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O EUCALIPTO QUE NÃO QUERIA SER PAPEL

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Academic year: 2022

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O EUCALIPTO QUE NÃO QUERIA SER PAPEL

Pantoja Ramos

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“Qual o nosso sonho? Que esperança transmitimos aos jovens? Que visões de futuro ocupam as mentes e o imaginário coletivo através das escolas, dos meios de comunicação e de nossa capacidade de criar valores?

Que cuidado desenvolvemos para com a natureza e que benevolência suscitamos para com todos os seres da criação? Que novas tecnologias estabelecemos entre todos os povos e culturas? Que nome damos ao Mistério que nos circunda e com que símbolos e dança o celebramos? ”.

Leonardo Boff – O Despertar da Águia.

“Soldados cortam-me a cabeça Não há leis que os impeça?

A sentença que não mereça Mas hei de rebrotar

Você e eu a perceber

Não há resposta no esconder Sou o cúmplice de você Rebroto e enraizar”.

Pantoja Ramos - Rebroto e Enraizar

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3 Agradeço à minha amada esposa Neriane pela provocação

de me fazer escrever este singelo conto.

Agradeço à amiga Pollyanna Coelho pela sugestão de ser Deusa-Água e não Deus-Água. Indicar o feminino neste caso é o justo. A Deusa-Água ÉEEEEEEEE-OOOO-QUEEEEE-ÉEEEEEEEE.

Agradeço à Dilva, Alves, Dinho, Seu Bebé, Dona Isabel e toda comunidade Repartimento dos Pilões, companheiros que me inspiram por dias melhores. Estes dias virão.

Para o hoje.

Para o ontem.

Para o amanhã.

Para os trabalhadores e trabalhadoras rurais de Almeirim.

Dedico.

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Sumário

Prefácio ... 5

I – MEMÓRIA ... 6

II – EXÓTICO... 10

III –CEPOS ... 13

III- HOMO E PLANTAE ... 19

V- DISTINTOS-SEMELHANTES ... 23

VI- OS FORÇADO-IGUAIS ... 29

VII - CASTANHILHEIROS ... 36

VIII - BATALHA QUE OS HOMENS NÃO ENXERGAM, QUE NÃO OUVEM... 42

VIII - UM NOVO CICLO ... 50

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Prefácio

Escrever um conto para pré-adolescentes não é tarefa fácil. É escrever para arvoretas, saídas da condição de mudas para agora quase-árvores. O vento e a terra muito os influenciam e é preciso que bons ventos e bons solos os nutram e os testem. Não sei se sou ambos, nunca saberia, mas hoje vejo-me com essa responsabilidade.

Já vale alguma coisa, não?

Este pequeno conto em formato de conversa foi um exercício de futuro e ao mesmo tempo, de memória, pois cada frase, cada diálogo, apesar de intencionar uma crítica futurista para evitar erros, trouxe-me à infância do Jari, no meu brincar no mato e entre os eucaliptais, estranhos estrangeiros, matutados na minha cabeça.

No presente em que vivo de reivindicação a reivindicação por justiça, penso no futuro da Humanidade, mais diversa, mais livre, mais

equilibrada, na utopia que me move sem muito esforço. Se não lutamos nem para sonhar, somos de nós mesmos oprimidos.

Toda opressão deve ser combatida, em nome de nossa evolução.

Até que alcancemos os céus.

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O EUCALIPTO QUE NÃO QUERIA SER PAPEL

Pantoja Ramos Belém, pensando no Jari, 11 de agosto 2017.

I – MEMÓRIA

“Veja Lascado. Repara só a mudinha de Humano ali quieto a matutar...”.

“Cadê? ”.

“Ali naquele movimento como se tivesse um vento soprando sua copa para cima e para baixo. Lembra o Gilzinho, não é? ”.

“Não é que é, T-1”.

“Quem é Gilzinho??”.

“Ah, pequena Piquí, você nem era semente quando ele apareceu e mudou a minha vida e de todos por aqui. Uma história longa, verdadeira pois aqui estamos para contar a quem puder, como você”.

“Conta Mestre T-1”.

“Depende da paciência que estás disposta a ter”.

“Por que? ”.

“É, T-1, por que? ”

“Porque é preciso mastigar uma boa história, não ter afobação para saber o final nem querer concluir antes da hora, pois atrapalha o percurso, atrapalha desvendar o que deseja construir a Grande Luz”.

“Prometo ter paciência”.

“Muito bem. Pequena Piquí, foi-porque-foi que um menino, chamado entre os humanos Gil, me encontrou jogado por fora dos tubinhos ali no canto daqueles que guardavam meus irmãos eucaliptos. E vejam só, ele, Gilzinho, também era meio que jogado fora. Ele se movimentava diferente dos outros da sua espécie, repetia, repetia os movimentos e vez ou outra ficava parado tal qual

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7 uma árvore. Quando eu o vi pela primeira vez, um bando de mudinhas humanas corria ao seu redor numa algazarra de objetos redondos que quicavam, bolas eles chamavam, retangulares que subiam ao céu, pipas eles chamavam, e um pedaço de madeira a girar, pião eles chamavam. Gil, ao contrário, ficava no mesmo canto, olhando pro mato, naquele balançar de cabeça pra baixo e pra cima sem interrupção, sua matriz fêmea longe, a matriz macho mais longe ainda. Foi quando ele me viu. ”.

“O que o mestre falou para ele? ”.

“Eu disse olá, um olá de plantinha bonitinha que eu era, cortada minhas primeiras folhas por aquelas humanas que freneticamente labutavam com capas de soma dos algodões e estampa nas costas com o dizer FIRMA”.

“FIRMA????”.

“Sim, FIRMA, aquela que se dizia dona de todas as matas, rios, igarapés daquela região. Dona dos eucaliptos e dona de mim, por consequência. Tempos aqueles de não liberdade! ”.

“Essa Firma...”.

“É Lascado, mas deixa pra depois, antes quero explicar pra Piquí como foi meu encontro com Gil”.

“É, Mestre Lascado, não atrapalha a história, ri-ri-ri”.

