• Nenhum resultado encontrado

A música luso-brasileira: um estudo da produção musical no período joanino de 1808 a 1822

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A música luso-brasileira: um estudo da produção musical no período joanino de 1808 a 1822"

Copied!
154
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

A MÚSICA LUSO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO

MUSICAL NO PERÍODO JOANINO DE 1808 A 1822

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA CULTURA

HUMBERTO ÁLVARES RODRIGUES

Orientador:

Prof. Doutor Fernando Alberto Torres Moreira

(2)
(3)

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

A MÚSICA LUSO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO

MUSICAL NO PERÍODO JOANINO DE 1808 A 1822

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA CULTURA

HUMBERTO ÁLVARES RODRIGUES

Orientador:

Prof. Doutor Fernando Alberto Torres Moreira

(4)
(5)

Dissertação apresentada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro como requisito para conclusão do Mestrado em Ciências da Cultura: Especialização em Cultura e Artes.

Orientação: Professor Doutor Fernando Alberto Torres Moreira.

(6)
(7)

O amor é, sem dúvida, o inventor da Música; tal arte não poderia ser produzida por outro sentimento do coração humano. O amor inflamando as faculdades mentais, embalsamando o futuro com desejosas esperanças, diviniza a vida, torna o homem poeta, e o desliza no vago harmônico de encantadoras ilusões, e neste ardente turbilhão vem a Música, como o orvalho da manhã aplacar a calidez, que o devora: como um solitário, cansado dos monólogos de sua imaginação, concentrando no fundo d´alma, canta para dilatar-se na expansão melódica; é o zéfiro depois da calma, é a respiração depois da opressão

(8)
(9)
(10)
(11)

AGRADECIMENTOS

À Deus primeiramente por me conceder o dom de viver e a inspiração nos momentos que mais precisei durante a jornada.

Ao professor PhD. Fernando Moreira pela paciência, sua atenção e por sua orientação com grande maestria que enriqueceu consideravelmente esta dissertação.

À minha linda esposa Juliana Fernandes Alvares Rodrigues, por fazer parte da minha vida, estando presente em cada passo dessa trajetória, sempre paciente, carinhosa, companheira e amorosa.

À minha grande família: Minha mãe Tânia Maria Gonçalves de Andrade, por todos seus sábios ensinamentos e por sempre acreditar em minhas escolhas; ao meu pai Humberto Rodrigues, por todo seu apoio e confiança; e à minha irmã Rafaela Rodrigues, principalmente por me incentivar ao ingresso à carreira musical.

À minha nova família: Minha sogra Adriana Fernandes, pela paciência e por toda ajuda; e ao meu sogro prof. Dr. Silvio Carlos Alvares, por não medir esforços ao me auxiliar em diversas questões presentes neste trabalho.

A todos da equipe da AAPG, em especial aos meus amigos Dener Scalon e Manuel Leite, por me apoiarem nas questões institucionais e pela amizade.

(12)
(13)

RESUMO

O período joanino no Brasil deixou uma rica diversidade cultural e musical, tanto para a nação brasileira, como à portuguesa. A pretensão do estudo está em averiguar a bibliografia existente, com o objetivo de identificar toda a fusão cultural e musical ocorrida no encontro da corte portuguesa com a sociedade do Brasil colónia, bem como dos demais protagonistas de diversos países que estiveram presentes no período abordado. Para tanto, será apontado o mais importante personagem que se teve no período joanino de 1808 a 1822, o rei Dom João VI, que além de ter sido um grande gestor administrativo e político, teve um papel fundamental como gestor musical do período abordado. Com base em dados biográficos e documentais dos compositores José Maurício Nunes Garcia, Marcos Portugal e Sigismund Neukomm, bem como através de partituras cópias e manuscritas de suas respectivas obras, são possíveis de se averiguar as diferenças e semelhanças estruturais e estéticas entre os compositores. Para tal exame, levam-se em conta suas formações musicais e o contexto histórico em que cada compositor se inseriu. O estudo dos artistas abordados é um importante fator para uma interpretação histórica fundamentada, proporcionando, assim, uma melhor compreensão das atividades musicais do período joanino, bem como para a música brasileira e portuguesa pós-joanina. Pode-se concluir que desde o descobrimento do Brasil, o período joanino foi sem dúvida o mais intenso em termos musicais, propiciando à população o acesso a tudo que acontecia de melhor no universo da música europeia, transformando o Rio de Janeiro em um grande centro cultural e musical ancorado por músicos compositores e intérpretes consagrados internacionalmente.

(14)
(15)

ABSTRACT

The Joanino period in Brazil left a rich cultural and musical diversity, both for the Brazilian and the Portuguese nations. The aim of this study is to determine the existing literature in order to identify all the cultural and musical fusions that took place when the Portuguese court met the society at the Brazil colony, as well as the other actors from different countries attending the covered period. The most important individual in the Joanino period, 1808 to 1822 was King Dom João VI, who in addition to being a great administrative and political, manager played a key role as a music manager during the period. Based on biographical data and documents, as well as through sheet music copies and handwritten works. The composers José Maurício Nunes Garcia, Marcos Portugal and Sigismund Neukomm make it possible to ascertain the differences and structural and aesthetic similarities between the composers. For such an examination, their musical formations as well as the historical context in which each composer was inserted was taken into account. The study of these artists is an important factor for a historical interpretation, thus providing a better understanding of the musical activities of the Joanino period, as well as to the Brazilian and Portuguese post-Joanino music. It can be concluded that since the discovery of Brazil, the Joanino period was arguably the most intense musically, providing the population with access to everything the best European music transforming Rio de Janeiro into a major cultural and musical center anchored by internationally recognized composers, musicians and performers.

(16)
(17)

ÍNDICE GERAL

AGRADECIMENTOS... XI RESUMO...XIII ABSTRACT...XV ÍNDICE GERAL... XVII ÍNDICE DE TABELAS ... XIX ÍNDICE DE FIGURAS... XXI ABREVIATURAS...XXIII

INTRODUÇÃO...1

1. A FIGURA DE DOM JOÃO VI COMO UM GRANDE GESTOR MUSICAL E AS BENFEITORIAS DE SEU GOVERNO ...11

1.1. A FORMAÇÃO MUSICAL DE DOM JOÃO VI ...11

1.2. AS GRANDES MUDANÇAS NA ARTE MUSICAL DURANTE O GOVERNO DE DOM JOÃO VI...14

1.3. A CHEGADA DA MISSÃO ARTÍSTICA NO BRASIL... 20

1.4. RETRATO HISTÓRICO E CULTURAL ATRAVÉS DAS OBRAS DOS ARTISTAS DA MISSÃO ... 24

2. COMPOSITORES DO PERÍODO JOANINO... 35

2.1. JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA ... 35

2.2. MARCOS PORTUGAL... 38

2.3. SIGISMUND NEUKOMM ... 52

2.4. MÚSICOS, CANTORES E OUTROS COMPOSITORES JOANINOS... 57

3. OBRAS MUSICAIS JOANINAS ... ..61

3.1. A MÚSICA INSTRUMENTAL ORQUESTRAL E CAMERÍSTICA ... .63

3.2. OBRAS SACRAS ... 68

3.3. OBRAS VOCAIS E GRANDES ÓPERAS ... 81

4. A ESTÉTICA MUSICAL LUSO-BRASILEIRA ... 87

4.1. INFLUÊNCIA ITALIANA ...87

(18)

4.3. INFLUÊNCIA VIENENSE ... 91

4.4. INFLUÊNCIA LUSO-AFRO-BRASILEIRA ... 93

4.5. A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL E MUSICAL LUSO- BRASILEIRA ... 99

CONCLUSÃO ... 105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 111

ANEXOS ... 117

ANEXO I - MANUSCRITOS DE MARCOS PORTUGAL ... 119

(19)

ÍNDICE DE TABELA

Tabela 1 - Obras sacras citadas e seus respectivos compositores ... 67

Tabela 2 - obras sacras citadas e seus respectivos compositores ... 79

Tabela 3 - Obras vocais citadas e seus respectivos compositores ... 83

Tabela 4 - Tendências estilísticas dos compositores antes do período joanino ... 101

(20)
(21)

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Largo da Carioca (1816) – Óleo sobre tela ... 25

