• Nenhum resultado encontrado

O sonho de Jacob: sacralidade e legitimação política nos livros de linhagem

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O sonho de Jacob: sacralidade e legitimação política nos livros de linhagem"

Copied!
26
0
0

Texto

(1)

O S O N H O DE J A C O B :

S A C R A L I D A D E E L E G I T I M A Ç Ã O P O L Í T I C A

NOS L I V R O S DE L I N H A G E N S *

P E D R O P I C O I T O « A m e i a m u l h e r amei a terra a m e i o m a r a m e i m u i t a s c o i s a s q u e h o j e m e é d i f í c i l e n u m e r a r D e m u i t a s d e l a s d e r e s t o f a l e i N ã o sei t a l v e z eu m e p o s s a e n g a n a r f o r a m t a n t a s a s v e z e s em q u e me e n g a n e i m a s p o r trás da m u l h e r d a t e r r a e d o mar p a r e c e u - m e ver s e m p r e o u t r a c o i s a t a l v e z o S e n h o r E e s s e o seu n o m e e nele n ã o c a b e t e m o r M a s d e p o i s d e s t e s o n h o sou o b r i g a d o a c a n t a r : e i s q u e o S e n h o r e s t á n e s t e l u g a r P o r q u ê n ã o sei t a l v e z u m a p e q u e n a h a s t e b a l a n c e t a l v e z s o r r i a a l g u m a c r i a n ç a T e r r í v e l n ã o é o h o m e m s o z i n h o na t a r d e c o m o n o u t r o t e m p o d e e s p l e n d o r c a n t e i T e r r í v e l é e s t e l u g a r T e r r í v e l p o r q u ê ? N ã o sei bem T a l v e z p o r q u e o S e n h o r pisa e s t a terra c o m o s s e u s p é s ( l e m b r o - m e a t e d e q u e m a n d o u t i r a r as s a n d á l i a s a M o i s é s ) L e v a n t o o s d o i s b r a ç o s a o s c é u s Aqui m u l h e r t e r r a m a r -Aqui s ó p o d e ser a c a s a de D e u s » R U Y B E L O , « P a l a v r a s d e J a c o b d e p o i s d o s o n h o » . Homem de Palavra(s) * E s t e a r t i g o c o r r e s p o n d e , n o s s e u s t r a ç o s g e r a i s , a p a r t e d a d i s s e r t a ç ã o d e M e s t r a d o a p r e s e n t a d a à F a c u l d a d e d e C i ê n c i a s S o c i a i s e H u m a n a s d a U n i v e r s i d a d e N o v a d e L i s b o a , e m 1 9 9 7 . c o m o t í t u l o As Musas e a Memória. História, conflito e legitimação política nos livros de linhagens.

(2)

A h i s t ó r i a da h i s t o r i o g r a f i a p o r t u g u e s a a n t e r i o r a F e r n ã o L o p e s e s t á a i n d a p o r f a z e r . E x c e p t u a n d o a l g u m a s i n t r o d u ç õ e s m u i t o su-m á r i a s . c o su-m o as d e O l i v e i r a M a r q u e s 1 ou V e r í s s i m o S e r r ã o2, não h o u ve da p a r t e d o s h i s t o r i a d o r e s um e s f o r ç o d e s i s t e m a t i z a ç ã o s e m e l h a n -te a o q u e n o t á v e i s e r u d i t o s , d e s d e A l e x a n d r e H e r c u l a n o a L i n d l e y C i n t r a e D i e g o C a t a l á n , d e s e n v o l v e r a m d u r a n t e u m s é c u l o e m e i o pa-ra as m e s m a s f o n t e s n o s d o m í n i o s da e d i ç ã o , da c r í t i c a t e x t u a l e da h i s t ó r i a da l i t e r a t u r a . R e s g a t a d o s a o p ó d o s a r q u i v o s p o r e s t a p l ê i a d e d e b e n e m é r i t o s , t e x t o s t ã o i m p o r t a n t e s c o m o os d i v e r s o s a n a i s e c r o -n i c õ e s l a t i -n o s , os l i v r o s de l i -n h a g e -n s , as Cró-nicas Breves de S a -n t a C r u z d e C o i m b r a , a Crónica da Conquista do Algarve ou a m o n u -m e n t a l Crónica Geral de Espanha de 1344 t ê -m s i d o e c l i p s a d o s , n o e s t u d o d a s s u a s c o n d i ç õ e s d e p r o d u ç ã o e d o seu c o n t e x t o p o l í t i c o e s o c i a l , pela f i g u r a t u t e l a r d o p r i m e i r o c r o n i s t a - m o r .

D e n t r o d e s t e p a n o r a m a n ã o m u i t o a n i m a d o r , o s três livros de li-n h a g e li-n s a c t u a l m e li-n t e d e s i g li-n a d o s p o r Livro Velho (LV), Livro do Deão ( L D ) e Livro de Linhagens (LL) d o C o n d e D. P e d r o de B a r c e l o s 3 f o -g e m um p o u c o a o a n o n i m a t o , em v i r t u d e da c o n t í n u a e p e r s i s t e n t e a t e n ç ã o q u e J o s é M a t t o s o lhes t e m d e d i c a d o d e s d e há q u a s e q u a r e n -ta a n o s4 e d a s i n o v a d o r a s m o n o g r a f i a s c o m q u e L u í s K r u s e n r i q u e -ceu a n o s s a v i s ã o d o s i s t e m a c u l t u r a l q u e lhes d e u o r i g e m5. E m c o n -j u n t o c o m as s í n t e s e s de A n t ó n i o R e s e n d e d e O l i v e i r a s o b r e a litera-t u r a d a s c o r litera-t e s s e n h o r i a i s ' ' , o q u a d r o h i s litera-t ó r i c o de q u e a q u i v a m o s

par-' Antologia da Historiografia Portuguesa I. Das origens a Fernão Lopes,

L i s b o a , E u r o p a - A m é r i c a , 1 9 7 9 ; i d . « H i s t o r i o g r a f i a na I d a d e M é d i a » , in J o e l S e r r ã o ( d i r . ) . Dicionário de História de Portugal. IV, L i s b o a , I n i c i a t i v a s E d i t o r i a i s , 1 9 7 1 , p p . 4 1 8 - 4 2 0 .

- A Historiografia Portuguesa - Doutrina e Crítica. I. L i s b o a , V e r b o , 1 9 7 2 . 3 J o s é M a t t o s o e J o s e p h Piei ( e d . ) , Portugaliae Monumento Histórica. Nova

Série, I, 11/1 c 11/2, L i s b o a , A c a d e m i a d a s C i ê n c i a s , 1980.

* C f . , p o r t o d o s , o s s e u s t r a b a l h o s m a i s r e c e n t e s e m A Nobreza Medieval

Portuguesa. L i s b o a , E s t a m p a , 1 9 8 0 . e Portugal Medieval. Novas Interpretações,

L i s b o a , I m p r e n s a N a c i o n a l - C a s a d a M o e d a . 1 9 8 3 .

5 C f . Passado, Memória e Poder na Sociedade Medieval Portuguesa. R e d o n

-d o . P a t r i m o n i a , 1 9 9 4 . e A Concepção Nobiliárquica -do Espaço Ibérico

(1280--1380), L i s b o a , F . C . G . / J N I C T . 1 9 9 4 .

6 C f . « C o r t e s s e n h o r i a i s » , in G i u l i a L a n c i a n i e G i u s e p p e T a v a n i ( o r g . ) .

Dicionário de Literatura Medieval GalegoPortuguesa. L i s b o a . C a m i n h o , p p . 1 7 0

-- 1 7 3 , e « A c u l t u r a d a s c o r t e s » , in M a r i a H e l e n a d a C r u z C o e l h o e A r m a n d o L u í s C a r v a l h o H o m e m ( c o o r d . ) , Nova História de Portugal. III. Portugal em Definição

(3)

tir é o q u e M a t t o s o d e f i n e p a r a s i t u a r a e v o l u ç ã o da n o b r e z a na pri-m e i r a d i n a s t i a7 e, s o b r e t u d o , a q u e l e q u e K r u s a p r e s e n t a para d e s c r e -ver a h i s t o r i o g r a f i a da m e s m a é p o c a , n u m a r t i g o i n s p i r a d o r8. T r a t a se d o i n t e r m i n á v e l c o n f l i t o ( u m a s v e z e s a b e r t o , o u t r a s s u b e n t e n -d i -d o , m a s s e m p r e p r e s e n t e ) q u e , -d e s -d e a f u n -d a ç ã o -da n a c i o n a l i -d a -d e e d a s e s t r u t u r a s de u m i n c i p i e n t e E s t a d o p o r t u g u ê s , o p õ e a r e a l e z a , nas s u a s t e n t a t i v a s de c e n t r a l i z a ç ã o p o l í t i c a , a u m a g r a n d e a r i s t o c r a c i a a m e a ç a d a nos s e u s p r i v i l é g i o s , na sua p o s i ç ã o , na sua i m a g e m , e m s u m a , n o seu e s t a t u t o d e c l a s s e d i r i g e n t e . É , p o i s , u m a luta p e l o po-d e r q u e c o n h e c e o seu po-d e s e n l a c e - para a l g u n s f a t a l - nos c a m p o s po-da S e r r a d ' A i r e , n u m a t a r d e de A g o s t o d e 1385. E n t r e g u e r r a s c i v i s , p a z e s a r m a d a s , d e p o s i ç õ e s , d e s t e r r o s , c o r tes, p r o t e s t o s e i n q u i r i ç õ e s , as i n c i d ê n c i a s f a c t u a i s e c o n j u n t u r a i s d e s sa lula são b e m c o n h e c i d a s . Já n ã o o é t a n t o e s s e o u t r o e n f r e n t a m e n -to d e r i v a d o e p a r a l e l o p e l o d o m í n i o d o « p o d e r s i m b ó l i c o » , p a r a uti-lizar o c o n c e i t o c é l e b r e d e P i e r r e B o u r d i e u , e n f r e n t a m e n t o a q u e L u í s K r u s c h a m o u « o c o n f l i t o p o l í t i c o - i d e o l ó g i c o e m t o r n o da q u e s t ã o d a s o r i g e n s . » . v É n o c e n t r o d e s t e c o n f l i t o q u e s i t u a r e m o s os l i v r o s d e li-n h a g e li-n s , u m a d a s a r m a s m a i s p o d e r o s a s d e q u e a a l t a li-n o b r e z a se ser-ve p a r a f a z e r f r e n t e a o a n t a g o n i s m o c e r r a d o d e q u e é o b j e c t o p o r par-te da c o r o a . Um a n t a g o n i s m o q u e se r e v e s t e d e v á r i a s d i m e n s õ e s , e n c a i x a d a s c o m o b o n e c a s r u s s a s . E c u l t u r a l , p o r q u e o p õ e d u a s v i s õ e s da h i s t ó r i a e d o m u n d o . É m e n t a l , p o r q u e o p õ e d u a s r e p r e s e n t a ç õ e s c o l e c t i v a s d o p a s s a d o e d o i s m o d o s d e p r o d u ç ã o da m e m ó r i a . E lile-r á lile-r i o . p o lile-r q u e o p õ e d o i s g é n e lile-r o s , d u a s t lile-r a d i ç õ e s n a lile-r lile-r a t i v a s , d u a s glile-ra- gra-m á t i c a s d o d i s c u r s o . M a s é s o b r e t u d o , e a n t e s d e gra-m a i s n a d a . p o l í t i c o e i d e o l ó g i c o , c o m o já v i m o s , p o r q u e o p õ e d u a s f o r m a s d e l e g i t i m a r o p o d e r . P a r a c o m p r e e n d e r m e l h o r as r e l a ç õ e s e n t r e a l e g i t i m a ç ã o p o l í t i -ca e o s a g r a d o p a r t a m o s d o p r i n c í p i o , e v i d e n c i a d o p o r H a l b w a c h s e p e l o e s f o r ç o i n t e r d i s c i p l i n a r de n u m e r o s o s h i s t o r i a d o r e s "'. d e q u e a

7 C f . Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, L i s b o a . E s t a m p a , 198, c

Iden-tificação e um País. I c II, L i s b o a . E s t a m p a . 1 9 8 5 .

