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Distúbios múculoesqueléticos em pescadores artesanais marisqueiras

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE, AMBIENTE E TRABALHO

DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS EM PESCADORAS

ARTESANAIS/MARISQUEIRAS

Jacqueline Menezes Seixas

Dissertação de Mestrado

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SIBI/Bibliotheca Gonçalo Moniz: Memória da Saúde Brasileira

Seixas, Jacqueline Menezes

S462 Distúbios múculoesqueléticos em pescadores artesanais marisqueiras / Jacqueline Menezes Seixas. Salvador : 2013.

119 p. : il. [fotogr.].

Anexos.

Orientadora: Profª. Drª. Rita de Cássia Franco Rêgo.

Dissertação (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina, Salvador, 2013.

1. Músculoesqueléticos - distúrbios. 2. Lesões por esforços repetitivos. 3. Pescadores artesanais. 4. Mariscos – pesca. I. Rego, Rita de Cássia Franco II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina. III. Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE, AMBIENTE E TRABALHO

DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS EM PESCADORAS ARTESANAIS/ MARISQUEIRAS

JACQUELINE MENEZES SEIXAS

Orientadora: Rita de Cássia Franco Rego

Dissertação apresentada ao Colegiado do Curso de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, como pré-requisito obrigatório para a obtenção do grau de Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho.

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COMISSÃO EXAMINADORA

Membros Titulares:

Rita de Cássia Franco Rego (professora-orientadora), médica, doutora em Saúde Pública,

professora adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia e vice-coordenadora do Mestrado em Saúde, Ambiente e Trabalho.

Rita de Cássia Pereira Fernandes, médica, doutora em Saúde Pública - Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (2004), professora adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.

Gildásio Daltro, médico, chefe do Departamento de Ortopedia do Hospital Universitário

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em especial, a minha mãezinha, que hoje já está em planos diferentes, mas que enquanto esteve aqui na Terra foi sempre o meu grande exemplo de mãe, mulher e amiga. Hoje, com certeza, olha por mim de onde está, alegrando-se com minhas conquistas e inspirando-me nas grandes decisões da minha vida.

Ao meu pai, pelo exemplo de fé e otimismo, pelo incentivo constante e por tornar nossa família tão unida e um exemplo para todos de harmonia e fé, dedicação ao trabalho e aos estudos. Aos meus irmãos, que são mais que irmãos, são anjos da guarda em todos os momentos da minha vida. A minha cunhada Paulinha que sempre foi uma amiga e irmã, sempre disposta a aconselhar-me nas fases de desafios da vida.

Aos meus amigos, que também como anjos, estão sempre ao meu lado me protegendo e me dando estímulos de crescimento e vitória. Em especial a minha amiga Thaís, grande parceira desta trajetória do mestrado, que mesmo antes de iniciarmos a caminhada da pós-graduação já andávamos juntas, buscando outras conquistas que nos levaram a essa conquista maior do mestrado. Ela me fez acreditar neste sonho e buscar a aprovação. Lado a lado, lutamos por nossos sonhos e jamais desanimamos em qualquer dificuldade, porque sempre estivemos conscientes de que podemos contar com Deus, nosso Pai Maior, e com a nossa força interior. Agradeço, também, às grandes amigas, como Elis Áurea, Ana Clébia (Clebinha), Gildete (Dete), Talita (Tali), Juliana e seus familiares, pelo carinho e apoio de sempre. A minha querida mestra e amiga Vera Martins – a minha, a nossa “Tia Vera” – só posso fazer um agradecimento especial pela confiança e por me acolher em seu colo materno, sendo mais do que uma chefe de trabalho, mas, acima de tudo, uma amiga.

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Ao Hospital Universitário Professor Edgard Santos, ao Ambulatório Magalhães Neto e ao Hospital de Traumatologia e Ortopedia - COT - que me abrigaram desde o início da minha trajetória sendo escolas para mim na qual aprendi a amar a ortopedia. E a todos os amigos que fizeram parte desta etapa desde a minha graduação e, principalmente nos estágios como o fisioterapeuta e amigo Paulo Lessa, Lena e Paulo Colavolpe e Luís Shipper. A toda a equipe do SESAO, médicos, estudantes, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, que escreveram junto comigo toda essa história de conquistas e descobrimentos das comunidades de pescadoras artesanais pescadoras artesanais/marisqueiras e da Saúde do Trabalhador.

A toda a equipe do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT), pela seriedade e dedicação com que conduzem esse programa. Aos amigos e colegas do Mestrado em Saúde, Ambiente e Trabalho – M-SAT, por tornarem tão especial esse momento. À Ana Clarissa, às quais recorri algumas vezes para esclarecer dúvidas e a minha querida Fernanda, quantas vezes rimos juntas de tantos momentos inusitados na viagens de campo, nas reuniões e, principalmente, pela amizade que se construiu ao longo desta caminhada, que, com certeza, ficará para sempre em nossos corações.

A todos os professores do mestrado que, através de suas diferentes áreas de atuações, trouxeram importantes discussões durante as suas aulas e que serviram de base, de uma forma ou de outra, para a construção desta dissertação.

Ao mestre e amigo Paulo Pena, que, com sua sensibilidade e paciência, acreditou na minha capacidade como pesquisadora e me deu a oportunidade de estar em muitas das tarefas de ir até os mangues e marés e realizar essa tarefa itinerante de levar conhecimento para populações invisibilizadas e carentes de assistência em saúde dos pescadores e pescadoras artesanais/marisqueiras, e, junto com nossa equipe, aprendendo sempre mais. E, por fim, às marisqueiras, mulheres guerreiras que me ensinaram o valor da luta e da conquista. À

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marisqueira Eliete, amiga fiel, que me acolheu em seu lar, e a toda a sua família e às lideranças de Ilha de Maré, que me receberam com tanto carinho e confiança no meu trabalho.

À minha orientadora, Rita Franco Rego, que, com sua paciência e compreensão, esteve a me ajudar sempre, por acreditar na minha capacidade, mesmo conhecendo minhas limitações, e, principalmente, pela simplicidade da sua personalidade e pela amizade que com toda certeza se construiu entre nós.

À professora Rita de Cássia Pereira Fernandes, que com suas aulas de epidemiologia e ergonomia, contribuiu para fundamentar minhas discussões e aumentar ainda mais o meu encantamento pela Saúde do Trabalhador e pela investigação no campo da epidemiologia. À querida Solange, secretária do M-SAT, que, como um anjinho, esteve sempre a me dar orientações importantes desde a matrícula até a finalização desta caminhada.

À professora Verônica, que, com se jeito amigo e doce e, com seus conhecimentos na área da Estatística, afastou meu medo dos números e me ajudou a realizar minhas análises e a aprender um pouco com a Estatística, o que possibilitou melhor desempenho nos estudos e nas pesquisas epidemiológicas. Agradeço, ainda, pela disponibilidade em ajudar-me nas análises dos dados, mesmo após a conclusão das disciplinas de Métodos Quantitativos I e II. Quando, por muitas vezes, sentamos para discutir alguns tópicos e trocamos muitos emails e conversas ao telefone, no desejo de explorar melhor as variáveis do estudo.

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE TABELAS ... viii

RESUMO ... ix

APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ... 11

1 OBJETIVOS ... 15

2 INTRODUÇÃO ... 16

3 REFERENCIAL TEÓRICO ... 20

3.1 O CENÁRIO DA PESCA NO NORDESTE DO BRASIL ... 20

3.2 O TRABALHO DA PESCA ARTESANAL/MARISCAGEM E DISTÚRBIO MUSCULOESQUELÉTICO (DME) ... 22

3.3 DOR MUSCULOESQUELÉTICA: CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA ... 26

3.4 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NA EPIDEMIOLOGIA PARA DME ... 30

3.4.1 Questionário Nórdico de Sintomas Musculoesqueléticos ... 30

       3.4.2. Questionário do Conteúdo do Trabalho ‐ JCQ (Job Content Questionaire)...31 

4 DADOS EPIDEMIOLÓGICOS DE DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS (DME) NA PESCA ARTESANAL: EXPERIÊNCIAS INÉDITAS NO BRASIL ... 34

4.1 AÇÃO ITINERANTE NA REGIÃO DO BAIXO SUL DA BAHIA ... 38

4.2 TRABALHADORAS DA PESCA ARTESANAL ... 40

5 MÉTODOS ... 44

5.1 POPULAÇÃO E ÁREA ... 44

5.2 DESENHO DO ESTUDO ... 46

5.3 COLETA DOS DADOS ... 46

5.4 DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS ... 48

5.5 DEFINIÇÃO DE “CASO” DE DME ... 49

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6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ... 50

