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Uma porta para o passado: edição de documentos dos séculos XVI e XVII do Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA

MARLA OLIVEIRA ANDRADE

UMA PORTA PARA O PASSADO:

EDIÇÃO DE DOCUMENTOS DOS

SÉCULOS XVI E XVII DO LIVRO I DO TOMBO DO MOSTEIRO DE SÃO

BENTO DA BAHIA

Salvador 2010

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MARLA OLIVEIRA ANDRADE

UMA PORTA PARA O PASSADO:

EDIÇÃO DE DOCUMENTOS DOS

SÉCULOS XVI E XVII DO LIVRO I DO TOMBO DO MOSTEIRO DE SÃO

BENTO DA BAHIA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre.

Orientador: Profa. Dra. Alícia Duhá Lose

Salvador 2010

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Sistema de Bibliotecas - UFBA

Andrade, Marla Oliveira.

Uma porta para o passado : edição de documentos dos séculos XVI e XVII do Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia / Marla Oliveira Andrade. - 2010. 342 f. : il. + DVD

Orientadora: Profa. Dra. Alícia Duhá Lose.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2010.

1. Mosteiro de São Bento - Manuscritos - Bahia. 2. Manuscritos. 3. Documentos arquivisticos - Séc. XVI-XVII. I. Lose, Alícia Duhá. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III.Título.

CDD - 091.098142 CDU - 091(813.8)

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A

mami e papi, meus incentivadores de toda uma vida, que tornam meus sonhos realidade....

Paulinho, grande amor e amigo pelo companheirismo de mais de quinze anos de convivência, passando pela adolescência até chegar à fase adulta, sempre acreditando e apoiando meus sonhos; manos, pelos eternos momentos de convivência, brincadeiras, brigas, conversas, cantorias...enfim a vocês que fizeram de mim o que eu sou hoje...

(5)

AGRADECIMENTOS

 A minha família pelo amor, pela educação e pela convivência constante.

 A minha amiga, professora e orientadora Alícia Duhá Lose, por ter acreditado em mim antes de mim mesma, por ter me incentivado e me dado a oportunidade de mostrar meu trabalho, por aceitar trilhar comigo essa empreitada.

 A Profa. Dra. Célia Marques Telles, minha primeira professora de Crítica Textual pelos conselhos, esclarecimentos e ensinamentos, pela paciência e amizade.

 Ao Prof. Dr. Gilberto Telles Sobral, por ter me dado a oportunidade de refletir sobre muitas questões que resultaram na melhoria deste trabalho.

 A Dom Adriano de Araújo Carvalho (atualmente apenas Clenio), Dom Clemente Medeiros da Rocha, Dom Filipe Gomes de Souza, Dom Agostinho de Araújo Carvalho e a todos os monges do Mosteiro de São Bento da Bahia que muito me ajudaram a entender meu objeto de estudo, me esclareceram muitas vezes com conhecimentos teológico e abrigaram nossa sala de pesquisa onde tudo começou.

 A todo o grupo de Pesquisa do Mosteiro de São Bento da Bahia, Perla Andrade Penailillo, Paulo Afonso dos Angelos Junior, Anna Paula Oliveira, Gérsica Sanches, Jaqueline Carvalho, Lívia Magalhães, Marília Andrade Nunes, Profa. Dra. Vanilda Salignac de Souza Mazzoni, Renata Carvalho, Silvana Amorim, Vanessa Santos de Jesus, Joaquim Rodrigo Dourado pela amizade e pelo apoio nas horas de agonia.

 Aos pesquisadores do Grupo de Edição Crítica da UFBA, pela partilha de conhecimentos, informações e inquietações.

 Aos meus amigos que passaram dois anos me ouvindo falar, ininterruptamente, sem jamais criticar, sobre o Livro I do Tombo e sua interessantíssima história, e por me proporcionarem momentos de alegria quando tudo parecia impossível.

 A todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a feição deste trabalho.

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RESUMO

Dissertação de Mestrado em um volume. Inicia-se apresentando brevemente o cenário onde está localizado o Livro I do Tombo, A Biblioteca e o Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia. A isso se segue a apresentação do Livro I do Tombo, com uma minuciosa descrição extrínseca através da qual se traçou um perfil histórico da mistura de técnica e arte que é o livro manuscrito e de como este surgiu na história da humanidade. Apresenta-se, ainda, a descrição intrínseca do manuscrito. A seguir, são oferecidos ao leitor um Catálogo dos Documentos e os índices Onomástico e Cronológico do Livro I do Tombo, descrevendo a metodologia utilizada para sua elaboração. Ademais, traçam-se duas análises de um interessante ritual de posse da terra presente no manuscrito (uma com enfoque literário e outra enveredando pela memória medieval). Apresenta-se também uma breve apreciação de heráldica do Brasão presente na capa do manuscrito, analisando sua simbologia. Há ainda uma seção que apresenta as principais famílias arroladas no documento, sendo desenvolvidas suas árvores genealógicas. Tem-se a edição dos documentos com a metodologia adotada e a transcrição dos textos. Os facsímiles são apresentados em formato digital (DVD).

Palavras-chave: Mosteiro de São Bento da Bahia. Livro I do Tombo. Documentos dos sec. XVI e XVII. Edição conservadora.

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ABSTRACT

Dissertation in one volume. It begins by presenting briefly the scenario where the Livro I do

Tombo is located, the Library and Archive of the Benedictine Monastery of Bahia, is presented.

This is followed by the presentation of the Livro I do Tombo, with a detailed description of extrinsic aspects by which was delineated a historical profile of the technique and art mixture, i.e., the manuscript book and how it emerged in human history. It’s also presented the manuscript intrinsic description. Then, a catalog of the documents and the onomastic and chronologic indexes of the Livro I do Tombo are offered to the reader, describing the methodology used for their preparation. In addition, two analysis of an interesting ritual of land present in this manuscript (with literary focus in one of them and medieval memory highlighting in the other one) are propounded. A brief assessment of the heraldic arms on the cover of the manuscript, analyzing their symbolism, is also presented. There is also a section that presents the main families enrolled in the document, and their family trees have been developed. There is the edited documents with the methodology adopted, as the transcription of texts. The facsimiles are presented in digital format (DVD).

Keywords: Benedictine Monastery of Bahia. Livro I do Tombo. 16th and 17th centuries documents. Conservative edition.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

2 UMA PORTA PARA O PASSADO 10

2.1 O HOMEM E SUA HISTÓRIA 10

2.2 O MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA BAHIA 13

2.2.1 O Objeto: Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia e sua importância

18

2.2.2 Descrição 20

2.2.2.1 A arte e a técnica do livro: descrição extrínseca 20 2.2.2.2 As scriptae do Livro I do Tombo: descrição intrínseca 37

3 PRODUÇÃO DO CATÁLOGO 54

4 OS ÍNDICES: ONOMÁSTICO E CRONOLÓGICO 76

4.1 ÍNDICE ONOMÁSTICO 82

4.2 ÍNDICE CRONOLÓGICO 97

5 CULTURA E MEMÓRIA NO LIVRO I DO TOMBO: RITUAL DE

POSSE DE TERRA

106

5.1 MEMÓRIA 106

5.2 OS RITOS E SEUS ELEMENTOS 111

6 PARA UMA APRECIAÇÃO DE HERÁLDICA 114

7 GENEALOGIA 118

(9)

8.1 CRITÉRIOS PARA A TRANSCRIÇÃO 126

8.2 DIFICULDADES DA TRANSCRIÇÃO 129

8.3 LISTA DOS DOCUMENTOS EDITADOS 131

8.4 A TRANSCRIÇÃO 135

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 339

REFERÊNCIAS 340

(10)

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem como objetivo oferecer textos dos séculos XVI e XVII do

Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia através de uma edição de caráter

conservador que apresenta o texto na sua integridade.