* « H i s t o r i o g r a f i a M e d i e v a l » , in Dicionário de Literatura Medieval

Calego--Portuguesa. p p . 3 1 2 - 3 1 5 . 9 « I b i d . » , p. 3 1 3 .

"' M a u r i c e H a l b w a c h s . Les Cadres Sociaux de lu Mémoire. P a r i s , A l b i n M i -c h e l . 1 9 9 4 ( P e d . D e 1 9 2 5 ) : l d . , La Mémoire Cole-ctive. 2a e d . . P a r i s . P . U . F . , 1 9 6 8 ( I*

(4)

co-m e co-m ó r i a s o c i a l ou c o l e c t i v a teco-m u co-m a i n f l u ê n c i a l i t e r a l co-m e n t e pri-m o r d i a l na i d e n t i d a d e e e s t r u t u r a ç ã o d e q u a l q u e r g r u p o . A l é pri-m d i s s o , e p o r q u e n u m a s o c i e d a d e c o m o a m e d i e v a l a f o n t e de t o d a a legiti-m i d a d e é a t r a d i ç ã o , l e legiti-m b r e legiti-m o s q u e o c o n h e c i legiti-m e n t o h i s t ó r i c o , n e s t a s c o n d i ç õ e s , t e n d e a m i t i f i c a r s e , i s t o é, a t o r n a r s e u m a n a r r a t i v a o f i -c i a l , -c a n ó n i -c a , s a -c r a l i z a d a e e s t i l i z a d a , t r a n s m i t i d a p e l o g r u p o -c o m o p a t r i m ó n i o c o m u m , s e n t i d a p e l o s s e u s m e m b r o s c o m o m e i o e s í m -b o l o de i n t e g r a ç ã o c o l e c t i v a . A n o ç ã o d e m i t o q u e u t i l i z a m o s a q u i não é p r o p r i a m e n t e a d e c o n -to f o r j a d o ou f a l s o , n o ç ã o m u i t o c o r r e n t e n o s e n s o c o m u m , m a s sim a de q u a l q u e r n a r r a ç ã o s o b r e o p a s s a d o , e m p a r t i c u l a r s o b r e o m o m e n to g e n é t i c o d e u m a c o l e c t i v i d a d e , q u e t e n h a c l a r o s o b j e c t i v o s de c o m -b a t e p o l í t i c o a o u t r a s n a r r a ç õ e s c o n c o r r e n t e s e t i d a s p o r i l e g í t i m a s . Esta c o n c e p ç ã o d e m i t o d e v e a l g u m a c o i s a a M i r c e a E l i a d e e aos s e u s t r a b a l h o s m a i s c o n h e c i d o s " , a o Paul V e y n e d e Acreditavam os

Gre-gos nos Seus Mitos? 12 e à d e f i n i ç ã o d e W a l t e r B u r k e r t s e g u n d o o q u a l o c o n h e c i m e n t o m í t i c o é u m a « n a r r a t i v a t r a d i c i o n a l a p l i c a d a » ou um « s a b e r p o r h i s t ó r i a s » M a s , na v e r d a d e , a p r o x i m a - s e m a i s das c o n c l u s õ e s f o r m u l a d a s por d o i s c l á s s i c o s da a n t r o p o l o g i a p o l í t i c a : B r o n i s l a w M a l i n o w s k i e G e o r g e s B a l a n d i e r . Para o p r i m e i r o , «a his-tória da o r i g e m c o n t é m o e s t a t u t o legal da c o m u n i d a d e » 14 e u m a a u t ê n t i c a « c a r t a s o c i a l » q u e s u s t e n t a a m a n u t e n ç ã o « d o p o d e r , d o p r i v i l é g i o e da p r o p r i e d a d e » . Para o s e g u n d o , «os m i t o s p o s s u e m u m a d u -pla f u n ç ã o : explicam a o r d e m e x i s t e n t e e m t e r m o s h i s t ó r i c o s e

justi-ficam-na, c o n f e r i n d o - l h e u m a b a s e m o r a l , a p r e s e n t a n d o - a c o m o um

s i s t e m a l e g i t i m a m e n t e f u n d a d o . » '*.

mo Teatro, L i s b o a . D i f e l . 1 9 9 2 ; M . T . C l a n c h y . F r o m M e m o r y l o W r i l t e n R e c o r d .

E n g l a n d 1 0 6 6 . 1 3 0 7 . s . l . , E d w a r d A r n o l d , s . d . ; P a u l C o n n e r t o n . Como as

Socieda-des Recordam, O e i r a s , C e l t a E d i t o r a , 1 9 9 3 ; J a m e s F e n t r e s s e C h r i s W i c h a m . Me-mória Social, L i s b o a , T e o r e m a . 1 9 9 4 ; J a c q u e s L e G o f f , « M e m ó r i a » in Enciclopé-dia Einaudi, I. Memória-História, L i s b o a . I m p r e n s a N a e i o n a l - C a s a d a M o e d a .

1 9 8 4 , p p . 1 1 - 5 1 ; P i e r r e N o r a , « M e m ó r i a c o l e c t i v a » , in J a c q u e s L e G o f f ( d i r . ) , A

No-va História, C o i m b r a , A l m e d i n a , 1 9 9 0 , p p . 4 5 1 - 4 5 4 .

" S o b r e t u d o O Sagrado e o Profano, L i s b o a . L i v r o s d o B r a s i l , s . d . ; O Mito do

Eterno Retorno, L i s b o a . E d i ç õ e s 7 0 . 1 9 9 3 ; Aspectos do Mito, L i s b o a , E d i ç õ e s 7 0 ,

1 9 8 9 .

12 L i s b o a , E d i ç õ e s 7 0 , 1 9 8 7 .

" Mito e. Mitologia. L i s b o a , E d i ç õ e s 7 0 , 1 9 9 1 , p p . 17 e 18.

14 B r o n i s l a w M a l i n o w s k i , « M i t o s d e o r i g e m » , in Magia. Ciência e Religião, L i s b o a , E d i ç õ e s 7 0 . 1 9 8 8 . p . 119.

15 G e o r g e s B a l a n d i e r , Antropologia Politica, 2" e d . , L i s b o a . P r e s e n ç a , 1 9 8 7 , p . 1 2 3 .

(5)

N e s t e c o n t e x t o , a l u t a p e l o d o m í n i o s i m b ó l i c o d o p a s s a d o l e v a d a a c a b o p e l o s n o b i l i á r i o s , v a s t a e n c e n a ç ã o e m q u e se c r u z a m i n f o r m a -ç õ e s g e n e a l ó g i c a s , l e n d a s d e c i r c u l a -ç ã o ( m u i t o p r o v a v e l m e n t e ) oral e a c o n t e c i m e n t o s h i s t ó r i c o s m a i s ou m e n o s m i t i f i c a d o s , p o d i a s e g u i r d u a s e s t r a t é g i a s t í p i c a s : ou i n v o c a r a p r o t e c ç ã o s a g r a d a e o m é r i t o d o p o v o a m e n t o p a r a o i n í c i o d a l i n h a g e m , ou r e c l a m a r para e s s e m o -m e n t o a a u r a d e u-m a c t o d e f o r ç a , d e u -m a v i o l ê n c i a q u e d e s e n c a d e i a m u i t a s v e z e s o s p o d e r e s m i s t e r i o s o s d a q u i l o a q u e J a c q u e s Le G o f f c h a m o u o « m a r a v i l h o s o p o l í t i c o » l6, c o m o se p o d e ver nas f a m o s a s l e n d a s da D a m a Pé d e C a b r a ou da D o n a M a r i n h a . D o i s c a m i n h o s dif e r e n t e s , e a t é d e c e r t o m o d o d i v e r g e n t e s , p a r a a t i n g i r , a dif i n a l , o m e s m o , o ú n i c o , o e x c l u s i v o f i m : g l o r i f i c a r a s u p e r i o r i d a d e d e uma o r i -g e m e x c e p c i o n a l . N o p r i m e i r o c a s o , q u e v a m o s a n a l i s a r a g o r a , a l e g i t i m i d a d e hist ó r i c a d o s d i r e i hist o s s o b r e a histerra (e, p o r hist a n hist o , s o b r e o p o d e r ) j u s hist i f i c a --se pela s a c r a l i z a ç ã o a d q u i r i d a na s u a c o n q u i s t a aos i n f i é i s , n o seu p o v o a m e n t o c r i s t ã o e, s o b r e t u d o , na f u n d a ç ã o e p a t r o c í n i o d e m o s -t e i r o s e c o m u n i d a d e s m o n á s -t i c a s . Es-ta v i s ã o s u b j a z a m u i -t o s d o s re-l a t o s d o s re-l i v r o s d e re-l i n h a g e n s e e s t á i g u a re-l m e n t e p r e s e n t e n a s f o n t e s c r o n í s t i c a s q u e d e s c r e v e m o v a s t o m o v i m e n t o m i g r a t ó r i o a q u e c h a -m a -m o s - g r a ç a s à ó p t i c a d e s s a s -m e s -m a s f o n t e s - R e c o n q u i s t a c r i s t ã . A i n d a q u e a r e a l i d a d e h i s t ó r i c a t e n h a s i d o o u t r a , c o m o p a r e c e h o j e a s s e n t e , essa ó p t i c a a l i m e n t o u d u r a n t e m u i t o t e m p o as c e r t e z a s de u m a h i s t o r i o g r a f i a n a c i o n a l i s t a q u e p o s t u l a v a a i r r e d u t í v e l o p o s i ç ã o e n t r e os r e i n o s c r i s t ã o s d o N o r t e e a c i v i l i z a ç ã o i b e r o - i s l â m i c a . a s s i m c o m o a c o n t i n u i d a d e n a t u r a l e n t r e a H i s p â n i a v i s i g ó t i c a , a m o n a r q u i a a s t u r i a n a e o s e m b r i o n á r i o s E s t a d o s n a c i o n a i s q u e n a s c e r a m da e x p a n -são i n i c i a d a em C o v a d o n g a . Foi e m t o r n o , a l i á s , de uma l e i t u r a d i v e r s a d a s f o n t e s e s c r i t a s e d o seu c o n f r o n t o c o m o u t r o s t e s t e m u n h o s , n o m e a d a m e n t e a r q u e o l ó g i -c o s e f i l o l ó g i -c o s , q u e se p r o l o n g o u d u r a n t e t o d o o s é -c u l o X X u m a d a s m a i s a p a i x o n a d a s p o l é m i c a s d o m e d i e v a l i s m o i b é r i c o : a c é l e b r e q u e s t ã o d o e r m a m e n t o l7. N a t u r a l m e n t e q u e os d e f e n s o r e s m a i s r a d i -c a i s da tese da d e s e r t i f i -c a ç ã o d o v a l e d o D o u r o , e p o r t a n t o de u m re-p o v o a m e n t o c r i s t ã o q u a s e ex nihilo, se s o c o r r e r a m em a b u n d â n c i a da