Figura 2 - Morro de Santo Antônio (1816) – Óleo sobre tela... 26

Figura 3 – Aclamação de Dom João VI... 28

Figura 4 - Retrato de Dom João VI (Óleo sobre tela)... 29

Figura 5 - Passatempo dos ricos depois do jantar ... 30

Figura 6 - Bandeira e pavilhão brasileiros. Litografia em: Viagem pitoresca e histórica ao Brasil...30

Figura 7 - Retrato de Nunes Garcia por seu filho Dr. José Maurício Nunes Garcia Júnior...35

Figura 8 - Henrique Bernardelli (1858 – 1936): Dom João ouvindo o padre José Maurício ao cravo, sd. Óleo sobre madeira, 41 x51 cm...37

Figura 9 - Retrato de Marcos Portugal, Anónimo... 39

Figura 10 – Retrato de Neukomm... 52

Figura 11 - Manuscrito do Hino para a feliz aclamação de S.M.F. O Senhor D. João VI de Marcos Portugal... 65

Figura 12 – Trecho do Quoniam de José Maurício... 69

Figura 13 - Trecho da Missa em Fá – Arranjo Miguel P Normandia (Tenor 1, 2 e baixo)...69

Figura 14 - Trecho do Hino Nacional Brasileiro – Francisco Manuel da Silva (Flauta, Oboé e Fagote) ... 70

Figura 15 - Manuscrito Magnificat das Vésperas de São José – COM 17. Autor: J. M. Nunes Garcia... 72

Figura 16 - Manuscrito: Laudate Pueri, 1813, CPM 77 – J. M. Nunes Garcia... 74

Figura 17 – Trecho da obra Tantum Ergo... 75

Figura 18 – Comparação do piano-forte inglês com o piano-forte vienense...93

(22)
(23)

ABREVIATURAS

cb. – Contrabaixo C.I. - Capela Imperial D. - Dom

E.M. – Biblioteca da Escola Municipal da Universidade Federal do Rio de Janeiro F. L. P. – Francisco da Luz Pinto

F.M.S. - Francisco Manoel da Silva J.M. - José Maurício

M.P - Miguel Pedro N.- Número

N. S. – Nossa Senhora N. S.a – Nossa Senhora N. Sra. – Nossa Senhora N.a Sen.a – Nossa Senhora No - Número P. R. - Príncipe Real pa - para Pe. - Padre q.- Que R.C. – Real Capela

RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro S.– São (Santo)

S.A.R. - Sua Alteza Real

S.A.T.B. - Classificação vocal: Soprano, contralto, tenor e baixo S. M. - Sua Majestade

S. M. F. – Sua Majestade Fidelíssima sd - Sem data

Sr. - Senhor Sra. - Senhora SS.mo – Santíssimo

T. T. B. – Classificação vocal: Tenor 1, tenor 2 e baixo UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

(24)

Va Exca - Vossa Excelência W.– Wolfgang

2.as – Duas - Oitavo

(25)

INTRODUÇÃO

A MÚSICA LUSO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO MUSICAL NO PERÍODO JOANINO DE 1808 A 1822

(26)
(27)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz a fundamentação histórica, cultural, artística e musical do período joanino no Brasil. A escolha do período entre 1808 e 1822 é de suma importância, pois em nenhum outro momento histórico se teve uma proximidade de tal profundidade entre Brasil e Portugal. Com base nessa pesquisa, podem-se diagnosticar características peculiares geradas devido ao encontro de compositores de diversas formações e culturas, bem como retratar o rei Dom João VI como um importante gestor das atividades musicais e artísticas no período abordado, além da provável existência de uma identidade musical adquirida do contexto cultural Joanino.

Por meio de análise documental detalhada, tendo como fontes de estudos e de pesquisa os historiadores e musicólogos, o presente trabalho pretende: Verificar o impacto gerado na vida musical Luso-Brasileira com a proximidade dos dois países, bem como, com a gestão de Dom João VI; conhecer a biografia dos compositores e músicos intérpretes do período estudado; averiguar e analisar a estética musical dos géneros existentes no período joanino de 1808 a 1822; compreender a importância do período joanino para a vida musical do Brasil e de Portugal.

O primeiro capítulo aborda a figura de Dom João VI como um importante gestor musical e as grandes mudanças na arte musical durante o seu governo, bem como a vinda da Missão Artística de 1816 ao Brasil. No segundo capítulo se encontra um levantamento bibliográfico dos principais compositores do referido período e suas formações musicais. No terceiro capítulo são abordadas as obras compostas apenas dentro do território brasileiro no período de 1808 a 1822, divididas em três géneros de composição: a música instrumental orquestral e camerística, as obras sacras e as obras vocais e grandes óperas. O último capítulo se desenvolve com uma análise estética da música luso-brasileira, onde se pode observar as influências que permeiam a diversidade cultural existente no período estudado.

A metodologia utilizada foi essencialmente qualitativa. O estudo foi desenvolvido com base na recolha e análise bibliográfica referente aos aspetos históricos, musicais e composicionais; recolha de informações por meio de partituras ou outras escritas musicais relativas ao período de estudo; recolha de informações por meio de arquivos de áudio de interpretações instrumentais e vocais de obras do período abordado; recolha de informações por meio de visitas aos prédios históricos e museus relacionados ao estudo.

(28)

Ao pesquisar-se a história musical do Brasil e de Portugal que antecede o período em que a corte portuguesa esteve instalada nas terras brasileiras, se depara com uma grande diferença entre os dois países.

São inúmeros os factos ocorridos na história musical e cultural de Portugal. Antes do Renascimento, nos primeiros tempos da monarquia, a música já estava muito presente na igreja tendo, igualmente, uma forte presença nas manifestações profanas. Os trovadores e os jograis são exemplos desse facto. A música polifónica também já se encontrava presente em Portugal, no período intermediário da Idade Média e o Renascimento. Em relação a música polifônica, esta estava mais relacionada com a música religiosa do que a profana. João de Freitas Branco (2005) ressalta que o apogeu da polifonia se estendeu em diversas vertentes, podendo-se citar, como exemplo, as escolas de Évora, Vila Viçosa, Coimbra e a escola neerlandesa, que ficou conhecida como música jusquina, que seguia o modelo de Josquin des Près. Para o referido modelo citado, Branco complementa: “Mas outras sumidades estrangeiras tiveram o justo preito dos nossos compositores, nomeadamente Palestrina” (Branco 2005:126). A respeito do estilo dos mestres polifonistas portugueses, o mencionado autor descreve que as obras envolviam a escrita imitativa1, onde existe a imitação entre as

diferentes melodias, mas que, sucessivamente, vão gerando uma sonoridade dos mesmos desenhos melódicos, com algumas modificações, formando no conjunto polifônico, “uma espécie de fios semelhantes mas desencontrados” (Branco 2005: 127).

O Renascimento propriamente dito teve um papel fundamental na formação da cultura portuguesa. Os descobrimentos trouxeram grandes influências nas artes, pois o contato com culturas além-fronteiras engrandeceu fortemente as atividades musicais, e consequentemente os acontecimentos extra musicais. Os cancioneiros são destaques de grande importância da música peninsular profana desse período, como é o caso de Francisco Asenjo Barbiere, ou também conhecido como O cancioneiro de Palácio que, somente de sua autoria, podem se somar mais de 400 peças2.

A primeira execução operística ouvida em Portugal foi ao final do século XVII, por volta do ano 1682. Segundo César de Carvalho (2008), a obra, com procedência italiana, provavelmente não foi apresentada como uma ópera completa, mas apenas algumas árias terão sido interpretadas. O referido autor também relata que, em 1733, foi representada no

1 Dentre as formas imitativas, a mais rigorosa é o Cânone, onde as vozes têm exatamente a mesma melodia. (Branco 2005).

(29)

teatro do Bairro Alto a primeira ópera portuguesa, a obra com o título Vida do grande D.

Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança3, cantada em língua portuguesa.

Outro período que merece destaque é, sem dúvida, o governo de Dom João V, que fez de tudo para favorecer a arte musical em sua corte, sendo também nesse período que a ópera começou a ser bem aceita em Portugal. O rei não poupava dinheiro para investir em questões artísticas e, com o apoio das receitas do tesouro português, não mediu economia para investir na música, tanto ao apoiar e financiar instrumentistas e compositores, como ao contratar cantores para a capela pontifícia.