ARTIGO: PREVALÊNCIA DOS DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E CARACTERÍSTICAS LABORAIS E EXTRALABORAIS EM PESCADORAS ARTESANAIS/MARISQUEIRAS DE ILHA DE MARÉ-BA ... 52

CONCLUSÃO DA DISSERTAÇÃO ... 84

REFERÊNCIAS ... 88

ANEXOS ... 93

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ÍNDICE DE TABELAS

ARTIGO

Tabela 1 - Frequência de informações referentes às condições sociodemográficas e socioeconômicas das 186 pescadoras artesanais marisqueiras de Ilha de Maré. Salvador, Ba. 2011. ... 79 Tabela 2 - Características ocupacionais de marisqueiras de Ilha de Maré. Salvador, Ba. 2011 ... 80 Tabela 3 - Demandas físicas no trabalho por etapa na atividade de pesca artesanal mariscagem de pescadoras artesanais marisqueiras de Ilha de Maré. Salvador-BA, 2011. (N= 183) ... 81 Tabela 4 - Demandas psicossociais no trabalho por etapa na atividade de pesca artesanal mariscagem de pescadoras artesanais marisqueiras de Ilha de Maré. Salvador-BA, 2011. (N= 183)...82

Tabela 5 - Demandas psicossociais no trabalho por etapa na atividade de pesca artesanal mariscagem de pescadoras artesanais marisqueiras de Ilha de Maré. Salvador-BA, 2011. (N= 183) ... 83

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RESUMO

DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS EM PESCADORAS

ARTESANAIS/MARISQUEIRAS

O trabalho da pesca artesanal/mariscagem é realizado de forma simples e com uso da força para a manipulação de instrumentos rudes na extração e beneficiamento dos mariscos. Estudos qualitativos mostram a presença de movimentos repetitivos e uso de posturas estressantes na realização das etapas da mariscagem que podem estar associadas à presença de distúrbios musculoesqueléticos. Desta forma, o presente estudo teve como objetivo realizar um estudo epidemiológico para identificar a prevalência de queixas e distúrbios musculoesqueléticos (DME) nas regiões do pescoço, ombro e parte alta das costas e demandas físicas e psicossociais no trabalho da mariscagem. Demandas físicas foram avaliadas através do auto-registro das trabalhadoras, em uma escala numérica de seis pontos, com âncoras nas extremidades. Características individuais e atividades extra-laborais também foram investigadas. O distúrbio musculoesquelético foi definido como relato de dor ou desconforto em região de membros superiores e parte alta das costas nos últimos doze meses, com duração maior que uma semana ou frequência mínima mensal com grau de severidade maior ou igual a 3, em uma escala de 0 a 5. A população estudada foi composta pelas trabalhadoras da pesca artesanal de seis comunidades de Ilha de Maré, de Salvador-BA, que realizam a mariscagem como principal atividade ocupacional. Como instrumento de pesquisa foi utilizado um questionário padronizado e reconhecido que foi aplicado pela autora e por uma equipe de entrevistadores devidamente treinados. Verificou-se um percentual de 52,5% de DME na região do pescoço, de 76% no ombro e na parte alta das costas de 79,2%, valor elevado considerando a especificidade dos critérios pré-estabelecidos para a definição de caso. Foi identificada alta prevalência de exposição a demandas físicas do trabalho nas etapas da coleta, transporte, lavagem, cozimento e cata. A partir dos resultados encontrados no presente estudo, aponta-se a necessidade de prover não só um ambiente físico com recursos adequados para a coleta e beneficiamento dos mariscos e orientações quanto às posturas realizadas, mas, também, estratégias que propiciem modificações nos aspectos da assistência à saúde destas populações reconhecendo as características do trabalho da pesca artesanal/marisqueira e as demandas físicas e psíquicas envolvidas que podem gerar adoecimento do sistema musculoesquelético.

Palavras-chave: 1. Distúrbios musculoesqueléticos; 2. Lesão por esforço repetitivo; 3. Pescadores artesanais; 4. Mariscos-pesca.

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ABSTRACT

MUSCULOSKELETAL DISORDERS IN FISHERWOMEN SEAFOOD

The work of artisanal fishing / shellfish is performed simply and with use of force to manipulate instruments in crude extraction and processing of seafood. Qualitative studies show the presence of repetitive and stressful postures use in carrying out the steps of shellfish that may be associated with the presence of musculoskeletal disorders. Thus, the present study aimed to conduct an epidemiological study to identify the prevalence of complaints and musculoskeletal disorders (MSDs) in the neck, shoulder and upper back, and physical and psychosocial demands at work of shellfish. Physical Demands were assessed through self-registration of workers in a six-point numerical scale, with anchors at each end. Individual characteristics and labor extracurricular activities were also investigated. The musculoskeletal disorder was defined as reporting pain or discomfort in the region of the upper and upper back over the last twelve months, lasting more than a week or monthly minimum frequency with severity greater than or equal to 3 on a scale of 0 to 5. The study population was composed by workers of artisanal fishing communities in six Maré Island, Salvador-BA, which perform the shellfish as the main occupational activity. The research instrument used was a standardized questionnaire that was recognized and applied by the author and by a team of trained interviewers. There was a percentage of 52.5% of DME in the neck region, 76% in the shoulder and in the upper part of the back of 79.2%, which is high considering the specificity of pre-established criteria for case definition. There is a high prevalence of exposure to physical demands of work in the steps of collection, transportation, washing, cooking and cata. From the results found in this study, pointing to the need to provide not only a physical environment with adequate resources for the collection and processing of seafood and guidance as to the positions held, but also strategies that foster changes in aspects of care the health of these populations recognizing the work features traditional fishing / seafood and the physical and psychological demands involved that may cause illness of the musculoskeletal system.

Keywords: 1. Musculoskeletal disorders; 2. Repetitive strain injury; 3. Fishermen; 4. seafood–fish.

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APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

O interesse pelo objeto de estudo ocorreu de forma gradativa, desenvolvendo-se, inicialmente, ao longo de quatro anos de trabalho da autora no Ambulatório de Saúde Ocupacional (SESAO) do Ambulatório Magalhães Neto, pertencente ao Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Salvador-BA. Iniciamos a proposta de integrar à equipe multidisciplinar do SESAO com a atuação da fisioterapia na saúde do trabalhador, que já havia iniciado as pesquisas em saúde ocupacional voltada para trabalhadores da pesca artesanal, motivados por resultados de estudos qualitativos realizados na comunidade de Bananeiras de Ilha de Maré, Salvador – BA com trabalhadores da pesca artesanal/marisqueiras.

O estudo realizado em Bananeiras – Ilha de Maré, iniciou-se em 2007, através do acompanhamento das pesquisas em nutrição nas comunidades de pescadores e pescadoras artesanais/marisqueiras. O Professor Paulo Lopes Pena e colaboradores observaram a diversidade e a gravidade de riscos ocupacionais presentes no cotidiano dessas trabalhadoras através de um estudo ergonômico do processo de trabalho da pesca artesanal/mariscagem. Como resultado deste estudo foi elaborado um relatório descrevendo a exposição aos riscos ocupacionais, destacando a presença de demandas físicas e psicossociais na atividade da pesca artesanal/mariscagem. Evidenciou-se o ritmo acelerado de trabalho, com excessiva carga de movimentos e esforços repetitivos associados ao desenvolvimento das denominadas Lesões por Esforços Repetitivos ou LER.

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Da análise ergonômica realizada, além de outras condições verificou-se que havia riscos ocupacionais em várias atividades de extração de mariscos, com número de movimentos nas extremidades dos membros superiores passíveis de alcançar a média de 10 mil movimentos por hora, equivalente ao encontrado nas funções de digitação. A cata de determinados mariscos, os movimentos repetitivos nas coroas e mangues e as posturas adotadas, dentre outras atividades, estavam associadas às queixas comuns de dores musculoesqueléticas, muitas vezes insuportáveis, edemas, deformidades, dormências, perda da capacidade funcional principalmente dos membros superiores.

Desta forma, eu e minha colega, elaboramos um projeto de inserção da fisioterapia na saúde do trabalhador para o SESAO, o qual foi analisado e aprovado pela Dra. Vera Martins, médica do trabalho e coordenadora do serviço. A partir de então, o trabalho de pesquisa e assistência às comunidades pertencentes ao litoral – Baía de Todos os Santos prosseguiu com uma equipe formada por médicos do trabalho, enfermagem, nutricionista, estudantes de medicina e nutrição e a fisioterapia.