Esta dissertação intitula-se Uma porta para o passado: edição de documentos

dos séculos XVI e XVII do Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia. Traz

nove seções, incluindo esta introdução, algumas análises, o catálogo, índices, a edição (apresentando os critérios de transcrição, as dificuldades encontradas no momento de fazer a transcrição, a lista dos documentos transcritos e a transcrição dos documentos aqui trabalhados) e as considerações finais.

A seção 2, intitulada Uma porta para o passado, constitui-se de duas seções secundárias intituladas: O homem e sua história e O Mosteiro de São Bento da Bahia. Na primeira seção secundária aborda-se a importância da Filologia para a história do homem, principalmente no que se refere à sua história linguística. Na segunda seção secundária situa-se o leitor brevemente na história beneditina no mundo e na Bahia, descrevendo o ambiente em que se desenvolveu a pesquisa e onde se encontra guardado o objeto deste trabalho (a Biblioteca e o Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia), até chegar ao Livro I do Tombo (objeto de estudo dessa dissertação). Nesse momento, abre-se uma seção terciária para apresentar mais detalhadamente o objeto de estudo em uma descrição extrínseca e intrínseca do livro.

A terceira seção deste trabalho intitula-se A produção do Catálogo. Essa seção, além de trazer o catálogo na íntegra, explica como se deu a produção deste e o porquê da necessidade de fazê-lo.

A quarta seção, que apresenta Os índices Onomástico e Cronológico, traz, além de ambos os índices, a metodologia utilizada para sua produção, assim como explicita as dificuldades encontradas ao longo da sua elaboração.

A quinta seção – Cultura e Memória no Livro I do Tombo: ritual de posse de

terra – apresenta a descrição de um interessante ritual de posse da terra presente no

manuscrito, descreve esse ritual e traça algumas relações com rituais presentes na Idade Média, que se constituíam numa maneira de perpetuar a memória oral.

(11)

A sexta seção apresenta uma apreciação heráldica do Brasão presente na capa do

Livro I do Tombo, mostrando a relação dos símbolos nele presentes com o contexto

beneditino.

A sétima seção é um levantamento inicial de três das principais famílias (importância histórica de acordo com autores da área) registradas no manuscrito, sendo desenvolvidas suas árvores genealógicas, são elas: os Guedes de Brito, os D'Ávila e os Albuquerque Coelho.

A seção de número oito é intitulada Edição, na qual se apresenta a edição escolhida para este trabalho. Possui ainda quatro seções secundárias: Critérios para a

transcrição, que traz a metodologia utilizada; Dificuldades da transcrição, mostrando

os problemas encontrados; Lista dos documentos editados; Transcrição, a transcrição de documentos dos sec. XVI e XVII. Por fim, têm-se as considerações finais e referências.

Os facsímiles dos documentos transcritos são apresentados em formato digital, (em DVD) em anexo ao trabalho.

Assim, deste ponto em diante abre-se a porta para o Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia.

(12)

2 UMA PORTA PARA O PASSADO

2.1 O HOMEM E SUA HISTÓRIA

O meu banco preferido na ala central da velha biblioteca da universidade ainda estava a ser aquecido pelos últimos raios de sol da tarde primaveril. À minha volta, três ou quatro estudantes liam ou conversavam em voz baixa, e senti a calma habitual daquele refúgio acadêmico penetrar-me nos ossos. As paredes do grande salão da biblioteca eram interrompidas por vidraças coloridas, algumas das quais davam para salas de leitura e para corredores e pátios semelhantes a claustros, de modo que dali eu via pessoas a ir e vir ou a estudar em grandes mesas de carvalho (KOSTOVA, 2005, p. 58).

A poeira de luz tocava os rostos dos alunos que liam e viravam as páginas dos livros sentados às suas mesas, roçava os seus blusões pesados e os seus rostos sérios. Era o paraíso do saber e eu rezei para que um dia pudesse ser ali admitida (KOSTOVA, 2005, p.175).

Todas as paredes disponíveis estavam cobertas de livros de cima a baixo, do piso de pedra ao teto abobadado. Vi quilômetros de encadernações de couro finamente lavradas, toneladas de fólios, montes de pequenos livros vermelho-escuros do século dezenove. Tentei imaginar o que haveria em todos aqueles livros. Seria capaz de compreender alguma coisa neles? Os meus dedos estavam ansiosos por tirar alguns das estantes, mas não ousava tocar nem numa lombada. Não sabia se aquilo era uma biblioteca ou um museu (KOSTOVA, 2005, p.175) .

Era bom entrar numa biblioteca novamente; o cheiro era familiar. [...]. Mas o que me chamou a atenção foram as filas de livros, centenas de milhares deles a forrar as salas, do teto ao chão, as suas encadernações vermelhas e castanhas e douradas em fileiras cerradas, as suas capas marmoreadas e as suas guardas macias ao toque, as vértebras salientes das lombadas, acastanhadas como velhos ossos. (KOSTOVA, 2005, p.349).

Fig.1: Imagem do Setor de Referência / Biblioteca do

Mosteiro de São Bento da Bahia

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Para iniciar essa caminhada, toma-se como ponto de partida o homem, sua produção textual e a ciência que dela se ocupa: a Filologia.

Assim, a citação e imagem acima dialogam de forma a construir um ambiente, que transmita a sensação, o cheiro, o visual que transporte o leitor desta dissertação à história, ao texto, às pessoas, aos lugares que serão aqui estudados, visitados, apresentados, através da edição e das análises do Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia.

O homem é um ser histórico e social, portanto, é o resultado do meio em que vive. Para compreender esse homem de hoje e o seu mundo, o passado tem um valor fundamental. É nos registros de tempos idos que se encontra a formação do pensamento de um povo, de uma cultura, de uma história.

Boa parte desse registro se faz através de textos, que, é claro, também escondem informações sobre evolução de sua língua. A transmissão da cultura européia, desde os antigos gregos, foi confiada em parte aos manuscritos (cópias feitas à mão a partir de cópias anteriores – o que muda são os suportes – pedra, tábuas de madeira, rolo, códice – em pergaminho, papiro, papel). A principal ciência que estuda esses documentos é a Filologia, uma ciência de caráter erudito que estuda a língua em toda a sua completude e os textos escritos que servem para documentar essa língua. O termo Filologia ainda é polissêmico, mas hoje, percebe-se que ela, a Filologia, segue, pelo menos, dois ramos: o do estudo da língua (Lingüística Histórica) e o do estudo do texto (Crítica Textual).

Os objetivos e metodologias dos dois ramos são interdependentes, pois a análise da língua é fundamental para o estabelecimento do texto crítico, assim como uma boa edição de um texto traz para o estudo lingüístico a língua o mais próxima possível de sua realidade histórica. A Crítica Textual utiliza a lingüística para estudar os textos e a Lingüística utiliza os textos para descrever a língua. Há, então, uma relação de troca e dependência entre os dois ramos da Filologia, um sempre servindo de base para a elaboração do outro (TELLES, 2000). Desta forma, a Crítica Textual resgata e traz para os dias atuais o testemunho histórico e documental de uma época, fazendo com que a sociedade tenha uma compreensão melhor de sua história.

Com o passar do tempo, a Filologia não permanece como a investigação do instrumento lingüístico como tal, apesar de utilizá-lo para penetrar nos textos construídos em determinadas línguas, com o objetivo de restaurar, depurar e interpretar estes textos, que já não são necessariamente literários. A Filologia segue como auxiliar

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e ao mesmo tempo como apoio a diversas outras disciplinas, perdendo sua pretensão de onipresença (CANO AGUILAR, 2000).

Neste sentido, como sempre aconteceu, os estudos filológicos andam de braços dados com os estudos lingüísticos, abrindo espaço para textos não literários, e não tomando para si a tarefa dos estudos de língua como elemento primeiro, que, no entanto, continua sendo visto como indissociável para a penetração no conteúdo do texto.