Não se pode deixar de destacar também a estada de Domenico Scarlatti, um grande compositor italiano que teve uma boa relação com Dom João V, que atuou como mestre de capela da corte de Lisboa e teve contato com o compositor português Carlos Seixas. A cultura portuguesa vai muito além do que se pode citar aqui, pois uma infinidade de artistas de renome faz parte da riqueza cultural lusitana musical.

Mesmo com uma forte característica de colónia, pode-se dizer que no Brasil havia uma cultura musical peculiar cuja realidade se diferenciava de Portugal. Com uma influência indígena, africana e lusitana, a música brasileira se constituía com base no que realmente era feito em seu próprio solo e ao mesmo tempo trazido de Portugal ou até de algumas tentativas de invasões4. Pode-se ter uma clareza do facto com o autor Bruno Kiefer (1977), ao se referir

ao negro-escravo-músico-erudito, ou também, pelo termo semi-erudito. Kiefer classifica o significado de músico como “Executante de música europeia, importada ou criada aqui” (Kiefer 1977: 14).

Em relação à cultura em geral, o grande compositor brasileiro Francisco Mignone também enfatiza a importante influição trazida pelo trabalho negro nas capitanias de Pernambuco e Bahia: “Com o início da escravatura nos meios de grande prosperidade, como Bahia e Pernambuco, criou se um campo novo de manifestações culturais“ (Mignone 1980: 6).

Todavia, as artes eram muito valorizadas pela elite brasileira dos séculos XVII e XVIII, das quais era exigida uma qualidade apreciável. Nesse contexto, a música era bem empregada nas atividades sociais, como batizados e casamentos, assim como na educação civil e religiosa, além de ser um passatempo predileto nos lares da população brasileira em geral.

3 Texto de autoria de António José da Silva e composição musical de autoria desconhecida (Carvalho 2008: 92) 4 Apesar de pouco significante, a invasão holandesa pode ser incluída como um desses exemplos.

(30)

É de grande valia destacar que a música sempre esteve muito relacionada com as demais artes e com toda a cultura. O autor Rogério Budaez faz uma colocação importante a respeito das artes:

A habilidade como compositor é colocada por historiógrafos e bibliógrafos portugueses e brasileiros em pé de igualdade com a produção literária, e a proficiência na execução à viola ou à harpa equivaleria aos dotes poéticos e à instrução nas assim chamadas artes liberais (Budaez 2006: 14).

O período joanino ocorrido no Brasil entre 1808 e 1822 pode ser considerado, em muitos aspectos, a mais importante relação entre Brasil e Portugal. Sabe-se que dentro de um espaço de quase catorze anos, o Brasil teve uma transformação extremamente notável.

Essas tais transformações deram rumos diferentes aos dois países, sendo que, em termos econômicos, políticos e culturais, o impacto foi mais intenso no Brasil, pois até o presente momento, o país vivia uma realidade completamente típica de uma colónia.

Tudo o que era desenvolvido no Brasil sofria uma imensa censura e dependia de Portugal, como por exemplo edições e publicações; tudo era feito em terras portuguesas e depois enviado para a América.

As primeiras grandes transformações políticas e económicas já ocorreram em 1808. Segundo o autor José Luís Cardoso (2005), a abertura dos portos, nesse mesmo ano, colocou o Brasil no livre-comércio com as nações que não eram aliadas da França. Ainda em 1808, foi suspensa a proibição que desde 1785 impedia as atividades das fábricas e manufatureiras na colónia, passando a ter também a isenção de tarifas na importação de matérias primas; foi também criada a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegações, com o intuito de fiscalizar e dar suportes às mesmas atividades e, no mesmo ano, foi fundado o Banco do Brasil, como agente financeiro do governo (Cardoso 2005).

O referido autor ainda relata que, em 1810, foram constituídos os tratados de aliança e amizade de comércio e navegação com a Inglaterra, onde as importações dos produtos ingleses tinham tarifas inferiores até mesmo dos próprios artigos portugueses. Em 1811, foram instaladas duas novas fábricas, a Fábrica de Ferro de Ipanema em São Paulo e a Fábrica de Ferro Patriota, em Congonhas, Minas Gerais (Cardoso 2005).

Em relação à administração política, foram criados, em 1808, no Rio de Janeiro, o Conselho de Estado, Ministérios, Tribunais, Intendência Geral de Polícia, Arsenal e Escola da Marinha, isto é, toda uma estrutura básica do governo português no Brasil. Em 1810, foi criada a Academia Real Militar, um centro de estudos técnicos e científicos, atribuído para a

(31)

formação de oficiais nas áreas da engenharia, artilharia, geografia e topografia, entre outras áreas. Sobre essa questão, António Vicente descreve:

A fixação da Família Real portuguesa no Brasil alterou, em certa medida, a situação deste território. De simples colônia passava à condição de sede da monarquia lusitana. Modificações na organização administrativa tinham de se implantar, dada a transferência para o Rio de Janeiro do governo, das repartições e dos tribunais vindos de Lisboa. As Secretarias de Estado funcionavam na nova capital, ali se estabelecendo os órgãos de administração pública e da justiça. Entre outros, o Conselho de Estado, as Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, o Conselho Supremo Militar e o Conselho de Fazenda. O Tribunal de Relação do Rio de Janeiro foi elevado à condição de Casa da Suplicação a qual, como órgão superior da justiça, julgava em última instancia. Muitas outras medidas administrativas foram tomadas no vice-reino. Essa transformação, estendida a todo o Brasil, através de reformas administrativas nas capitanias, da concessão de certo tipo de autonomia a grandes extensões do território e do aumento da população, levaram o Brasil a uma nova situação. Preparava-se a proclamação, feita pelo príncipe em 1815, do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves (Vicente 1993: 5).

As transformações económicas e políticas foram extensas e, além dos factos destacados acima, muitas outras mudanças ocorreram também com grandes magnitudes. A respeito dos benefícios obtidos na vida cultural e artística no mesmo período, pode-se dizer que, desde a chegada da corte, e praticamente durante toda sua estada no Brasil, estes foram os anos de maior aquisição em praticamente quase todas as áreas artísticas.

Com a instalação da corte de Dom João VI no Rio de janeiro, as primeiras construções foram a Capela Real, que era agregada à Catedral e à Câmara Real. Em 1808, fundou-se o primeiro jornal institucional vigente brasileiro, a Gazeta do Rio de Janeiro, que funcionava sob regime de censura.

O redator Hipólito José da Costa, do Correio Braziliense5 (1808-1822), exalta que a

impressão régia também surge nesse período, passando então o Brasil, a partir desse instante, a pertencer a um universo já conhecido no velho mundo e na América espanhola desde o século XVI. Mais tarde surgiu na Bahia a primeira revista literária As Variedades ou Ensaios

de Literatura6 e já o segundo jornal brasileiro A idade d’Ouro do Brazil. Com a criação da

Escola Anatômica, cirúrgica e médica, da Real Academia Militar, com cursos de engenharia, física e ciências, do Museu Nacional e o Jardim Botânico, o Rio de Janeiro foi se transformando em um grande centro educacional e cultural.

5 Mensário português publicado por Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça em Londres. É considerado um dos primeiros jornais brasileiros. Circulou de 1 de junho de 1808 a 1 de dezembro de 1822. 6 Fundada em janeiro de 1812, pelo livreiro, editor e tipógrafo português Manoel Antônio da Silva Serva. Fundou também, em 14 de maio de 1811, o segundo periódico brasileiro intitulado de A idade d’Ouro do Brazil,

(32)

No dia 29 de outubro de 1810 foi aberta ao público a Real Biblioteca. Com tudo, a arquitetura do Rio de Janeiro também sofreu grandes transformações, como Martins descreve com suas palavras:

À medida em que se prolongava a permanência da Corte a paisagem carioca foi se transformando, dos pontos de vista urbanístico e arquitetônico. Prédios públicos e palácios foram construídos e surgiu um grande número de palacetes e residências luxuosas, nos quais moravam a nobreza, a alta burocracia e os comerciantes ricos (Martins 1980: 46).

É de grande valia salientar que todas as melhorias trazidas pela corte foram ordenadas pelo príncipe regente Dom João VI, que foi peça fundamental para que todas as iniciativas fossem tomadas.