Foram realizadas viagens por todo o litoral com os objetivos de: 1. Conhecer o processo de trabalho da pesca artesanal/mariscagem, as posturas adotadas e os movimentos mais comuns utilizados nas etapas do processo; 2. Fazer o reconhecimento das queixas ocupacionais de ordem musculoesqueléticas, dermatológicas, oftalmológicas, entre outras, nas comunidades para triagem dos casos que seriam atendidos. 3. Realizar ações preventivas em saúde ocupacional entre as pescadoras/marisqueiras. 4. Desenvolver atividades de educação e prevenção em saúde ocupacional com o método de construção participativa com a presença das comunidades e das lideranças locais das comunidades.

Neste âmbito, o Serviço de Saúde Ocupacional (SESAO) do Hospital Universitário da UFBA estruturou práticas de diagnóstico, tratamento, reabilitação e emissão de relatórios para casos de incapacidades voltados especificamente para as atividades de extração dos mariscos

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com suspeita de acometimento de Lesões por Esforços Repetitivos – LER. Foi elaborado um método de identificação de suspeitos nas próprias comunidades de pescadores e modos de atendimentos no SESAO, de forma a garantir a qualidade da investigação diagnóstica, tratamento, reabilitação profissional e encaminhamentos previdenciários para casos de invalidez para o trabalho.

O convívio com estas trabalhadoras nas viagens e nos atendimentos no ambulatório propiciou conhecer a realidade de trabalho do extrativismo dos mariscos e enfrentar a dificuldade no reconhecimento das doenças do trabalho das pescadoras artesanais/marisqueiras afastadas do trabalho por incapacidade crônica. Estes desafios vivenciados junto ás marisqueiras, despertaram-me o interesse em investigar os principais determinantes das queixas de saúde do sistema musculoesquelético e buscar auxiliar na demanda de estudos que identifiquem a prevalência das queixas e distúrbios musculoesqueléticos.

O interesse de professores da Universidade Federal da Bahia, juntamente com o Departamento de Medicina Preventiva e a Pós-Graduação (Mestrado em Saúde, Ambiente e Trabalho – M-SAT), em contribuir para a melhoria das condições de vida e saúde da população de pescadores e pescadoras artesanais/marisqueiras de todo o litoral da região da Bahia possibilitou a aprovação de projetos de pesquisa na área epidemiológica e etnográfica nesta área. Definida a população de estudo, foram fornecidas pelo Mestrado condições, juntamente com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), e, posteriormente, a CAPS, de realizar a pesquisa. Após a aprovação do projeto, no segundo ano do mestrado iniciou-se a programação e realização das viagens para coleta dos dados em comunidades de Ilha de Maré. Estudantes de Medicina e Nutrição foram selecionados para contribuir com a pesquisa e realizar, juntamente com a autora, as entrevistas do estudo. O projeto de pesquisa foi apresentado e o manual do entrevistador entregue e discutido com a

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equipe, que recebeu treinamento prévio para melhor condução do instrumento de pesquisa. Após essa etapa, deu-se seguimento à coleta de dados, que se iniciou em dezembro de 2010 até agosto de 2011.

O resultado dessa trajetória e do aprendizado em campo e nas disciplinas do mestrado culminaram na construção deste trabalho. A presente dissertação segue o modelo proposto pelo Programa de pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT) para apresentação sob a forma de artigo.

O artigo que compõe a dissertação tem como título: Prevalência de distúrbios musculoesqueléticos e características laborais e extralaborais em trabalhadoras da pesca artesanal, pescadoras/marisqueiras.

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1 OBJETIVO

- Estimar a prevalência de distúrbios musculoesqueléticos em pescadoras artesanais/marisqueiras;

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2. INTRODUÇÃO

A pesca artesanal define-se como a atividade exercida por produtores autônomos ou com relações de trabalho em parcerias, que utilizam meios de produção simples, com tecnologia e metodologia de captura não mecanizada e baseada em conhecimentos empíricos. O pescador ou a pescadora/marisqueira detém o conhecimento de todo o processo de trabalho os quais realiza e constrói seus próprios instrumentos de trabalho para a coleta e beneficiamento do pescado. (SEPAq – Secretaria de Estado de Pesca e Aquicultura do Estado do Pará. 2011). A realização de todas as etapas pode ser a grande causa de sobrecarga biomecânica ocasionada pela soma de demandas físicas existentes nas etapas do processo de mariscagem. E, também, em decorrência da precariedade e da baixa condição sócio-econômica da maioria das populações ribeirinhas, emergem doenças relacionadas ao trabalho, dentre elas, as lesões por esforços repetitivos ou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho - LER/DORT.

No desenvolvimento de pesquisas no campo da saúde dos trabalhadores da pesca artesanal e mariscagem, foi elaborado em 2007 um relatório de pesquisa de metodologia da análise ergonômica do trabalho que mostrou a diversidade e a gravidade de riscos ocupacionais presentes no cotidiano do trabalho das pescadoras artesanais/marisqueiras. Além de exposição aos riscos conhecidos, chamou a atenção o ritmo acelerado de trabalho com excessiva carga de movimentos com esforços repetitivos associados ao desenvolvimento de Lesões por Esforços Repetitivos ou LER.

Também verificou-se que havia riscos ocupacionais em várias atividades de extração de mariscos, com número de movimentos nas extremidades dos membros superiores podendo alcançar a média de 10 mil movimentos por hora, equivalente ao encontrado nas funções de digitação. A cata de determinados mariscos, as posturas tradicionais, a retirada das conchas, dentre outras atividades estavam associadas a queixas comuns de dores, muitas vezes insuportáveis, edemas, deformidades, dormências, perda da capacidade funcional dos membros superiores.

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No Brasil, o Ministério da Saúde e a Previdência Social reconhecem oficialmente em torno de 200 patologias relacionadas ao trabalho (Brasil, 2001). O diagnóstico dessas doenças passa por dois critérios para definir a sua relação com o trabalho. O primeiro se refere ao reconhecimento de natureza presuntiva e o segundo, através do estabelecimento do nexo causal (PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012).

Em 2009, foram registrados 723.452 acidentes e doenças do trabalho, entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social. Observem que este número, que já é alarmante, não inclui os trabalhadores autônomos (contribuintes individuais), as empregadas domésticas e pescadores artesanais. Estes eventos provocam enorme impacto social, econômico e sobre a saúde pública no Brasil (PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012).

Segundo a concessão de benefícios previdenciários no Brasil, a incidência de doenças ocupacionais, a partir de 1993, mostra-se com um caráter epidêmico, registrando-se um coeficiente de incidência próximo de 14 casos para 10 mil trabalhadores. Segundo dados do Ministério da Previdência Socialno Brasil, em 2012 foram registrados 653.090 acidentes e doenças do trabalho, entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social. Quase metade do número total das doenças do trabalho registradas eram casos de sinovites, tenosinovites, dorsalgias e lesões no ombro, patologias consideradas como DME (PENA, 2011) .

A presunção significa o reconhecimento da patologia relacionada ao trabalho supondo que seja verdadeira até que se prove o contrário. O sistema previdenciário possui esse modo presuntivo de reconhecimento da doença como relacionada ao trabalho, desde que ela esteja na relação oficial de patologias. A partir dessa lista, foi introduzido em 2007 o novo sistema denominado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP. Caso a doença diagnosticada se encontre na lista oficial e tenha informações epidemiológicas positivas sobre a sua prevalência no banco de dados da Previdência Social para a atividade profissional do doente, confirma-se o nexo presuntivo pelo NTEP de reconhecimento da patologia do trabalho. Desse modo, a instituição concede imediatamente o respectivo benefício securitário. A Previdência Social admite que o conhecimento científico e as suas informações epidemiológicas pré-existentes permitem reconhecer a patologia como relacionada ao trabalho presuntivamente, e, se houver discordância do empregador, este deverá provar o contrário ( PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012).

Quando um médico faz o diagnóstico de doença relacionada ao trabalho e esta não se encontra no banco de dados da Previdência Social, o reconhecimento poderá ser feito através da realização de procedimentos para comprovar o nexo causal entre as lesões e a existência do respectivo agente etiológico no ambiente de trabalho. Considerando que os pescadores artesanais, em especial as pescadoras marisqueiras, não têm acesso aos serviços de saúde capazes de

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diagnosticar doenças do trabalho, não há nos bancos de dados da Previdência Social informações epidemiológicas suficientes para que os médicos peritos do INSS façam o reconhecimento de doenças do trabalho em pescadores artesanais da forma presuntiva. Ou seja, sem dados de doenças do trabalho, principalmente sobre as LER/DORT, os pescadores não dispõem dos avanços administrativos proporcionados pela utilização do sistema NTEP na garantia dos direitos previdenciários (PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012).