Abrindo espaço para textos outros, a Filologia se depara com dificuldades outras, como o estudo de textos notariais como é o caso do Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia, documento aqui trabalhado.

Lembra Martinez Ortega (1999) que as dificuldades do estudo da língua de textos jurídicos são numerosas devido à escassez de trabalhos baseados neste tipo de documentos. É de chamar a atenção a grande pobreza bibliográfica ou a defasagem das investigações publicadas, devido principalmente à diversidade de campos que haveria de abarcar: o legal, o histórico, o paleográfico e o filológico.

Diversos tipos de textos, todos relativos ao âmbito jurídico, são encontrados em documentos notariais, entre eles vê-se: registro testamentário trazendo linguagem própria dos testamentos; registro contratual utilizado na redação de contratos, registro de recebimento mediante o qual alguém reconhece haver recebido certos bens; registro de doação e registro de sesmarias através dos quais se transmite a outrem determinados bens; entre outros (MARTINEZ ORTEGA, 1999, p. 14-16). Esses documentos são de fundamental importância para o estudo da cultua, da genealogia e da toponímia.

Sabe-se que, na Idade Média, Vivarium, na Calábria (Itália), é o primeiro convento a ser identificado com o livro. Na época, o Convento era dirigido pelo romano Cassiodoro, que achava que os conventos deveriam abrigar a produção literária da Antigüidade, por isso redigiu para os monges copistas algumas regras de transcrição e ortografia, que perduraram por séculos. O acervo do convento contava com uma centena de códices. No entanto, foi o Convento de Monte Cassino (529 d.C.), fundado pelo próprio São Bento, que marcou o início do movimento sistemático de editoração medieval.

No Brasil a prática do trabalho filológico pode ser considerada relativamente recente, visto que o país tem apenas 500 anos de colonização. No entanto, cá se tem grandes nomes da área, que desenvolveram e desenvolvem trabalhos de grande fôlego, envolvidos e animados pela riqueza de material que cá se pode encontrar. Visto que

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Ao longo de todo o processo de colonização das terras brasileiras foram se formando pequenas, médias e grandes bibliotecas. Estas bibliotecas representam hoje, não somente autênticos documentos da influência sócio-cultural européia, mas constituem, também, acervos de idéias que influenciaram os homens que fizeram a nossa história. (PINHEIRO, 1989, p. 19)

A “Cidade da Bahia”, que foi a primeira capital do país, guarda considerável parte desses tesouros, muitos deles sob a jurisdição e a prudência dos primeiros monges beneditinos baianos, os primeiros beneditinos a chegarem no “Novo Mundo”.

Preservar a memória, portanto, é mais do que uma obrigação para os monges beneditinos, é uma vocação, pois são tantos e tão valiosos os documentos presentes nos arquivos do Mosteiro de São Bento da Bahia que os acervos, juntamente com todo o complexo arquitetônico, mobiliário, pinacoteca, coleção de esculturas, etc. foi tombado pelo IPHAN como patrimônio histórico-cultural brasileiro.

Em virtude desse valor, inúmeros foram os estudiosos, religiosos ou não, brasileiros ou estrangeiros, que subsidiaram suas pesquisas com as informações contidas nestes materiais.

2.2 O MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA BAHIA

Ao redigir esta seção, a intenção da autora desta dissertação é fazer jus a uma das máximas da “metodologia do trabalho científico”, que é: seguir a “lei do maior esforço”, que se constitui no maior esforço de quem escreve para exigir o menor esforço de quem lê. Desta forma, pensando no leitor que nunca teve a oportunidade de estar no Mosteiro de São Bento da Bahia e não conhece suas instalações, sua história e sua inserção na vida social da Bahia, decidiu-se apresentar um pouco de cada um desses elementos acima referidos, visto que as doações, os testamentos, codicilos etc. que se encontram registrados no Livro I do Tombo são reflexo de tudo isso. Desta forma, ainda pensando neste leitor distante e desconhecido, apresenta-se o ambiente físico do Mosteiro, principalmente no que tange ao local (Biblioteca/Arquivo do Mosteiro) onde se encontra o objeto de análise desta dissertação, para que os possíveis interessados em pesquisas futuras com este ou com qualquer outro documento deste grande manancial

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de informações que são o Arquivo e a Biblioteca do Mosteiro saibam abrir “a porta para o passado”.

O Mosteiro de São Bento da Bahia, fundado em 1582, foi o primeiro de todo o Novo Mundo. Com sua presença multissecular no cenário cultural baiano e brasileiro, destaca-se como instituição plenamente inserida no desenvolvimento local e regional através da promoção e preservação das artes, da cultura e do saber.

Tendo mais de quatro séculos de tradição e história vivas, o Mosteiro se constitui de um espaço privilegiado para a produção e difusão do conhecimento. Guardião do tempo e da memória, o Mosteiro possui um rico acervo que reúne obras raras como documentos, livros, manuscritos, entre outros, que submetidos à análise poderão imprimir o diferencial na história da Bahia e do Brasil.

O Mosteiro não apenas é o guardião de um acervo bastante raro (pinacoteca, biblioteca, mobiliário, imaginária, ourivesaria, arquitetura), mas foi palco, cenário e personagem de inúmeros acontecimentos importantes para a história da Bahia e em especial para a cidade de Salvador. Apresentar a história da instituição, é apresentar ao leitor desta dissertação o contexto que será descortinado através da edição de parte dos documentos contidos no Livor I do Tombo.

Desde a fundação do Mosteiro da Bahia, conforme as informações históricas que se encontram nos arquivos da Ordem de São Bento em Portugal, os monges beneditinos da Bahia dedicaram-se ao trabalho na área das Letras e Humanidades e à pesquisa filológica e histórica, muitas vezes, baseando-se apenas nas próprias experiências, de forma empírica.

Numerosas são as notícias e os registros desta atividade encontradas nos documentos e manuscritos do Arquivo do Mosteiro da Bahia. A história do Mosteiro da Bahia nos conta que, devido à carência de Colégios e Universidades no Brasil, os monges beneditinos foram procurados pela população sendo constituídos como tutores da educação dos jovens e crianças da capital baiana.

Desta forma, o Mosteiro da Bahia colaborou para o desenvolvimento econômico do Recôncavo baiano incentivando também a educação de jovens e adultos. Participou ativamente da luta pela Abolição da escravatura, sendo, como se verifica pela documentação encontrada no próprio Arquivo do Mosteiro, a primeira Instituição Religiosa a libertar integralmente os seus escravos, o que se deu em 1877. Nestes documentos, pode-se notar o trabalho de ensino das Letras também aos escravos

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agregados ao Mosteiro, juntamente com o ensino das artes e dos ofícios. (ANDRADE; LOSE, 2007). Esta informação dialoga com muitos dados presentes nos documentos do

Livro I do Tombo.

Por ser o Mosteiro de São Bento da Bahia a continuação milenar da história beneditina, iniciada por São Bento em 480 d.C., os monges beneditinos da Bahia são herdeiros da tradição bibliográfica (produção e conservação), possuindo, em seus arquivos, grandes raridades documentais do Brasil.

Desde o séc. VI d.C., vários Mosteiros Beneditinos da Europa tinham como compromisso a preservação e a divulgação de livros e manuscritos.

O célebre ensinamento do Patriarca São Bento de honrar todos os homens respeitando e preservando sua cultura é a característica do pensamento que permeia as ações do Mosteiro de São Bento até os dias atuais. Seguindo essa tradição, o Mosteiro da Bahia, o primeiro das Américas, possui uma Biblioteca e um Arquivo fundados, juntamente com o Mosteiro, em 1582. Nesses documentos está registrado o início da história do Brasil, suas primeiras ruas, alamedas, bairros, famílias, costumes, etc. Esses textos também escondem informações sobre evolução de sua língua.