“Pois bem, Gil, largado dos outros pezinhos humanos estava juntando folhas e galhos, aliás como era organizado esse pedaço de homem, tudo ajeitadinho os galhinhos em sequência, pra um momento um amontoado de partes de plantas, depois outra sequência de galinhos, outro amontoado de plantas e nem viu que tinha pegado uma muda inteira, eu. Disse ‘olá’ sussurrado, na linguagem nossa de vegetais. Ele entendeu logo, sei lá, percebi que era meio incomunicável para os humanos, mas não para criaturas como nós, concentrados somos que não expelimos sons esparrentos e dialogamos à vontade para quem sabe ouvir e conversar com a natureza. Pobre humanos! Mal sabem que entendemos tudo o que eles falam, sentem e escrevem, pena só uns poucos terem a capacidade de dialogar conosco. Gil era distinto pois conversava com os Plantae. Quando ouviu meu ‘olá’, respondeu no ‘hummmm’ próprio seu de linguagem, como ouviriam os HOMO SAPIENS MAS NEM TÃO SAPIENS. Pegou-me em sua mão direita e saiu comigo para

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8 mostrar às suas matrizes. Coitado, apresentou-me a eles, não na conduta normal de humano esticando a mão, e sim num balançar agitado da novidade, gestos acima da média dos demais. Não compreendido, assim mesmo sorriu, correu, correu comigo à mão, eu que já sofria naquela agonia de lá e cá sem solo, sem água, já quase a desfalecer até lhe dirigir: ‘quero água, pequeno homem! ’. Segui em meu apelo até ele captar a mensagem, sentado naquela coisa que tem rodas e joga aquela nuvem venenosa no ar, o solta-veneno”.

“Meus Deus, cof-cof, o solta-veneno!”.

“Isso mesmo, Piquí, o solta-veneno, que por causa do sangue negro deles tanto se mataram os HOMO SAPIENS MAS NEM TÃO SAPIENS...

“É verdade, T-1.”.

“Grande Estrela te ilumine comadre Hevea que no final das contas sangrou também para que tantas matas se mantivessem!!

Bom, como eu dizia, Gilzinho compreendeu meu sofrimento de plantinha e fez um escândalo, daqueles que suas matrizes humanas já estavam acostumadas. Foi estranho. Conferiram nas partes de trás do garoto, cochicharam algo que se relacionava a excrementos pelo que sei, talvez de Gilzinho e procuraram o primeiro igarapé para lavar sua mudinha humana. Mal abriram a porta do carro, correu Gilzinho para a margem do igarapé T-1 e jogou-me no córrego que me escorregou mata adentro até parar aqui. No que seguia pela correnteza, ainda vi a imagem afastando-se das matrizes humanas verificando as partes baixas de Gilzinho, sem nada constatar. Não perceberam que ele quis me salvar e me salvou em planta e em alma de planta do destino de tantos de minha espécie. Seguiram longe, com o pequeno humano sorrindo pra mim, num agitar de tchau incontrolado. Nos veríamos em outros tempos”.

“Ahhhh, é por isso que te chamam T-1??”.

“Sim, Piquí”.

“Deixa T-1 eu explicar essa parte, do nome T-1?

“À vontade, Lascado”.

“Piquí, Mestre T-1 chegou aqui na serra depois que um gavião o puxou do igarapé pra fazer seu ninho, só que na passagem viu a

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9 rapina um filhote de preguiça subindo lentamente na rama de um cacaueiro e no rasante voo soltou T-1 que lentamente caiu até chegar na pedra em que ao lado despencava Deusa-Água que gritava SOOOOOOUUU-OOOOO-QUEEEEEE-SOOOOOUUUUUU. Seria fim certo de T-1, pois Deusa-Água o esmagaria com sua força. Sentiu seu ciclo terminar quando uma Borboleta-Céu-Azul-Azul puxou prosa.

‘Com problemas, plantinha? ’.

‘Não quero cair na Deusa-Água!!’.

SOOOOOOUUU-OOOOO-QUEEEEEE-SOOOOOUUUUUU.

‘Me ajuda!!’.

‘ Medo??’.

‘Medo! ’.

‘Para quê? Retornas se fores esmagado’.

‘Hã??’.

‘Só não garanto que voltes plantinha’.

‘Borboleta-Azul-Azul, eu quero continuar planta pra saber se serei boa planta’.

‘É, pode ser um bom motivo pra não cair lá embaixo’.

A borboleta-céu-azul-azul concentrou-se e bateu suas asas cintilantes com tal energia que soprou T-1 pra rua de brisa que passava por ali e assim ele escapou da Deusa-Água que impassível alertava SOOOOOOUUU-OOOOO-QUEEEEEE-SOOOOOUUUUUU. T-1 seguiu no ventinho até pousar na costa de um catitu enlameado que liderava a vara, fuçadores da terra e assim correram até a Grande Luz dar lugar ao Breu-Com-Luz passando por debaixo de uma irmã cumaruzeira quase caída, raspando a costa do catitu, deixando T-1 por aqui. Primeiro caiu de lado, ajeitou conforme diz a lei da Grande Luz e assim T-1 enraizou. Esqueci algo, T-1? ”.

“Esqueceu um detalhe aqui, outro ali, mas no sumo das coisas foi isso”.

“Uau, Mestre T-1”.

“É, Piquí, foi assim que aqui enraizei”.

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II – EXÓTICO

“Já pensou uma criatura dessas por aqui? E se vem mais deles pra nos arrancar?? Por causa deles os humanos queimam, cortam, arrancam! Quem é você, ô casca-fina? ”.

“Oi, Grande Estrela pra você, eu não sei quem sou, só sei que estou aqui”.

“É só uma plantinha de eucalipto, Cumbucão. Mal tem folhas o pobre”.

“Sei não, Florilda, de longe vejo eles avançando, avançando, esmagando tudo. Antes um monte de nós Distinto-Semelhantes, agora tudo tomado por aqueles Forçado-Iguais, dominados por aqueles humanos de algodão-verde-escuro que dominam outros humanos. De onde tu vieste casca-fina??”.

“Eu vim acho que pelo igarapé T-1, como chamam os humanos da FIRMA, uma mudinha humana me lançou lá”.

“Eu já voei quando semente alada pelo T-1, sopro frio de ar…

oi, T-1 zinho, eu sou Cedrante”.

“Oi”.

“Viu, não falei, Cumbucão, ele tá sozinho...”.

“Sei não, Florilda...”.

“Ele tá só, verdes, raspei o tronco na costa de um catitu e ele aqui ficou”.

“Se tu dizes...”.

“Oi, T-1 zinho, eu sou Cumarina, a que sem querer te fez parar aqui. Clorofila em conhecer”.

“Clorofila”.

“É, o casca-fina dos Forçado-Iguais tá na minha vigilância.

Lascadinho, Lascadinho, repara se ele aprontar algo. Ó, tua raiz tem que repartir a água com os demais, entendeste? Nada de competição sem sentido! E nada de chamar Raio pra cá viu?”.

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11 “Entendi, mestre... Cumbucão... eu acho...”.

“Clorofila, eu sou o Lascado”.