Essa situação não indica a inexistência de doenças profissionais ou do trabalho para essa significativa categoria de pescadores artesanais, mas sim a falta de diagnóstico e reconhecimento dessas enfermidades. Expressa a exclusão desses trabalhadores do sistema público de assistência médica e seguridade na esfera da saúde do trabalhador. Por tais motivos, diante de um caso de doença do trabalho em pescador artesanal, a alternativa de procedimento se coloca no plano do estabelecimento do nexo causal para efeito de reconhecimento na Previdência Social, utilizando-se da Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT (PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012).

Tendo em vista que a notificação das doenças e acidentes de trabalho só é feita, geralmente, quando há necessidade de afastamento do trabalho, os dados da Previdência Social restringem-se à população com vínculo formal de emprego, o que totaliza menos de 50% da população economicamente ativa do país (BRASIL, 2000), assim sendo, diante do grande subregistro existente, estima-se que a magnitude dos distúrbios musculoesqueléticos (DME) em trabalhadores tenha uma proporção muito maior (SANTOS FILHO; BARRETO, 2001; FERREIRA et al., 1997; RIBEIRO, 1999).

A prevalência de distúrbios musculoesqueléticos (DME) é muito estudada em diversos setores de atividade ocupacional em todo o mundo (BUCKLE & DEVEREUX, 2002; MELHORN, 2004, 1998; NRC & IM, 2001; SANTÉ ET TRAVAIL, 2010; MEHRDAD, 2012; MUGGLETON ET AL, 1999). No Brasil, alguns estudos descrevem prevalências de DME em setores da economia formal, ou seja, trabalhos regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) (MIGLIORANSA, 2003; FERNANDES, 2004; BRANDÃO, 2005; ALMEIDA et al, 2008; FONSECA, 2010; FERNANDES, 2010; PATARO, 2011).

Entretanto, na pesca, o número de pesquisas no tocante às queixas de saúde do sistema musculoesquelético e sobre o processo de trabalho do pescador (a) e da marisqueira é muito pequeno, embora, esta atividade represente um alto valor econômico para países da América do Sul como o Brasil, na América do Norte, na Europa e na Ásia (NISHIDA, 2000; DALL’OCA, 2004; CAMPOS, 2009; MARTINS, 2009; GRIMSMO-POWNEY ET AL, 2009; MATHESON, 2001; PENA, 2011. RIOS et al, 2011).

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Segundo dados de 2007 a 2009 do Serviço de Saúde Ocupacional (SESAO) do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES), existem mais de 200 casos de doenças musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho, diagnosticadas no serviço. Importante observar que os casos identificados na rede pública de saúde são encaminhados para este serviço, sendo esta a estimativa próxima dos casos do Estado da Bahia, porém certamente com muita subnotificação. Entretanto, estes dados ainda são iniciais diante do grande número de pescadores e marisqueiras de todo o litoral do Nordeste (MARTINS, 2009).

Desta forma, realizou-se um estudo epidemiológico de caráter descritivo e exploratório, visto que, são populações invisíveis para sociedade, com o objetivo de estimar a prevalência de queixas e distúrbios musculoesqueléticos, descrever as características sociodemográficas, laborais e extralaborais e identificar através da estatística ainda que em um estudo inicial com toda a população de seis comunidades de Ilha de Maré- BA a existência de associação entre estrutura organizacional, ambiental e do próprio processo de trabalho e as queixas de saúde e distúrbios musculoesqueléticos em uma população de trabalhadoras da pesca artesanal/marisqueiras.

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3. REFERENCIAL TEÓRICO

3.1. O CENÁRIO DA PESCA NO NORDESTE DO BRASIL

No cenário atual, estima-se um contingente de 25 a 34 milhões de homens e mulheres, envolvidos na pesca, sendo aproximadamente 75% artesãos. Dados oficiais já informam haver aproximadamente 800 mil pescadores artesanais registrados no Brasil. Considera-se que esse número pode chegar ao dobro do oficial devido ao alto grau de informalidade típica das atividades desses povos das águas que sobrevivem cultuando tradições milenares (BOLETIM ESTATÍSTICO DA PESCA E AQUICULTURA, 2009; PENA, 2011).

No Brasil, a pesca artesanal apresenta características próprias de cada região, tanto em relação à produção quanto aos aspectos culturais. Há regiões onde a pesca é predominantemente artesanal, com baixa tecnologia, enquanto em outras, como a Sudeste e a Sul, existe uma pesca artesanal e uma de cunho industrial forte como no Rio de Janeiro, em Santa Catarina e no Espírito Santo (BOLETIM ESTATÍSTICO DA PESCA E AQUICULTURA, 2009; PENA, 2011).

Grande parte dos pescadores artesanais se concentra no Nordeste do país, que representa 47% do total. A Bahia possui um número expressivo de 36.851 pescadores. Destes, um número significativo consiste de mulheres que exercem atividade da pesca artesanal, principalmente da atividade de mariscagem (NUSAT, 1994; PENA, 2011). Entretanto, não é essa a situação de invisibilidade encontrada na pesca industrial, estruturada nos moldes produtivos modernos, cujos riscos para saúde dos trabalhadores são bem delineados pelas publicações científicas e técnicas existentes (MATHESON, 2001; GRIMSMO POWNEY, 2009).

A comercialização dos pescados na área da Baía de Todos os Santos é realizada de forma precária, onde há falta de assistência técnica e carência de infra-estrutura em toda a cadeia, da produção à comercialização (IBAMA, 2008 apud HATJE, 2009).

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A venda do pescado é feita no próprio domicílio, na rua e de casa em casa, pelos próprios pescadores e pescadoras artesanais/marisqueiras, através de mercado ou peixaria e de atravessadores (PETROBRÁS/PANGEA, 2004 apud HATJE, 2009).

O preço do pescado varia sazonalmente, dependendo da oferta e da demanda do mercado, sendo maior no verão em relação ao inverno (GIANNINI, 2000 apud HATJE, 2009). Os crustáceos mais valorizados (lagosta, camarão e siri) e os moluscos (polvo, lula, peguari e chumbinho) são mais valorizados que os peixes. Entre os peixes mais valorizados tem-se o vermelho e a sardinha (PETROBRÁS/FUSP, 2005 apud HATJE, 2009).

As atenções das políticas institucionais tardam em dar atenção à situação de saúde de mulheres, homens, jovens, idosos e crianças que passam longos anos da sua vida submetidos aos ciclos dos oceanos, das marés e lua trabalhando no extrativismo de mariscos imersos na lama de manguezais, nas águas de rios e mares, nos arenosos das praias. São trabalhadores que resgatam modos de sobrevivência oriundos das culturas extrativistas com tradições centenárias, sobreviventes da escravidão, que portam saberes oriundos dos primórdios do trabalho humano (PENA, 2011).

Ainda segundo Pena (2011), a situação de pescadores e pescadoras artesanais submetidas às condições de trabalho frequentemente extremas extrapolando muitas vezes os limites do esforço físico e da submissão aos riscos de agravos à saúde não raramente os levam à morte. Podem ser acometidos por patologias reconhecidas oficialmente como doenças do trabalho e sofrem das mais variadas formas de acidentes. Apesar disso, não dispõem de atendimento médico capaz de diagnosticar doenças relacionadas ao trabalho, não possuem centros de reabilitação profissional, muito menos suportes, para ações de prevenção dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Mais ainda, como são segurados especiais da Previdência Social, as pescadoras artesanais/marisqueiras e pescadores acometidos por doenças e acidentes graves não são afastados do trabalho com a seguridade necessária para garantir recuperação, quando possível, ou mesmo para assegurar outros benefícios securitários concedidos comumente para as categorias de trabalhadores assalariados (PENA, 2010).

A situação da pesca está expressa na performance dos pescadores. São eles que imprimem o aspecto cultural, às diversas comunidades pesqueiras, daí por que o cenário e a imagem fazem compreender a cultura codificada pela prática dos pescadores e perceber a dinâmica do processo de identificação do pescador com a comunidade e a significação de tal processo, nesse momento de identificações, em que cada um serve ao outro de espelho, quer para afirmar a sua superioridade, quer para confirmar a inferioridade do outro, assim, forjando

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a cultura e a identidade de cada um. As comunidades pesqueiras foram sempre vistas como comunidades relativamente marginais e a cultura dominante foi sempre a rural.