Além da História do Mosteiro de São Bento da Bahia e sua inserção na vida cultural, social, política e religiosa da sociedade baiana, a Ordem de São Bento, fundada no século VI d.C., traz consigo uma tradição de mais de 1.500 anos de atuação no campo do trabalho, da cultura e da educação (ANDRADE; LOSE, 2007).

Os beneditinos também colaboraram com a literatura brasileira, seja no que diz respeito aos relatos históricos essenciais para a memória do país, seja através da produção de obras literárias reconhecidas como no caso de Junqueira Freire, Frei Manoel de São Caetano e Dom Marcos Barbosa, membro da Academia Brasileira de Letras no século XX.

O já citado Arquivo do Mosteiro, constituído de documentos manuscritos e impressos que datam desde o séc. XVI, possui: bulas papais, cartas de profissão dos monges, sermões, dietários com a história de todos os monges desde a fundação do Mosteiro, documentos relativos à vida privada do Mosteiro, documentos que referentes a grandes personalidades históricas, como Catarina Paraguaçu, Gabriel Soares de Souza, Garcia D‟Ávila, entre outras, além de cartas de alforria e documentos de compra e venda de escravos, documentação relativa às propriedades do Mosteiro em toda a região

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metropolitana de Salvador, livros de pedidos de oração, entre diversos outros documentos, com os mais variados temas, tipologias textuais, épocas e línguas.

Desta forma, é pertinente explicar que o que muitos chamam de Biblioteca do Mosteiro, é, por assim dizer, na realidade, um grande ambiente dividido em 3 setores: o Setor de Referência, onde ficam obras impressas do séc. XIX ao XXI, com boa parte dos títulos já catalogadas na base de dados informatizada e disponíveis para empréstimo e consulta; o Setor de Obras Raras (no Centro de Documentação e Pesquisa do Livro Raro Dr. Norberto Odebrecht), com obras impressas do séc. XVI ao XIX, às quais apenas pesquisadores previamente autorizados têm acesso, e o Arquivo do Mosteiro, onde ficam todas as obras mais preciosas, por sua raridade e antiguidade, todos os textos manuscritos, e os documentos relativos à ordem monástica e a sua sede, também de acesso restrito a pesquisadores autorizados. Tal Arquivo, que até pouco tempo se encontrava em um espaço interno, em ambiente de clausura, agora está sendo deslocado para uma sala especial no interior da Biblioteca, onde foram instalados arquivos deslizantes confeccionados sob medida para este fim.

A título de exemplificação, seguem abaixo imagens desses três setores aqui descritos com o intuito de dar a oportunidade ao leitor que os desconhece de visualizar esse ambiente e “entrar” juntamente com esta pesquisadora no universo ora apresentado.

Fig.2: Vista do Setor de Referência Fonte: Foto de Vitor Oliveira Andrade

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Fig.4: Imagem da estante de códices grandes do Arquivo do Mosteiro Fonte: Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.3: Vista do Setor de Obras Raras Fonte: Foto de Vitor Oliveira Andrade

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Como se vê, desde a chegada à antiga capital da América portuguesa, os beneditinos têm sido co-participantes da história da cidade, em seus avanços mais significativos ou nas vicissitudes impostas ao longo do tempo. Boa parte destes mais de quatro séculos de tradição e história encontra-se presente nas páginas dos Livros de

Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia. Através deles se pode vislumbrar o

desenvolvimento urbano de Salvador e adjacências, com os nomes primeiros das ruas, alamedas, bairros. O mesmo ocorre com a constituição das famílias baianas e suas substanciais contribuições para o desenvolvimento desta entidade religiosa. Os monges de São Bento da Bahia ainda hoje vivem graças aos dividendos advindos desse patrimônio, boa parte dele registrado nos fólios dos Livros de Tombo.

2.2.1 O Objeto: Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia e sua importância

O Livro I do Tombo, documento aqui trabalhado, faz parte da Coleção completa dos Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia que apresenta informações que alcançam um período que vai dos séculos XVI ao XVIII. Os textos constituem-se de traslados do original, autenticados, de acordo com os termos de abertura e de encerramento, por tabelião, afirmando-se que, depois de copiados, foram lidos e achados conforme os originais.

A Coleção dos Livros do Tombo encontra-se no Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia, que, junto com a Biblioteca e o seu Centro de Documentação e Pesquisa do Livro Raro Dr. Norberto Odebrecht, é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia é uma coletânea de textos dos séculos XVI, XVII e XVIII, transcritos em 1803, como informa o termo de autorização, para que seu conteúdo não se perdesse, já que o original se encontrava em avançado estado de deterioração. Esse é um manuscrito importante para a história da construção do Brasil, pois traz informações relativas aos três primeiros séculos de colonização do país.

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O conjunto de manuscritos que se está editando contém documentos importantes sobre os estados de Pernambuco, da Bahia e um documento sobre o estado do Rio de Janeiro, no período de 1567 a 1798. Nele está registrada1 a história de duas das mais importantes capitanias do Brasil: a da Bahia e a de Pernambuco (TAVARES, 2001) e, com isso, o início da história do país. São esses alguns dos primeiros registros da formação da sociedade brasileira. Desta forma, estes documentos auxiliam a compreensão de como se deu o processo de povoamento desses estados, suas capitais, principalmente no tocante às regiões mais antigas, fornecendo os nomes primitivos das ruas e bairros das cidades e informações sobre as famílias mais tradicionais.

Entre os documentos presentes nos Livros do Tombo estão doações, registros, testamentos, reconhecimentos, petições, autos de posse, cartas de Sesmarias. São documentos que trazem registros do patrimônio territorial do Mosteiro de São Bento da Bahia nas principais capitanias dos séculos iniciais do Brasil após sua colonização.

Para maior compreensão do leitor, apresentam-se, nesta seção e nas seguintes, diversas imagens do documento trabalhado, diretamente relacionadas aos textos a que se referem.

Neste trabalho estão sendo editados documentos relativos aos séculos XVI e metade do século XVII, os mais antigos. A eleição destes documentos, em detrimento dos demais, se deveu ao fato de se acreditar que os séculos iniciais devem trazer informações sobre a formação da língua portuguesa utilizada nos primeiros anos nesta colônia portuguesa, além de informações culturais e históricas.

1

A grande maioria dos documentos é referente a esses dois Estados, mas há um documento referente ao Rio de Janeiro e outros que ainda não se sabe a localização.

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2.2.2 Descrição

2.2.2.1 A arte e a técnica do livro: descrição extrínseca

Os livros são responsáveis por trazer à época presente registros históricos do passado, por dar à humanidade a oportunidade de conhecer sua narrativa, de ter acesso às suas memórias. É nos registros de tempos idos que se encontra a formação do pensamento de um povo, de uma cultura, de uma história, além, é claro, de informações sobre a evolução de sua língua.

A produção librária, que era ativa na Antigüidade, na Idade Média ficou restrita aos claustros; renascendo, no entanto, com as universidades. A prática dos Monges copistas vinha desde os tempos de São Jerônimo (séc. IV), e na Renascença Carolíngia houve incentivo à literatura; maior desempenho de editoração. No entanto, a produção de livros ficou, mesmo, limitada aos mosteiros até o século XII (CAMPOS, 1994).

Fig.5: Imagem da capa e Lombada

do Livro I do Tombo

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Tanto o processo da feitura do livro quanto o material utilizado nele revelam não somente o período em que foi feito, mas também a história de sua técnica. Desvendam a arte e a técnica que eram utilizadas em cada momento da história dessa invenção tão antiga e tão atual, revelando a beleza do livro através do suporte, da tinta, do instrumento de escrita, da maneira encadernar, da marca d'água.