"' C f . O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. L i s b o a . E d i ç õ e s 70, 1 9 8 9 . p p . 2 5 - 2 7 .

" C f . , p a r a u m p o n t o d a s i t u a ç ã o , J o s é M a t t o s o , « P o r t u g a l n o R e i n o A s t u -r i a n o - L e o n ê s » . in J o s é M a t t o s o ( d i -r . ) , Histó-ria de Po-rtugal. /. Antes de Po-rtugal. L i s b o a , E s t a m p a , 1 9 9 2 , p p . 4 4 9 - 4 6 0 .

(6)

c r o n í s t i c a . S e m e n t r a r na p o l é m i c a , n ã o se t o r n a d i f í c i l , n o e n t a n t o , c h a m a r a a t e n ç ã o para o f a c t o d e t a i s f o n t e s t r a n s m i t i r e m s e m p r e a i d e o l o g i a d o s v e n c e d o r e s , o s q u a i s , n e s t e c a s o , e r a m j u s t a m e n t e «re-c o n q u i s t a d o r e s » , p o v o a d o r e s e «re-c o l o n i z a d o r e s . Ora M i r c e a E l i a d e l e m b r a q u e , p a r a u m a p o p u l a ç ã o c o m f o r t e m e n t a l i d a d e r e l i g i o s a , « u m t e r r i t ó r i o d e s c o n h e c i d o , e s t r a n g e i r o , d e s o c u p a d o ( i s t o q u e r d i z e r m u i t a s v e z e s : d e s o c u p a d o p e l o s nossos) p a r t i c i p a a i n d a da m o d a l i d a d e f l u í d a e l a r v a r d o caos. O c u p a n d o o e, s o -b r e t u d o , i n s t a l a n d o - s e , o h o m e m t r a n s f o r m a - o s i m -b o l i c a m e n t e e m c o s m o s m e d i a n t e uma r e p e t i ç ã o ritual d a c o s m o g o n i a . (...) Se se trata d e a r r o t e a r u m a t e r r a i n c u l t a ou de c o n q u i s t a r e o c u p a r um t e r r i -t ó r i o j á h a b i -t a d o p o r ou-tros s e r e s h u m a n o s , a -t o m a d a d e p o s s e ri-tual d e v e , d e q u a l q u e r m o d o . r e p e t i r a c o s m o g o n i a . P o r q u e , da p e r s p e c -tiva d a s s o c i e d a d e s a r c a i c a s , t u d o o q u e n ã o é o nosso mundo n ã o é a i n d a um mundo. N ã o se f a z nosso u m t e r r i t ó r i o s e n ã o criando-o de n o v o , q u e r d i z e r : c o n s a g r a n d o - o » l8. Por o u t r o lado, J a c q u e s L e G o f f 'l | e Aron G u r e v i t c h 2" m o s t r a r a m c o m o a o p o s i ç ã o e n t r e e s p a ç o h a b i t a d o e e s p a ç o s e l v a g e m ( o u , m a i s c o n c r e t a m e n t e , e n t r e n ú c l e o p o p u l a c i o n a l , c o m os s e u s c a m p o s c i r c u n d a n t e s , e o d e s e r t o - f l o r e s t a s e m p r e p r ó x i m o ) e s t r u t u r a a i m a g e m m e d i e v a l d o m u n d o . D e s b r a v a r , p o v o a r , c o n s t r u i r e r a m a c t i v i d a d e s q u e g a n h a v a m , neste c o n t e x t o s o c i a l e e c o n ó m i c o , um e s t a t u t o s a g r a d o . A i n d a i m e r -s o -s n e -s -s a t e n d ê n c i a -s e c u l a r de e x p a n -s ã o d e m o g r á f i c a , d e c r e -s c e n t e c i r c u l a ç ã o d e h o m e n s e c o i s a s , d e v i g o r o s o s a r r o t e a m e n t o s e m i g r a -ç õ e s i n t e r n a s q u e a g i t a t o d o o O c i d e n t e e n t r e o a n o mil e a c r i s e d o s é c u l o X I V . os n o s s o s t e x t o s r e l a c i o n a m f r e q u e n t e m e n t e os i n í c i o s d e u m a f a m í l i a c o m a c o n q u i s t a e p o v o a m e n t o d e u m t e r r i t ó r i o d e t e r -m i n a d o , ao q u a l se vai b u s c a r o n o -m e , a l o c a l i z a ç ã o d o p r i n c i p a l do-m í n i o , o s d i r e i t o s q u e a s s e g u r a do-m o p o d e r e a p r o t e c ç ã o d i v i n a . E v i t a r o e s q u e c i m e n t o d e t o d a s e s t a s i n f o r m a ç õ e s q u e , n o seu c o n j u n t o e e m r e l a ç ã o u m a s c o m as o u t r a s , c o n s t i t u e m a b a s e d o status da a r i s t o c r a c i a c a e s s ê n c i a da sua i d e n t i d a d e s i m b ó l i c a , é a l i á s , u m a d a s f i n a

-18 O Sagrado e o Profano, p p . 4 5 - 4 6 . C f . t a m b é m M a t t o s o , Ricos-Homens ....

p. 9 6 .

" C f . A Civilização do Ocidente Medieval I. L i s b o a , E s t a m p a , 1 9 8 3 , p p . 169-- 1 7 2 : Id, « O d e s e r t o 169-- f l o r e s t a n o O c i d e n t e M e d i e v a l » , in O Maravilhoso e o Quo169--

Quo-tidiano .... p p . 3 7 - 5 5 .

(7)

-l i d a d e s e x p r e s s a s d o LD, e s c r i t o «por saberem os homens fida-lgos de

Portugal de qual linhagem vem, e de quaes terras e de quaes coutos, honras e mosteiros e igrejas som naturaes [isto é p a t r o n o s ] , u m a v e z

q u e «muitos som naturaes e padrões de muitos mosteiros, e de muitas

igrejas e de muitos coutos e de muitas honras e de muitas terras, que 0 perdem à mingoa de saber de qual linhagem vem» (LD [ P r ó l o g o ] 1

-- 2 ) . I n t e n ç ã o p r o g r a m á t i c a q u e , e m b o r a n u m m u i t o e s c o l á s t i c o - sé-t i m o l u g a r , o LL sé-t a m b é m n ã o d e s c u r a (LL [ P r ó l o g o ] 12).

V e j a m o s c o m o a l g u m a s das g r a n d e s l i n h a g e n s p o r t u g u e s a s p r o -c u r a m e v i t a r t ã o f a t a l e s q u e -c i m e n t o . O s d e S o u s a , por i n t e r m é d i o de « S a n t a Senhorinha, a que jaz em Basto» (LV I A l ; LL X X I I A 3 ) , a p a r e c e m d e s d e m u i t o c e d o l i g a d o s a o p o d e r s a g r a d o d e u m a c o m u -n i d a d e r e l i g i o s a , e a t r a v é s d o s o b r i -n h o d e s t a , «el co-nde dom

Éche-ga», r e l a c i o n a d o s c o m «el conde dom Diogo que pobrou Burgos» (LV

1 A 2 ; LL X X I I A 5 ) . A t r i b u í a s e I h e s t a m b é m t r a d i c i o n a l m e n t e a f u n d a ç ã o d o m o s t e i r o d e P o m b e i r o , « f a c t o b a s t a n t e v e r o s í m i l n o c o n -t e x -t o da h i s -t ó r i a m o n á s -t i c a da r e g i ã o d u r a n -t e o -t e r c e i r o q u a r -t e l d o sé-c u l o X I . » 21 C o m e f e i t o , n u m d o s s e u s r a m o s s ã o a s s o c i a d o s u m c o n -d e q u e u t i l i z a e s s e t í t u l o ( -d o m G o m e s -de P o m b e i r o ) e u m f i l h o -d e s t e ,

«dom Fernam Gomes, que foi abade de Pombeiro» (LV I B 5 - 6 ) . O LL

a n o t a m u i t o c u i d a d o s a m e n t e q u e e s t e d o m G o m e s é f i l h o d o c o n d e N u n o d e C e l a n o v a , o i r m ã o de S ã o R o s e n d o ( t a n t o o m o s t e i r o d e C e -l a n o v a c o m o o s a n t o e r a m c e -l e b é r r i m o s na G a -l i z a ) , e q u e « j a z em

Poombeiro, na galigee (sic) aa parte dereita quando home vem de fora» (LL X X I I B7). R e f i r a - s e q u e a n o b r e z a m a i s a n t i g a p a t r o c i n a « q u a s e s e m p r e m o s t e i r o s d e t i p o f a m i l i a r , i s t o é a q u e l e s c u j a c o m u n i d a d e e r a c o m p o s t a p r i m a r i a m e n t e p o r m e m b r o s da f a m í l i a f u n d a d o r a , e n o r m a l -m e n t e s u b -m e t i d o s a o g o v e r n o d o s s e u s p a r e n t e s -m a i s p r ó x i -m o s » 22. O f a c t o d e e s t a c o r r e n t e m o n á s t i c a c o n h e c e r u m c e r t o r e c u o a p a r t i r d o f i m d o s é c u l o XI, e m v i r t u d e da a c ç ã o c o n j u n t a das a u t o r i d a d e s c o n d a i s e d e u m e p i s c o p a d o , m u i t a s v e z e s e x ó g e n o , e m p e n h a d o a le-v a r a c a b o a r e f o r m a g r e g o r i a n a c o m o a p o i o d e o r d e n s r e c e n t e m e n t e i m p l a n t a d a s na P e n í n s u l a I b é r i c a , p o d e e x p l i c a r q u e os d e S o u s a s ó 21 M a t t o s o , Ricos-Homens .... p . 4 7 . 22 I b i d . . p. 9 5 . C f . I d . , « A n o b r e z a m e d i e v a l p o r t u g u e s a a s c o r r e n t e s m o

