecer o fundamento observacional para as outras disciplinas.29

A Fenomenologia trata das Qualidades universais dos Fenômenos em seu caráter fenomenal imediato, neles mesmos como fenômenos. Destarte trata dos Fenômenos em sua Primeiridade. (PEIRCE, CP 5.122)

Para melhor entender a idéia peirceana de Fenomenologia, seria necessário esclarecer o que Peirce entendia por fenômeno (“faneron”). (CP 1.280-7 e CP 1.186) Para Peirce fenômeno é

26 Ver B. Kent (1987) op. cit. p. 142, I. Ibri (1992) op.cit. p.2/3 e L. Santaella (1992) op.cit. p 118.

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tudo o que está diante de nossa mente, pode ser um sonho, uma sensação, pode ser uma presença física ou pensamento, não se restringindo a algo "que se pode sentir, perceber, inferir, lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordem-espaço temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o „mundo real‟.”(SANTAELLA, 1995:16)

A Fenomenologia não é uma ciência da realidade, nada diz sobre o que é, nem sobre o que deve ser; apenas constata e classifica os fenômenos, ficando restrita às suas aparências. Peirce sempre enfatizou que a Fenomenologia necessita utilizar o raciocínio dedutivo da Matemática, embora ela não faça nenhuma tentativa de determinar se o que está investigando corresponde a algo real. (CP 1.284).

Para Peirce, a observação fenomenológica não requer habilidades especiais (CP 5.41), ela requer em primeiro lugar apenas uma “capacidade de ver o que está diante dos olhos, tal como se apresenta sem qualquer interpretação”, em segundo lugar dar atenção aos aspectos de incidência notável e, finalmente ter capacidade de generalizar, ou seja, torná-lo geral e pertinente a todo fenômeno. Resumindo: “ver, atentar para, generalizar”. A simplicidade destas idéias caracteriza um dos traços mais importantes da filosofia peirceana: “o cotidiano, o imediatamente experienciável, o senso comum.”(IBRI, 1992: 6)

A Fenomenologia constitui a base fundamental de toda a filosofia peirceana. Para Peirce, a primeira instância de um trabalho filosófico é a fenomenologia, sendo a criação das categorias, uma das funções do filósofo.

A Fenomenologia ou doutrina das categorias tem por função desenredar a emaranhada meada daquilo que, em qualquer sentido, aparece, ou seja, fazer a análise de todas as experiências é a primeira tarefa a que a filosofia tem de se submeter. Ela é a mais difícil de suas tarefas, exigindo poderes muito peculiares de pensamento e habilidade de agarrar nuvens, vastas e intangíveis, organizá-las em disposição ordenada, recolocá-las em processo. (PEIRCE, CP 1.288).

Assim, a Fenomenologia, como base fundamental para qualquer ciência, observa os fenômenos, analisa-os e postula as formas ou propriedades universais desses fenômenos

.

É através da Fenomenologia que se chega às categorias peirceanas: a Primeiridade, Segundidade

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e Terceiridade. (CP 5.43, CP 1.357). Os fenômenos aparecem primeiro como liberdade, em segundo como alteridade e, em terceiro, como ordem.

Insatisfeito com as categorias aristotélicas e as kantianas, que considerava não formais e universais, Peirce dedicou grande parte de sua existência à elaboração, aperfeiçoamento e ampliação das suas categorias universais. Depois de muitos anos de estudo Peirce chegou à conclusão de que só há três e não mais do que três categorias, que são pontos para os quais todos os fenômenos tendem a convergir: Primeiridade, Segundidade e Terceiridade ou Acaso, Existência, Lei.

As categorias correspondem aos três modos de ser e aparecer. A Primeiridade é um modo de qualidade, que na interioridade corresponde à unidade e na exterioridade à diversidade. A Segundidade corresponde ao modo de reação, que na interioridade corresponde aos fatos do passado e na exterioridade ao não-eu. A Terceiridade corresponde ao modo de ordem, que na interioridade se refere à permanência e na exterioridade à regularidade.30

Algo considerado em si mesmo é uma unidade. Algo considerado como um correlato ou dependente ou como um efeito, é segundo em relação a alguma outra coisa. Algo que, de algum modo, traz alguma coisa; para uma relação com outra é um terceiro ou meio entre as duas. (PEIRCE, MS 1660).31

A Primeiridade (CP 1.300-316) está ligada às idéias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, presentidade, imediaticidade, mônada.