O livro, na forma como é conhecido hoje, apareceu na história da humanidade por volta do século IV da era cristã, revolucionando todo o processo de escrita, leitura e compilação de documentos. Esta nova forma suplantou o uso do rolo aos poucos, pois era, sob muitos aspectos, mais favorável para a leitura, principalmente se o documento fosse extenso. Esta forma de compilação de documentos tornou-se popular pela facilidade do manuseio e começou a generalizar-se em Roma, no Baixo Império Romano (MCMURTRIE, 1965, p. 79). Ela é uma evolução das tabletas de cera “[...] antes do uso do papiro, pergaminho [usava-se frequentemente] tabuletas polidas [e] cascas de árvores [...]; correspondem a uma época muito antiga” (ARNS, 2007 p.29).

A produção escrita vai passando pelas cascas de árvore, tabuletas de cera, rolo até chegar ao códice, e, posteriormente, ao livro impresso.

Faria e Pericão (2008, p. 170), no Dicionário do Livro, apresentam a definição de códice como sendo, primeiramente,

[...] a aglutinação de pequenas tabuinhas enceradas prontas para a escrita, presas numa das pontas por um fio que atravessava os orifícios aí existentes. Mais tarde designa o manuscrito em folhas de pergaminho ou papel encadernadas juntas, de modo semelhante ao de nossos livros. [...] um livro, dada a semelhança de um livro encadernado com um bloco de madeira.

No século XV surge a imprensa que irá revolucionar a produção librária, mas essa mudança ocorrerá de forma lenta e gradual. “O princípio da prensa, na forma incipientíssima de alavanca, era utilizado para espremer uvas e fazer vinho no alvorecer da civilização grega.” (CAMARGO, 2003, p. 11).

A invenção de Gutenberg foi associar prensa e tipos móveis e conseguir a liga ideal para a fundição desses tipos, otimizando a utilização do conjunto. Numa Europa alheia de novidades [...] a prensa de tipos móveis representou uma revolução (CAMARGO, 2003, p. 12).

Essa revolução foi a facilidade de reproduzir os conhecimentos em escala, o que significou expansão da informação para novos seguimentos sociais: o atendimento de uma demanda já notada nas primeiras universidades e a criação de mais demanda (CAMARGO, 2003, p. 12).

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“O fim da produção de códices anuncia-se no século XV com o nascimento do livro xilográfico e termina algum tempo mais tarde com a invenção e a expansão da imprensa” (FARIA; PERICÃO, 2008, p. 170). A invenção da tipografia não apenas imprimiu um novo ritmo no fabrico dos livros e assim sua maior disseminação, ela também criou alguns problemas para os colecionadores e amantes da palavra escrita. “A impressão dos primeiros livros – os chamados incunábulos – era tão perfeita que apenas olhos muito exercitados seriam capazes de distingui-los dos manuscritos” (MACHADO, 2003, p. 15).

Nesse período de transição os tipógrafos pioneiros adotaram no livro impresso todas as características do manuscrito.

Os caracteres foram imitados das letras góticas, manteve-se a disposição do texto, o tradicional incipit, (breve fórmula colocada antes do texto, indicando o assunto da obra e, algumas vezes, o nome do autor), o espaço para a capitular, o excipit, ou o colofão (onde se declarava o local de impressão e o nome do tipógrafo). Até o papel ou velino utilizado era da mesma natureza. [...] Como a nova arte ainda estivesse pouco divulgada, os compradores mal desconfiariam se fossem enganados. E assim se deu. Explorando as semelhanças entre livros impressos e manuscritos, livreiros inescrupulosos vendiam um por outro, aumentando extraordinariamente os seus lucros. [...] O logro não durou muito. Em pouco mais de trinta anos de uma atividade incansável, os tipógrafos quatrocentistas eliminaram o incipt, reduziram o formato do livro mediante a dobra e redobra dos fólios, criando os formatos médio e pequeno, idealizaram a folha de rosto, numeraram as páginas, introduziram ilustrações artísticas, encheram com ornatos impressos e o espaço vago reservado às capitulares, deram ao livro impresso uma fisionomia própria, bem distinta dos manuscritos, levando um estudioso a afirmar que o livro já nascera perfeito e insubstituível (MACHADO, 2003, p. 15).

A revolução do livro tipográfico se deu graças ao seu custo muito mais baixo e à sua rápida propagação, em contraste com a difusão extremamente lenta do manuscrito. O número de leitores e de títulos aumentou de maneira extraordinária.

O rápido aumento da comercialização do livro levou os impressores à utilização de insígnias, que os distinguisse entre si. No início a iniciativa tinha uma finalidade prática, visando a facilitar o trabalho dos transportadores. Dessa forma cada tipógrafo passou a imprimir o seu emblema nas embalagens dos livros enviados aos correspondentes (MACHADO, 2003, p. 16). Logo a insígnia passou a ser impressa no próprio livro, no colofão ou em alguma página em branco do último caderno. Surgia assim a marca tipográfica, que em pouco tempo se tornou uma autêntica ilustração

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publicitária, destinada não apenas a indicar a origem do livro, mas a ornamentá-lo e servir como uma garantia de qualidade. Era um antecessor longínquo do selo de qualidade.

É óbvio que a difusão da tipografia foi vital para incrementar o processo de multiplicação de textos, e justamente sua velocidade de reprodução terminou por destruir a tradicional indústria de manuscritos. Observe-se, no entanto, que o objetivo primeiro da mecanização era evitar a incidência de erros tal como se verifica nas reproduções manuscritas, eliminando, assim, a presença fatal de variantes nas cópias. Esse resultado, porém, jamais seria alcançado. E quanto mais se recua na história da tipografia, iniciada na década de 1450, mais se verifica que a ambicionada uniformidade de reprodução do texto, ainda que parcialmente livre de erros de transcrição, se achava submetida a freqüentes e inquietantes acidentes de impressão [...] (ARAÚJO, 1986, p. 45).

A substituição do copista dos manuscritos pelo gravador-fundidor-impressor, cuja única ambição era a de reproduzir fielmente, e em grande volume, os textos destinados à grande divulgação, não mudou em nada a estrutura formal nem da escrita nem do livro.

Um livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos XIV e XV) e um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais – as do códex. Tanto um como outro são objetos compostos de folhas dobradas um certo número de vezes, o que determina o formato do livro e a sucessão dos cadernos. Estes cadernos são montados, costurados uns aos outros e protegidos por uma encadernação. A distribuição do texto na superfície da página, os instrumentos que lhe permitem as identificações (paginação, numerações), os índices e os sumários: tudo isso existe desde a época do manuscrito. Isso é herdado por Gutenberg e depois dele, pelo livro moderno (CHARTIER, 1999, p. 7-8).

Há, portanto, uma continuidade muito forte entre a cultura do manuscrito e a cultura do impresso, embora durante muito tempo se tenha acreditado numa ruptura total entre uma e outra. Com Gutenberg, a prensa, os tipógrafos, a oficina, todo um mundo antigo teria desaparecido bruscamente. Na realidade, o escrito copiado à mão sobreviveu por muito tempo à invenção de Gutenberg, até o século XVIII e mesmo XIX (CHARTIER, 1999, p. 9).

A história do livro no Brasil tem início em meados do século XVI, datam desse período os primeiros registros de sua presença em território brasileiro. Nesse tempo, os livros estavam mais presentes nas instituições religiosas, como a beneditina, por

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exemplo, concentrando-se, principalmente, nas capitanias de Pernambuco e Bahia por serem as mais abastadas nesse início de colonização.

Só vamos conhecer instrução e possuir livros a partir da segunda metade do século, desde que se instala em 1549 o governo-geral em Salvador, na Bahia. Só começamos a engatinhar pelo caminho da cultura depois do estabelecimento dos conventos dos jesuítas, franciscanos, carmelitas e beneditinos, principalmente dos padres da Companhia de Jesus que logo após sua chegada abrem colégios na Bahia e em outras capitanias. [...] Em fins do século XVI já se nota certa vida intelectual na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro (MORAES, 2006, p. 4).