“Clorofila também, eu sou, eu sou... bom, agora eu devo ser o T-1, né?”.

“Gostei, distinto”.

“De quem o Mestre Cumbucão falava? O que eu fiz mestra Florilda? ”.

“Você, nada, meu fruto futuro. Cumbucão se referia aos Forçado-Iguais”.

“Forçado-Iguais????”.

“Sim, umas árvores de casca e tronco finos, eucaliptos como você, aos montes, centenas, não, milhares, talvez milhões, tudo igual, mas forçados por HOMO SAPIENS MAS NEM TÃO SAPIENS, que tem engolido os verdes nativos, nós, os distinto-semelhantes. As aves nos disseram das atrocidades. Dos cipós de aço que raspavam a terra arrastados por monstros que arrancavam tudo o que havia pela frente. Tanta morte, tanta morte. Dos besouros de ferro na mão de humanos que cortavam sem piedade nossas irmãs e irmãos. Ahhh Mano Lourado, tão cheiroso, caído no chão e arrastado. Não tinha nem tronco grosso quando o levaram. Derrubaram Mestra Piquiá-dos- Veados pra colocar Forçado-Iguais no lugar. Secos, eles são secos, que quase não agradecem à terra, pouco voltam. Só consomem as energias da terra. Nenhum piquiá grelou ali, nenhum veado foi mais ali, que não foi mais a onça também, que tudo ficou sem verde e sem vida”.

“Nossa! ”.

“A Florilda não sabe do irmão Magno??” Foi disputado a tapa pelos humanos não sapiens por causa do valor de sua madeira. Ó, Florilda, eles também vão salivar se te encontrassem”.

“Não exagera, Cumarina”.

“Eu vejo daqui mesmo caída, Florilda, escutei um deles humanos apontar pra você e pra mim quando passeavam por aqui, só não ligaram muito pra mim porque estou torta”.

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12 “Hum? Será que é por isso que perdi pedaço aqui na parte baixa da minha tronqueira bonita?? Que abusado! Esse tom de raspa não combina com minhas lindas flores amarelas! ”.

“Tu ficas radiante sim, linda, mas já pensaste se não ficas mais à vista para os humanos que desejam nosso tronco? ”.

“Cumarina, Grande Estrela nos proteja, será? ”.

“Grande Estrela nos proteja, é sim”.

“Dos humanos que vi, só conheci os que plantam”.

“T-1 zinho, não se iluda, escravizar tem várias formas, até parece que te plantam, que lhe dão vida, mas já nasces com o propósito conveniente à eles, da FIRMA, vida com hora pra nascer e hora pra quedar. Forçado-igual. Não te iludas”.

“Mestre Cedrante tem razão, T-1. O Lascado e tu ainda vão aprender muito. Desde que estava no alto Fibonacci da vida, já entendia o que é livre e o que é preso”.

“Livre e preso? ”.

“Sou torta, mas esta mensagem não. Vamos, a Grande Estrela vai quietar, hora de ciclar. Bom Ciclo”.

“Bom Ciclo, Mestra Cumarina, Mestre Cedrante, Mestra Florilda, Mestre Cumbucão, Irmão Lascado”.

“Bom Ciclo, T-1”.

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III –CEPOS

“Cumbucão tá agitado, tá aflito, faz tempo que não via ele assim. Que será? ”.

“Lá vem o Cascudo-de-Asas-de-Asas, o mensageiro das flores. Fala com ele, Florilda”.

“Bom dia seu Cascudo-de-Asas? Quer Flores? Flor-Flor-Flor ”.

“BZZZZZZZZZZ”.

“Já te falei pra esquecer esse teu sotaque aqui conosco”.

“BZZ... Desculpe... Tô com pressa BZZZZ”.

“Peraí, o que aconteceu??”.

“BZZZ... Queda-queda-queda... BZZ... irmãos do Cumbucão lá pro braço do rio... BZZZZ... Besouros de ferro... Cepos... BZZ..

Cepos... Cipós de ferro... Cepos...”.

“Grande Estrela, Mestra Florilda, o que acontece?”.

“Humanos e seus monstros estão cortando a tribo castanheira lá do braço do rio Zigue-Zague! Indignos! ”.

“Cumbucão, triste, triste demais, raivoso até”.

“Humanos não sapiens!! Deixem meus irmãos em paz!!

Ouriçada, pobre Ouriçada... Irmão Magnífico! Pobres! Indignos!

Indignos da Vida!!”.

“Indignos!!”.

“Cumbucão, Cumbucão, toda energia da Grande Estrela te conforte. Lascado, T-1, o besouro Cascudo-de-Asas-de-Asas tá aí por baixo?”

“Tá sim, Mestre Cedrante, tá bzzzzindo com a Cumarina”.

“Chama ele aqui!”.

“Seu Cascudão...”.

“Cascudo-de-Asas-de-Asas... BZZZZ... meu nome é Cascudo- de-Asas-de-Asas... BZZ... Tu és...”.

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14 “T-1, clorofila”

“Sei...BZZZ... Que queres pequeno... BZZ-Hunf... eucalipto? ”.

“Cedrante te chama pra ir lá com ele”.

“Mestre-Cedrante... BZZZ... pequeno eucalipto... respeite seus mestres...”.

“Desculpe, Mestre Cedrante”.

“Acho esse besouro metido, T-1”.

“Só deve ser um bicho muito ocupado, Lascado. O que eles conversam lá em cima??”.

“Peraí, Bina, Bina”.

“Quem??”.

“Meu amigo largarto tijubina, chamo de Bina”.

“Fala, Lascado, que mandas, né? Quem é o casca-fina aí, né??”

“Clorofila, Bina, sou T-1”.

“Fila, T-1, fila. Qual é o mandado? ”.

“Vai lá em cima escutar a conversa do Cedrante e do Cascudo- de-Asas-de-Asas”.

“Tá, mas sabes como é, né, Lascado? Simbiose”.

“Simbiose é quando é cooperação, não me enrola, tu tá querendo pagamento Bina”.

“Mas é uma subida muito alta, né, gasta muita energia, né? Eu te ajudo com a informação, tu me dá de comer, né? ”.

“Hummm... Cumarina, tem algo pro Bina”.

“Bina, tu já estás de malandragem? ”.

“Não, Mestra Cumarina, mas sabe como é né, minha visão de simbiose é outra...”.

“Tá, entra aí neste meu galho aqui, tá cheio de efêmera”.

“Energia pra uma boa subida, vem aqui pequeninas, flop-flop- flop... Ei, não fecha o galho Cumarina, ”.

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“Não, sobe agora que depois tem mais... Tu ficas muito apático de barriga cheia”.