Como parte do estudo, é de importância averiguar também os possíveis benefícios gerados nessa gestão para a população joanina, acerca da arte musical para com os compositores e músicos do período tratado, assim como, sua própria atuação em prol da música, da composição e da regência.

(33)

1. A FIGURA DE DOM JOÃO VI

COMO UM GRANDE GESTOR

MUSICAL E AS BENFEITORIAS DE

SEU GOVERNO

A MÚSICA LUSO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO MUSICAL NO PERÍODO JOANINO DE 1808 A 1822

(34)
(35)

1. A FIGURA DE DOM JOÃO VI COMO UM GRANDE GESTOR MUSICAL E AS BENFEITORIAS DE SEU GOVERNO

Em toda a história da humanidade encontra-se gestores que de alguma forma exerceram uma influência positiva sobre as pessoas que viveram ao redor dos mesmos, pode-se observar muitas benfeitorias do passado que ainda continuam sendo praticadas até os dias de hoje.

É importante se ter em mente que, no período joanino, Portugal era uma monarquia absoluta, comandada pela dinastia Bragança. A colocação de Ramos pode esclarecer a questão: “O rei exercia o poder supremo, pois as leis eram expressão da sua vontade, pertencendo-lhe a última decisão em todos os assuntos do governo e da administração corrente“ (Ramos 2000: 99).

Pode-se dizer que Dom João VI exerceu um papel de gestor em diversas especialidades. Pode-se ressaltá-lo como um importante gestor político ou administrativo, um grande gestor artístico ou cultural.

1.1. A FORMAÇÃO MUSICAL DE DOM JOÃO VI

João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança, mais conhecido como Dom João VI, nasceu na cidade de Lisboa em 13 de Maio de 1767, filho da rainha D. Maria e de D. Pedro III; em 1785, casou-se com a espanhola D. Carlota Joaquina de Bourbon.

Após o ataque de loucura da rainha D. Maria I em 1792, enquanto assistia a um espetáculo no Teatro Paço de Salvaterra, Dom João tornou-se o novo regente do reino. Apenar de ser o segundo filho da rainha, obteve a herança devido ao falecimento do príncipe D. José, seu irmão primogénito, em 1788.

Sabe-se que, pelo facto de D. João não ser o primeiro filho, o novo príncipe não estava completamente preparado para assumir a regência do reino, pois desprovia da formação usual dos herdeiros do trono. Seus hábitos eram mais livres de responsabilidades, razão pela qual, desde cedo já trazia uma vivência musical muito rica. Essa característica traria, a seu governo, grandes benefícios para a arte musical, com destaque para a música litúrgica, que era de seu gosto em especial. Essas características são fortemente apontadas pelos biógrafos da monarquia: “Não lhe deram uma educação razoável; deram-lhe uma formação artística. Como não precisava saber o que pensavam os sábios, ensinaram-lhe a conhecer o que compunham os músicos” (Calmon 1968: 136).

(36)

O “protetor das musas”, designação usada por Bruno Kiefer (1977) ao referir-se ao príncipe, financiou a arte da música durante seu governo em Portugal e posteriormente também no Brasil. Encontram-se arquivadas, nos Diários de Despesas do Particular guardados na Torre do Tombo, ordens de pagamento destinadas a músicos em geral, ajudas de custo para atividades musicais e para transporte de cantores, despesas com composição e montagem de espetáculos, além de muitas outras despesas relacionadas com música.

Essa forte paixão pela arte musical não era uma predileção só de Dom João VI, mas também uma tradição de muitos outros reis lusitanos, como o descreve Scherpereel:

A música era uma das grandes paixões dos reis da dinastia de Bragança e foram despendidas somas consideráveis em sua honra. Basta recordar a riquíssima biblioteca musical reunida por D. João IV, ele mesmo compositor e crítico de mérito, a contratação de Domenico Scarlatti sob o reinado de D. João V, a de David Perez e dos maiores cantores italianos sob D. José I, sem esquecer a construção do faustoso teatro de ópera “dos Paços da Ribeira” ou “Ópera do Tejo”, considerado por Burney como o teatro mais brilhante de toda a Europa, infelizmente destruído no ano de sua inauguração pelo grande terramoto de 1755 (Scherpereel 1985: 13).

Sabe-se que o estilo musical mais executado em Portugal no período de governo de D. João VI foi a ópera italiana; afinal, já “desde a primeira metade do século XVIII, dava-se uma penetração progressiva dos modelos musicais italianos” (Pacheco 2007: 12). É importante colocar-se em pauta que, no início do século XVIII, o género musical romano predominou na Real Capela; da metade do século em diante, a maior influência musical foi a da escola napolitana.

No governo de D. João, a escola napolitana estava, pois, em alta, e sabe-se que muitos compositores portugueses foram para Nápoles a estudos. Nery relata que, quando os referidos músicos voltaram, representando o estilo napolitano, ingressaram como “corpo docente do Seminário da Patriarcal, para além de se distinguirem entre o círculo de compositores portugueses” (Nery 1999: 104). Compositores como António Leal Moreira e Marcos Portugal foram alunos do seminário, onde tiveram como professor, o grande músico e compositor João de Souza Carvalho (1745 - 1798). David Perez, (1711 – 1778), Niccolò Jommelli (1714 – 1774), Jerónimo Francisco de Lima (1741 - 1822) e Brás Francisco de Lima foram importantes compositores que também representaram a escola napolitana em Portugal.

No início do século XIX, o género operático passou a influenciar fortemente a música portuguesa. Segundo Cymbron Brito, o que colaborou muito nesse período foram os importantes teatros São Carlos, em Lisboa, e São João, no Porto, que viriam a “constituir o eixo central de toda essa vida musical ao longo do século XIX, colocando a música

(37)

instrumental, bem como as restantes manifestações musicais, na posição de meros satélites da cultura operática italiana” (Brito 1992: 129).

A maior parte das peças apresentadas no teatro São Carlos eram italianas; uma pequena parte era em português, e raramente eram apresentadas óperas francesas, sendo estas últimas, muitas vezes, montadas e cantadas na própria língua italiana; Balbi confirma esse facto - “Desde a abertura deste novo teatro [S. Carlos], Lisboa tem tido sucessivamente o prazer de ouvir os maiores talentos da Itália na cena lírica” (Balbi 1822: CCIV) – assim como Pacheco:

Mesmo que os teatros públicos mais populares apresentassem por vezes algumas alternativas - como é o caso da produção dramática de António José da Silva (1705–1739), o Judeu, como ficou conhecido, ou a presença de modinhas e canções populares em espetáculos, das quais podemos encontrar alguns exemplos no repertório português da cantora brasileira Lapinha - a ópera italiana se estabeleceu com tal força que influenciou a música religiosa portuguesa, que se tornou muito semelhante à música operática. Neste caso, como na ópera, os grandes modelos foram David Perez e Niccolò Jommelli (Pacheco 2007: 12).

Segundo Malerba, a fuga da corte portuguesa para o Brasil foi uma tentativa de se proteger dos avanços de Napoleão Bonaparte que, nesta altura, já oferecia uma ameaça no território português: “Todas as principais casas dinásticas da Europa e tinha no pequeno Estado português uma ameaça nem um pouco desprezível, por causa de sua posição estratégica de entreposto comercial e aliado histórico que era do império britânico” (Malerba 2000: 19).

A vinda de Dom João para o Brasil foi triunfante e causou um impacto muito grande no país. O pesquisador Bruno Kiefer (1977) relata que a chegada da corte a terras brasileiras provocou uma imensa revolução cultural no Brasil, transformando o Rio de Janeiro em um verdadeiro “centro de irradiação do pensamento da atividade mental do país”. Kiefer continua:

À chegada do Príncipe Regente, os portos foram franqueados à navegação estrangeira. Surgiu o prelo, e, com ele, a Gazeta Real. Foram fundadas a Escola de Medicina e a Academia de Belas Artes. A Biblioteca Real, com 60.000 volumes abriu suas portas ao público.

As nações amigas foram solicitadas a enviar representação diplomática ao Brasil e assim foi que logo se instalaram no Rio as embaixadas da Inglaterra e da França (Kiefer 1980: 42).

As transformações culturais foram tão perceptíveis que José A. Castello pôde registrar com muito fundamento: “ a transição ocorre de 1808 a 1821, quando D. João VI preparou o ambiente propício a nossa independência econômica, política e cultural, favorecendo-nos de

(38)

tal forma que foi considerado pelo instituto Histórico e Geográfico o fundador da nacionalidade brasileira” (Castello 1967: 194).