-n á s t i c a s d o s s é c u l o s X I e X I I » , i-n Portugal Medieva! .... p p . 1 9 7 - 2 2 3 ; I d . . Ide-nti-

(8)

n o s a p r e s e n t e m m a i s u m a b a d e d e P o m b e i r o no LV (l B A 9 ) e o u t r o n o LD (II Y 6 ) . O s l i v r o s de l i n h a g e n s , c o n t u d o , n ã o d e i x a m de n o m e a r as relaç õ e s da f a m í l i a ( m u i t a s v e z e s c o n f u s a s ) c o m o s m o s t e i r o s d e R e n d u fe (LV II B C 7 ; LD I C 2 ) , S a l z e d a s (LD I A 3 ; LL X X I I D 9 ) , S a n t o T i r -so (LD 1 C 3 ) e T i b ã e s (LD IV 12), a s s i m c o m o os s e u s m e m b r o s q u e i n g r e s s a r a m n o c l e r o s e c u l a r ou r e g u l a r , s o b r e t u d o o s m a i s n o t á v e i s ( p a r a n ã o ir m a i s l o n g e , LVl B 6 - 7 , J 1 0 - 1 1 . RIO, Y 9 , A O 10-11, A R 9 , A W 1 0 , A Y 1 l , B A 9 , B C 8 9 , B D 1 0 , B G 1 0 ) . N e s t e s e n t i d o , a t é o p a -r e n t e s c o um p o u c o d i s t a n t e - m a s d e g -r a n d e p -r e s t í g i o - q u e u n i a a l i n h a g e m a d o m A f o n s o T e l e s , o p o d e r o s o s e n h o r c a s t e l h a n o «que pobrou Albuquerque» (LD I A 6 ; LL X X I I D l 2 ) , s e r i a r e g i s t a d o . É d e c r e r q u e e s t e c o n j u n t o de r e f e r ê n c i a s d e s t i n a d a s a e n g r a n -d e c e r a m e m ó r i a f a m i l i a r se a r t i c u l a s s e c o m as h a g i o g r a f i a s l a t i n a s de S a n t a S e n h o r i n h a e S. R o s e n d o 23, d e o r i g e m e c i r c u l a ç ã o m a r c a d a m e n t e e c l e s i á s t i c a s , nas q u a i s a f i g u r a de A f o n s o H e n r i q u e s r e c e -bia u m t r a t a m e n t o m u i t o n e g a t i v o . N a d a , a l i á s , q u e d e s t o a s s e d o s nob i l i á r i o s , os q u a i s c o n t a m e m a nob u n d â n c i a , e c o m e v i d e n t e p r a z e r , v á -r i o s e p i s ó d i o s -r e v e l a d o -r e s da f -r a q u e z a d o n o s s o p -r i m e i -r o -rei p e -r a n t e os s e u s b a r õ e s . S u b l i n h e s e q u e um d e s s e s e p i s ó d i o s e n v o l v e j u s t a m e n t e D. G o n ç a l o d e S o u s a (LV I M 7 ; LL X X I I A 5 ) , u m d o s p r i n c i -p a i s r e -p r e s e n t a n t e s da l i n h a g e m a o t e m -p o d e A f o n s o H e n r i q u e s . Q u a n t o aos s e n h o r e s da M a i a , a e s t r a t é g i a d a s o r i g e n s s a c r a l i z a d o r a s e p o v o a d o r a s é t a m b é m c l a r a m e n t e s e g u i d a . A l é m d o m i t i f i -c a d o R a m i r o II d e L e ã o . t a m b é m os s e u s f i l h o s se d e s t a -c a m p e l o a f ã r e c o n q u i s t a d o s O m a i s v e l h o , O r d o n h o , «pobrou a vila de Leoni, e

veio conquerer a Portugal, que era de Mouros, e deu a Santiago porem que o ajudasse o couto de Mouquim e Corvelham.» P a r a l e l a

-m e n t e . « v e i o co-m ele seu ir-mão Alboazar. E porque foi be-m por

ar-mas, puserom-lhe nome Cide Alboazar. E fege uma torre no monte de Monte Cordova, que ora chamam Pena de Cide. e guerreou dahi os Mouros, e deitou os Mouros de São Romão, e foram-se passar Douro e foram-se a São Martinho de Mouros. E des i filhou o crasto

d'Aveo-2:1 C f . M a r i a H e l e n a d a R o c h a P e r e i r a ( e d . e t r a d . ) . V i l a B e a t a e S e n i o r i n a e , in Vida e Milagres de S. Rosendo, P o r t o . J u n t a D i s t r i t a l , 1 9 7 0 . p p . I 1 2 - 1 5 7 e M a n u e l

D i a z y D i a z , M a r i a V i r t u d e s P a r d o G o m e z e D a r i a V i i a r i n o P i n t o s ( e d . e t r a d ),

Vi-da y Milagros de San Rosendo (Ordono de Celanova, Vita et Miracula Sancti Rude-sindi), s . l . , F u n d a c i ó n B a r r i é d e la M a z a , 1 9 9 0 .

(9)

so a Mouros e deitou Mouros de crasto de Gondomar e de Todea e feze-os ir a crasto Mamei de Riba de Vouga. E casou com dona

Us-co Godins, filha dei Us-conde dom Godinho das Astúrias, e ela Us-com seu marido fundarom a igreja de São Nicolao em Vila de Moreira de Ri-ba d'Ave, que ora chamam Santo Tirso de RiRi-ba d'Ave. E vierom com ele de Galiza seus vassalos bons, convém a saber quaes foram: dom Guter Teles e dom Osena (sic) e dom Tructesendo Durquides. E cada um deles eram senhores de mui bons cavaleiros e outros muitos e bons vassalos.» (LV II A 2 ) .

Tal c o m o a n a r r a t i v a s o b r e as o r i g e n s d o s R i b a d o u r o , t a m b é m e s ta n o s a p r e s e n t a , d e u m a f o r m a m u i t o v i v a , u m g r u p o h u m a n o c o l o n i z a d o r e g u e r r e i r o . T o d o s o s s e u s e l e m e n t o s , no e s s e n c i a l , s ã o r e t o -m a d o s no LL ( X X I A1 ). A l b o a z a r , o f i l h o d e R a -m i r o e d e u -m a -m o u r a

«d'alto linhagem», é, d e s d e l o g o , u m a f i g u r a n i m b a d a pela e x c e l ê n

cia g u e r r e i r a e p e l a n o b r e z a de s a n g u e . A p e s a r d e s e r o s e c u n d o g é -n i t o , o s s e -n h o r e s da M a i a , s e u s d e s c e -n d e -n t e s , e m -n a d a d e s m e r e c e m d o t e r r i t ó r i o q u e lhe p e r t e n c e p o r h e r a n ç a m a t e r n a 24 e p o r d i r e i t o de c o n q u i s t a . É e l e q u e m , p r i m e i r o , e x p u l s a o i n i m i g o d e s s a p a i s a g e m f o r t i -f i c a d a d e «castros», e m p u r r a n d o - o a t é às m a r g e n s d o V o u g a (o LL [ X X I A l ] vai u m p o u c o m a i s l o n g e : «foi-os tirar de contra

Coim-bra»). E e l e q u e m r e p o v o a a t e r r a c o n q u i s t a d a c o m o s «seus vassalos bons (...) senhores de mui bons cavaleiros e outros muitos e bons vas-salos». E e l e q u e m a s s e g u r a a s o m b r a p r o t e c t o r a d e u m a t o r r e n o al-to de um m o n t e , o q u a l r e c e b e da t r a d i ç ã o u m n o m e - s í m b o l o e n t r e t o d o s m a r c a n t e d o n o v o d o m í n i o - d e r i v a d o da t i t u l a t u r a é p i c a d o seu -4 L u í s K r u s c h a m o u a a t e n ç ã o p a r a o p a p e l l e g i t i m a d o r d a m o u r a A r t i g a ( o u O r t i g a ) e m t o d o e s t e r e l a t o e p a r a a i m p o r t â n c i a q u e a s u c e s s ã o p o r v i a f e m i n i n a t e r i a n o c o n t e x t o d a s d i s p u t a s p a t r i m o n i a i s e n t r e o rei D . D i n i s e o s d a M a i a R i -b a d e V i z e l a ( C f . « O d i s c u r s o s o -b r e o p a s s a d o ...» in Passado. Memória e Poder.... p p . 2 0 0 - 2 0 4 . ) T a m b é m n ã o s e r á p o r a c a s o q u e a p r i m e i r a m u l h e r d e R a m i r o s e a p r e s e n t a c o m o u m a a d ú l t e r a q u e t r a i a s u a c a s a e a s u a f é - o p r ó p r i o f i l h o a r e c o n h e c e c o m o « o d e m o » - e n q u a n t o o c a s a m e n t o d o r e i c o m a m o u r a , d o q u a l v i r i a m o s d a M a i a , m e r e c e u m f o r t e l o u v o r d a s u a c o r t e e , p o r t a n t o , d a m e l h o r s o c i e d a d e c r i s t ã . O L L ( X X I A l ) j u s t i f i c a tal a p l a u s o « p o r q u e d i s s e r a p o r e l a o g r a n d e e s t r o l o g o A m a n q u e e l a e r a p e d r a p r e c i o s a a n t r e a s m o l h e r e s q u e n a q u e l e t e m -p o h a v i a . E a i n d a d i s s e m a i s q u e t a n t o h a v i a d e s e e r b o a c r i s t ã a , q u e D e u s -p o r s u a h o n r a l h e d a r i a g e e r a ç o m d e h o m ê e s b o o s c d e g r a n d e s f e i t o s e a v e n t u r a d o s e m b e m . E b e m p a r e c e q u e A m a n d i s s e v e r d a d e , c a e l a f o i d e b o a v i d a e f e z o m o s t e i r o de S a m J u l i a m e o u t r o s h o s p i t a e s m u i t o s e os q u e d e l a d e c e n d e r o m f o r o m m u i t o c o m p r i d o s d o q u e o g r a n d e a s t r o l e g o d i s s e . »

(10)

c o n q u i s t a d o r («Efege uma torre no Monte de Monte Cordova, que ora

chamam Pena de Cide ...»). É e l e q u e m , d e p o i s d e i n s t a l a r n o v o s s e

-n h o r e s e c o -n s t r u i r o m o -n u m e -n t o v i s í v e l d o p o d e r t r i u -n f a -n t e , f u -n d a , p o r f i m , o m o s t e i r o d e S a n t o T i r s o c o m a m u l h e r , «filha de Dom

Godinho das Astúrias» ( m a i s u m a v e z , a c a r g a l e g i t i m a d o r a da R e c o n q u i s

ta), a p r o p r i a n d o s e d a terra p e l o i m p é r i o d o s a g r a d o , o m a i s d e f i n i t i -vo d e t o d o s o s i m p é r i o s . S i m , q u a t r o c e n t o s a n o s d e p o i s d e A l b o a z a r R a m i r e s , o LL b e m p o d i a d i z e r d o s s e u s d e s c e n d e n t e s , o r g u l h o s a e di-d a c t i c a m e n t e , q u e « e s t e s todi-dos se chamaram di-da Maia porque se

ga-nhou peer os seus avoos, e havia-na por sua. E a Maia chamava-se na-quel tempo dees Doiro ataa Lima» (LL X X I A 5 ) .