“Tá bom, né? Sabe nem brincar, né? Subindo! ”.

“Ele volta? Não tô vendo ele, Lascado. Já tá demorada a conversa lá”.

“Te acalma, ele vai querer mais efêmeras...”.

"Demora, Demora".

"Lá vem ele! "

"Onde? ?"

"Ali naquele galho esquerdo, perto do buraco onde aquele pica- pau almoçou ontem ".

"Ainda não tenho essa precisão de vocês. Nada percebo, Lascado ".

"T - 1, precisas sentir o local em que vives, cada movimento, as coisas no lugar, as coisas fora de lugar. O Espaço e o Tempo, do que vive ou que viveu, ou o que nunca viveu mas sempre esteve por aqui. Pensando bem, pequenino T-1, o que é que não vive né? ".

"Ainda estou a aprender, mestre Cumarina ".

"Sim, é assim te crescerá o Pertencimento".

"Agora eu que nasci aqui não entendi ".

"Lascado, Pertencimento é um Deus afilhado da Grande Estrela, por sua vez filho da Terra e Território. Mesmo que não nasças num local, se o amas, Mãe Terra e Pai Território te dão um irmão, Pertencimento. ".

"Entendi, acho eu".

"Se te preocupas com teu lar, tu pertences a ele, ele a ti. Boa Mãe Terra, detalhista, Irmã do Tempo que nos nutre e a cada ciclo ficamos cada vez mais agradecidos. Bom Pai Território que tem no seu Irmão o Espaço um grande companheiro de aventuras. Nós, Distinto - Semelhantes temos vários país e mães de criação, além de

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16 nossas raízes, num enlaçado que torna a vida interessante. Coitados dos Forçado - Iguais ".

"Cheguei, né? ".

"Bina, Bina, o que sabes? ?".

"Combucão e o Timba-timba tavam juntos numa confusão de ramada pra lá e pra cá. Apontaram pro longe, fizeram gestos com os galhos demonstrado que se aproximavam monstros de ferro, muitas de árvores caídas e logo atrás uns Homo sapiens porém não sapiens sequestrando a Mãe Terra e forçando-a a receber cem, mil, milhares de plantas daquela casa fina. Quem nem esse aí, o T-1, né? ".

"E agora??"

"Não sei, Florilda!!"

"Aí, que sou a primeira a cair por essas minhas lindas flores!!

Condenada pela minha beleza! !".

"Essa aí só liga para o próprio âmago ".

"O que disseste Cumarina? ".

" Que tu só pensas nessas tuas flores aí".

"Conta mais Bina! "

"Dona da flor amarela, te acalma. Os ‘plantão’ aí já botaram pra descontar, né?"

"???"

"Cumbucão pediu pro Voador Cascudão encontrar a Borboleta Azul - Azul para convencer a tropa dos Zunindo pra ajudar "

"Tropa dos Zunindo? "

"É T-1, uns bichos pequenos que bota os humanos pra correr.

Dão umas furadinhas neles que os sangram e até os botam doença".

"Até imagino a misteriosa Borboleta Azul- azul conversando com os Zunindo. Só ela consegue. "

"Como seria, Cumarina? "

"Hã Hã... Reparem minhas asas uma para frente e outra para trás que nem a Borboleta-Azul-Azul fica no começo de prosa:

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17 'Zunindo sem comida hoje? Veados, tatus?'.

'Zimmmmmmmmm'.

'Sangue chegam com tanto pêlo pra atrapalhar não é?'.

'Zummmmm'.

'Se colocarem as antenas pra funcionar perceberão o frescor do sangue grosso, de grandes artérias, e o melhor, sem pêlo! Espocar a barriga de sangue e alimentada, que interessante destino para um Zunindo...'.

'Zimmmmm Zimmmmm! !'.

"Essa Borboleta-Azul-Azul é estranha...".

"Vejam! Pássaros ".

"Periquitos, chicuãs, curiós, quiquiós voando na direção do tumulto dos humanos na mata! !".

"Voltem! Voltem! É perigoso! ".

"Aves gostam de ver humanos revoando ".

"Quem disse isso? ".

"Que é isso, T-1? Ei! Não chames raio! É só a Borboleta-Azul- Azul!".

"Ela me assustou, desculpem. Essa borboleta é estranha...".

"Me mata vergonha logo de uma vez T-1. Borboleta-Azul-Azul, que dizes pra essas plantas sobre a confusão?".

"Planta torta do Cumaru, os pássaros foram se divertir vendo os Homo sapiens porém não tão sapiens fugirem daqueles que zunem. Engraçado como é um teatro a vida ainda mais quando cômica. Telas para rir entre os vivos ".

"Não falei que ela é estranha? ".

"Imagine o sangue dos humanos a sair até pelo ouvido pelo ataque dos Zunindo, focados, sabedores que haverá sangue grosso, fresco. Toda concentração quando tem um sentido causa uma revolução! Com licença, o tatu que irão encontrar está com problemas. Que a vida os persiga. Grande Estrela ".

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18 "Grande Estrela ".

"Que tatu?

"Não sei, essa borboleta vai e vem nas suas frases. Dizem que é tã-tã das ideias voadoras flo-flor-flor".

"Ô, Florilda, ela é somente incompreendida, ei pára de jogar essas flores em mim".

"Cumarina, você sempre esperançosa dos seres. Que torta tu és flor flor flor flor ".

"Cumarina está certa. O caos e a ordem misturados em um só ser equilibrado, como planta, na vantagem de se mover, como inseto.

Já pensou?".

"É, Cedrante, invejável ".

"Matos, informo que os Homo sapiens porém nem sempre sapiens acabam de serem expulsos pelos Zunindo."

"Grande Estrela, Cumbucão! !"

"Gaia também olhou por nós como sempre! "

"Gaia! Gaia! Gaia! "

"Grande Estrela! Grande Estrela! Estrela Grande! "

"Mas nem tudo acabou bem. Os que tombaram arrancados pela raiz trouxeram consigo para o fim da fotossíntese outros menores, os pequenos da terra, tão inocentes que só nos ajudam na nutrição. Pobres irmãs minhocas. Pobres clãs dos micetos. Sem falar das cutias esmagadas pelos pés daquelas feras de ferro. Não entendo. Não somos úteis Cumarina? Para quê nos arrancar e colocar outras plantas que são só de um tipo? Não temos valor?

Para a Grande Estrela? Para Gaia? Para os Homo sapiens? "

"Tudo bem Cedrante, tudo vai ficar ciclo. Tudo fica ciclo.".

"Poxa, mestre Cedrante até soltou folhas de tristeza ".