Além dos poucos livros trazidos de fora para o Brasil é possível que se tenha passado a fabricá-los no país com finalidades específicas como a de registrar os bens (MORAES, 2006). São os chamados Livros de Tombo, inventário que trazem o elenco de todas as peças que constituem uma herança (FARIA; PERICÃO, 2008). Nos Mosteiros, esses livros tinham fundamental importância para assegurar a legalidade da posse das terras através de compra, doação, herança. O Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia é um exemplo desse tipo de livro, pois, como se disse, é um documento que traz registros do patrimônio territorial do Mosteiro de São Bento da nos séc. XVI, XVII e XVIII.

O chamado Livro I do Tombo, que é, na denominação de Faria e Pericão (2008), um livro de inventário, pode, a depender do teórico que trate da História do Livro, não ser considerado um livro de fato, visto que muitos dos conceitos trazem na idéia de livro uma unidade bibliográfica, uma monografia, no entanto, para outros permanece a noção de formato de livro (a forma como os documentos foram compilados). No caso dos Livro do Tombo o conceito está associado à forma, mais que ao conteúdo pois, ao que parece, não seria adequado usar o termo códice, uma vez que, como se disse, o uso desta nomenclatura tem seu fim no século XV com a invenção da Xilogravura Estipula-se, então, que o Livro I (nome dado pelos próprios beneditinos) é um Livro de Tombo, de registro, pois é uma compilação de documentos de herança que são costurados e encadernados em formato de Livro.

Como já mencionado, o Livro I do Tombo faz parte da coleção dos Livros do

Tombo que juntos alcançam um período de cerca de 400 anos, relativos aos séc. XVI,

XVII, XVIII e XIX. A maioria desses documentos constituem-se de traslados do original, com isso, o conteúdo é dos séculos XVI ao XIX, mas o suporte (papel, capa

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em couro, maneira de encadernação) datam, provavelmente, do início do século XIX ou XX.

Sabe-se que, na história do livro, o processo de encadernação só surgiu quando o códice tomou a forma de livro. A depender da importância do material utilizado para escrita, tais encadernações poderiam ser feitas com chapas de madeira fina, amarradas por tiras de couro; ou retângulos cobertos com cera; ou ainda chapas de marfim trabalhado; chapas de ouro ou prata com pedras preciosas; e mais tarde capas de couro com metal nas cantoneiras (CAMPOS, 1994, p. 154). Como os livros eram considerados mercadorias raras e caras, mereciam realmente ser protegidos e ornados.

Como já dito anteriormente, o aparecimento da imprensa não provocou nenhuma transformação súbita na produção librária. Os mesmos artesãos que já encadernavam o manuscrito adquiriram o hábito de “vestir”, do mesmo modo, os livros impressos. Entretanto, cada vez mais a tendência era encadernar solidamente os livros em vitelo de forma a assegurar sua conservação, mas sem a preocupação de decorar as capas. Somente a lombada, que é justamente o que aparece nas prateleiras das bibliotecas (os livros são agora conservados não mais deitados, mas em pé, apertados uns contra os outros para ocuparem menos lugar), é ornada com alguns motivos como uma peça de couro sobre a qual está escrito o título da obra (FEBVRE; MARTIN, 1992, p. 169, 171). O Tombo I é um livro manuscrito. Sua encadernação, apesar de muito bonita, já não possui mais os ornamentos tão ostensivos como os dos livros anteriores à invenção da imprensa. Assim, o Livro I possui encadernação em couro de porco marrom com uma gravura em nanquim que consiste numa adaptação contendo um dos símbolos da Ordem de São Bento (o Sol), parte do brasão da Congregação Brasileira (a torre com o rio caudaloso), parte do brasão do Mosteiro da Bahia (a cruz com as flechas de São Sebastião) e a data que se atribuía à fundação do Mosteiro baiano pintados à tinta na capa.

Esse brasão teria sido criado pelo Irmão Paulo Lachenmayer já no início do século XX, o que sugere, pelo menos, duas opções: ou que toda a encadernação data deste período ou que somente a pintura data do século XX, tendo sido feita posteriormente, enquanto a encadernação data do início do século XIX, momento em que o livro foi trasladado. No entanto, a estas possibilidades aventadas, somam-se novas questões, levantadas após a análise do Livro IV da série, visto que este possui as

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mesmas características físicas, de tamanho, encadernação, gravura e tipo de papel. No entanto, nele não há nenhum texto, os fólios se encontram em branco.

O Livro I, que mede 487 mm × 339 mm, possui uma mancha escura no ângulo superior esquerdo que desce até o meio da capa, e deve ter sido produzida pela presença de fungos ou bactérias. A contracapa (ou quarta capa) também possui uma mancha escura no ângulo superior direito.

A técnica de feitura do livro era diferente da do rolo. Enquanto neste as folhas eram unidas pelas extremidades, formando um volume único e comprido, no códex cada folha era dobrada em duas ou mais partes e depois as coleções ou grupos destas folhas dobradas eram costuradas pelos vincos (MCMURTRIE, 1965, p. 481). Essa nova técnica de encadernação apresenta vários elementos. Chamam-se pastas os dois lados de cartão que recobre um livro. Para protegê-lo, é útil que as pastas ultrapassem o nível das folhas, e a esse excedente dá-se o nome de ranhuras. Chama-se borda a espessura do

Fig.6: Imagem da Capa do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.7: Imagem da Contra-capa do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Gravura contendo os

elementos heráldicos beneditinos

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cartão e bordura a parte do cartão que, embaixo da cobertura, excede as folhas (ROUVEYRE, [1899 ou 1900], apud MARTINS, 2006).

Aparas são os três lados do livro por onde o papel foi cortado. Uma delas é

especificada como calha, é a parte anterior das folhas, oposta ao dorso e pela qual o livro se abre. No Tombo I essas aparas foram pintadas em cor bordeaux, apesar de já

Ranhuras

Borda Pastas

Bordura Fig.8: Imagem do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.9: Imagem do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

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estarem bem desbotadas. A apara de cima e a calha eram pintadas com uma tonalidade mais escura enquanto a apara de baixo tinha uma tonalidade mais clara (ROUVEYRE, [1899 ou 1900], apud MARTINS, 2006). Essa técnica era recorrente da ornamentação do livro. Até hoje, ainda pode ser observada nas bíblias, por exemplo.

Há, ainda, o dorso ou lombada, parte posterior do livro, a que recebe o título e o nome do autor; e nervos ou nervuras, os cordões que fazem sobre o dorso pequenas saliências. Os espaços compreendidos entre eles são entre nervuras (ROUVEYRE, [1899 ou 1900], apud MARTINS, 2006).

A lombada do Livro I do Tombo apresenta 5 nervuras, derivadas da maneira de encadernação (costura dupla com cordão arredondado de cor bordeaux), e nas entrenervuras há a seguinte inscrição: “Livro I do Tombo”, distribuída em cada um dos espaços entre as nervuras, antecedida e sucedida por florões.

Apara de cima Apara de baixo Calha

Fig.10: Imagem do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro

de São Bento da Bahia

Fig.11: Imagem do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro

de São Bento da Bahia

Fig.12: Imagem do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro

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Logo no começo de um volume encadernado está a sua guarda, isto é uma folha de papel marmorado ou de cor. Outra folha semelhante é colocada, em sentido

Nervos ou nervuras Entre nervuras

Cordão ou cabeceado Fig.13: Fotografia da lombada do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig. 14: Fotografia do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

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contrário, no fim do volume, de formará, por assim dizer, a retaguarda (ROUVEYRE, [1899 ou 1900], apud MARTINS, 2006).