A d o c u m e n t a ç ã o c o n f i r m a - n o s a i n i c i a t i v a f u n d a d o r a d o c a s a l , e m 9 7 8 , b e m c o m o os i n t e n s o s c o n t a c t o s e n t r e S a n t o T i r s o e o s s e -n h o r e s da M a i a 25. S e n d o a s s i m , p a r e c e h a v e r g r a n d e c o r r e s p o n d ê n -cia e n t r e a r e a l i d a d e h i s t ó r i c a e a i m a g e m q u e dela nos p r e t e n d e m d a r o LL e o LV, os q u a i s p r o j e c t a m , a p a r t i r d o casal d u p l a m e n t e f u n d a d o r , um d e s t i n o c o m u m a o m o s t e i r o e à l i n h a g e m . O s e s p e c i a l i s t a s d o e t e r n o , a t r a v é s da e s c r i t a e da l i t u r g i a , c h a m a r i a m a si a r e p r o d u ç ã o da m e m ó r i a f a m i l i a r e o c u i d a d o d o s s e u s m o r t o s , e os s e n h o riais p a t r o n o s , c o m o s s e u s b e n s e as s u a s a r m a s , t o m a r i a m a seu c a r -g o a s o b r e v i v ê n c i a m a t e r i a l d o p a n t e ã o e da c o m u n i d a d e m o n á s t i c a . C o m o m u i t o bem viu L u í s K r u s , S a n t o T i r s o , f u n d a d o p o r A l b o a z a r , r e i v i n d i c a v a a s s i m , à e s c a l a r e g i o n a l , um p r o t a g o n i s m o r e l i g i o s o e p o l í t i c o s e m e l h a n t e ao q u e S a n t i a g o de C o m p o s t e l a , p r o t e g i d o p e l o seu i r m ã o O r d o n h o , d e t i n h a na h i s t ó r i a da r e c o n q u i s t a h i s p â n i c a 26. O r e l a t o f u n d a c i o n a l d o s d e R i b a d o u r o a s s o c i a v a t a m b é m a c o n -q u i s t a d o t e r r i t ó r i o à sua c o n s a g r a ç ã o . A t r a v é s d o s d o i s i r m ã o s d o f u n d a d o r M o n i n h o V i e g a s , a m b o s b i s p o s e c o n t e m p o r â n e o s d e Ram i r o II de L e ã o , a l i n h a g e Ram f i c a l i g a d a a o s Ram o s t e i r o s e Ram q u e e l e s e s -t ã o e n -t e r r a d o s : Vila Boa d o B i s p o ( a s s i m c h a m a d o j u s -t a m e n -t e p o r c a u s a d e u m d e l e s ) e T u i a s (LL [ P r ó l o g o ] ; LL X X X V I A l ) . N a s g e r a -ç õ e s s e g u i n t e s , o LL n ã o se e s q u e c e d e r e f e r i r as r e l a -ç õ e s - m a i s u m a vez p o u c o c l a r a s , p o r q u e e n v o l v e m o u t r a s f a m í l i a s - c o m T i b ã e s , 25 C f . M a t t o s o , RicosHomens .... p p . 5 0 5 1 ; l d . , « O m o s t e i r o d e S a n t o T i r

-s o e a c u l t u r a m e d i e v a l p o r t u g u e -s a » in Religião e Cultura na Idade Média

Portu-guesa. 2* e d . . L i s b o a , I m p r e n s a N a c i o n a l - C a s a d a M o e d a . 1 9 9 6 . p p . 4 9 1 - 5 0 9 ; I d . ,

« A f a m í l i a d a M a i a n o s é c u l o X I I I » in A Nobreza .... p p . 3 3 1 - 3 4 2 .

(11)

S a l z e d a s e P o m b e i r o ( X X X V I A 5 6 ) , p a r a a l é m d e s u b l i n h a r o p a r e n t e s c o d i r e c t o da m u l h e r d e E g a s M o n i z , o V e l h o , f i l h o d o p r i m e i -ro r e p r e s e n t a n t e da l i n h a g e m , c o m o rei R a m i r o . S e m r e c u a r t ã o lon-ge n o t e m p o , o LD, p o r seu t u r n o , cita e n t r e o s m e m b r o s da f a m í l i a

«dom Pero Troitosendes de Paiva e de Riba do Douro, que começou a fazer o Paaço de Sousa» ( V I I I ) , e d o n a M o r P a i s , a p r i m e i r a m u

-lher d e E g a s M o n i z , s u p o s t o a i o de A f o n s o H e n r i q u e s , « f i l h a que foi

de dom Paio Guterres, que fez Tivães, e da filha de dom Suer Gue-endes, que fez a Varzea» (IX A 2 ) .

N ã o d e i x a , p o r é m , d e s e r s u r p r e e n d e n t e a a u s ê n c i a , n o s t r ê s no-b i l i á r i o s , d e q u a l q u e r m e n ç ã o a o m o s t e i r o de C á r q u e r e , q u e , s e g u n d o u m a l e n d a r e c o l h i d a na Crónica de 1419 ( c a p . 2 d o r e i n a d o de A f o n -so H e n r i q u e s ) t e r i a s i d o c o n s t r u í d o p o r e s s e m e s m o E g a s M o n i z e m a g r a d e c i m e n t o p e l a c u r a m i r a c u l o s a d o seu p u p i l o , a i n d a c r i a n ç a , de u m a d e f o r m a ç ã o nas p e r n a s . A o b s c u r i d a d e d o e p i s ó d i o , q u e M a t t o s o h e s i t a e m i n c l u i r 110 n ú c l e o i n i c i a l d a « g e s t a d e E g a s M o n i z » p r e -s u m i v e l m e n t e c r i a d a p o r J o ã o S o a r e -s C o e l h o 27, t a l v e z se e x p l i q u e pela p r ó p r i a o b s c u r i d a d e d a s o r i g e n s d o s a n t u á r i o , um p o u c o e x c ê n -t r i c o a o e i x o g e o g r á f i c o d o s m o s -t e i r o s p a -t r o c i n a d o s p e l a f a m í l i a e, a a v a l i a r pela s u a f r a c a p r e s e n ç a d o c u m e n t a l , d e r e d u z i d a a c t i v i d a d e e d i m e n s ã o 28. P o r q u ê , e n t ã o , a e s c o l h a d e C á r q u e r e c o m o c e n á r i o d e u m a t r a d i ç ã o t ã o i m p o r t a n t e ? O e s t a d o a c t u a l da i n v e s t i g a ç ã o n ã o nos p e r m i t e r e s p o n d e r a e s t a p e r g u n t a , q u e n e c e s s i t a r i a d e um e s t u d o m o n o g r á f i c o , c r u z a n d o d a d o s s o b r e a « g e s t a de E g a s M o n i z » , as f o n -tes da Crónica de 1419, a h i s t ó r i a d o p r ó p r i o m o s t e i r o e a g e n e a l o g i a dos d e R i b a d o u r o . D a p a r t e d o s de B a i ã o e d o s d e B r a g a n ç a , as o u t r a s d u a s l i n h a g e n s e n t r e as c i n c o i n i c i a i s a p o n t a d a s p e l o LV, o r e t r a t o q u e n o s f o i t r a n s m i t i d o e n c o n t r a s e n u m e s t a d o f r a n c a m e n t e m a i s e s q u e m á t i c o . D e s d e l o g o , p o r q u e se p e r d e r a m os c a p í t u l o s d o LV q u e l h e s e r a m d e d i -c a d o s , m a s , a l é m d i s s o , p o r q u e a s u a p o s i ç ã o d e m e n o r p r o e m i n ê n -c i a na c o r t e d o s p r i m e i r o s reis p o r t u g u e s e s t e r á p r o v o c a d o u m a m e n o r d i s p o n i b i l i d a d e de r e c u r s o s m a t e r i a i s e s i m b ó l i c o s p a r a a l i m e n t a r a 2 1 C f . Ricos-Homens .... p p . 5 6 - 5 7 ; l d . , « J o ã o S o a r e s C o e l h o e a g e s l a de E g a s M o n i z » in Portugal Medieval .... p p . 4 0 9 - 4 3 5 ; I d . , « E g a s M o n i z » , in J o s é C o s t a P e r e i r a ( e o o r d . ) . Dicionário Ilustrado da História de Portugal, I, L i s b o a , P u -b l i c a ç õ e s A l f a , 1 9 8 5 , p p . 4 9 0 - 4 9 1 .