Não obstante a diversidade cultural, os relatos dão conta de muita semelhança na situação da mulher na pesca artesanal das diversas regiões. No Brasil, essencialmente no Pará, cabe às mulheres tecer redes, beneficiar o pescado, pescar próximo à terra, capturar caranguejos e moluscos nos manguezais. Em Pernambuco, nas comunidades em que a pesca artesanal é a atividade básica da economia local, as mulheres pescadoras atuam em pescarias de estuários e rios, na captura de marisco e sururu (crustáceos) e como vendedoras de peixes e crustáceos, tanto na comunidade, como em feira-livre, por exemplo, na cidade de Goiana. No Rio Grande do Norte, a participação da mulher se dá na preparação do peixe para a secagem, como pescadora e ou marisqueira e no conserto de redes. Em princípio nas comunidades pesqueiras interiorizadas, a pesca é ainda importante atividade econômica, que as mulheres exercem lado a lado com os camaradas, impondo nova ordem no trabalho e culturalmente redefinindo os papéis. Portanto, o trabalho das mulheres nas comunidades pesqueiras assume função importante: centenas de famílias dependem da renda do trabalho dessas trabalhadoras (PENA, 2011).

A mulher pescadora sempre desempenhou função primordial para a manutenção doméstica. Mas o que se observa é que ela tem cada vez mais se tornado chefe de família. Ela marisca, pesca e sustenta os filhos e às vezes o companheiro quando este encontra-se afastado da pesca por motivo de doença ou invalidez.

3.2. O TRABALHO DA PESCA ARTESANAL/MARISCAGEM E DISTURBIO MUSCULOESQUELÉTICO (DME)

A prevalência de distúrbios musculoesqueléticos (DME) é muito estudada em diversos setores de atividade ocupacional em todo o mundo. Os estudos apontam que os fatores de risco associados ao desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos são: trabalho físico pesado, tabagismo, fatores individuais (sexo, idade, índice de massa corpórea), altas demandas psicossociais no trabalho e a presença de co-morbidades. Dentre os fatores biomecânicos mais frequentes estão a repetição de movimentos, posturas e trabalho pesado e alguns estudos são organizados pela parte do corpo afetada (NRC & IM, 2001;

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FERNANDES, 2004; SILVA, 2008; COSTA, 2010; SANTÉ ET TRAVAIL, 2010; MEHRDAD, 2012). No Brasil estudos epidemiológicos descrevem prevalências de DME em setores da economia formal, ou seja, trabalhos regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) (MIGLIORANSA, 2003; FERNANDES, 2004; BRANDÃO, 2005; FONSECA, 2010; PATARO, 2011).

Em 2007 foi elaborado um relatório de pesquisa sobre as condições de vida e trabalho das pescadoras artesanais/marisqueiras de Ilha de Maré, trazendo para a comunidade científica o conhecimento do processo de trabalho da mariscagem e os riscos desta atividade relacionados com as condições de vida da população através de um estudo ergonômico. Pena (2007) descreve a diversidade e a gravidade de riscos ocupacionais presentes no cotidiano do trabalho das pescadoras artesanais/marisqueiras. O autor relata o trabalho físico pesado e altas demandas psicossociais no trabalho como a pressão do tempo natural, ritmo e jornada de trabalho e baixa condição socioeconômica. Dentre os fatores biomecânicos descritos por Pena (2007) e que estão associados à DME estão: a repetição de movimento, o uso de instrumentos rudimentares, posturas inadequadas próprias da atividade, ritmo acelerado de trabalho com carga excessiva de movimentos. O número de movimentos nas extremidades dos membros superiores chegam à média de 10.200 movimentos por hora, equivalente ao encontrado nas funções de digitação. A cata de determinados mariscos, as posturas tradicionais, a retirada das conchas, dentre outras atividades apresentaram relação com as queixas comuns de dores, muitas vezes insuportáveis, edemas, deformidades, dormências, perda da capacidade funcional dos membros superiores (PENA, 2007).

Na atualidade, são enfermidades pouco estudadas dentre as profissões artesanais, embora forme o conjunto de doenças do trabalho mais notificadas no mundo na atualidade. COSTA et al. (2011) realizaram uma revisão sistemática de literatura sobre e risco de fatores associados à desordens musculoesqueléticas. O nível de estresse, em função da demanda de tarefas, e o manuseio de instrumento rudimentares, levam às atividades repetitivas com uso de força muscular que se equivalem ao encontrado em atletas profissionais.

Em pescadores artesanais, as afecções musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho foram descritas pela primeira vez por Bernadino Ramazzini em 1700 (Ramazzini, 1985). Foi descrito que o desenvolvimento de processos de adoecimento em trabalhadores que precisavam manter “qualquer postura específica dos membros” ou realizar “movimentos não naturais do corpo” enquanto desempenhavam suas funções. Ramazzini também descrevia as rotinas diárias de escribas e notários e explicava as enfermidades, que eram resultado de “contínuo e sempre o mesmo movimento da mão” (RAMAZZINI apud DALL’OCA, 2006).

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Num estudo feito por DALL’OCA (2004) dentre as trinta queixas mais freqüentemente relatadas, destacaram-se as dores de origem neuromusculares e articulares, traduzidas por dores nos pulsos, braços, juntas, ombros, costas, peito, coluna, cãibras ou dores pelo corpo em geral, podendo estar relacionadas com o desconforto físico sentido pelos trabalhadores pela realização de suas atividades.

A invisibilidade social e política desta classe de trabalhadores e trabalhadoras que sustentam uma cultura de um modo de produção artesanal passada de pai e de mãe para filho (a) é um dos principais fatores que contribuem para a falta de recursos de moradia, higiene e saúde num modo geral. Isto torna estas populações que vivem da pesca artesanal sujeitas ao desenvolvimento de doenças relacionadas ao trabalho causadas pelas más condições de trabalho com jornadas longas e exaustivas.

Dentre uma gama de processos de adoecimento, as doenças do aparelho locomotor possuem destaque especial em pescadoras artesanais/marisqueiras que executam processos de trabalho de forma artesanal. O grau de exposição a diversos fatores ocupacionais como carga manual e mental, carregamento de peso e movimentos repetitivos no manuseio de instrumentos rudimentares na realização das etapas da mariscagem, gera riscos de adoecimento e de acidentes do trabalho de toda ordem.

Em trabalho recente de FERREIRA et al. (2003), foram constatados casos de mortes e aleijamentos em pescadores mergulhadores nas costas do Rio Grande do Norte, ocasionados pelas diferenças de pressão, quando realizam seus mergulhos na necessidade de busca e captura de lagosta.

O uso de objetos nas capturas é comum e demonstra a necessidade de alcançar uma maior produção em função do tempo, na busca de maior rentabilidade (PENA, 2007; CAMPOS, 2009).

Nota-se que a produtividade está diretamente relacionada com os tipos de maré e com a reprodução e quantidade de mariscos disponíveis, de modo que, maiores níveis de produção resultam em maior repetitividade de movimentos e maior desgaste físico (PENA, 2007; CAMPOS, 2009).

Dados relacionados à quantidade de coleta diária produzida pelas pescadoras artesanais/marisqueiras da comunidade, podendo-se verificar uma média de produção de 4,5 quilos na faixa etária entre 22 e 28 anos, 3,8 quilos entre 28 e 35 anos, 3 quilos nas faixas

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etárias entre 35 e 42 anos e 42 e 49 anos e, uma média de 5,7 quilos entre 49 e 56 anos. Esses dados perfazendo uma média geral de 3,9 quilos diários (CAMPOS, 2009).

No que diz respeito ao transporte do produto coletado, esse se faz através do deslocamento da coroa para margem, em embarcações a remo, ação que requer esforço extremo dos membros superiores, principalmente após um período exaustivo de repetições de movimentos simples sem pausa para repouso. Além disso, ao chegar no porto os mariscos são transportados até a residência, onde são preparados para comercialização. A forma como ocorre essa condução se dá de diversas maneiras, como se pode observar, na maioria das vezes de forma inadequada através de posturas assumidas pela incompatibilidade entre o peso carregado e a capacidade individual do carregador (PENA, 2007; CAMPOS, 2009).

O cozimento no processo de descatemba, são transportados em sacolas e baldes apoiados na cabeça das pescadoras artesanais/marisqueiras até as suas residências, por distâncias consideráveis (CAMPOS, 2009).

Após a chegada na residência, as pescadoras artesanais/marisqueiras iniciam o processo de beneficiamento do pescado. São, então, retiradas as valvas dos mariscos, num processo denominado descatemba, melhor definido pelas próprias mulheres que a executam.