A guarda do começo faz sobretudo aparecer, pela sua totalidade sombria, o título da obra, que é a sua idéia-mãe, e a guarda do fim parece exprimir que o espírito do leitor volta à obscuridade desde que não seja mais iluminado pelos pensamentos do escritor (ROUVEYRE, [1899 ou 1900], apud MARTINS, 2006, p. 281).

As folhas de guarda têm como função colar a capa e contracapa às páginas de texto. No Tombo I, a folha de guarda da capa é de tonalidade amarronada e apresenta o número I (parece ter sido escrito posteriormente, pois a tinta é diferente da utilizada no restante do Livro) em algarismo romano escrito em azul, na parte superior central e, logo abaixo, uma etiqueta em papel branco colado no qual está impresso em número vazado datilografado Lº 2 em preto. A folha de guarda da contracapa, a retaguarda, não apresenta nada escrito, mas apresenta a mesma tonalidade escurecida da folha de guarda da capa.

Fig.15: Imagem da folha de guarda da capa do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da

Bahia

Fig.16: Imagem da folha de guarda da

contracapa do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento

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O suporte em que é construído é importante para a formação do livro e sua permanência até os dias atuais. Entre os diversos tipos de suporte da escrita, estão o papiro, o pergaminho, o papel. A palavra Papel vem, etimologicamente de “papiro”, que era “papyrus” em latim e πάπσρος em grego. Apesar disso, seu nome tem poucas relações com a coisa, e o papel não é um derivado do papiro: é o seu rival vitorioso. Como o papiro, o papel veio do oriente, da China. Até o fim do século XVIII, a fabricação do papel era puramente manual. Os moinhos de papel eram oficinas primitivas, onde se faziam as folhas uma a uma, em quantidades que ainda não chegavam para caracterizar uma indústria (MARTINS, 2002, p. 111 e 115).

E o fabrico do papel estava amplamente estabelecido na Europa do quatrocentos (CAMARGO, 2003, p. 11).

O processo inventado pelos chineses no século II d.C., difundiu-se através da Europa por intermédio dos árabes. Já no século XI, os sicilianos produziam o melhor papel do continente, feito de trapos, a um custo quinze vezes menor que o do pergaminho (CAMARGO, 2003, p. 11).

No Brasil, a primeira fábrica de papel foi fundada em 1808-1810 por Henrique Nunes Cardoso e Joaquim José da Silva, no Andaraí Pequeno (RJ), coincidindo com a vinda da Família Real Portuguesa (MARTINS, 2002, p. 124). Com o conhecimento dessa informação é possível ter certeza de que o papel utilizado no Livro I do Tombo não foi fabricado no Brasil, mas, possivelmente, em Portugal, já que o Livro I data de 1803. É um papel poroso, de alta gramatura, avergoado e de cor pardacenta. Sua porosidade e gramatura irão interferir na absorção da tinta e, com isso, na leitura que pode ser feita hoje.

Fig.17: Imagem do fólio 310rº do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da

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É possível observar em muitos papéis a marca d'água. Esta surgiu por volta de 1270 na Itália e era obtida através de um desenho feito de arame colocado sobre a rede (linhas de cadeneta ou linhas d'água) do molde, no lugar onde o arame provocasse uma depressão na polpa ficava mais fino, podendo ser visível contra a luz. Entretanto o termo é enganador, pois a marca não é feita pela água, mas pelo fio de metal (KATZENSTEIN, 1986, p. 228).

Há inúmeras conjecturas sobre a utilidade da marca d‟água que vão desde representação comercial à referência ao Velho Testamento. Elas podiam representar o brasão ou nome da empresa que manufaturou o livro ou o brasão da ordem religiosa ou da família que encomendou o livro, ou ainda animais relacionados ao Velho Testamento:

Foram propostas muitas teorias sobre a finalidade das marcas d'água. Conjecturou-se que seriam a marca registrada de fabricantes de papel ou indicariam quando e onde o papel era fabricado, o tamanho ou qualidade da folha [...] as marcas d'água podem ter sido símbolo das crenças religiosas de uma irmandade secreta, há muitas vezes nelas dúzias de sinais mencionados no Velho Testamento como a lua a estrela, muitos animais: peixe, veado, leão, unicórnio, cão, cordeiro, dragão, touro, águia [...] (KATZENSTEIN, 1986, p. 228-229).

Em português são empregados de forma aleatória o nome de marca-d'água a três tipos de sinais deixados na folha de papel pela fôrma. Em francês essas três formas são diferenciadas:

Pontuseaux são riscos transparentes que atravessam inteiramente o papel na distância de 12 a 15 linhas, ou 20 a 25 traços, conforme o tamanho da folha; eles cortam, em ângulo reto, outros riscos extremamente próximos uns dos outros e menos visíveis, denominados vergeures. Quanto à marca-d'água os franceses reservam esse nome apenas à “marca da fábrica”, impressa no papel pelo mesmo sistema. Se adotarmos esta última expressão nesse sentido restrito, poderemos, pela sua colocação, na folha, descobrir o formato do papel: se ela se encontra no meio, o volume é “in-fólio”, se está em baixo trata-se de um quarto” e,se se localiza ao alto da folha trata-se de um “in-octavo” (ROUVEYRE, [1899 ou 1900], apud MARTINS, 2006, p. 122).

Américo Cortez Pinto (1948) traz os sinais das marcas d'água descritas acima com os termos em português: vergaturas e pontusais, afirmando também que se reconhece o

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número de folhas do caderno observando-se a disposição das filigranas (marca d'água), das vergaturas e dos pontusais.

O manuscrito ora trabalhado possui duas marcas d'água que se alternam em alguns momentos nos fólios. As duas estão, provavelmente, relacionadas à empresa que fabricou o papel. Uma trata-se de um nome, possivelmente da empresa, D & C BLAUW. A outra é o brasão dela [empresa] com um X grande e dentro dele, nos espaços produzidos por suas hastes, estão presentes as iniciais D & CB.

O Livro I do Tombo tem 311 fólios, destes, 310 são numerados e rubricados e 288 estão escritos no recto e no verso. Os fólios 289 ao 310 estão em branco apenas com a rubrica e a numeração, que só ocorrem no recto. Os fólios medem 484mm × 350mm, a mancha escrita sem as notas marginais mede 380mm × 240mm e com as notas marginais 420 × 322mm. Em geral, 35 linhas escritas por fólio2.

2

As transcrições dos trechos aqui apontados a título de exemplificação se encontram na transcrição integral dos documentos, que se encontra no segundo volume desta dissertação. Optou-se por não transcrever os trechos aqui apontados nesta seção do trabalho, pois seu objetivo no momento é complementar as descrições extrínsecas e intrínsecas (desccrição material do documento), não se atendo a nenhuma análise de conteúdo desses textos no momento para não desviar a atenção do leitor.

Fig.18: Imagem da marca d'água do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da

Bahia

Fig.19: Imagem da marca d'água do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da

Bahia

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A tinta também é de importância fundamental na feitura do livro, pois ela pode, a depender de sua composição, manchar muito o documento ou desbotar, tornando, assim, a leitura impossível. Na produção de livros manuscritos, a tinta mais usada era negra, ou marrom, mais ou menos carbonada ou ácida. Se é muito ácida, corrosiva, a tinta pode manchar o outro lado do fólio ou até cortar a base da escrita. A tinta sem fixador pode desbotar ou descorar ao longo dos anos sob a ação da luz. As que posteriormente seriam utilizadas na impressão foram desenvolvidas a partir da tinta para escrever, usada pelos chineses e egípcios desde 2600 a.C., pelo menos, elas resultavam de uma química ainda bastante primitiva de pigmentos, colas animais e óleos vegetais (CAMARGO, 2003, p. 11).