(12)

m e m ó r i a f a m i l i a r . O u e n t ã o , m u i t o s i m p l e s m e n t e , p o r q u e a p e r d a d e p o d e r e f e c t i v o d e s t a s f a m í l i a s a o l o n g o d o t e m p o terá p e r m i t i d o aos s e u s r i v a i s d e n t r o da p r ó p r i a n o b r e z a ou aos d e s c e n d e n t e s d e s t e s -u m a c e n s -u r a s i s t e m á t i c a d e m e m ó r i a s q -u e o stat-u q-uo d o s s é c -u l o s XIII e X I V t o r n a r a p o l i t i c a m e n t e i n c o r r e c t a s . A i n d a a s s i m , s a b e m o s q u e o s B r a g a n ç ã o s f a z i a m r e m o n t a r as s u a s o r i g e n s à r o c a m b o l e s c a h i s t ó r i a d e «dom Alam, que foi clérigo

filho d'algo e filhou a filha d'el rei de Armênia quando foi em ora-ção a Santiago, e foi sa hospeda em Sam Salvador de Crasto de Ave-lâas» (LV [ P r ó l o g o ] 3). O LD, t a l v e z p o r um e f e i t o c a r a c t e r í s t i c o d o

r e g i s t o d e u m a t r a d i ç ã o o r a l , d á - n o s o u t r o f u n d a d o r , q u e p a s s a a ser

«Mendo Alão de Bargança» ( f i l h o d o «Alam» o r i g i n a l ou s i m p l e s c o r

-r u p t e l a d o n o m e d e s t e ? ) , m a s m a n t é m a i d e n t i d a d e da s u a m u l h e -r ( X X I 1). Q u a s e s e d i r i a q u e , e n q u a n t o p a r a o LV - ou p a r a a t r a d i ç ã o c o n t e m p o r â n e a q u e r e c o l h e - e r a f u n d a m e n t a l m a r c a r a p r e s e n ç a da f a m í l i a n o m o s t e i r o d e C a s t r o de A v e l ã s d e s d e o p r i m e i r o m o m e n t o , j á para o LD a e v o c a ç ã o d e u m a p r i n c e s a q u e v e m de l o n g e e m p e r e g r i n a ç ã o a C o m p o s t e l a p a r e c e , p o r si s ó , m a i s p r e s t i g i a n t e . M u d a n -ça d e s e n s i b i l i d a d e ou p e r d a de i n f o r m a ç ã o ? N ã o s a b e m o s . O q u e s a b e m o s , a s s i m o i n d i c a o LD i m e d i a t a m e n t e a s e g u i r , é q u e o h e r d e i r o d o c a s a l , F e r n ã o M e n d e s , o V e l h o , «casou com filha

d'el rei dom Afonso de Castela, o que ganhou Toledo» ( X I I 2). Esta

lig a ç ã o a um m o n a r c a j á e n t ã o m i t i f i c a d o e q u e o c u p a n o LD , d e c e r -to m o d o , o l u g a r de p o n t o de p a r t i d a na i d e o l o g i a o r d e n a d o r a d o t e m p o 39 ( u m p o u c o c o m o R a m i r o II d e L e ã o no LV e n o LL), e r a , à f a l t a d e o u t r a s c o n q u i s t a s e a p a r d o a c t o d e f o r ç a q u e o r i g i n a r a a li-n h a g e m . o m a i o r t í t u l o de li-n o b r e z a q u e o s s e li-n h o r e s de B r a g a li-n ç a po-d i a m r e i v i n po-d i c a r . A t é p o r q u e u m a r e f e r ê n c i a t ã o s i m p l e s l e m b r a v a à c a s a real d u a s c o i s a s : p r i m e i r o , q u e h a v i a e n t r e o s s e u s s ú b d i t o s q u e m se p u d e s s e o r g u l h a r de um p a r e n t e s c o i g u a l m e n t e d i r e c t o c o m o imp e r a d o r A f o n s o V I ; d e imp o i s , q u e o m a i s g l o r i o s o s o b e r a n o d o seu t e m -po, o h o m e m q u e a r r a n c a r a a o s m o u r o s a a n t i g a c a p i t a l da H i s p â n i a g o d a , o a v ô d o p r i m e i r o rei p o r t u g u ê s , c o r t e j a r a os B r a g a n ç ã o s a i n d a 2 9 B a s t a l e r o P r ó l o g o p a r a o c o m p r o v a r : « d ê l o t e m p o d ' e l rei d o m A f o n s o , o q u e g a n h o u T o l e d o , a c á , f o r o m f e i t o s o s m a i s d o s m o s t e i r o s e d a s i g r e j a s e d o s c o u t o s e d a s h o n r a s . C a e m t e m p o d e s t e rei q u e r e i n o u l o n g a m e n t e f o r o m m u i t o s r i c o s h o m e n s e i n f a n ç o e n s q u e o r a p o r e m o s p o r p a d r o e n s o n d e d e s c e n d e m o s f i -l h o s d ' a -l g o . » ( L D | P r ó -l o g o ] 2 ) .

(13)

a n t e s da n a c i o n a l i d a d e , p r o c u r a r a a sua a l i a n ç a , c e d e n d o - l h e s u m a f i l h a , e t e n t a r a a t r a i r para a á r e a d e i n f l u ê n c i a c a s t e l h a n o - l e o n e s a o s d o m í n i o s d e s t e s m a g n a t e s , n u n c a d o c i l m e n t e s u b m e t i d o s a q u a l q u e r d a s d u a s c o r o a s 30. Se as n a r r a t i v a s f u n d a c i o n a i s d o s d e B r a g a n ç a e d o s de B a i ã o n ã o e x i s t e m ou e m p a r t e p e r d e r a m as r e f e r ê n c i a s s a c r a l i z a d o r a s e p r e s t i g i a n t e s , i s t o a c e n t u a - s e n a t u r a l m e n t e nas l i n h a g e n s c o l a t e r a i s e m a i s r e c e n t e s . N e s t a s , c o m o n a q u e l a s , n ã o há p r o p r i a m e n t e r e l a t o s s o b r e as o r i g e n s , s o b r e o seu p a p e l na R e c o n q u i s t a ( p e l o m e n o s a n t e s da f u n d a ç ã o d e P o r t u g a l ) ou s o b r e o p a t r o c í n i o d e m o s t e i r o s . Há, i s s o s i m . r e f e r ê n c i a s e s p a r s a s a i n d i v i d u a l i d a d e s n o t á v e i s p o r t e r e m p r o m o v i d o e s t e ou a q u e l e c e n ó b i o , r e f e r ê n c i a s e s s a s q u e são c o m -p a r t i l h a d a s -p o r d i v e r s a s f a m í l i a s ( c o m o , a l i á s , s e r i a d e e s -p e r a r , t e n d o e m c o n t a a i n t r i n c a d a r e d e d e c r u z a m e n t o s m a t r i m o n i a i s ) . S ó p a r a t e r m o s u m e x e m p l o c o n c r e t o e e x a u s t i v o , v e j a m o s as c e -l e b r i d a d e s d e o u t r a s p a r e n t e -l a s c o m q u e m o s B a i õ e s , p e -l a -l i n h a g e m d e «Goido Araldes de Baiam e Riba de Doiro» (LL X L I 1 tít.), se r e l a c i o n a v a m : seu f i l h o T r u t e s e n d o G u e d e s , a i n d a d e R i b a d o u r o , f u n -d a -d o r -d o P a ç o -de S o u s a (LD XIV A l ; LL X L I I A l , C 4 2 , W 2 ) ; o ir-m ã o d e s t e , S o e i r o G u e d e s , «.que fundou o ir-mosteiro da Varzea do

Ca-vado» (LD X I V A l e 25 tít.; LL XLII A l e W 2 ) , t a m b é m i n v o c a d o

p e l o s da M a i a (LV II A 5 ; LD VI B 2 ; LL X X I A 5 ) e d e R i b a d o u r o (LD IX A 2 ) ; P e r o T r u t e s e n d e s d e P a i v a , f i l h o d o p r i m e i r o e s o b r i n h o d o s e g u n d o , c e l e b r a d o i d e n t i c a m e n t e c o m o f u n d a d o r d o P a ç o d e S o u s a p o r e s t e r a m o c o l a t e r a l d o s R i b a d o u r o e d o s B a i õ e s (LD V I I I ) ; «dom

Ero Mendes, que fez Santa Ovaia (...) onde vem os de Moles e os Ra-mirãos» ( L D X I V A 3 e X V C 1 ; LL L V I A 1 ) ; «dom Godinho Viegas de Azevedo, que fez Vilar de Frades» (LD X I V B 3 ) , n a t u r a l m e n t e c o n

-t a d o e n -t r e os s e u s p e l o s A z e v e d o (LL LI1 A l ) ; «dom Toure Çarnão,

que fez Vairão e Roriz» (LD XIV C 3 ; LL X L I I A 3 ) , c i t a d o n o P r ó l o

-g o d o LD c o m o «Travea»; «dom Pero Paes Escacha, que coutou

Tibães» ( L D X I V C 5 ; LL X L I I A 5 ) , um S i l v a ( L D X V I I I A 2 ) c a s a d o e n

-tre o s S o u s a ( L D IV 12 e LL L V I I I A 2 ) ; «Fernão Guiela, o bemfeitor

de Vila Nova de Muhia e de outras duas igrejas de Sabadim» (LD

X I V X 7 ; LL XLII B 7 ) ; «Pero Afonso de Dordães, que fez

Manhen-te» (LD X V C 2 ; LL L V I B 2 ) , a r r o l a d o t a m b é m p e l o s R a m i r ã o s ( L D

XVI A 1; LL L V I B3); «o mestre dom Gualdim Paes do Templo», q u e

(14)

«fez Tomar e Pombal e Castelo de Almoirol e pobrou outros muitos lugares que ganhou à Ordem, e foi muito forte em armas, e leixou ao Templo o que agora há em Abelamar» (LD X V D4 e LL L V I F5),

p a r e n - t e d o s R a m i r ã o s p e l o pai e d o s C o r r e i a pela m ã e (LL L V I C 4 ) . No e n t a n t o , c o n v é m ter p r e s e n t e q u e o s n o b i l i á r i o s n ã o e s g o t a -v a m o r e c u r s o à l e g i t i m a ç ã o p e l o s a g r a d o r e l a c i o n a n d o - o c o m o po-v o a m e n t o ou c o m a c o n q u i s t a , n o s e n t i d o m a i s m a t e r i a l d e s t e s a c t o s . E m b o r a tal s e n t i d o f o s s e u m a r q u é t i p o d o m i n a n t e na c u l t u r a arist o c r á arist i c a m e d i e v a l , e m u i arist o p a r arist i c u l a r m e n arist e n e s s e s l i v r o s d e l i n h a -g e n s da H i s p â n i a da R e c o n q u i s t a , h a v i a f o r m a s m a i s s o f i s t i c a d a s d e i n v o c a r o f a v o r d i v i n o . U m a d e l a s e r a a r e l a ç ã o « t o t é m i c a » e n t r e u m a l i n h a g e m ou din a s t i a e u m a p e s s o a s a g r a d a a din j o , s a din t o ou a t é o p r ó p r i o C r i s t o -q u e teria s i d o e s p e c i a l m e n t e e n c a r r e g a d a , p o r d e s í g n i o p r o v i d e n c i a l , d e as p r o t e g e r e a u x i l i a r . E s t r a t é g i a q u e c o n s t i t u í a u m ó b v i o e f o r t í s s i m o e l e m e n t o d e l e g i t i m a ç ã o p o l í t i c a , p o i s a p r o p r i a v a s e d i r e c t a -m e n t e d o i n c o n t e s t á v e l p o d e r d o s a g r a d o s o b r e o s h o -m e n s . A t e n t a r c o n t r a o g r u p o s o c i a l a s s i m d e f e n d i d o p e l a s f o r ç a s d i v i n a s era a t e n t a r c o n t r a e s s a s m e s m a s f o r ç a s d i v i n a s . A l ó g i c a q u e e s t á p o r trás d e s t a r e l a ç ã o a q u e c h a m á m o s t o t é m i c a p o r q u e d e c a l c a , q u a s e e x a c t a m e n t e , os l a ç o s e x i s t e n t e s e n t r e u m a t r i b o e o seu t ó t e m , f a c t o j á a p o n -t a d o p o r D u r k h e i m 31 p o d e a p l i c a r s e a u m a f a m í l i a , c o m o e x e m -p l i f i c a r e m o s -p a r a o s l i v r o s de l i n h a g e n s , a u m a c i d a d e ( V e n e z a e S. M a r c o s , as polei g r e g a s e as s u a s c í v i c a s d i v i n d a d e s , C a r t a g o e os s e u s d e u s e s s a n g r e n t o s ) o u a u m a n a ç ã o ( P o r t u g a l e C r i s t o n o « m i l a -g r e » d e O u r i q u e 32, a E s p a n h a e S a n t i a g o , a F r a n ç a e S. D i n i s , a Ing l a t e r r a e S. J o r Ing e ) . E m t o d a s e s t a s s i t u a ç õ e s , b e m c o n h e c i d a s d a a n t r o p o l o g i a p o l í t i c a , «a r e l a ç ã o e n t r e o p o d e r e a s o c i e d a d e é e s s e n -c i a l m e n t e -c a r r e g a d a de s a -c r a l i d a d e p o r q u e t o d a a s o -c i e d a d e a s s o -c i a a o r d e m q u e lhe é p r ó p r i a a u m a o r d e m q u e a u l t r a p a s s a , e x p a n d i n d o se a t é a o c o s m o s n o c a s o das s o c i e d a d e s t r a d i c i o n a i s . O p o d e r é s a -c r a l i z a d o p o r q u e t o d a a s o -c i e d a d e a f i r m a a s u a v o n t a d e d e e t e r n i d a d e " C i t . B a l a n d i e r , Antropologia Política, p. 1 0 7 . " C f . A n a I s a b e l B u e s c u , « U m m i t o d a s o r i g e n s da n a c i o n a l i d a d e : o m i l a -g r e d e O u r i q u e » , in F r a n c i s c o B e t t e n c o u r t e D i o -g o R a m a d a C u r t o ( o r -g . ) A