A Segundidade (CP 1.317-336) está ligada às idéias de força bruta, dualidade, ação e reação, conflito, aqui e agora, esforço e resistência, díada.

A Terceiridade (CP 1.337-349) está ligada às idéias de generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada. É justamente a terceira categoria que vai corresponder à definição de signo genuíno como um processo relacional entre três termos

30I. Ibri, (1996 b) “Introdução à Filosofia Kósmos e Psyché”, curso ministrado no espaço Solaris, anotações em aula. 31 Traduzido por L. Santaella, (1993b) A Percepção - uma teoria semiótica, p. 36. Ver N.Houser (1992) "Trichotomic" in

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(signo, objeto, interpretante), sendo próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que Peirce definiu como semiose.32

A segunda divisão da Filosofia se refere às Ciências Normativas, que investigam “as leis universais e necessárias da relação com os Fenômenos com os Fins, ou seja, talvez, com a Verdade, o Direito e a Beleza” (CP 5.121).

As Ciências Normativas são assim chamadas porque tem como função compreender os fins, normas e ideais que regem o sentimento, a conduta e o pensamento humanos. As Ciências Normativas tratam das leis da relação dos fenômenos com os fins, isto é, tratam dos fenômenos em sua segundidade. (CP 5.123) A tarefa das Ciências Normativas é descobrir como Sentimento, Conduta e Pensamento devem ser controlados, supondo-se que estejam sujeitos “numa certa medida”, e apenas em certa medida, ao autocontrole, “exercido por meio da autocrítica e a formação propositada de hábitos, tal como o senso-comum nos diz que eles, até certo ponto, são controláveis” (MS 655:24) 33.

As Ciências Normativas não estudam os fenômenos como aparecem, porque esta é a função da Fenomenologia, mas sim em que medida eles agem sobre os homens e os homens sobre eles. “Normativo é, assim, o estudo do que deve ser; o que exclui de seu campo tanto a compulsão incontrolada, quanto o determinismo rígido.”(SANTAELLA, 1994:120).

As Ciências Normativas são constituídas por proposições provisórias e não por crenças ou modos de ação. (CP 1.635). É a ciência que estuda o que deveria (CP 1.281) e não o que precisa ser. (CP 2.156)

Para Peirce, as Ciências Normativas teriam como tarefa o exame de leis de conformidade das coisas aos fins, estudando o que deve ser, estudam os ideais, sendo, portanto puramente teóricas e positivas. As Ciências Normativas tratam dos fenômenos em sua Segundidade. “Uma Ciência Normativa é aquela que estuda o que deve ser.“ (SANTAELLA, 1994:120). A Ciência Normativa não é uma prática, nem uma investigação conduzida com vistas à produção de uma prática. (PEIRCE, CP 5.125)

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Segundo Peirce, as Ciências Normativas tem três características (CP 5.126):

1. a primeira se refere a que as hipóteses, das quais procedem as deduções da ciência normativa, obedecem ao “intuito de conformar-se” à verdade positiva do fato;

2. a segunda é que o raciocínio das Ciências Normativas não é puramente dedutivo como o das matemáticas. Suas “análises peculiares dos fenômenos”, análises que se deveriam pautar pelos fatos da fenomenologia de um modo pelo qual a Matemática não se pauta, separam as Ciências Normativas da Matemática de forma bastante radical; e

3. a terceira é de que existe nas Ciências Normativa um elemento íntimo e essencial que são suas apreciações peculiares, relacionadas à conformidade dos fenômenos com fins que não são imanentes nesses fenômenos.

As Ciências Normativas se dividem em: 1. Estética

2. Ética

3. Lógica ou Semiótica. (CP1. 191):

A Estética considera aquelas coisas cujos fins devem incorporar qualidades do sentir, enquanto que a Ética considera aquelas coisas cujos fins residem na ação e a Lógica, aquelas coisas cujo fim é o de representar alguma coisa. (PEIRCE, CP 5.129).