A escrita do Livro I do Tombo é em tinta ferro-gálica ou metalo-gálica, e está em bom estado de conservação, embora o papel tenha sofrido oxidação da tinta em diversas partes, escurecendo também o suporte, o que prejudica relativamente a leitura. Nos fólios onde há escrita houve pouca ação de insetos, já que esta é tóxica para eles.

Fig.20: Imagem do fólio 34rº do Livro I do

Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento

da Bahia

Fig.21: Imagem do fólio 5rº do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento

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Além de todas estas características acima descritas, ressalta-se o fato de que esse documento passou por um processo antigo de restauração, no qual era colada uma folha de papel seda, com cola simples, por cima do fólio escrito. Com o passar do tempo, há uma reação química entre a tinta, a cola e o papel, o que prejudica em muitos pontos a leitura.

Por ser um texto notarial, o Livro possui autenticação de dois tabeliães: o primeiro (de nome Quintão) autentica o termo de abertura, de encerramento e todos os fólios no canto superior direito do recto; e outro, o segundo (chamado Tavares), deveria ratificar o conteúdo de cada documento, no entanto, isso só é feito nos cinco primeiros fólios.

Para abrir e fechar o documento, além das folhas de guarda, há os termos de abertura e encerramento. Estes termos são um registro, por escrito, feitos pelo escrivão destinados a dar autenticidade ao texto. No livro aqui estudado não há exatamente um “termo de abertura” de acordo com o padrão, pois o scriptor que o redige não é o mesmo que escreve o termo de encerramento. Desta forma, pode-se dizer que o que se tem é um “Termo de Autorização” do Abade do Mosteiro de São Bento para que os documentos sejam trasladados. Esse termo de autorização vem logo após a folha de guarda e nele se inicia a numeração do documento, 01. Depois deste termo de

Imagem do

verso no recto Parte perdida do suporte

onde a oxidação da tinta atingiu o papel

Fig.23: Imagem do fólio 3vº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.22: Imagem do fólio 3rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

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autorização do Abade tem-se um segundo termo de autorização do scriptor Domingos Jozé Cardozo para que o tabelião Jozé Alvares Quintão pudesse numerar e rubricar todo o documento no recto e fazer o termo de encerramento.

O termo de encerramento encontra-se redigido em um papel com a gramatura mais densa colado no último fólio antes da folha de retaguarda e mede 123mm × 195mm.

Fig.24: Imagem do termo de

autorização do Abade (1) do

Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro

de São Bento da Bahia

Fig.26 e 27: Facsímile termo de encerramento do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.25: Imagem do termo de

autorização 2 do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de

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Através desta descrição extrínseca detalhada do Livro I do Tombo pretendeu-se trazer informações de como surgiu o livro na história da humanidade, chegando aos que eram inicialmente produzidos no Brasil, e, daí, traçando um perfil histórico dessa mistura de técnica e arte que é o livro.

Baseado em tudo o que foi exposto até o momento e corroborado pelo trabalho realizado com o Livro I do Tombo, acredita-se, cada vez mais, que

A história do homem ocidental é, em última análise, a história do livro. Tudo o que se fez até hoje, desde os tempos pré-históricos, mas, sobretudo, a partir da Antigüidade, tem encontrado no livro, na palavra escrita, a sua interpretação, o seu programa ou a sua glorificação (MARTINS, 2002, p. 476).

2.2.2.2 As scriptae do Livro I do Tombo: descrição intrínseca

A escrita, partindo da associação silábica dos sumérios e passando pelos fenícios, já havia composto códigos legislativos, atos burocráticos, obras-primas literárias, bibliotecas monumentais em caracteres diversos, utilizados por assírios e babilônios, egípcios, chineses, gregos, romanos, árabes... Agora, no final da Idade Média, as letras acumulavam-se nas bibliotecas dos mosteiros, na forma de livros laboriosamente produzidos por copistas – símbolos do poder universal da Igreja de Roma (CAMARGO, 2003, p. 11).

Como se disse anteriormente, as scriptae do Livro I do Tombo datam da primeira década do século XIX (1803), sendo scriptae em letra cursiva. Como se sabe, a escrita humanística, que nasceu em Florença no século XV, foi uma reação dos intelectuais do Humanismo (que combatiam a cultura medieval) à escrita gótica. Ela foi gerada com base em outra escrita que pensavam ser de origem clássica romana, mas que, na verdade, era a pura escrita carolíngia (a mais típica da Idade Média). A maioria da documentação brasileira está registrada nela (séculos XV e XVI) (ACIOLI, 1994, p. 30-42).

O livro aqui estudado possui oito scriptae diferentes:

 duas do termo de autorização do Abade, uma delas pertence a Domingos Jozé Cardozo e a outra não se tem conhecimento

 uma do termo de encerramento que pertence a Jozé Alvares Quintão (o mesmo que rubrica todos os fólios no canto superior direito);

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 cinco nos fólios internos:

- uma é do tabelião que escreve o corpo do texto (denominado aqui de scriptor 4), não se sabe quem é esse tabelião, pois ele copia os documentos, mas não coloca seu nome no texto, nem no meio, nem no final. Isso se justifica pelo fato de não haver um único nome de tabelião que se repita em todos os documentos;

- o outro é do tabelião que faz algumas observações marginais apenas no início do documento (nos cinco primeiros fólios), cujo nome é Joaquim Tavares de Macedo-

scriptor 5-(essa informação pôde ser conseguida devido a esse tabelião ser o mesmo que

autenticou os documentos do Livro II do Tombo já editado pelo Grupo de Pesquisa), a comparação entre as letras virá mais adiante;

- o sexto (scriptor 6) aparece apenas no fólio 116rº e

- duas scriptae posteriores, (scriptores 7 e 8) à margem do texto, geralmente escrita a lápis, algumas vezes, colorido. Essas anotações posteriores são geralmente referentes a datas e localidades. Acredita-se que o scriptor 7 trata-se de Dom Matheus Ramalho da Rocha, monge do Mosteiro do Rio de Janeiro. Este ponto será explicado mais a diante.

Para melhor compreensão do que se afirma, nas imagens abaixo estão especificados os oito tipos de scriptae presentes no documento:

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scriptor 2

Domingos Jozé Cardozo scriptor 1

Fig.28: Excerto do fólio 1rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.29: Excerto do fólio 2rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

(42)

Scriptor 3

Jozé Alvares Quintão

Termo de encerramento

Corpo do texto

Fig.30: Excerto do fólio de encerramento do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.31: Excerto do fólio 3rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

(43)

Scriptor 6

scriptor 5 Joaquim Tavares de Macedo

Margem do corpo do texto

Fig.32: Excerto do fólio 3rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.33: Excerto do fólio 116rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

(44)

scriptor 8 - posterior 2 scriptor 7 - posterior 1

Dom Matheus Ramalho da Rocha Fig.34: Excerto do fólio 3rº do Livro I do Tombo

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.36: Excerto do fólio 310rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Margem do corpo do texto

scriptor 7 - posterior 1

Dom Matheus Ramalho da Rocha em lápis vermelho

Fig.35: Excerto do fólio 310vº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

(45)

Mostrando a comparação entre as letras do scriptor 5 (Joaquim Tavares de Macedo) no Livro I do Tombo e no Livro II do Tombo:

Atualmente, cogita-se a possibilidade de Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB, monge Arquivista do Mosteiro do Rio de Janeiro, ter procedido às alterações posteriores do chamado scriptor 7 no Livro I do Tombo, também presentes no Livro II do Tombo e no Dietário. Como se pode ver no excerto abaixo, percebe-se na folha de rosto do segundo volume do Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia, copiado e complementado por Dom Clemente da Silva Nigra, a assinatura de Dom Mateus, cuja letra se assemelha muito à encontrada em interferências posteriores inseridas nos

Fig.38. Excerto do fólio 35 vº do Livro II do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Fig.37: Excerto do fólio 3rº do Livro I do Tombo Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Referências

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