Segundo os relatos do padre brasileiro Luiz Gonçalves dos Santos (1767 – 1844), citado por Pacheco, ao chegar ao Brasil o rei foi muito bem recebido com muita música. Pode-se também dizer que o rei beneficiou intensamente a produção musical no Brasil, partindo da música já produzida na colónia: “O protagonista de todas as transformações sofridas pelo Rio de Janeiro foi o rei D. João VI. No campo da música sua importância é fundamental. Podemos afirmar que ele foi o mais importante mecenas com que contava o Rio de Janeiro” (Pacheco 2007: 29).

Pode-se observar, nas afirmações acima, que D. João realmente teve um papel fundamental para o avanço das artes em geral no Brasil joanino, em especial à música. O Brasil ainda não contava com uma iniciativa de desenvolvimento no meio musical com tanta austeridade, antes da chegada do referido rei.

1.2. AS GRANDES MUDANÇAS NA ARTE MUSICAL DURANTE O GOVERNO DE DOM JOÃO VI

Ao se instalar no Rio de Janeiro, as primeiras criações de Dom João foram a Capela Real e a Câmara Real, sendo que a primeira funcionava de forma agregada à catedral; por decreto régio, essa mesma catedral posteriormente foi transferida para a Igreja dos Carmelitas. O rei também contribuiu para a construção do teatro São João, assim como para a contratação de vários músicos europeus.

Sabe-se que junto com a corte portuguesa vieram apenas dois músicos, o organista José do Rosário Nunes e o Pe. Francisco de Paula Pereira. Segundo Vasco Mariz (2002), este número veio a aumentar a partir de 1809, quando Dom João ordenou a primeira vinda de músicos portugueses e italianos. Vieram ao Brasil então: Joaquim Manuel da Câmara, José Caprânica, António Pedro Gonçalves, Carlos Mazziotti, Fortunato Mazziotti, Giuseppe Mazziotti, Giovanni Mazziotti e Salvador Salvatori.

Segundo o autor Bruno Kiefer (1977), durante os ofícios solenes, o número de músicos chegava a cerca de 150, entre cantores e instrumentistas. Dom João investiu muito nos ofícios religiosos, pelos quais tinha uma predição especial. Luiz Heitor, ao se referir ao rei, descreve: “Em matéria de divertimentos, D. João VI só conhece música e religião” (Heitor 1950: 104). Em outra afirmação posterior, o mesmo autor ainda reforça: “O senhor D. João era acompanhado pelos seus padres e pelos seus músicos (o primeiro mestre de capela escolhido

(39)

pelo regente D. João foi o Pe. José Mauricio Nunes Garcia, que já conquistara o respeito do regente)” (Heitor 1950: 104).

O gosto do príncipe regente pela música era tanto que, através do testemunho dos factos, observa-se que:

Além disto, Sua Alteza aumentou o numero dos capelães, cantores, ministros, sacristãs e serventes da mesma capela Real, como também o coro de música com vários músicos italianos e Portugueses que já o eram da sua Real Câmara e Capela em Lisboa, e com outros dessa cidade (Santos apud Andrade 1967: 23).

Se tratando da Capela Real, D. João também não poupava dinheiro para a contratação de cantores da Europa, inclusive, mandou vir até sopranistas (castrati) para o Rio de Janeiro. É importante ressaltar, que nesse período, era muito raro encontrar um castrati, pois o seu género vocal estava em desaparecimento. Os poucos que existiam, eram imediatamente destinados a Londres, Moscou ou Viena, por conta dos valorizados salários. Os castrati eram muito prestigiados em Portugal mesmo antes da vinda da corte para o Brasil e os primeiros a chegar ao Brasil foram trazidos por D. João.

Além do mais, a Capela Real foi a primeira instituição brasileira a oferecer cargos públicos para músicos. A partir disso, era garantido uma certa estabilidade aos profissionais da área. Nas palavras de Cardoso, pode-se confirmar os factos:

A Capela Real do Rio de Janeiro, com seu coro e sua orquestra, foi a primeira instituição profissional de música no Brasil mantida com recursos públicos, de forma permanente. Seus músicos e cantores eram funcionários públicos, vinculados primeiramente à

Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça e, a partir de 1861, à Secretaria de Estado de Negócios do Império (Cardoso 2005: 10).

A Capela Real proporcionou uma enorme quantidade de festas religiosas, comemorações políticas e familiares, ambas com funções religiosas. O repertório consistia, segundo Kiefer, “principalmente de obras do Pe. José Maurício o qual, a partir deste período, teve uma atividade febril” (Kiefer 1977: 48).

Sabe-se que, no período joanino, existia uma considerável produção musical profana. As óperas, os bailados e os elogios e cantatas ganharam força com a existência da Real Câmara e do teatro São João, mas, assim mesmo, a maior parte da produção musical acontecia dentro das igrejas.

Segundo Alberto Pacheco, D. João teve uma fundamental influência na produção musical sacra do Rio de Janeiro, fazendo com que uma grande parte da prática musical carioca acontecesse nas igrejas. O mesmo autor descreve que isso ocorreu não só pela

(40)

predileção do rei pela música religiosa, mas também pelo facto do Brasil ter o catolicismo como religião oficial em todo período joanino: “As relações entre a Igreja Católica e o Estado do Brasil se davam através da instituição do padroado” (Cardoso 2005: 20).

Confirmando as palavras acima, Andrade descreve que

Ao chegar, D. João VI decidiu “render graças a Deus na igreja que fosse a catedral da cidade” logo que pusesse os pés no Rio. Foi, portanto, recebido na Igreja do Rosário (naquele tempo Sé carioca) num ato religioso permeado de música. Logo após sua chegada, o monarca “resolveu criar a Capela Real agregada à Sé Catedral, a exemplo da de Lisboa. Foi com efeito uma das primeiras providências, aqui chegando (Andrade 1967: 13).

Além do mais, a religião tinha uma forte função social, sendo comum frequentar o teatro e a igreja. Pode-se observar com muita clareza as palavras de Ayres de Andrade: “Sua Alteza ia ao teatro e ia à Igreja. Era o quanto bastava para que todo mundo fosse ao teatro e à igreja” (Andrade 1967: 128).

Não havia muitos concertos musicais nessa época, e tinham uma forma diferente dos dias de hoje. Sabe-se que as chamadas academias de música, que também eram conhecidas como as noitadas musicais7, eram o passatempo predileto dos ricos, e ocorriam normalmente

à noite após o jantar.

Bruno Kiefer afirma que, nas respectivas noitadas, se apresentavam diversos artistas, instrumentistas e cantores, cujo repertório, geralmente eclético, também variava, sendo mais comuns trechos de óperas. Tais noitadas, no entanto, eram relativamente raras: “Em 1815 surge a primeira sociedade recreativa em cujos estatutos figurava os propósitos de promover concertos para sócios. O nome da sociedade era Assembléia Portuguesa. Cultivava também a dança e o jogo” (Kiefer 1977: 49).

É importante se ter em mente que as sociedades que promoviam concertos em série, tais como nos dias de hoje, surgiriam a partir de 1823. Nesses novos concertos, os artistas eram divulgados com antecedência e os ingressos também vendidos antecipadamente.

Segundo o autor acima, D. João foi responsável pela realização de inúmeros concertos. Músicos brasileiros, portugueses e de outros países fizeram um grande movimento musical na cidade do Rio. Nas palavras de Kiefer pode-se observar que

7 Para se ter uma ideia das tais noitadas musicais, pode ser observado a imagem do quadro de Debret na página 26, cujo pintor descreve como: Passatempo dos ricos depois de jantar.

(41)

O regente fazia realizar concertos em Paço. Músicos não faltavam. O gosto que dominava na corte não era dos melhores; so se admitia opera italiana – e o mesmo estilo na música sacra – com seu melodismo fácil e ensinuante.

Resta mensionar ainda uma banda, composta de músicos portugueses e alemães, que atuou no Rio durante a estada da Família Real. Vieira capitaneada por Eduardo Neuparth, nomeado expressamente pela Casa Real para acompanhar a princesa Leopodina da Áustria na sua viagem de Livorno ate o Rio. Para esta banda o Pe. Jose Mauricio escreveu 12 divertimentos, infelizmente perdidos (Kiefer 1977: 49).