As inter-relações entre a Estética, que é a ciência do que é admirável em si, sem qualquer razão ulterior, a Ética, que é a ciência da conduta auto-controlada e deliberada e a Lógica, como a ciência do pensamento auto-controlado deliberado (CP 1.191) serão aprofundadas no item 3.

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SANTAELLA, 1985:39) O real é aquilo que não é o que eventualmente dele pensamos, mas que permanece não afetado pelo que possamos dele pensar (PEIRCE, CP 8.12). Essa definição deixa clara porque a Metafísica comparece como resultante e não como antecedente de toda a sua filosofia peirceana.

A Metafísica peirceana se fundamenta na conduta humana diante do mundo, nos “tipos de fenômenos com os quais a experiência do homem está tão saturada que ele, usualmente, não lhes dá atenção particular” (CP 6.2)35 .

A Metafísica consiste no resultado da aceitação absoluta dos princípios lógicos, não meramente como regulativamente válidos, mas como verdades do ser (PEIRCE, CP 1.487).

A Metafísica relaciona-se com a categoria da Terceiridade pelo seu caráter generalizador

(CP 1.501). Mas ao se afirmar que a Metafísica trata as coisas como elas são, deve-se ter em mente que tais afirmações tenham passado antes pela Lógica para a constatação de que sejam verdadeiras (CP 1.550, 2.37, 3.454).

Finalmente, a terceira grande classe das ciências são as ciências especiais.36 Enquanto as observações da Filosofia se voltam para os fenômenos que são comuns, familiares a todos, as ciências especiais descobrem novos fenômenos.

Já as ciências especiais, que cobrem todas as ciências específicas existentes e por existir, através de treinamento especial, instrumentos especiais, ou circunstâncias especiais, investigam eventos particulares passíveis de experiência e inferem a verdade que é usualmente apenas plausível, mas não obstante passível de teste (SANTAELLA, 1992:141).

Para Peirce, nas ciências especiais os fatos são confrontados com as teorias, porque é objeto destas ciências conectar os fenômenos especiais que elas descobrem com as experiências gerais derivadas de outras fontes (CP 8.113)37.

34Há diversas passagens que tratam da noção de real: CP 1.578, 3,161, 5.405, 5.408, 5.503, 6.495, 7.339, 8.12. A este

respeito ver J. Smith, (1983), "Community and Reality", The Relevance of Charles Peirce, p.39/41 e S.Rosenthal (1994)

op. cit. 2/3.

35 I. Ibri (1992) op.cit. p.24; B. Kent (1985) op.cit. p.181/184. 36 B. Kent (1985) op.cit. p.184/191.

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As Ciências Especiais apelam para a Lógica, como também nas questões mais gerais e abstratas requerem as concepções da Metafísica. Para Peirce, aqueles que negligenciam a filosofia também fazem uso de teorias metafísicas tanto quanto os outros, só que “rudes, falsas e mundanas”. Há aqueles que acham que escapam dos erros metafísicos se não derem atenção à metafísica, mas desde que todas as pessoas devem ter concepções das coisas em geral, é muito importante que estas sejam cuidadosamente examinadas(CP 7.579).

Também a Matemática é grande fonte de princípios para as Ciências Especiais, mesmo que não dependam diretamente da Matemática, dela recebem princípios no que se refere a rigor científico.38

Peirce dividiu as Ciências Especiais em físicas (em cujas bases estão ações dinâmicas) e psíquicas (em cujas bases estão ações signicas). As ciências físicas se“caracterizam como as ciências das coisas como tal” incluem a Física, Astronomia, Química, Biologia, Geologia, etc. As ciências psíquicas são “as ciências das coisas governadas pelo intelecto. O termo psíquico não deve ser, portanto, tomado num sentido restrito, mas como sinônimo de vida inteligente” (SANTAELLA, 1992:142). As ciências psíquicas englobam a Psicologia, Psicanálise, Lingüistica, História, Crítica da Arte, Literatura, etc.

Mas esta divisão das ciências especiais não se baseou somente nas diferenças entre seus objetos, porque Peirce acreditava que a natureza do objeto está sempre em mutação. Estas diferenças se baseiam nas orientações básicas que o cientista adota, correspondendo a tipos intelectuais de cientistas muito distintos: “se a orientação dirige-se primariamente para a causação eficiente, então a ciência é física, se ela está direcionada para a causação final, então é psíquica” (SANTAELLA, 1992:145). Isso não impede que conceitos semióticos sejam usados nas ciências físicas, assim como há conceitos físicos que são usados nas ciências psíquicas.