Esse processamento ocorre, muitas vezes, na sala ou no quintal de cada residência, em cima de lona sobre o chão, ou em mesas improvisadas, artesanalmente pelas próprias pescadoras artesanais/marisqueiras. Ao observar que em soma, encontra-se ainda no quintal, o “fogão” construído com alguns tijolos ou pedras, dotado de uma grade na parte de cima para apoio da panela. A alimentação do fogo é à base de lenha. E o processamento é realizado do lado de fora da casa, devido à concentração de fumaça gerada a partir da queima da lenha e facilidade de agrupar pequenos grupos para catar mariscos. (CAMPOS, 2009)

De um modo geral, as condições de processamento dos mariscos são bastante precárias, sendo verificado que a maioria das atividades é realizada de cócoras ou curvada, desde a coleta do marisco até em funções como alimentar o fogo, lavar, escaldar e catar o marisco. Muitas dessas posturas são assumidas devido a uma deficiência dos postos de trabalho, oferecendo uma carga de esforço intenso sobre a coluna.( CAMPOS, 2009)

As más posturas, por sua vez, enfatizando-se a das extremidades superiores, também se constituem em fatores de risco, tais como desvios dos punhos, pegas em pinça realizadas com as mãos, elevação dos ombros e outros. (GRANDJEAN, 1998)

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Os distúrbios músculosesqueléticos relatados no estudo de CAMPOS (2009) apresentam relação com a atividade laboral das pescadoras artesanais/marisqueiras, desencadeados pela exposição potencial à fatores de risco, destaque-se o esforço físico repetitivo, posturas inadequadas, pesos excessivos e jornadas de trabalho exaustivas, capazes de promover sobrecarga e, consequentemente, alteração no sistema osteomuscular.

Os estudos sobre a pesca artesanal tiveram destaque na Bahia com a participação do Ambulatório Magalhães Neto, através do Serviço de Saúde Ocupacional (SESAO) que viabilizou a realização de atendimentos multidisciplinares com pescadoras artesanais/marisqueiras de toda a Baía. Os trabalhos se ampliaram com a realização de uma proposta inédita na pesca artesanal no Brasil através da realização do projeto itinerante onde a logística se concentrou através da ida dos profissionais até as regiões para reconhecimento do processo de trabalho das pescadoras artesanais/marisqueiras levando em conta as peculiaridades de cada região e construindo de forma participativa o conhecimento das condições de trabalho e dos riscos trabalhando na perspectiva da prevenção em saúde do trabalhador.

3.3. DOR MUSCULOESQUELÉTICA: CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA

Estudos epidemiológicos têm identificado fatores causais relacionados com os distúrbios musculoesqueléticos (DME) nas populações estudadas (BERNARD et al, 1997; COSTA e VIEIRA, 2010).

Os distúrbios musculoesqueléticos foram reconhecidos como tendo fator etiológico ocupacional desde o século XVIII. Entretanto, só a partir do início dos anos 70 que os fatores ocupacionais foram estudados utilizando-se o método epidemiológico, e quando começaram a surgir os primeiros trabalhos na literatura científica internacional. Entretanto, apesar da vasta literatura já publicada sobre ergonomia no local de trabalho, a relação entre DME associado ao trabalho continua a ser objeto de considerável debate (BERNARD et al, 1997).

Um extenso corpo de conhecimentos baseados em pesquisas epidemiológicas de qualidade mostram a consistente relação entre DME e certos fatores físicos, em especial com

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alto nível de exposição (BERNARD et al, 1997). Em recente revisão sistemática envolvendo 63 estudos longitudinais e de caso controle, Costa e Vieira (2010), identificaram evidências de associação entre DME e trabalho envolvendo os seguintes fatores: trabalho físico pesado, fumo, índice de massa corpórea, alta demanda psicossocial e presença de co-morbidades. Dentre os fatores biomecânicos mais comuns identificados pelos autores estão a repetição excessiva de movimentos realizados principalmente pelos membros superiores e suas extremidades, posturas inadequadas e trabalho pesado.

Os processos fisiopatológicos estão descritos na literatura. Os estudos sobre os mecanismos fisiopatológicos dos DME apresentam de maneira consistente para cada tecido, considerando sua função e estrutura, os efeitos da repetitividade, da compressão, da carga sobre a microestrutura do tecido, sobre as características biomecânicas e a função biológica. (COUTO, 1998; NRC & IM, 2001; KUORINKA & FORCIER, 1995; GRANDJEAN, 2005)

Segundo autores, os DME decorrem do comprometimento inflamatório ou degenerativo de tendões, ligamentos, bursas, músculos, articulações, incluídas as intervertebrais discais, circulação, nervos periféricos e raízes nervosas, em diferentes segmentos corporais como a região do pescoço e ombro, cotovelos, antebraços, punhos, mãos, região lombar e segmentos dos membros inferiores (COSTA e VIEIRA, 2010). O principal sintoma é a dor que pode estar associada a formigamento, edema, diminuição de força muscular que pode resultar em prejuízo funcional (GRANDJEAN, 2005). Estudos brasileiros como o de FONSECA (2009) mostram a prevalência de DME em pelo menos um segmento corporal que foi de 83,4%. Considerando-se as regiões corporais de forma isolada, constatam-se as mais elevadas prevalências nas constatam-seguintes regiões: lombar (53,9%), pernas (51,5%), pescoço (36,4%), parte alta do dorso (35,7%) e ombros (33,8%).

Os distúrbios musculoesqueléticos podem ocorrer em plena atividade laboral e com o passar do tempo tornar-se cada vez mais possível pelo aumento do tempo de uso das estruturas osteomioarticulares. Os sinais clínicos e sintomas já são percebidos nos estágios iniciais variando a gravidade dos sintomas, mas que já permite a identificação de alterações existentes, o que possibilita, uma interrupção da evolução do quadro cuja incapacidade funcional poderá ser incompatível com o exercício da atividade laboral, que determinará o afastamento do trabalho (COUTO, 1998; FERNANDES, 2004, GRANDJEAN, 2005; FILHO, 2005).

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A norma técnica sobre lesões por esforços repetitivos, atualizada pela Previdência Social (PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012), adota classificação semelhante, descrevendo a evolução dos quadros iniciais até os quadros graves de dor crônica. Os serviços do SUS apontam os trabalhadores procedentes da indústria, já afastados do trabalho, com quadros clínicos de DME, como uma parcela relevante da sua demanda (FERNANDES, 2004).

A literatura revela que há uma relação clara entre DME e demanda física no trabalho. Para DME em região lombar há forte evidência de associação com levantar e/ou carregar carga, postura inclinada e rodada do tronco, trabalho físico pesado e vibração. Para extremidades superiores há forte evidência de associação com repetição, força e vibração e a combinação entre repetição e força e repetição e frio (NRC & IM, 2001).

A literatura epidemiológica ainda fornece suporte à associação entre DME e demanda psicossocial no trabalho. Como alguns dos fatores psicossociais são aparentemente não relacionados a demandas físicas, e um número considerável de estudos tem mostrado essa associação mesmo após ajuste pelas demandas físicas, o efeito dos fatores psicossociais para DME pode ser, em parte ou inteiramente, independente de fatores físicos. Embora o mecanismo biológico preciso por meio do qual as respostas fisiológicas ao estresse levam a DME não tenha sido ainda completamente compreendidos, o conhecimento atual sugere como explicação as vias musculoesqueléticas (mudanças na atividade ou reatividade muscular), neuroendócrina e imunológica (NRC & IM, 2001; FERNANDES, 2004; SANTOS, 2006).

Segundo estudos realizados no Brasil, a resposta do organismo humano frente à vivência de fatores estressores no trabalho depende da forma como ele enfrenta estes fatores. Características individuais físicas e de comportamento e fatores extra-laborais podem modificar o efeito de um fator extressor no trabalho ou podem associar-se a respostas diferenciadas nos indivíduos que apresentarão mais ou menos capacidade de suportar estas demandas (FERNANDES, 2004; SANTOS, 2006). Entre as principais variáveis incluídas como potenciais confundidoras nos estudos sobre DME e trabalho estão a idade, gênero, características antropométricas, consumo de bebida alcoólica, cigarro e atividade física. (FERNANDES, 2004)

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Uma breve descrição sobre a dor do ponto de vista sócio-cultural :

A dor pode ocorrer como sintoma do DME na fase aguda e na fase crônica com suas respectivas características. Pimenta e Portinoi (1999) define um conceito de dor que envolve os seguintes componentes: o sensitivo-disciminativo (sensação física), o afetivo-motivacional (emocional) e o cognitivo-avaliativo (pensamento). O fenômeno neurofisiológico compreendido na sensação dolorosa corresponde a respostas orgânicas frente a um determinado estímulo nociceptivo. Ainda segundo Pimenta e Portinoi (1999), os fatores na expressão da dor ocorrem associados. Estes fatores podem se definidos por aspectos físico-químicos e de sua interação com fatores individuais (sensoriais e genéticos), emocionais (medo, raiva, ansiedade, depressão, alegria), sociais, culturais (religião, comportamento dentro de grupos sociais, aprendizagem, hábitos e práticas), econômicos. Isso reflete diretamente na tolerância à dor.