Como já se sabe, o rei tinha uma adoração pelas missas cantadas e solenes, atraindo ao seu redor muitos músicos e cantores. Este seu interesse pela música fortaleceu a vida musical de grandes compositores que viveram nesse período, como Marcos Portugal, Sigismund Newkomme e o já referido Pe. José Maurício, que serão abordados no decorrer do trabalho; existem relatos atestando que este último teve certa proteção do rei, principalmente na Capela Real, onde não foi poupado dinheiro para o investimento, conforme pedido do mesmo músico.

Além dos benefícios oferecidos aos mestres da música, Dom João também influenciou toda a sociedade, pois a população joanina costumava aderir os hábitos do rei. Isso pode explicar o facto de o estilo musical sacro e dramático predominar durante todo o período de gestão do rei. Segundo Ayres de Andrade, os concertos normalmente ocorriam em ambientes privados, pois o rei não tinha hábitos de ir aos concertos públicos e, com isso, as pessoas também aderiam este costume. O ato do rei frequentar o teatro e a igreja, já era o bastante para se tornar um ponto obrigatório de reunião social. O mesmo autor esclarece a situação com mais detalhes:

E por que haveria Sua Alteza de ir a concertos se os tinha a domicílio, executados pelos músicos de sua Real Câmara, à hora que lhe conviesse?

Em grande parte, foi por essa razão que custou a formar-se clima para concertos no Rio de Janeiro. Concertos propriamente ditos no Rio de Janeiro daqueles dias, a não ser em ambientes privados, o que não era comum, só mesmo os da Real Câmara, que tanto se realizavam no Paço de S. Cristóvão, como em Santa Cruz (Andrade 1967: 128).

A música também estava presente na sociedade carioca joanina. Vale destacar que a arte da música, como profissão, não era muito bem vista no período abordado. Pacheco descreve que uma carreira musical seria algo pouco recomendável para as moças de boa família: “Uma mulher com carreira artística não era vista com bons olhos e certamente teria uma reputação bastante baixa” (Pacheco 2008: 109). Por outro lado, saber tocar um instrumento musical fazia parte do passatempo da elite brasileira. Conforme as palavras de Anelise Oliveira, o piano era o instrumento predileto da nobreza; além do mais, o facto de uma mulher tocar esse

(42)

instrumento era algo elegante e demonstrava poder monetário elevado. A respeito do assunto, a mesma autora pode representar mais detalhes:

Para dar o tom à musicalidade, o instrumento mais requisitado entre a boa sociedade era o piano forte. Toda dama que se prezasse deveria saber ler as partituras e tocá-las elegantemente, sendo esta uma das principais prendas da mulher nobre. O piano não constituía apenas um instrumento musical. Constituía também num símbolo de distinção o social do mobiliário oitocentista, já que seu alto custo - quase sempre importado da Inglaterra - era privilégio da camada abastada (Oliveira 2008: 16).

Muitos benefícios foram trazidos pelo governo joanino. Sob a gestão do príncipe regente, estiveram grandes artistas, com muitas composições e interpretações de alto nível, feitas dentro desse próprio período. Uma gama de obras compostas durante esta época constitui um repertório de muito valor artístico, com uma grande variedade de géneros. Vale lembrar que parte destas obras está respectivamente relacionada com o rei.

Por outro lado, Bruno Kiefer relata que as realizações de Dom João VI no Brasil, no que se diz a respeito de sua política económica, social e cultural, contribuíram fortemente para o incremento, estruturação e difusão do sentimento antilusitano. “Surge aí, verdadeiramente, o sentimento nacional, conforme atestam os acontecimentos que se seguiram à saída do monarca do Brasil” (Kiefer 1977: 50).

O autor acima acredita que as iniciativas da própria gestão do rei favoreceram fortemente a criação da auto-afirmação nacional. Até então não existia a imprensa periódica, o acesso aos livros e instruções, não existia também a possibilidade de se estruturar e criar o sentimento patriótico. Castello afirma com suas palavras que:

Concomitantemente com as reformas de D. João VI, e mesmo como uma das conseqüências inesperadas de sua política, verificou-se a eclosão do sentimento antilusitano, expressão inicial do próprio sentimento patriótico que havia de estimular o movimento romântico e nacionalista que se manifestaria logo mais (Castello 1967: 197).

O retorno da família real a Portugal, juntamente com a turbulência social e política causada pelo movimento da independência do Brasil, deixou um abalo nas atividades musicais e automaticamente também nas questões financeiras, impacto esse que, segundo o autor Porto Alegre, ao descrever as palavras ditas pelo padre José Maurício, pode demostrar a desilusão dos músicos nesse período de lembrança dos bons tempos com Dom João:

Ah! naqueles tempos, quando me assentava à mesa tinha nos meus olhos el-rei [D. João VI], e nos ouvidos uma orquestra imensa e prodigiosa. Muitas noites não pude dormir, porque essa orquestra me acompanhava, e era tal o seu efeito que passava as noites em claro; e infelizmente nunca pude escrever aquilo que claramente ouvia. Hoje, só ouço o

(43)

cantar dos grilos, e meus gemidos, ou o ganir dos cães que me incomodam e me entristecem (Pe. José Maurício, citado por Porto-Alegre 1978: 53).

Luís de Oliveira Ramos acredita que Dom João provavelmente já sabia que os seus atos levariam a independência brasileira; segundo o autor, “Em 1822, como decerto o monarca previa, sob a batuta do próprio herdeiro da coroa, D. Pedro, o Brasil torna-se um império independente” (Ramos 2000: 109). Em relação à possível reação do rei, devida à situação de retornar a Portugal, o mesmo autor ainda descreve com todo acerto: “Exerceu um mando sem excessos. Além de reconhecer a independência do Brasil aceitou seu filho, D. Pedro, como imperador e príncipe real do Velho Reino” (Ramos 2000: 109).

Através da Biblioteca Nacional de Lisboa, pode-se ter acesso a um documento de extrema importância. Trata-se de uma carta que fora enviada ao rei, no dia 19 de junho de 1822, escrita pelo novo herdeiro da coroa, seu filho D. Pedro I. Vale lembrar que nesse período toda a corte já estava em Portugal. Observe-se então essas palavras:

Meu pai, e Meu Senhor, Tive a honra, e o prazer de receber de V. M. duas cartas, huma pelo Costa Coito, e outra pelo Chamberlain, em as quaes V. M. me comonicava o seu estado de saúde fizica, a qual eu estimo mais, que ninguem, e em que me dizia -- Guia-te pelas circunstancias com prudencia, e cauGuia-tella -- esta recomendação he digna de todo o homem, e muito mais de um pai a hum filho, e de hum Rei a hum subdito, que o ama, e respeita sobre maneira.

Circunstancias Politicas do Brazil fizerão que eu tomasse as medidas, que já participei a V. M. ; outras mais urgentes forçarão me por amor á Nação, a V. M, e ao Brazil, tomar as que V. M. verá dos papeis officiaes, que sómente a V. M. remetto. Por elles verá V. M. o amor, que os Brazileiros honrados lhes consagrão à sua sagrada, e inviolavel Pessoa, e ao Brazil, que a Providencia Divina lhes deo em sorte livre, e que não quer ser escravo de Lusos-Hespanhoesquaes os infames Despotas (Constitucionaes in nomíne) dessas facciosas, orrorosas, e pestiferas Cortes.

O Brazil, senhor, ama a V. M. reconhece-o, e sempre o reconhece como seu Rey (....) Eu ainda me lembro, e me lembrarei sempre do que V. M. me disse, antes de partir dois dias, no seu quarto (Pedro se o Brazil se separar antes seja para ti, Me has de respeitar do que para algum desses aventureiros) Foi chegado o momento da quasi separação, e estribado en nas eloquentes, e singelas palavras expressadas por V. M., tenho marchado a diante do Brazil, que tanto me tem honrado (Alcantara 1822: 4 - 5).

Diante deste material, é possível se ter uma ideia da repercussão causada pelo mecenas na sociedade brasileira, bem como o respeito e carinho para com ele, por parte de D. Pedro e dos brasileiros.

Além de todos os benefícios citados acima, um facto artístico de extrema importância, que ocorreu no governo de Dom João, foi sem dúvida a Missão Artística, criada em 1816, por um decreto régio junto à Escola de Ciências, Artes e Ofícios.