"Tenho vergonha de ser um Forçado - igual ".

"Não tenha amigo T-1, aqui tu és um eucalipto, distinto. Aqui tu estás misturado, Semelhante. Aqui todos somos Distinto- Semelhantes. Não perturba teu Fibonacci ".

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19 "Aqui tudo é na Simbiose, planta, né?".

"Agradeço, Lascado. Agradeço, Bina ".

III- HOMO E PLANTAE

"T - 1, não é que tá esticando rapidamente. Já és arvoreta.".

"Tu achas mestre Cumarina? ".

"É sim, chegou pequenino e já estás maior que o Lascado".

"É, pode estar. Mas eu sou mais forte no tronco, olha só este galho Rúmmmm. ".

"Que engraçado o Lascadinho querendo já ser rei das copas que nem o Cumbucão Rá Rá Rá ".

"Ah, mas vou ser sim maior que ele. O T -1 tem sorte aí de se alimentar da sua clareira Mestre Cumarina, é por isso que cresce tão rápido. Quero ver se fosse na sombra.".

"Não reclamas porque o Velho Piquiazeiro já desgalha pro fim de sua fotossíntese, olha os raios da Grande Estrela que estão pra te chegar. Seja grato.".

"Hum, a mestre tá certa. Agradeço à Gaia e à Grande Estrela".

"A terra tá vibrando. Algo sente medo e corre. Vejam um Tatu de Casco Rachado! ".

"Onde Cumarina? ".

"No lado meu onde a Grande Estrela não chega ".

"Ai ai ai da sorte a minha. Ai ai ai do destino meu".

"Do que corres tatu? "

"Homo sapiens porém não sapiens com aquela taboca que cospe fogo. Ai do meu cascão rachado! ".

"Três humanos. Um com a taboca de fogo. Outros dois segurando a mão um do outro ".

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20 " Apontam pro tatu. Coitado do tatu rachado".

"Olha só, a Borboleta-Azul-Azul pousou no tatu! ".

"Tatu ferido pelos Homo sapiens porém não tão sapiens, medo estás do fim desta passagem por Gaia? ".

"Aí que sim, morrerei nas mãos dos humanos ali, essas bestas- feras. Preparo-me! ".

"Toda monocultura é afrontosa à lógica e à natureza. Não podes ainda terminar sua Passagem por hora ".

"A Borboleta-Azul-Azul pousou no nariz de um dos humanos da mão dada! Vejam".

"Ih, lá vem essa Borboleta pro meu lado, sai, sai, sai que o humano tá vindo junto. Sai daqui bicho estranho. ".

"Espero, planta da casca fina que chamas a mim de estranho, não ao humano. Reconhece - o em teu Fibonacci? ".

"O Humano que me jogou no igarapé T -1... A criança árvore...".

"Gil."

"Te chamas Gil?".

"Gil... Gilzinho".

"Clorofila ".

"Humm Rá. Clorofila! Clorofila! !".

"Sente só, T -1, ele gostou de dizer Clorofila ".

"É, mestre Cumarina. E haja passar a mão na minha casca fina".

"Doce".

"Ele disse doce pra tua casca? Ih, agora passa a mão na minha casca. Oi humaninho Gil, eu sou Cumarina. Clorofila ".

"Clorofila! Clorofila! Professora! "

"Professora? Passou a mão na casca minha e me chamou de professora! Gentileza sua Gilzinho ".

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21 "E eu? E eu? Sou o Lascado. Que diz a minha casca? Passa a mão? " E aí? "

"Lascado! Lascado! "

"Sim, sou eu, mas diz o que sentes? "

"Lascado! Lascado! "

"Ah, tu não entendeste a pergunta? Deixa pra lá ".

"Amarelo! Amarelo! Amarelo! "

"Sente a Florilda. É a Florilda, Gilzinho ".

"Quem tem a audácia de tocar na minha casca? Ah, quem és tu pequeno humano? ?"

"Amarelo! Amarelo! "

"Ahh, gostaste das minhas lindas flores amarelas? Flor Flor Flor pra ti! "

"Sintam como ele corre atrás das flores! "

“Ra Ra Ra, os Homens até esqueceram do Tatu do Casco Rachado correndo atrás do Gilzinho”.

“Corre Corre Gilzinho”.

“Ih, tirou a pele de algodão! ”.

“Lá vem ele! ”.

“Gilzinho, que deixas aqui? Tua pele de algodão? ” Agradeço amiguinho. Pares de correr e vá com o outro humano. Grande Estrela pra você”.

“Estrela”.

“Acho que era irmão dele, pelo jeito preocupado que tinha. E veja, esqueceram parte de sua pele de algodão que cobre o pé.”.

“Tatu? Tatu? ”.

“Já foram? ”.

“Já sim, pode sair”.

“Bina, deixa pelezinha de algodão aqui no galho meu, podes?”.

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22 “Posso sim, né, T-1? ” Simbiose?

“Cumarina, tens cupins aí pro Bina? ”.

“Esse Bina só faz algo se pago, eu hein? ”.

“Flop-flop-flop, hummmmmmm. Lá vais um pedaço de algodão de pé humano no galho alto do T-1!”.

“T-1, que engraçado ficaste! Flor Flor Flor”.

“Lembrança de Gilzinho”.

"Olha seus verdes, eu escapei por causa do filhote humano, tenho que admitir. Grato sou. E também à sorte da amizade do T-1 com ele. Por isso, antes de eu me meter no meu buraco, deixo avisado que eu escutei uma conversa de gaviões que falaram com uns urubus que vieram lá da morada de muitos Homo sapiens nem tão sapiens que eles iriam marchar pra cá. Viriam muitos a perder de vista Forçado-Iguais".

"Pela minha linda florada, que dizes Tatu de Casco Rachado??".

"Se eu fosse vocês, cavava um buraco ou corria já!".

"Ahh se eu pudesse".

"Pára com isso Lascado! Deixa de medo!".

"Mas se os Homo sapiens não sapiens vem nos queimar e arrancar da terra, queres o quê? Que eu distribua ouriços de alegria??".

"Só interessa a eles os Forçado-Iguais. Mais nada. T-1 tem sorte".

"Por que sorte se eu posso perder vocês, minhas raízes?".

"Que bonitinho, T-1, somos já a raízes dele".

"Raízes uns dos outros".

"Raízes uns dos outros!".

"Raízes uns dos outros pra Grande Estrela ver!".

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V- DISTINTOS-SEMELHANTES

"Quantas máquinas tu vês aí de cima, Cumbucão?".

“Quantos caroços dão num cacho de bacaba, Cumarina?".

"Hummm, são muitos".