Memó-ria da Nação. L i s b o a . S á d a C o s t a , 1 9 9 1 , p p . 4 9 - 7 0 . e B e r n a r d G u e n é e . L'Occident aux XIV' et XV' siècles. Les Etats, P a r i s , P . U . F . , 1 9 7 1 , p p . 1 2 1 - 1 2 3 .

(15)

e r e c e i a o r e t o r n o ao c a o s c o m o r e a l i z a ç ã o da s u a p r ó p r i a m o r t e . » 33 Por o u t r a s p a l a v r a s , o r e c u r s o à l e g i t i m a ç ã o r e l i g i o s a a t r a v é s da in-v o c a ç ã o e x p r e s s a d e um p a d r o e i r o t e n d e n c i a l m e n t e e x c l u s i in-v o é, a l é m d e um s í m b o l o de i d e n t i f i c a ç ã o c o l e c t i v a , u m a f o r m a d e g a r a n t i r a c o n t i n u i d a d e e a p e r m a n ê n c i a d a c o m u n i d a d e , q u e a s s i m se vê d e f e n -d i -d a c o n t r a q u a l q u e r a m e a ç a . O e x e m p l o m a i s f l a g r a n t e d e s t e t i p o de l e g i t i m a ç ã o n o s l i v r o s d e l i n h a g e n s é - n o s a p r e s e n t a d o pela c a s a d e L a r a , na p e s s o a d o c o n d e N u n o G o n ç a l v e s d ' A v a l o s . T r a t a s e d e u m d o s m a i s a n t i g o s a n t e p a s -s a d o -s da l i n h a g e m , a l g u é m d e q u e m o LL d i z : «porque era mui boo

cristão, teve Deus por bem de seer sempre vencedor em todalas bata-lhas.» E s t e p e q u e n o q u a d r o de r e t ó r i c a n ã o p a s s a d e u m a i n t r o d u ç ã o

a o r e l a t o q u a s e h a g i o g r á f i c o q u e v e m i m e d i a t a m e n t e a s e g u i r , r e l a t o e s s e q u e , p e l a s u a e s t r u t u r a e s c r i t a e p e l o d o m í n i o de a l g u n s m o d e l o s b í b l i c o s , d e n o t a u m a o r i g e m ou p e l o m e n o s u m a f o r t e i n f l u ê n c i a -l i t e r á r i a e c -l e r i c a -l . V e j a m o s o t e x t o : «E ua noite, ante que morresse,

veo a ele o angio u el jazia orando, ante sa cama, e vio ua craridade mui grande e uu homem vestido em vestiduras brancas, e preguntou quem era, e ele lhe disse que era angio que viinha a ele per mandado de Deus, e que pedisse uu dom, qual tevesse por bem, e que Deus lho outorgaria. E el disse que louvado fosse Deus por quanta mercee lhe fazia, e que. lhe pedia salvaçom pera alma. E ele lhe dissi que esto lhe era outorgado com tanto que nom fezesse peores obras do que ele ata 'ali fezera, mais que pedisse al. E ele lhe pedio que o seu solar nunca fosse destroido. E o angio lhe disse que pedia bem, e que Deus lho havia outorgado. E por esto cuidam os homees que o solar de Lara nunca ha de ser destroido.» {LL X A 3 ) .

V a l e a p e n a a t e n t a r e m a l g u n s p o r m e n o r e s d e s t a n a r r a t i v a . A n t e s de m a i s n a d a a s u a e v i d e n t e f i l i a ç ã o n u m c o n h e c i d o e p i s ó d i o v e t e -r o t e s t a m e n t á -r i o , c o n t a d o n o P-rimei-ro Liv-ro dos Reis ( 3 , 4 - 1 3 ) , e m q u e o p r ó p r i o D e u s a p a r e c e a o g r a n d e rei S a l o m ã o «de noite em um

so-nho», e m G á b a o n , « q u e era o maior dos altos lugares sagrados» e o n d e

este «ofereceu mil holocaustos». S a l o m ã o r e c e b e a p r o p o s t a d i v i n a d e p e d i r o q u e q u i s e s s e , f o s s e o q u e f o s s e , c o m a c e r t e z a d e s e r a t e n -d i -d o . H u m i l -d e m e n t e , p o i s «era ain-da muito jovem» e t i n h a a c a b a -d o -d e s u c e d e r a D a v i d , seu p a i , à f r e n t e d o r e i n o d e I s r a e l , S a l o m ã o a p e n a s p e d e a D e u s «um coração sábio para poder governar o Vosso povo e

(16)

distinguir entre o bem e o mal», r e c e b e n d o e m t r o c a e s t a p r o m e s s a : «Uma vez que Me fizeste esse pedido e não pediste para ti largos dias, nem riquezas, nem a vida dos teus inimigos, mas só sabedoria para exercer a justiça, hei-de agir conforme a tua súplica. Vou dar-te um coração judicioso e inteligente, como ninguém teve antes de ti, nem depois de ti alguém terá. E dar-te-ei também o que não pediste: ri-queza e glória tais que, durante a tua vida não haverá entre os reis nenhum como tu.».

O s p a r a l e l i s m o s , m a i s ou m e n o s e x p l í c i t o s , d e s t e f r a g m e n t o da h i s t ó r i a s a g r a d a p r o p r i a m e n t e d i t a c o m a n a r r a t i v a d o LL r e f e -r e n t e a N u n o G o n ç a l v e s d ' A v a l o s s ã o -r e v e l a d o -r e s . S a l o m ã o é o p-ri- pri-m e i r o rei d e I s r a e l a r e c e b e r o t r o n o p o r via h e r e d i t á r i a ( t a n t o D a v i d c o m o S a u l , o s s e u s a n t e c e s s o r e s , t i n h a m s i d o d i r e c t a m e n t e e s c o l h i d o s p o r D e u s ) . O c o n d e N u n o G o n ç a l v e s é f i l h o e h e r d e i r o d o f u n d a -d o r -da l i n h a g e m , o «mui boo cavaleiro -d'armas, muito honra-do e mui

boo cristão» M u d a r r a . S a l o m ã o o f e r e c e s a c r i f í c i o s n o «maior dos lu-gares sagrados» a n t e s d a a p a r i ç ã o n o c t u r n a d e D e u s . O c o n d e reza «ante sa cama» s u p o m o s q u e j u s t a m e n t e n o seu s o l a r a n t e s d a a p a

-r i ç ã o n o c t u -r n a d o a n j o , a p a -r i ç ã o q u e c o n v e -r t e ipso facto e s s e s o l a -r n u m v e r d a d e i r o l u g a r s a g r a d o p a r a a l i n h a g e m d e L a r a , tal c o m o G á -b a o n o era para o p o v o d e I s r a e l . S a l o m ã o p e d e a q u i l o q u e j u l g a s e r a c a u s a da s o b r e v i v ê n c i a d o seu r e i n o e da s a l v a ç ã o da sua a l m a : um c o r a ç ã o j u s t o e s á b i o . O c o n d e p e d e a q u i l o q u e j u l g a s e r a c o n s e q u ê n c i a d e u m c o r a ç ã o j u s t o e s á b i o : a s a l v a ç ã o da s u a a l m a e, o b t i da e s t a , a s o b r e v i v ê n c i a da s u a c a s a , c o r p o r i z a d a na i n d e s t r u t i b i l i -d a -d e -d o s o l a r . Se, c o m o t o m á m o s p o r h i p ó t e s e , e s t a l e n d a se f o r m o u n u m m e i o e c l e s i á s t i c o , o n d e a c o n t i n u a ç ã o da b i o g r a f i a de S a l o m ã o n o

Primei-ro LivPrimei-ro dos Reis seria c e r t a m e n t e b e m c o n h e c i d a , p o d e m o s ir a t é um

p o u c o m a i s l o n g e nas i m p l i c a ç õ e s s i m b ó l i c a s d o p a r a l e l i s m o e n t r e u m t e x t o e o o u t r o . T a l c o m o o m o n a r c a i s r a e l i t a c o n s t r u í r a o T e m p l o d e J e r u s a l é m , c e n t r o d o j u d a í s m o , sob u m a e s p e c i a l p r o t e c ç ã o d i v i n a , t a m b é m N u n o G o n ç a l v e s c o n s e g u i r a de D e u s a g a r a n t i a de e t e r n i d a d e para o s o l a r d e L a r a , c e n t r o da l i n h a g e m . O q u e , e m ú l t i m a a n á l i -s e , e q u i v a l i a a c o m p a r a r I -s r a e l , o p o v o e l e i t o d e D e u -s , à ca-sa d e Lara, t a m b é m p r o v i d e n c i a l m e n t e p r o t e g i d a , p o r via da a p r o x i m a ç ã o e n -tre S a l o m ã o e o seu T e m p l o e o c o n d e e o s e u s o l a r . A u t ê n t i c a h i p o t e c a s o b r e o p o d e r l e g i t i m a d o r d o s a g r a d o , e s t e rec u r s o h i s t ó r i rec o p o l í t i rec o da m e m ó r i a l i n h a g í s t i rec a só se t o r n a v a p o s s í -vel n u m c o n t e x t o i n t e l e c t u a l e m q u e «as r e m i n i s c ê n c i a s e c i t a ç õ e s [da