(44)

1.3. A CHEGADA DA MISSÃO ARTÍSTICA NO BRASIL

Muito se discute a respeito da origem e o desenvolvimento da chamada Missão Artística Francesa de 1816. Sabe-se que, com essa vinda, o Brasil presenciou grandes mudanças nas artes, principalmente as plásticas, baseando-se com os séculos anteriores.

Segundo Elaine Dias (2006), muitos estudiosos analisam essa tal missão com base nos decretos promulgados no Brasil no próprio período joanino, através dos relatos de viajantes e nos documentos que engendram a história da Academia Imperial de Belas Artes. Com relação a esses documentos, a autora descreve que:

Os escritos do pintor de história Jean-Baptiste Debret, presentes em sua obra Voyage pittoresque e thistorique au Brésil, publicada em três volumes em Paris entre 1834 e 1839, constitui uma das primeiras fontes que contribuíram para a abordagem da questão. Debret, membro do projeto de ensino criado pela Missão como pintor de história, fora o primeiro a tratar deste tema no terceiro volume de sua obra2. Ali, relata o contexto vivido pelos artistas franceses no Rio de Janeiro, descrevendo as questões burocráticas, os entraves políticos, assim como as querelas entre artistas franceses e portugueses para a fundação da Academia de Belas Artes, inaugurada em 1826, dez anos depois da concepção de seu projeto inicial como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (Dias 2006: 301).

Sob a liderança de Joaquim Lebreton (1760 - 1819), que ocupava o cargo de secretário do Institut de France8, chega ao Rio de Janeiro em 26 de março de 1816 um grupo de artistas

franceses. Existem duas possíveis versões sobre as origens da missão. A primeira versão dos estudos afirma que a Missão Artística foi contratada na França, trazida ao Brasil por uma forte influência do Conselho do Conde9 da Barca, António de Araújo Azevedo, antigo embaixador

de Portugal em Paris e Ministro do Reino naquela data. A outra versão relata que, por iniciativa própria, os integrantes da Missão ofereceram seus serviços à corte portuguesa. Segundo Schwarcz, devido aos artistas terem formação neoclássica e serem partidários de Napoleão Bonaparte, os mesmos se sentiriam prejudicados com a volta dos Bourbon ao poder; com isso, decidem vir para o Brasil com apoio de D. João VI, esperançosos de que possam ajudar nos processos de renovação do Rio de Janeiro e de afirmação da corte no país.

Atualmente acredita-se em um meio termo entre as duas versões. Assim, Elaine Dias (2006) acredita que havia alguns interesses para a implantação da Missão. O rei português se mostrava receptivo à criação da academia e, partindo dessa informação, Lebreton, que

8 O instituto tinha o objetivo de realizar o aprimoramento das artes e da ciência com base nos princípios da pluridisciplinaridade.

9Líder do chamado “partido francês” na corte portuguesa, isto é, partidário das ideias saídas da Revolução Francesa de 1789 e, portanto, de um alinhamento com a França e não com a Inglaterra.

(45)

também tinha o intuito de sair da França, provavelmente ofereceu seus serviços, juntamente com os demais artistas dispostos a se refugiar em outro país.

Dentre os componentes da missão artística estão o já referido chefe da Missão e pintor Joaquim Lebreton, o pintor Nicolas Antoine Taunay, o escultor Augusto Maria Taunay, o pintor Jean Batiste Debret, o arquiteto Augusto Montigny, o gravador Carlos Simão Pradier e o compositor, organista e mestre de capela Sigismund Newkomm. Para se ter uma ideia da importância desta missão, a escolha dos artistas teve a colaboração do grande filósofo e historiador Alexander Von Humboldt.

A vinda da Missão ofereceria grandes benefícios ao Brasil. Segundo Sodré, os artistas tinham como objetivo trazer

Atividades ligadas ao provimento de modelos europeus e ao recrutamento de discípulos, de que foram manifestação concreta a fundação de escolas de artes e de museus e a contratação de mestres estrangeiros. Esses dois aspectos, cuja benemerência não pode ser posta em dúvida, assinalam a transplantação que, conjugada a alienação, necessariamente, já no alvorecer do século XIX, persiste como decorrência das condições objetivas então reinantes (Sodré 1972: 34).

Segundo o historiador Bruno Kiefer (1977), os motivos que levaram muitos artistas de renome a abandonarem o solo francês, sobressai o da situação calamitosa do país após o desastre de Waterloo em 1815. Em relação ao compositor Sigismund Newkomm, o mesmo historiador cita que o móbil principal da sua vinda ao Brasil foi o seu persistente desejo de conhecer o mundo.

Ao citar Newkomm, João Freitas Branco afirma que o compositor veio ao Brasil com boas indicações e com o propósito de contribuir para a melhoria das atividades culturais sob sua responsabilidade, pois era o único músico; segundo o autor, “Não fazia parte dela músico algum, o que, mais ainda do que uma carta de recomendação do príncipe de Talleyrand, deve ter sido favorável a Sigismund Newkomm quando se fixou no Brasil” (Branco 2005: 216). Nas palavras de Araújo de Azevedo, citado por Branco, pode-se observar o que ele próprio relata: “Temos a esperança de fundar um novo império no Novo Mundo e tereis todo o interesse em testemunhar o desenvolvimento deste pais” (Azevedo, apud Branco 2005: 216).

Sobre a viagem, André Albuquerque (2013) relata que em 22 de janeiro de 1816 o navio de três velas americanas chamado Calpe partiu rumo ao Rio de Janeiro, juntamente com os artistas e muitas outras pessoas. Após 63 dias de viagem, chegou ao Rio de Janeiro em 26 de março do mesmo ano.

(46)

O Calpe não pôde entrar na sede do império pela Baía de Guanabara, que estava fechada para o tráfico marinho durante a noite, tendo então que lançar âncora e esperar o amanhecer. Albuquerque (2013) descreve também, que esse episódio, “que mais tarde seria apreendido pela lembrança que esses artistas escreviam em seus diários, não permitiu que todos a bordo ouvissem os diversos tiros de canhão que faziam as saudações fúnebres para a rainha, dona Maria I, que acabava de falecer” (Albuquerque 2013: 56).

No primeiro dia em terras brasileiras, os artistas faziam muitos planos e projetos. Pode-se obPode-servar o ânimo por parte de Debret, através de suas próprias palavras citadas por Albuquerque: “Será fácil acreditar que foi o sonho universal a embelezar o sono de cada um dos artistas, na sua última noite de viagem” (Albuquerque 2013: 56).

Após passarem-se os dias, os artistas encontram muito trabalho; pode-se dizer que um dos motivos seja devido ao momento de transição política, com a morte da rainha e a posse definitiva de Dom João VI. Esse momento foi importante para os artistas colocarem em prática seus conhecimentos académicos. Segundo Naves, esse primeiro momento foi realmente desafiador; o mesmo autor descreve: “Mais do que um espaço anedótico e perversamente pitoresco, a afeição rudimentar do Rio de Janeiro inviabilizava na prática uma atuação normal de Debret e seus companheiros” (Naves 1996: 67).

Albuquerque (2013) descreve que Jean Debret e outros pintores foram hospedados em uma moradia que, um tempo depois, foi residência fixa de Debret. Os artistas também tinham direito a duas refeições por dia, que lhes eram levadas por meio dos escravos, sob ordem do Conde da Barca.

Outro fator que dava garantia aos artistas era o pagamento do seu trabalho; mesmo que a Escola Real, principalmente em relação às artes, tenha sido colocada em segundo plano, a política joanina assegurava por decreto os referidos pagamentos:

Por efeito de minha real munificência e paternalzêlo pelo bem público deste Reino, lhes faço mercê para a sua subsistência, pagas pelo Erário Público, cumprindo desde logo cada um dos ditos pensionários com as obrigações, encargos e estipulações que devem fazer parte a base do contrato, que, ao menos pelo prazo de seis anos, hão de assinar, obrigando-se a cumprir quanto fôr tendente ao fim da proposta instrução nacional das belas artes e ofícios mecânicos (Taunay apud Schlichta 2006: 54 e 55).