As ciências especiais lidam com fenômenos particulares. Enquanto as ciências físicas estudam o universo material e os fenômenos tal como eles ocorrem, as psíquicas investigam os processos e produtos de mentes humanas e outras inteligências.

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Embora sua tarefa seja descobrir fenômenos previamente desconhecidos, as ciências especiais "lidam com o existente, tanto no seu nível dinâmico (Segundidade), quanto no seu nível de generalidade ou tendencialidade (Terceiridade” (SANTAELLA, 1992:148).

3. O inter-relacionamento das Ciências Normativas: a Estética, a Ética e a

Lógica ou Semiótica.

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Este item pretende analisar resumidamente os principais pontos que levam ao entendimento das inter-relações das Ciências Normativas. Como é que se inter-relacionam a Estética, Ética e a Lógica?40 Como é que a condição do bem ético condiciona por sua vez o bem lógico e como é que o bem estético condiciona o bem ético?

Nas considerações de Peirce sobre as Ciências Normativas estão inter-relacionados o seu pragmatismo, as suas categorias e sua teoria da evolução cósmica. Em suma, Peirce retoma de um lado o tema platônico o Belo, o Bom e o Verdadeiro e de outro, o tema das três Críticas de Kant.

Para o desenvolvimento deste capítulo podem-se destacar três textos de Peirce: “Os três Tipos de Bem”(CP 5.120-150), “O que é Pragmatismo?”(CP 5.411-437)41, e “Ideais da Conduta”.(CP 1.591-615).

No texto “Os Três Tipos de Bem”, Peirce ao colocar os problemas da Estética, da Ética e da Lógica, aponta para alguns vetores da interdependência entre Verdade, Virtude e Beleza, isto é, as razões pelas quais o Belo se torna admirável.

No texto “O que é Pragmatismo?”, Peirce explica como a Lógica depende da Ética, isto é, como o significado de um conceito tem influência sobre a conduta. A Ética como ciência geral da conduta está sob a Segundidade na sua dualidade entre conduta e fins da conduta. Mas é a conduta que revela a conseqüência prática do conceito. Este texto mostra como é que

39Este capítulo é muito importante dentro do contexto do trabalho. o inter-relacionamento entre a Estética, Ética e Lógica ou

Semiótica vai ser retomado posteriormente nas Conclusões.

40 Ver B. Kent (1985) op.cit. 149/174.

41Os textos "Os Três Tipos de Bem" e "O que é Pragmatismo" foram publicados em C.S. Peirce, (1990) op.cit. p 197-209 e

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se dá a ação, que é Segundidade como reflexo do plano de conduta, a relação entre o autocontrole da lei, o autocontrole lógico e o autocontrole ético ou autocontrole da conduta.

“Ideais da Conduta” mostra como o Belo da Primeiridade pode estar contido no interior da inteligência, porque o Belo admirável implica juízo e emana de um sistema, envolvendo uma forma de propósito. Este texto mostra a Ética, como o vínculo entre a Estética e a Lógica.

Inicialmente é necessário entender a verdadeira natureza das Ciências Normativas, evitando concepções errôneas, como alerta Peirce. Segundo ele, o principal, senão o único problema da Ciência Normativa é dizer aquilo que é bom e aquilo que é mau, logicamente, eticamente e esteticamente; ou seja, qual grau de excelência atinge uma dada descrição dos fenômenos (CP 5.127).

A Estética peirceana é uma ciência, enquanto que o Belo é um traço real do mundo. Numa visão mais estreita o Belo, ou a Estética seriam concebidos como sendo exclusivamente relativo ao gosto humano, mas Estética não pode ser confundida com teoria da arte. Peirce faz uma clara distinção entre sensibilidade artística, apreciação estética e estudo científico do Belo.

Portanto, faz sentido buscarmos a caracterização do que seja verdade estética como o limite de uma investigação indefinidamente controlada. Por outro lado, a Ética também não pode se confundir com a moral, com o certo e errado, como também não se pode dizer que a Lógica lidaria apenas com o raciocínio humano.