Outro aspecto importante a ser observado é como o indivíduo exprime suas sensações dolorosas que está diretamente relacionado ao seu comportamento frente à dor. A comunicação da reação dolorosa pode ser expressa pelo corpo através de comportamentos e reações motoras (posturas antálgicas, expressões faciais de dor), verbais (gritar, gemer, queixar-se), socio-culturais (relacionamento com as pessoas, hábitos estabelecidos) e também pela própria negação da dor através do comportamento introspectivo e/ou de ocultar a sensação dolorosa (PIMENTA E PORTINOI, 1999, BUDÓ et al, 2004). Os indivíduos podem se comunicar para definir a causa da dor seja de ordem física, emocional ou como da própria condição humana (PIMENTA E PORTINOI, 1999, BUDÓ et al, 2004). Através da fala pode-se definir a percepção da causa da dor. A forma de captar a informação pode variar pelo tipo de método utilizado. No campo da epidemiologia o registro da dor pode ser auto-referido utilizando questionários com perguntas fechadas e escalas que podem definir a intensidade da dor.

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3.4. MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NA EPIDEMIOLOGIA PARA DME

A abordagem multicausal do adoecer, que leva em conta a interação entre fatores patogênicos, destacando a importância dos fatores individuais e ambientais, configura uma evolução dos métodos científicos para investigação da saúde. (SANTOS, 2006)

O estudo dos fatores e condições de risco e dos agravos associados com o trabalho pode ser realizado em duas dimensões: a coletiva e a individual. Na dimensão coletiva, o dano à saúde associado à atividade laborativa deve ser investigado através dos estudos epidemiológicos, tanto descritivos, de morbidade e mortalidade, como analíticos, do tipo caso-controle entre outros. O inquérito de fatores de risco pode ser realizado através de questionário. O estudo individual, além da anamnese e história clínica pode- seguir um roteiro de questionário que melhor conduzirá a investigação. (KAPANDJI, 2000; KISNER, 2005; MEDRONHO, 2009)

3.4.1 QUESTIONARIO NÓRDICO DE SINTOMAS MUSCULOESQUELÉTICOS

O Questionário Nórdico de Sintomas Músculo-Esqueléticos foi desenvolvido com a proposta de padronizar a mensuração de relato de sintomas osteomusculares e, assim, facilitar a comparação dos resultados entre os estudos. Os autores desse questionário o indicam para a identificação de distúrbios osteomusculares e, como tal, pode constituir importante instrumento de diagnóstico do ambiente ou do posto de trabalho (PINHEIRO, 2002). Em avaliações de distúrbios músculoesqueléticos, a análise conjunta de ombro, pescoço ou parte alta do dorso (OPPAD) decorre da dificuldade em precisar a origem de sintomas referidos em cada uma destas áreas, o que já foi adotado em outros estudos (BJORKSTÉN et al., 2001). Considera-se que esses segmentos operam como uma unidade funcional, ou seja, as demandas

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atuariam sobre a unidade como um todo. (NRC & IM, 2001; BARON et al., 1996 apud FERNANDES, 2004).

No estudo proposto nesta dissertação utilizou-se o questionário descrito acima que foi adaptado para adequar as questões sobre as demandas físicas e psicossociais às etapas do processo de trabalho da mariscagem.

3.4.2 QUESTIONÁRIO DO CONTEÚDO DO TRABALHO - JCQ (JOB CONTENT QUESTIONAIRE)

Este questionário compôs o questionário geral, mas apenas foi colocado no refencial teórico para melhor definir a exposição psicossocial. No presente estudo, a pressão de tempo foi descrita incorporada ao bloco das variáveis de demandas físicas do instrumento utilizado neste estudo. Os demais achados de demandas psicossociais fazem parte do banco de dados e serão descritos e analisados em estudos futuros.

Conforme descreve a literatura sobre demandas psicossociais, as manifestações dos agravos à saúde do trabalhador podem ser identificadas em praticamente todas as esferas da vida (econômica, familiar, laboral e afetiva) (ARAÚJO, 2000; SANTOS, 2006).

Desde a década de 70, muitos estudos que buscavam avaliar os aspctos relacionados ao estresse e à dimensão psicossocial do trabalho foram realizados na área da saúde ocupacional, utilizando as mais variadas abordagens metodológicas (SANTOS, 2006).

O Job Content Questionnaire (JCQ) é um exemplo de uma medida psicossocial cuja medição das propriedades são bem definidas, que tem sido utilizado com freqüência na literatura da epidemiologia psicossocial (KARASEK, 1998; SANTOS, 2006). No presente estudo foram utilizadas algumas questões que fazem parte de variáveis de exposição a demandas psicossociais estudadas neste questionário como pressão de tempo. O autor Karasek (1979), ao considerar o enfoque limitado dos modelos unidimensionais que apontavam o estresse como produto da demanda versus capacidade do indivíduo, pressuposto sobre o qual as pesquisas em psicologia organizacional e

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epidemiologia foram identificadas, verificou a necessidade de incluir o elemento controle (represntado pela autonomia e habilidade do trabalhadopr em sua rotina ocupacional). Em 1985, Karasek elaborou o Questionário sobre Conteúdo do trabalho (SANTOS, 2006).

Os fatores psicossociais mais comuns relacionados com o trabalho são: satisfação no trabalho, monotonia, relações interpessoais, carga horária de trabalho suporte do supervisor, os problemas diários no trabalho, pressão de trabalho, horas sob prazo por semana, controle limitado sobre o trabalho, insegurança no emprego e psicológica carga de trabalho (um composto de um número de sub-itens, que incluem stressno trabalho, carga horária, grau de sensação de cansaço, sentindo exausto depois do trabalho, demais oportunidades de quebra, e tensão mental) (SANTOS, 2006).

O modelo demanda-controle observa o risco de estresse relatado e o comportamento que o indivíduo possui frente àquela situação como ativo ou passivo.

O controle no trabalho compreende dois componentes:

1. Aspectos referentes ao uso e desenvolvimento de habilidades: a necessidade de aprendizados de novaspráticas, repetitividade, criatividade, tarefas diversificadas e desenvolvimento de habilidades especiais;

2. Autoridade de decisão sobre o próprio trabalho, a influência no grupo de trabalho.

A demanda psicológica refere-se às exigências psicológicas que o trabalhador enfrenta na realização de suas tarefas, envolvendo ritmo, nível de concentração, pausas nas tarefas.

Observa-se quatro tipos de experiências no trabalho, originados pela dinâmica dos níveis “altos” e “baixos” de demanda psicológica e de controle:

- ALTA DEMANDA E BAIXO CONTROLE ALTA EXIGÊNCIA DO TRABALHO - ALTA DEMANDA E ALTO CONTROLE TRABALHO ATIVO

-BAIXA DEMANDA E BAIXO CONTROLE TRABALHO PASSIVO - BAIXA DEMANDA E ALTO CONTROLE BAIXA EXIGÊNCIA

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A diagonal A aponta para o risco potencial de distúrbios de ordem psicológica e de doença física.

A diagonal B é uma situação que eleva a motivação.

Quadrante 2 confere ao trabalhador autonomia em definir a execução da tarefa como também a utilização de seu potencial intelectual, gerando efeitos benéficos como desafio, aprendizado e produtividade.

Quadrante 3 se caracteriza pela pouca demabnda psicológica, porém com elevado nível de controle, tem demonstrado uma situação de baixos índices de repercussões deletérias à saúde do trabalhador.

Medidas de exposições psicossociais relatados na literatura são obtidos através da utilização de questões de pergunta e resposta prenchidas pelo auto-relato. Estas ferramentas

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de pesquisa geralmente incluem múltiplas escalas utilizadas para avaliar os fatores de risco psicossocial. “Muitas dessas medidas utilizam uma escala de medição contínua, através do qual é possível fornecer uma medida de exposição em termos de grau, e não simplesmente se era presente ou ausente. Itens de resposta variam dependendo da escala e, normalmente, variam de 0-5, 0-7, ou 0-10, com opções ancorada de modo que o entrevistado tem um quadro de referência para várias respostas”. (FERNANDES, 2004)

4.0. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS DE DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS (DME) NA PESCA ARTESANAL: EXPERIÊNCIAS INÉDITAS NO BRASIL

Estudos sobre distúrbios musculoesqueléticos em pescadores artesanais são bastante escassos na literatura. Alguns estudos se destacam pela descrição de agravos à saúde destes trabalhadores (DALL’OCA, 2004; PENA, 2007; CAMPOS, 2009), entretanto, ainda se observa a necessidade de mais estudos para a identificação das peculiaridades locais que trazem especificidades nos processos de trabalho da pesca artesanal e diferenças no adoecimento. E, principalmente, dar visibilidade ao trabalho artesanal da pesca e mariscagem realizado por homens e mulheres, expondo a importância social e econômica que esta atividade possui para estas populações. Expondo dificuldades e riscos ocupacionais ocasionados principalmente pela falta de recursos de obtenção de equipamentos de proteção e pela necessidade de longas e extenuantes horas de trabalho em ambientes naturais de altas temperaturas, presença de animais marinhos e de mangues, para suprir as necessidades básicas de sobrevivência destas pessoas.