No dia 12 de agosto de 1816, foi fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, cuja proposta era suprir as carências da população do reino. A Escola Real não formava apenas artistas, sua inserção ocorria em diferentes áreas. Os ministros da corte acreditavam

(47)

que realmente faltavam profissionais especializados, mas aproveitando os especialistas vindos à Missão, poderia se difundir conhecimentos diversos por meio da mesma instituição.

Em uma citação de Schlichta (2006), pode-se observar, nas palavras de Taunay, esse propósito da Real Escola:

Atendendo ao bem comum que provém aos meus fiéis vassalos de se estabelecer no Brasil uma Real Escola de Ciências, Artes e Ofícios, em que se promova e difunda a instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos da administração do estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio, de que resulta a subsistência, comodidade e civilização dos povos, maiormente neste continente (Schlichta 2006: 54).

Devido às disputas políticas ocorridas no período da invasão de Portugal por parte dos franceses, os ministros da corte ficaram divididos entre os interesses franceses e ingleses. Isso trouxe reflexo mesmo anos depois, chegando até o Brasil.

Albuquerque menciona que o plano de formação de uma Academia de Belas Artes nos moldes franceses ainda estava distante da concretização; além do mais, a falta de instrução europeia por parte da corte, juntamente com a apatia do governo português, atrapalhara a efetivação da escola. Segundo o autor, diante desses problemas os “artistas tentavam realizar seus trabalhos, e cada um buscava, a seu modo, a forma de colocar em prática seu ofício sem estar preso a essa teia de intrigas e disputas políticas” (Albuquerque 2013: 63).

Para Elaine Dias (2006), enquanto Le Breton desenvolvia o plano de ensino da Escola de Artes e Ofícios, antes mesmo de sua fundação, os artistas da Missão trabalhavam nas decorações festivas para as grandes solenidades públicas, como foi o caso do casamento da arquiduquesa Leopoldina de Áustria com Dom Pedro, em 1817, e em 1818, a aclamação de Dom João VI ao reinado.

Por outro lado, Albuquerque (2013) relata que devido ao projeto de Joaquim Lebreton ser adiado enúmeras vezes, o mesmo decidiu a se dedicar à literatura em uma fazenda próxima ao Rio de Janeiro. Afonso Taunay também se cansou dos problemas funcionais do Estado e, provavelmente devido à sua idade, se afastou do grupo, passando a morar em uma propriedade na floresta da Tijuca10.

Enquanto isso, Elaine Dias (2006) descreve que Debret e o arquiteto Grandjean de Montigny, como já estavam acostumados com as festas de consagração política ocorridas anteriormente em Paris com a direção dos arquitetos Percier e Fontaine, incrementavam as

10 Atualmente conhecido como Parque Nacional daTijuca,é uma Unidade de Conservação Federal que fica no Rio de Janeiro e recebe cerca de 2 milhões de visitantes ao ano.

(48)

festividades luso-brasileiras com suas experiências francesas. A autora ainda permeia que Debret e Montigny, “ao lado de artistas e engenheiros militares portugueses, contribuíram para o engrandecimento político da corte perante seus súditos, com a construção de arcos de triunfo efêmeros, pinturas e suntuosas iluminações espalhadas pela capital carioca do novo Reino” (Dias 2006: 245). Além do mais, os artistas contribuíram fortemente para os registros históricos e culturais do período, principalmente se tratando dos pintores, que puderam retratar com detalhes esses aspectos em suas obras.

1.4. RETRATO HISTÓRICO E CULTURAL ATRAVÉS DAS OBRAS DOS ARTISTAS DA MISSÃO

Não se pode deixar de mencionar que cada um dos artistas que fizeram parte da Missão Artística francesa foi de grande importância para o desenvolvimento cultural do período joanino no Brasil. Apesar de não ser objeto de estudo no presente trabalho, Joaquim Lebreton tem uma colocação especial. O professor, administrador e legislador francês foi encarregado de comandar a missão artística após ser afastado de seus cargos que ocupava no contexto da Revolução Francesa. Lebreton não pôde ver seus projetos de implementação de um sistema de ensino artístico ser materializados por total, pois veio falecer poucos anos depois de sua chegada ao Brasil, em 1819.

Dentre os artistas que fizeram parte da Missão Francesa, colocam-se em estudo no presente capítulo os artistas plásticos Nicolas Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret, por retratarem minuciosamente através de suas artes o contexto histórico e cultural do período estudado.

O francês pintor, ilustrador e professor Nicolas Antoine Taunay nasceu em Paris em 1755. Iniciou seus estudos de pintura na mesma cidade em 1768 nos ateliês de François Bernard Lépicié, Nicolas Guy Brenet e Francisco Casanova, passando a se dedicar à pintura de paisagem aos 17 anos.

A partir de 1784, o artista iniciou sua participação em eventos oficiais, após ser nomeado como agregado na Academia Real de Pintura e Escultura da França. Com isso, foi indicado com pensão régia de três anos para a Academia do Palácio Mancini de Roma, onde passou a ter contato com Jacques-Louis David (1748-1825). Em sua volta a Paris, em 1787, passou a expor suas obras nos salões de parisienses.

Taunay manteve uma discreta posição política, mas esse período que favoreceu sua carreira sofreu um abalo devido ao fim do império napoleónico em 1814, e a volta da

(49)

monarquia dos Bourbons. Segundo Ivone Bertonha, “Tensões políticas e episódios inesperados próprios desse momento tendem a recair principalmente sobre artistas e intelectuais antes comprometidos com Napoleão, contribuindo para desestabilizar e consequentemente afastar Taunay da França” (Bertonha 2009: 3020)

Assim como já dito, após a queda de Napoleão Taunay veio ao Brasil juntamente com a Missão Artística, chegando então à cidade do Rio de Janeiro em 1816. A autora acima expõe mais detalhes:

Nessas condições, aceita o convite para integrar uma equipe heterogênea de artistas e artesãos atraída à América, vislumbrando oportunidades na corte europeia sediada no Brasil, que a partir de 1815 assumia a nova condição política, a de Reino Unido a Portugal e Algarves, com a sanção do Congresso de Viena (Bertonha 2009: 3020).

No mesmo ano, Taunay tornou-se pensionista de Dom João VI e membro da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios11, com a função de pintor de paisagem; nesse mesmo

período, elabora, sob pedido da rainha, retratos dos herdeiros do trono e paisagens do Rio de Janeiro. Tudo indica que as obras Largo da Carioca (Figura 1) e Morro de Santo Antônio (Figura 2), ambas de 1816, foram suas primeiras pinturas com tema brasileiro.

Figura 1 - Largo da Carioca no Rio de Janeiro (1816) – Óleo sobre tela.

(50)

Fonte: Enciclopédia Itaú cultural 200612.

Figura 2 – Morro de Santo Antônio (1816) – Óleo sobre tela.

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural 2006.

Apesar de Afonso Taunay permanecer por pouco tempo no Brasil, sua produção com temas brasileiros é de extrema importância para a história da arte brasileira no século XIX, ainda mais se tratando da pintura de paisagem. Segundo Bruna Santiago, como pintor de paisagem no Brasil, o artista desenvolveu obras de maestria ímpar. A autora relata que suas obras trazem detalhes que demonstram “o estranhamento de um pintor formado na tradição francesa, que aportou em um ambiente luminoso e diverso de tudo o que estava habituado. O sol era demasiado forte e, as cores, diferentes” (Santiago 2013: 107). Segundo Schwarcz (2008), o artista se encantou com a novidade da paisagem carioca, contudo sua sólida formação não permite que abandone os cânones clássicos de representação, que incorporava a sensibilidade do iluminismo de Rousseau e de Diderot.

Uma característica marcante das obras de Taunay é a interpretação de fortes elementos derivados da cultura brasileira. A escravidão era algo difícil de retratar, como conclui Bruna Santiago:

Taunay sempre representava os escravos como uma mancha escura na tela. Isso se explica justamente pelo fato de ser algo novo para ele. Outro exemplo é com relação à paisagem 12 Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

Imagem

Figura 1 - Largo da Carioca no Rio de Janeiro (1816) – Óleo sobre tela.
Figura 2 – Morro de Santo Antônio (1816) – Óleo sobre tela.
Figura 3 – Aclamação de Dom João VI  Fonte: Debret 1898: 46.
Figura 4 - Retrato de Dom João VI (Óleo sobre tela).
+7

Referências

Documentos relacionados