"Falar em comida nessa hora é maldade. Hummmm".

"Rsrsrs, Tatu de Casco Rachado é engraçado. Gostas destas frutinhas".

"Só quando cai do chão, Lascado".

"Vejam, lá vem um tucano".

"Onde, T-1?".

"Em cima já de você, Cumbucão? Rá Rá".

"Ooooiiiii, os Homo vem viiiiiinduuuuu".

"Disse já sabemos, seu...".

"Canoooo Looooongooo, meeeestre Cedraaaante não é?".

"É seu Cano Longo".

" Eu tô ".

"Brocas! Estão perto, passaram por nosso muro de cabas!".

"Humm, ao que parece um androceu Homo sapiens porém não tão sapiens com um espinho longo nas mãos, um gineceu Homo sapiens com uma folha branca na mão e o... ahh, eu lembro deles, são as matrizes do Gilzinho!".

"Certo, T-1. Querem nosso bem? Tem besouro de ferro nas mãos para nos derrubar".

"Não, não, só o androceu Homo com seu espinho de ferro a cortar as pobres plantinhas nas folhas pra passar".

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"Ahh que eu não deixava, já pensou cortar um galho meu cheio das minhas preciosas flores??".

"Pára de balançar, Florilda! Tá chamando a atenção que tu tá ainda pelada".

"Inveja, Cumarina!".

"Os outros se aproximaram. Viram o pedaço de algodão que era do Gilzinho pendurada no galho do T-1".

"Que engraçado, né, o Homo sapiens porém não sapiens jogando pedaço de pau pra acertar o pedaço de algodão, né? Errou de novo".

"Vai lá Bina, ajuda ele, acho que a gineceu Homo quer saber se o pedaço de algodão é do Gilzinho".

"Não, né, ela percebe né, vai achar que sou um espírito né, vai sair correndo né?"

"E não somos todos nós que respiramos puro espírito? Queres maior prova do que o acordar e dormir todo dia e ainda assim trocar energias com a terra?".

"Quem disse isso??".

"A Borboleta-Azul-Azul".

"Essa Borboleta é mesmo estranha, T-1".

"Não sou estranha sozinha, arvoreta lascada. Todos somos tantos estranhos que curiosos queremos saber de onde viemos, saber da raiz, para ver se mantemos o que nos é de essencial. Evoluir é reconhecer o que passou. Até os Homo sapiens às vezes sapiens fazem isso. Dai-lhes suas raízes e eles farão tudo para proteger. O Tatu que rachou o casco achará a resposta e selará o destino de vocês. O tijubina fará a ligação da fêmea sapiens com seu filhote. O Tucano entreterá o androceu com parte da raiz".

"Brocas! Alguém entendeu coisa com coisa dessa borboleta?".

"Vamos pensar Cedrante, vamos pensar...".

"O que eu faço, Cumarina?"

"Calma, Tatu".

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"De onde viemos, Raiz nossa, reconhecer o que passou, raiz dos Homo Sapiens...".

"Tatu Rachado né, tu sabes onde tá aquele barro redondo, né?

Tu escondeste em algum buraco, né?

"Qual barro, Bina?".

"Aquele".

"Ahhh, aqueles tu queres dizer..."

"O que esses dois estão aprontando...".

"Ih mestra Cumarina, né? Nada de mal, né? Não lembra dos barros redondos dos Homo sapiens que viraram raiz nossa? Não sou assim assim tão malandro, né?".

"Ah, lembrei, Né, Bina".

"Procura comigo, Bina, vamos procurar nos buracos".

"Bora né?".

"O que eeeeeeeuuuu façooooooooo?".

"Voa, Cano Longo, distrai o androceu Homo pra ele não perceber os dois trabalhando na busca".

"Ceeeeertoooo, mestre Cumbucaaaaaõ".

"T-1, como quem não quer nada, balança o galho e joga pro lado da gineceu Homo".

"Tá certo, mestra Cumarina".

"Clorofila para todos nós".

"Clorofila".

"Rá Rá Rá o Cano Longo jogando fruto de bacaba pro androceu Homo. Tá funcionando, ele tá achando engraçado".

"Já, T-1! Solta o pedaço de algodão perto da gineceu".

"A gineceu pegou a pedaço de algodão que era do Gilzinho. Tá olhando pra cima".

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"Corre Bina, que a Surucucu Pitiú nos percebeu na morada dela!!".

"A Pitiú não!".

"Chispa!!".

"Não dá, o barro redondo é pesado!".

"O que vocês fizeram?? A Pitiú vai atacar os Homo sapiens frágeis sapiens!".

“Matriz do Gil! Cuidado! Sai Pitiú, Saaaiiii! ”.

“Fibonacci sem fim! Que raio foi este, T-1? ”.

“Não sei, mas funcionou, não é Lascado? Tirou a Pitiú do lado da matriz do Gil”.

"Corram pra dentro da Cumarina, Bina e Tatu, chamem a cobra pro lado de vocês. Prende a Pitiú, Cumarina!".

"Consegui Cumbucão! Só não aguento por muito tempo. Meu galho tá quebranto. Que bicho brabo!".

"Atenção Florilda, Atenção, T-1, Atenção Cedrante! Vou jogar o ouriço! Desviem".

"Lá vem, passei! Flor Flor Flor".

"Deixa comigo. Passei! Brocas, vai cair longe!".

"Boa Lascado!! Pegaste bem!"

"Vou soltar a Pitiú! Mira Lascado".

"Púuuu!!! Bem no rabo dela! Que dor ela deve tá sentindo!".

"Vai Pitiú, volta pro seu buraco!".

"Cadê os Homo sapiens??".

"Estão vindo ver o que aconteceu. Espera. Pararam. A gineceu pegou o barro redondo. Tá olhando pro pedaço de algodão. Tá olhando pro ouriço. Tá mexendo a boca pro lado do androceu. Ele tá revirando a copa humana dele. Estão indo embora. Parecem apressados".

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“Foram embora, e você T-1, cuidado com esses raios que você chama”.

“Tudo bem, mestre Cedrante, mas não sei como isso acontece...”.

“Hummmm”.

...

"Quem vem lá, T-1?".

"Meio cacho de bacaba de jovens Homo sapiens, Cumbucão... e a matriz do Gilzinho.".

"Ei, que história de passar cipó no meu tronco! Quer medir o quê aí seu Homo sapiens tão enxerido sapiens?".

"Eu acho é engraçado, Cedrante, olha só como é fina a minha silhueta, jovem gineceu Homo sapiens. Quer flor? Flor Flor Flor".

"Estão tirando nossas medidas, não entendo, vão nos derrubar?".