(17)

BíbliaJ se a c o t o v e l a m e m t ã o g r a n d e n ú m e r o nos e s c r i t o s d o c l e r o q u e é m u i t a s v e z e s d i f í c i l d i s t i n g u i r o q u e p r o v é m da sua p r ó p r i a i n s p i -r a ç ã o e o q u e p e -r t e n c e a o t e x t o s a g -r a d o . E s t e é ao m e s m o t e m p o int e r i o r i z a d o e a c int u a l i z a d o , a p o n int o de se i n int e g r a r na e x p e r i ê n c i a p e s soal. Na v e r d a d e , a E s c r i t u r a n ã o é c o n s i d e r a d a c o m o u m s i m p l e s r e l a -to da h i s t ó r i a da s a l v a ç ã o . Para a l é m d o s e n t i d o h i s t ó r i c o e v i d e n t e , u m a e x e g e s e s u b t i l , q u e t e m p o r v e z e s a t e n d ê n c i a de d e s l i z a r p a r a o a l e g o r i s m o , d e s c o b r e em c a d a e p i s ó d i o , ou a t é em c a d a p a l a v r a , um s i g n i f i c a d o m o r a l e e s p i r i t u a l a p r o p r i a d o . » 34. N ã o m u i t o l o n g e d e s t e a m b i e n t e i d e o l ó g i c o , e m b o r a c e r t a m e n t e n a s c i d o s n o u t r o c o n t e x t o de p r o d u ç ã o c u l t u r a l , p a r e c e m e s t a r as mem ó r i a s q u e c o n t a mem c o mem o umem herói g l o r i o s o , s í mem b o l o da s u a l i n h a -g e m , leva a c a b o f e i t o s d e a r m a s s u p e r i o r e s às f o r ç a s h u m a n a s -g r a ç a s ao a u x í l i o s o b r e n a t u r a l . S ã o q u a t r o os e x e m p l o s q u e p o d e m o s d e s c o b r i r nos n o b i l i á r i o s , t o d o s e l e s c o n t i d o s n o LL e t o d o s e l e s r e l a c i o -n a d o s c o m o c o m b a t e p o r e x c e l ê -n c i a q u e é a g u e r r a ao i -n f i e l , i -n i m i g o a t á v i c o , a d v e r s á r i o da fé c r i s t ã e u s u r p a d o r d o t e r r i t ó r i o h i s p â n i c o . N e s t e s c a s o s , a b a t a l h a t r a v a d a r e v e s t e s e d e u m s i g n i f i c a d o q u e u l t r a -p a s s a o t e r r e n o e s t r i t a m e n t e m i l i t a r ou -p o l í t i c o , -p a r a a t i n g i r , c o m a m a i o r d a s n a t u r a l i d a d e s , a d i m e n s ã o r e l i g i o s a d e c o r r e n t e d a i n t e r -v e n ç ã o d i -v i n a . O p r i m e i r o c a s o a v e r de p e r t o é o de Rui D i a s d e B i v a r , o Cid C a m p e a d o r , p r o l i x a m e n t e b i o g r a f a d o n o t í t u l o V I I I d o LL ( B 8 ) . E s t e t e x t o , d e p o i s d e e n u m e r a r as s u a s b r i l h a n t e s c o n q u i s t a s e v i t ó r i a s , d á -- n o s a n o t í c i a s u c i n t a d e u m a l e n d a de o r i g e m d u v i d o s a , m a s j á e n t ã o m u i t o d i f u n d i d a , s e g u n d o a q u a l o Cid teria v e n c i d o o s e u ú l t i m o c o m -bate d o m o d o p r o d i g i o s o q u e a s e g u i r se n a r r a : «E depois que o Cid

morreo, veticeo Rei Bucar outra vez, com todo o poder que pode ajun-tar d'A frica. E esto foi per a vertude de Deus, que lhe enviou o apos-tolo Sam Tiago em sa ajuda. E Nosso Senhor mandou dizer ao Cide em sa vida, per Sam Pedro, per qual guisa havia de vencer.».

O s p o r m e n o r e s f a c t u a i s da h i s t ó r i a s ã o aqui o m i t i d o s , p r o v a v e l m e n t e p o r q u e s e r i a m d o c o n h e c i m e n t o p ú b l i c o . N ã o nos p o d e -r e m o s a l o n g a -r , p o -r t a n t o , s o b -r e a f o -r m a d e q u e se -r e v e s t i u a a c t u a ç ã o

" A n d r é V a u c h e z , La Spiritualité du Moyen Age Occidental, P a r i s . P r e s s e s U n i v e r s i t a i r e s d e F r a n c e , 1 9 7 5 , p p . 1 5 7 - 1 5 8 . S o b r e o p a p e l d a B í b l i a e d o c l e r o na c u l t u r a m e d i e v a l , e n a ó b v i a i m p o s s i b i l i d a d e d e a p r e s e n t a r u m a b i b l i o g r a f i a m i n i -m a -m e n t e e x a u s t i v a , c f . , p o r t o d o s , J a c q u e s P a u l , Histoire Intellectuelle de

(18)

da «vertude de Deus» n e s t e c a s o c o n c r e t o . P a r e c e m a i s i m p o r t a n t e a d i m e n s ã o s i m b ó l i c a q u e f a z d o C a m p e a d o r o h e r ó i é p i c o p o r a n t o -n o m á s i a , d i m e -n s ã o r e f o r ç a d a pela -n a r r a t i v a a t r a v é s d e três f i g u r a s i m p r e s s i o n a n t e s . E m p r i m e i r o l u g a r , a d e S a n t i a g o , o a p ó s t o l o g u e r r e i r o , p a t r o n o e e v a n g e l i z a d o r d a s E s p a n h a s , c u j a i n t e r v e n ç ã o c o n -f i r m a o d e s t i n o h i s p â n i c o d o herói e, d e s t e m o d o , a c a u ç ã o d i v i n a à e m p r e s a b é l i c a q u e e s s e d e s t i n o c o r p o r i z a : a r e c o n q u i s t a c r i s t ã da ter-ra i b é r i c a . D e p o i s a f i g u r a d e S ã o P e d r o , p r í n c i p e d o s a p ó s t o l o s , pri-m e i r o P a p a , s e n h o r d a s c h a v e s d o C é u , q u e n ã o só c o n f e r e a o C i d a d i m e n s ã o u n i v e r s a l da C r i s t a n d a d e , c o m o lhe a s s e g u r a t a m b é m a cer-teza de u m a m i s s ã o p r o v i d e n c i a l , s e m e l h a n t e t a l v e z à q u e l e v a r a o m e s m o P e d r o a ser o b j e c t o p r i v i l e g i a d o da a t e n ç ã o d e D e u s . F i n a l -m e n t e , a f i g u r a d o p r ó p r i o herói q u e , d e p o i s d e -m o r t o , v e n c e u -m a b a t a l h a d e c i s i v a , f e i t o i n a u d i t o q u e p r o j e c t a o seu n o m e a t é a o s c o n -f i n s da h i s t ó r i a , a t r i b u i n d o a s s i m à s u a v i d a , e p o r a r r a s t a m e n t o a o e m p r e e n d i m e n t o c o l e c t i v o e m q u e e s s a vida se c o n s o m e , a d i m e n s ã o h e r ó i c a p o r e x c e l ê n c i a . É fácil v e r q u e e s t e t r i p l o p a t a m a r é p i c o , q u e o t e x t o a m p l i f i c a c o m a r e f e r i d a e n u m e r a ç ã o e x a u s t i v a d o s f e i t o s de Rui D i a s d e B i v a r , d i t o o C i d C a m p e a d o r , t e m o o b j e c t i v o m u i t o c l a r o d e a l c a n d o r a r a o c u m e da g l ó r i a a R e c o n q u i s t a m i l i t a r da H i s p â n i a , r e c o r r e n d o aos a l e g a d o s f a v o r e s c e l e s t i a i s p a r a j u s t i f i c a r i d e o l o g i c a m e n t e e s s e s e c u -lar m o v i m e n t o de c o l o n i z a ç ã o d o Sul m u ç u l m a n o p e l o N o r t e c r i s t ã o .

A l v a r o P i r e s d e C a s t r o , q u e «foi mui boo fidalgo e muito

honra-do, e lidou muitas vezes com os Mouros, e houve contra eles mui boas aventuiras» (LL XI C 9 ) , p r o t a g o n i z a o p a i n e l s e g u i n t e d e s t e p o l í p

t i c o . A c o m p a n h a o n o v a m e n t e S a n t i a g o . O c e n á r i o é J e r e z d e S a d o r -n i m . o -n d e se dá um r e c o -n t r o e -n t r e f o r ç a s c r i s t ã s e m u ç u l m a -n a s «em

tempo de el rei dom Fernando Ide Castela]», ou s e j a , d u r a n t e o s e g u n

-d o q u a r t e l -d o s é c u l o X I I I . O LL -d e s c r e v e o e m b a t e c o m h i p e r b ó l i c o s o b r e s s a l t o , d e m o d o a s u b l i n h a r o e x t r a o r d i n á r i o m i l a g r e b é l i c o e o v a l o r d e Á l v a r o P i r e s d i a n t e d e t a n t o s reis e e x é r c i t o s , v a l o r ao qual se a t r i b u i , a f i n a l , o m é r i t o d e D e u s ter a c t u a d o a f a v o r d o s c r i s t ã o s , e n v i a n d o o s a n t o M a t a - M o u r o s :

«E os mouros eram bem XV mil de cavalo, e os de pee nom ha-viam conto, e os cristãos nom chegavam a mil de cavalo e os de pee nom chegavam a dous mil e quinhentos. E com esforço deste dom Alvar Pirez de Castro, que ia na dianteira, houveram a lidar com eles e vence-los. E teve Deus por bem de mandar i o Apostolo Sam Tiago, que virom i os Mouros e alguus dos cristãos, para seerem os

Referências

Documentos relacionados

O desenvolvimento desta pesquisa está alicerçado ao método Dialético Crítico fundamentado no Materialismo Histórico, que segundo Triviños (1987)permite que se aproxime de

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

O novo sistema (figura 5.7.) integra a fonte Spellman, um novo display digital com programação dos valores de tensão e corrente desejados, o sinal visual do

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

1)  Ver o gráfico: Definição de produto. 2)  1 sigma, 0 % object transmission.. 3)  Em objetos opacos e alinhamento exato