Para Peirce o conceito de “mind” não é predicado exclusivo do ser humano. Pensamento existe na natureza, pensamento também existe nos processos naturais, que são processos intencionalizados, que almejam determinados fins. Este conceito de "mind" como pensamento, como razoabilidade implica sempre em generalização, implica a conduta do particular em função de um sistema, que contribui para um sistema geral, implica em crescimento em aperfeiçoamento, adaptabilidade, ou "amorosidade".

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de Ciência Normativa em quase toda a filosofia madura, relacionando-a exclusivamente com o espírito humano (CP 5.128).

Segundo Peirce, a inclusão da Estética entre as Ciências Normativas é um assunto que alguns lógicos se recusam a reconhecer (CP 5.129), confessando que suas idéias a este respeito estavam menos amadurecidas do que aquelas referentes à inclusão da Lógica como uma Ciência Normativa.

O próprio Peirce chegou a dizer em uma passagem que "era um perfeito ignorante em estética” (CP 5.111), e que não "se sentia autorizado a ter nenhuma opinião segura sobre ela" (CP5. 129), mas acreditava ter “certa capacidade para o prazer estético"(CP 5.133).

Para Parret42, muitos estudiosos e comentadores de Peirce concentram o entendimento da Estética de Peirce em seu status entre as Ciências Normativas, ou na idéia de um julgamento estético e classificação dos fins. No entanto, Peirce quer que a Estética seja uma ciência exata ou empírica, guiada por uma motivação arquitetônica tricotômica (PARRET, 1992).

Além disso, as idéias de Peirce sobre Estética nos mostram como podemos e devemos criticar "o clássico ideal grego do belo, a aproximação cognitivista radical do sentimento estético e uma concepção puramente representativa do signo estético".

Parret (1992) também critica a visão do belo como kalos; ou seja, o fim último como harmonia e integração perfeita, o que Peirce enfatiza não é a perfeição harmônica, mas a ligação do Belo com o admirável, o alvo final do amor criativo, a evolução agaspática.43

Segundo Santaella (1994:13), muitos comentadores alegam que não há uma teoria estética na obra de Peirce. Isto seria um equívoco pois não apenas há uma teoria estética, como também essa teoria tem coerência e relevância para a discussão de questões que estão sendo debatidas contemporaneamente. Segundo a autora, aEstética passou a ocupar um lugar proeminente na arquitetura filosófica de Peirce, a tal ponto que, sem a compreensão aprofundada do papel fundamental por ela desempenhado como alicerce da Ética e, por extensão, da própria Lógica ou Semiótica, não é possível entender o pragmatismo peirceano.

42H. Parret (1992), “Fragmentos peirceanos sobre a experiência estética”, Face-Revista de Semiótica e Comunicação, vol.3,

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Calabrese em "Peirce's Aesthetics From a Structuralistist Point of View"44 faz uma análise das abordagens sobre a Estética peirceana, dividindo-as em duas tradições: a primeira relacionada com crítica de arte e a segunda com a idéia de experiência de beleza.

Segundo Calabrese, há duas correntes:

na primeira alguns comentadores tais como Smith (1972), Zeman (1974) e Deledalle (1979) começam suas análises a partir da classificação dos signos, e chegam à idéia do que é objetivamente admirável, acreditando na existência de um signo estético específico: o objetivamente admirável dependeria de certa propensão de certo fenômeno transformado em signo.

outra corrente como Hocutt (1962), considera o belo como kalos, tentando encontrar um esquema lógico para a experiência estética em Peirce a partir de quatro passos lógicos: 1) o objeto estético é um ícone, 2) o valor do objeto estético depende da harmonia de suas qualidades intrínsecas, 3) o intérprete ou leitor do signo responde a uma emoção ou sentimento e 4) quando a emoção ou sentimento é repetido é chamado de "sentimento de beleza".

O inter-relacionamento das Ciências Normativas pode ser visto ou, categorialmente ou, através da sua posição hierárquica na classificação das ciências ou, com referência à questão pragmática, mas é fundamental que esta análise seja inserida na cosmologia de Peirce.