"Talvez, não Lascado, até eu que sou uma caída, tô sendo anotada. Ahh meu jovem Homo sapiens estudioso sapiens, foi um vendaval que me derrubou, mas não reclamo não, toda a vida se faz presente em mim. Quanto limo, quanto inseto, viste?".

"Ih, T-1, estão parados te estudando".

"É, estão se perguntando o que eu faço por aqui. Não acham normal. Acho que não sou normal rá rá rá".

"Vejam, estão colocando uns cepos pintados de cor de urucum na terra. Aqui, ali, acolá".

"Estão nos cercando?"

"Ao que parece sim, Cumarina. E começam a cavar.".

"Ei, cuidado com os meus buracos de tatu! Viram, não disse que tinham muitos barros redondos?".

"Incontáveis! Cupins me broquem!".

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"É de tempos que ainda nem sequer éramos semente, Cedrante".

"Quer dizer que os Homo sapiens já foram Distinto- semelhantes??".

"Pelo jeito sim, Lascado, não acredito, acharam os cálcios de um Homo sapiens na terra!!".

"Não acredito! Grande Estrela! Era um de nós!".

"Tem mais cálcios! Uns cachos de bacaba de cálcios!"

"Nos nutriram!".

"Clorofila!"

"Raízes uns dos outros!!".

"Distinto-Semelhantes!!".

"Distinto-Semelhantes!".

"Homo sapiens Distinto-Semelhantes!".

"Como pode?".

"Eis o mistério da natureza".

"Borboleta- Azul-Azul!!".

"Por que ainda se espantam comigo? Como eu ia dizendo, eis o mistério da natureza. Ser que tão evoluiu ao longo dos milhões anos, que saiu das águas, bactéria pelos meus cálculos, a nadar, criar cauda, criar patas, crescer pêlos, subir nas árvores, pensar ao quebrar o coco com um pedaço de pau pra comer o que teria dentro, fazer do algodão e da pele animal uma outra pele para proteger do frio, andar nos rios, criar instrumentos pontudos para caçar e pescar, pensar na montaria certa para andar nas águas, fazer brotar o fogo, contemplar as estrelas, tentar desenhá-las num pedaço de folha ou barro, comer no barro redondo, construir um abrigo da chuva e dos bichos que lhe queriam a carne. Plantar para ter o que comer e se medicar quando necessário. Nós éramos irmãos de terra, de água, de vento e acima de tudo de espírito. Éramos lado a lado no nascer da Grande Estrela e no sumir dela. Onde nos separamos? Aliás, por que nos separamos? Reparem, os Homo sapiens de hoje lá contemplando a Deusa-Água. Embasbacados enquanto ela diz SOOOOOOUUU-

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29 OOOOO-QUEEEEEE-SOOOOOUUUUUU. Parecem mudinhas. Talvez sejam arvoreta que muito pode crescer. Só precisa ter as raízes fortes. O barro redondo recordou suas raízes. Alguns Homo sapiens não querem tombar na sua essência. Outros não ligam mais e por isso são Homo sapiens não sapiens. Estão nesse dilema. Nós, expectadores de tudo isso, sofremos com seu sofrimento, com suas dúvidas existenciais que muitas vezes nos violentam. A diferença é que possivelmente permaneceremos. Estamos preparados para transmutar em outras formas de vida. Quantos destes Homo sapiens estão preparados?".

"Os homens da FIRMA chegaram. Viram os cepos. Se afastaram".

VI- OS FORÇADO-IGUAIS

"Tá muito quieto, não achas??".

"Vejo lá, lá no fim Cumbucão".

"Cano Longo, dá uma sobrevoada lá e nos diga se são eles".

"Se eles forem trazer muitos de mim naquele tamanhinho, até que não será muito ruim para os Distinto-Semelhantes, não é?".

" T-1, eles derrubam tudo, matam tudo, arrastam tudo da Mãe Terra, pra colocar árvores que nem você. Não é culpa sua, mas a morte vem com vocês".

"Pra quê, Mestra Cumarina?".

"Dizem que é pra fazer folhas para eles escreverem, muito, muito, tanto quanto as pedrinhas que tem na terra ou quanto tem de estrelas no céu".

"Só para isso?".

"Não é só para isso, Cumarina e T-1, tem o maior motivo: de ter o falso-verde, aquelas folhinhas que fazem os olhos dos homens brilharem. Um olhar de cobiça, que somente os Homo sapiens porém

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30 nem tanto sapiens possuem. Meus irmãos tatus, as comadres preguiças e as vizinhas onça são trocadas por esses falso-verdes. Os Homo sapiens porém não sapiens tem paixão por esses falsos-verdes e matam por eles".

"Lá vem o Cano Longo. Vem outro animal do céu com ele".

"Verdeeeeeeeeees! São as máquinas da FIRMA. Os Homo sapiens porém não sapiens vem láaaaaaaaaaaa".

"E quem é ela?".

"Crára! Sou a Crára! Tô fugindo deles! Crá!"

"Pousa aqui Crára! Suas cores combinam com minhas lindas flores. Se for pra tombar, que eu tombe linda! Flor Flor Flor".

"Lá vem eles! Besouros de ferro!! Grande Estrela! É nosso fim!".

"Pararam no cepo né? No cepo feito pela mãe do Gilzinho, né?".

"Vão voltar? Vão embora?".

"Não, Lascado, a tragédia será do cepo pra lá. Grande Estrela proteja nossos irmãos Distinto-Semelhantes".

"Que eles sejam a terra. Para um novo ciclo!".

"Para um novo ciclo!".

"Bzzzzzzzzzzz, venham amigos animais, venham para o lado de dentro do cepo!".

"Cascudo-de-Asas! Que bom ver você!".

"Queria ver você, T-1, num momento melhor, venham, venham dona Cutia, venham seu Paca... Bzzzzzzzzzzzzzzzz".

"Um dos Homo sapiens porém não sapiens vem com uma taboca de fogo atrás de vocês!".

"Rápido Bina, vamos soltar em cima dele a Pitiú!".

"Você tá doido, Tatu Rachado? Como vamos convencer a Pitiú?

Tá rachada a sua cachola?".

"Precisam de ajuda pra convencer a Pitiú? Eu vou lá falar com ela".

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"Seu Paca? Não!".

"Já entrou no buraco. Pelo visto ele é que não bate bem da cuca, né??".

"Mistérios da natureza, pra cooperação onde menos se imagina...".

"Ó, apareceu a Borboleta-Azul-Azul? Nem me espanto mais, viu? Tava sumida".

"Ser que vive no buraco, acho prudente que te afastes".

"Pitiú!!!! Sai da frente pois vem a peçonhenta!!".

"Cada um pega seu galho!! Lá vem ela!".

"Rá-Rá-Rá..., olha o Homo sapiens corredor sapiens escapando da Pitiú! Não sabia que os Homo poderiam ser tão rápidos de medo!

Rá Rá Rá".

"Sumiram a Pitiú e o Homo sapiens com a taboca de fogo. Tá tudo bem agora.".

"Não, Cumarina, não está nada bem. Começou a tragédia do cepo da mãe do Gilzinho pra lá. Brocas da morte...".

"Ô, Cedrante...".

"Cipós de aço derrubam árvores de centenas de anos de uma só vez. A dor delas eu sinto aqui. Nem com as plantinhas eles tem piedade. Nem as raízes. Besouros de ferro cortam a castanheira que poderia ser a fonte de alimento de quem empunha aquela arma. Mas sem misericórdia, ela cai. Pedaços de pau com cara de ferro ferem até derrubar a mumbaca, que tenta se defender com seus espinhos, o humano recebe um risco na pele, mas o ferro é mais forte. Cipós fazem tombar abraçados a mãe e os filhos de maçaranduba, o louro cai, a paxiúba idem, a cutia é esmagada, a raposinha também. A preguiça chora. Chora, mas não evita seu fim. O angelim é cortado por muitos Homo sapiens. Um ipê tão bonito quanto a Florilda é arrastada, deixando pra trás suas flores, que já foram sinal de beleza e agora será sinal de saudade. Dele não rebrotará mudas, as máquinas e seus cipós de aço não deixarão. Por fim, o fogo! O fogo para não deixar testemunhas lá! Tudo está morto. Foi o que vi daqui...".

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32 ...

"A Grande Estrela trocou de lugar com a Luz no Escuro e eis que vem novamente os Homo sapiens da FIRMA".

"Não parecem, Bzzzzzzz, que vem com as suas feras de ferro, Cumbucão".

"É Cascudo-de-Asas, mas o que será que eles trazem? Crára?"

"Crá?"

"Vai dar uma espiada lá, mas cuidado. Usa aquela companheira castanheira morta pra se proteger".

"Conhecia, era a Sombreira. Fizemos nela muitas festas de nascer da Grande Estrela".

"E o que trazem?".

"São plantinhas a perder de vista que nem o T-1. Estão colocando-as na terra".

"São tão pequenininhas".

"Olha só, Cumarina, aquelas lá perto do Cepo. Tudo bem aí?

Tudo bem? Vocês não falam com as outras plantas e bichos?".

"SERÃO PAPEL".

"Ouviu? Falaram".

"Acho que hoje cairá água do céu. O que vocês acham?".

"SERÃO PAPEL".

"O Fibonacci de vocês não deve ter dificuldade né?".

"SERÃO PAPEL".

"É, T-1, eles não são realmente de muita conversa".

"O que quer dizer essa frase? Borboleta-Azul-Azul!".

"Ah, nem precisavas me chamar. Distinto-Semelhante T-1, essa frase é tão repetidas vezes naquilo que chamam de FIRMA que as

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33 plantas colocadas na terra pelos Homo sapiens adotaram como sentença pra tudo. É, portanto, antes de tudo, uma sentença".

"SERÃO PAPEL".

"Nossa, eu sinto em minhas raízes que esses Forçado-Iguais chupam muita água. Ei, assim não restará água para seus vizinhos!".

"SERÃO PAPEL".

"Não se preocupa, Lascado, nosso ciclo e nossa clorofila garante água pra perto de nós. Infelizmente, as plantas que queiram nascer no meio delas, perecerão".

"Certo, Mestra Cumarina".

"SERÃO PAPEL...".

...

"Ó, vocês aí! Forçado-Iguais! Quem conversar?".

"SERÃO PAPEL".

"Não adianta, T-1. Três anos se passaram e nada desses verdes aí mudaram a prosa".

"O Homo sapiens vem vindo. Que trazem lá? Bina, Bina, vai lá ver".

"Eu não, né? Lá é muito seco né? Não tem inseto nenhum pra comer, né? Muito água da morte lá, né?".

"Água da morte?".

“É, Lascado, os Homo sapiens mas pouco sapiens jogam uma água que mata tudo, né? Tava outro dia lá de bisbilhoteiro atrás de umas larvas e veio aquilo, né? Eu só trisquei a língua no besouro, né?

Parecia que tava me queimando por dentro, né? Não, não, vou lá não, né?".

"Então, quem vai?".

"BZZZZZZZZZZZZZZ, eu é que não posso mesmo ir, mestre Cumbucão".

"Claro que não Cascudo-de-Asas".

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"Eu irei mestre, cavando, cavando".

"Tatu? Tem certeza?".

"Sim, sim, vou me esgueirando na terra".

...

"Tatu?".

"Sim, mestre, descobri. Uma terra branca que jogam sobre a terra, no pé dos Forçado-Iguais que nem o T-1, muita terra branca, seca, seca. Assim como estão as raízes secas por onde passei. Seco demais. Quase que um gavião me pega. Pudera, de longe me enxergou naquele mato baixo. Ainda arranhou minha cabeça, olha só".

"Que valente esse Tatu Rachado".

"Valente, não, sortudo. Corri, me escondi de tudo quanto foi jeito até acertar um outro pedaço de mata pela outra beirada lá que ainda tá pra cá do cepo e eis que descubro Dona Copa, uma copaibeira muito da sua simpática. Disse, 'Tatu tá arranhado, te banha aqui no meu óleo'. Banhei no pé dela e já sai sarado!".

"Clorofila de Tudo!".

"Pela Grande Estrela eu juro. E juro que outros Homo sapiens não sapiens carregando aquelas terras brancas que falei. Outros espirravam a água de morte. Outros estavam com galhos de aço passando rente ao chão para retirar o mato. Eram muitos, muitos mesmos. Nunca vi tanta água salgada sair da pele dos Homo sapiens porém nem tão sapiens. Estavam lá em plena Grande Estrela no centro do céu. Chegou um cavalo de ferro trazendo acho que comida pra eles. Estava embrulhada numa folha brilhante, e assim comiam, na pouca sombra que os Forçado-Iguais lhes ofereciam. Quando um grande boi de rodas chegou, todos subiram e se foram, pra voltar amanhã com certeza. De baixo eu vi Homo sapiens tristes, cansados.

Quando o boi de rodas partiu, o vento trouxe uma folha que caiu perto de mim. Tinha nela o rosto de uma fêmea humana e dois pequenos e magrinhos Homo sapiens".

"Será que os Homo sapiens não são tão libertos sapiens?".

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