Do ponto de vista categorial, Estética, Ética e Lógica são governadas pelas três categorias (CP 5.132). Assim a “Estética considera aquelas coisas cujos fins devem incorporar qualidades”, portanto está dentro da Primeiridade. A Ética “considera aquelas coisas cujos fins residem na ação”, portanto está sob a Segundidade e a Lógica considera “aquelas coisas cujo fim é o de representar alguma coisa”, portanto sob a Terceiridade. As três Ciências Normativas correspondem às três categorias, que no seu aspecto psicológico aparecem como Sentimento, Reação e Pensamento (CP 8.256).

43 Ver o texto peirceano "Evolutionary Love" publicado em Houser (1992), op. cit. p.353-371.

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Para Peirce, o que é esteticamente bom deve ser definido na categoria da Primeiridade: a qualidade de sentimento, totalidade, imediatidade, presentidade, ou seja, o bem estético não depende de nada, ele se justifica por si mesmo, é incondicionado.

Um objeto para ser esteticamente bom deve ter um caráter holístico, deve conter a idéia de unidade, deve ter “um sem número de partes de tal forma relacionadas umas com as outras de modo a dar qualidade positiva, simples e imediata, à totalidade dessas partes; e tudo aquilo que o fizer é, nesta medida, esteticamente bom, não importando qual possa ser a qualidade particular do total.” (CP 5.132)

Dessa definição decorre que não existe melhor ou pior em estética, mas tudo o que pode haver são várias qualidades estéticas, isto é, “simples qualidades de totalidade incapazes de corporificação completa nas partes, qualidades estas que podem ser mais determinadas e fortes num caso do que no outro.” (CP 5.132).

A afinidade da Estética com a Primeiridade também poderia ser explicada pela idéia de que pessoas experienciam uma forma estética "simplesmente na sua apresentação" (CP 5.36) e Primeiridade é aquilo que "está presente para o olhar do artista." (CP 5.44). Em outra passagem, Peirce define a Estética como a teoria da formação de hábitos de sentimento. (CP 1.574).

Para Parret45, existe um "paradoxo de Primeiridade" em relação à Estética peirceana, porque ela é um primeiro quando enfatiza a qualidade, mas também é último enquanto ideal, e esta incompatibilidade só se resolve na Metafísica que explica que "o belo, ou aquele que é admirável na sua apresentação é degradado em sua dignidade própria, se não for reconhecido como sendo um caso especial do idealmente belo (fine) em geral".

Segundo Calabrese46, a experiência estética peirceana é uma forma de raciocínio, pois o homem é pessoa e condição, e destes elementos de humanidade surgem três impulsos: o primeiro cria as leis, o segundo cria os casos, mas eles só podem conviver frente ao terceiro,

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que cria beleza. Assim, fica evidente que Peirce liga a experiência estética ao raciocínio, já que ela é claramente uma terceira atitude.

Passando agora para a análise categorial da Ética, esta como verdadeira ciência dos fins, está marcada pela Segundidade. De acordo com Peirce, seria passada para a Ética a tarefa de testar se o ideal estético pode ser estabelecido como o fim último para o qual toda atividade humana deveria ser dirigida. (CP 5.136)

Do mesmo modo que a Estética não está preocupada com o que é belo ou não é belo, mas com o que é admirável por si só, a Ética não se preocupa diretamente com o que é certo ou errado, mas sim com aquilo que deveria ser alvo do esforço humano. O bem ético, por estar sob a segunda categoria envolve uma dualidade entre o plano e o fim da conduta.

A Lógica considera “aquelas coisas cujo fim é o de representar alguma coisa” (CP 5.130). A Lógica é a ciência dos signos (CP 1.204)

O âmago da Lógica reside na classificação e na crítica dos argumentos, que são três: abdução (hipótese), dedução (necessidade), indução (probabilidade). Nenhum argumento pode existir sem que “se estabeleça uma referência entre ele e alguma classe especial de argumento”.

O raciocínio é construído para um particular e generalizado para todos. O pensamento não se fixa na particularidade de um elemento, mas nas propriedades gerais que valem para todos. Assim, a “Lógica é coeva do raciocínio” e raciocínio, na medida em que depende do raciocínio necessário, leva à percepção da generalidade e da continuidade e como tal se encontra sob a Terceiridade (CP 5.128-130).

A lógica e as outras ciências normativas são ciências positivas - ainda que indaguem não só o que é, mas o que deveria ser - pois afirmando a verdade positiva e categórica são capazes de mostrar que o que consideram bom, realmente o é; e a razão certa, o esforço certo com os quais elas lidam derivam este caráter de fato categórico positivo (PEIRCE, CP 5.39)47

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Por outro lado, de acordo com o diagrama da classificação das ciências a Estética, a Ética, e a Lógica mantêm uma relação hierárquica entre si:

1. Estética, 2. Ética e 3. Lógica.

A Lógica é dependente da Ética, que por sua vez é dependente da Estética. Esta dependência fica clara quando se entende que a Estética na concepção peirceana é aquela ciência preocupada com o que deveria ser o telos supremo da vida humana: “o estado de coisas que é admirável por si só, sem relação com qualquer razão ulterior”. (CP 1.611).

A Estética é a ciência geral do admirável. O admirável é uma meta, um ideal que “descobrimos porque nos sentimos atraídos por ele como tal”, é o“fim último em direção ao qual o esforço humano deve se dirigir”. Trata-se do ideal supremo para o qual nosso desejo, vontade e sentimentos devem se dirigir, não importando para onde ele conduz, o summum bonum, que não necessita justificativa ou explicação. 48

Mas quais são as condições desta meta última? Peirce responde que é a essência da razão em si, que nunca alcança completude total e deve estar sempre em "um estado de insipiência, de crescimento (...), a criação do universo que está em processo até hoje e que nunca terminará é o próprio desenvolvimento da Razão". (CP 1.615)

Este “summum bonum” é absoluto, é aquele que seria perseguido em todas as circunstâncias possíveis (CP 5.134). O único mal seria não ter um fim último (CP 5.133). Peirce acrescenta que não pode existir um ideal mais satisfatório do que o desenvolvimento da razão, a razão sendo compreendida em sua totalidade, e o ideal da conduta seria tornar o mundo mais razoável.

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A Ética está submissa à Estética, por isso o bem ético aparece como uma espécie particular de bem estético, ao mesmo tempo em que o bem lógico é uma espécie de bem ético.

A Ética, como ciência normativa não diz respeito aos princípios de justiça, e menos ainda, à justiça de qualquer lei específica; nem diz respeito aos valores de vários tipos de conduta, nem a questões especificamente morais... (SANTAELLA, 1992:125).

É a Ética que define o fim e, portanto, é impossível ser racionalmente lógico exceto em bases éticas (CP 2.199). A Ética deve apelar para a Estética para ajudá-la a determinar o summum bonum (CP 1.191). A Ética é mais do que simplesmente prática, porque ela envolve a teoria de conformidade da ação com o ideal, o summum bonum. A Ética é uma Ciência Normativa “par excellence”, porque um fim está ligado a um ato voluntário de uma forma primária (CP 5.130). A Ética pergunta para que fim todo esforço deve ser dirigido. (CP 2.199).

A Lógica ou Semiótica, que é a terceira divisão das Ciências Normativas, depende da Estética e da Ética. Segundo a concepção peirceana, a Lógica se ocupa do raciocínio como uma forma de atividade deliberada ou conduta, e tem com objetivo especificar e discriminar boas e más formas de raciocínio. “Raciocínio é necessariamente um ato voluntário sobre o qual podemos exercer controle.” (PEIRCE, CP, 2.144).

A Lógica segundo Peirce, não só estabelece regras que deveriam ser, mas também é a análise das condições de obtenção de algo que tem propósito como um ingrediente essencial. A Lógica é “o estudo dos meios de atingir a meta do pensamento e é a ética que define a meta” (CP 2.198) 49

A Lógica apela para a Ética para seus perceptos (CP 1.191). A conexão vital da Lógica e da Ética tem sido posta de lado pelos lógicos. Segundo Peirce, a fim de bem raciocinar “é absolutamente necessário possuir não apenas virtudes como as da honestidade intelectual, da sinceridade e um real amor pela verdade, o estudo da ética permite uma ajuda do todo indispensável para a compreensão da lógica”(CP 2.82).

48 CP 1.191, 1.573-575, 2.116, 5.566 e 6.290.

Referências

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