A investigação da literatura na esfera das relações entre saúde e trabalho no Brasil indica a escassez de estudos referenciados em pescadores e pescadoras artesanais. As estatísticas institucionais realizadas no Brasil nas regiões Norte-Nordeste sobre acidentes e

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doenças do trabalho indicam situação semelhante à encontrada na revisão bibliográfica. Diante dessa situação, percebe-se a invisibilidade desta classe de trabalhadores no cenário científico pela escassez de estudos epidemiológicos, pelo desconhecimento do trabalho do pescador e pescadora artesanal pelos profissionais de saúde e pelo sistema previdenciário (PENA, 2007).

Neste sentido, alguns projetos estão sendo realizados no Nordeste brasileiro e pesquisas inéditas se descortinam neste cenário tão antigo, já percebido por Ramazzini, e que agora aflora na consciência de estudiosos da saúde do trabalhador.

O Serviço de Saúde Ocupacional – SESAO, pertencente ao Complexo Hospitalar Prof. Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia, vem realizando atendimento médico às pescadoras artesanais/marisqueiras desde o ano de 2005 com o início da pesquisa “Condições de trabalho, saúde e práticas alimentares de marisqueiras e pescadores em pescadores artesanais da Baía de Todos os Santos - Bahia”, em que foram identificados os riscos ergonômicos e as alterações osteomusculares decorrentes do processo de trabalho das pescadoras artesanais/marisqueiras.

Durante o período de 2005 até setembro 2008 foram atendidas 120 pescadoras artesanais/marisqueiras que realizaram investigação diagnóstica no ambulatório do SESAO, obedecendo a uma rotina específica, previamente estabelecida. Verificou-se neste grupo que a idade média das mulheres pescadoras era de 42,07 anos (mínima 21 e máxima 62 anos) e o tempo médio de mariscagem de 30,4 anos. Do total de 120 (100%) atendimentos 1,7% foi realizado em 2005, 5,8% em 2006, 24,2% em 2007, 68,3% até setembro de 2008. As pescadoras artesanais/marisqueiras foram oriundas das cidades Santo Amaro (33,3%); Salinas da Margarida (26,7%); Ilha de Maré (25,9%); Maragogipe (5,0%); São Tomé (2,5%); Cachoeira (0,8%) e local não identificado (5,8%) (MARTINS, 2009).

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Em relação às enfermidades diagnosticadas no grupo de pescadoras artesanais/marisqueiras atendidas no ambulatório, constatou-se que os distúrbios osteomusculares de membros superiores, comprometimento de coluna e joelho foram responsáveis por 66,6%, dos quais 31,7% com tendinopatia e bursite de ombro (supraespinhal, infraespinhal, subescapular, tendinite de cabeça longa do bíceps e bursite); síndrome do túnel do carpo (24,2%), dedo em gatilho (0,8%), radiculopatia cervical (1,6%); radiculopatia lombar (6,6%); osteoartrose de joelho (1,6%).

No ano de 2009 o SESAO atendeu 1.833 casos de suspeita de doenças ocupacionais. Para este estudo, definiu-se a inclusão de todos os atendimentos de pescadoras artesanais/marisqueiras, em primeira consulta no referido ano, considerando que o projeto do SESAO resultou de investigação anterior que se concentrava predominantemente na investigação do trabalho da mulher marisqueira (MARTINS, 2009).

Os estudos dos processos de trabalho relacionados a pescadores artesanais/marisqueiras apontam a significativa predominância do trabalho feminino nas atividades de coleta do marisco. Foram incluídos nos casos descritos apenas aqueles relativos às pescadoras artesanais/marisqueiras atendidas e que tiveram diagnóstico de doença osteomuscular relacionada ao trabalho. Os casos com diagnóstico indefinido, não conclusivo ou de outras patologias não ocupacionais foram excluídos das análises. A dor é a queixa mais frequente, sendo a dor localizada em ombros responsável por 24,2%, seguida da região do punho (18,1%), região cervical (14,4%), mãos (11,5%) e cotovelos (5,6%) e mãos (4,2%). Dor em região lombar foi referida em 22,3%. Outros sintomas referidos com menos habitualidade foram a diminuição de força muscular (1,9%) e parestesia (1,9%). Do total de pescadoras artesanais/marisqueiras atendidas (215) em 2009, 29,3% apresentaram alterações do sistema osteomuscular (correspondendo a 63 casos), dos quais 16,3 % com tendinose de ombro, 5,6% com STC, 4,1% com transtornos de discos lombares, 0,9% com cisto sinovial

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em punho e 0,9% com osteoartrose de joelhos. Em 152 casos levantados, correspondendo a 70,7%, não houve diagnóstico concluído de doença ocupacional ou ainda tratava-se de patologias não relacionadas ao trabalho. Ao analisar os casos de LER/DORT (53 casos – 24,6%) verifica-se que a patologia mais frequente foi a tendinose de ombro, com 66,1%, dos quais 24,6% eram tendinose ombro de supraespinhal direito, 33,9% tendinose de supraespinhal esquerdo (2 casos de ruptura de supraespinhal), 13,2% tendinose bilateral de supraespinhal e bíceps e 3,8% bilateral envolvendo supraespinhais (MARTINS, 2009).

Estes trabalhos com a comunidades geraram a demanda de conhecimento das principais doenças relacionadas ao trabalho, não apenas com a necessidade de se conhecer e analisar o processo de trabalho, mas, também, pela necessidade de se realizar o diagnóstico clínico, conhecer as queixas, a postura de trabalho e criar subsídios para construção do nexo causal para reconhecimento previdenciário das pescadoras artesanais/marisqueiras.

A partir da realização do I Fórum de Participação e Controle Social em Saúde do Trabalhador para os profissionais da pesca artesanal – pescadoras artesanais/marisqueiras, realizado em 2008, em Salvador-Ba, foi dado início ao trabalho de Ação itinerante em saúde ocupacional para as pescadoras artesanais - pescadoras artesanais/marisqueiras da Bahia. Esta ação inclui estratégias de atendimento a nível primário e secundário. O atendimento a nível primário é ampliado com a participação de novas comunidades e maior disponibilização de atendimentos no ambulatório do Serviço de Saúde Ocupacional – SESAO pertencente ao Complexo Hospitalar prof. Edgard Santos – UFBA. Durante o ano de 2009 as cidades beneficiadas inicialmente com essa atividade foram Juazeiro e Camamu (MARTINS, 2009).

Em Juazeiro, a ação adveio com uma intensa e marcante presença de localidades próximas de trabalhadores da pesca artesanal. Mulheres e homens apresentaram suas queixas e dissabores oriundos das condições em que a pesca se encontra atualmente na visão do

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pescador/pescadora. Não obstante, revela-se, neste trabalho, um novo ambiente no qual o rio é o cenário ocupacional (MARTINS, 2009).

4.1 Ação Itinerante na região do Baixo Sul da Bahia

A região do Baixo Sul da Bahia é composta por 11 municípios: Cairu, Camamu, Ibirapitanga, Igrapiúna, Ituberá, Maraú, Nilo Peçanha, Piraí do Norte, Presidente Tancredo Neves, Taperoá e Valença. Esse conjunto abrange uma superfície de 6.138 km², com uma população total de 259.191 habitantes. A densidade demográfica média é de 42,23 hab./km², de acordo com o Censo Demográfico de 2000.

O território Baixo Sul é recortado por ilhas, estuários, baías, enseadas e braços de mar, com extensas áreas de manguezais. Esta região tem na pesca uma atividade econômica representativa, cerca de 14.000 trabalhadores sobrevivem desse trabalho (MARTINS, 2009).

No atendimento multidisciplinar em saúde do trabalhador às 137 pescadoras artesanais previamente selecionadas com sintomas osteomusculares, com o atendimento próximo às residências das pescadoras artesanais/marisqueiras decorrentes da ação itinerante, não haveria a necessidade de deslocar todos os 137 casos resultantes da triagem para a capital Salvador, distante aproximadamente 300 km da região (MARTINS, 2009).

Ação itinerante permitiu encaminhar ao SESAO os casos considerados moderados e graves, que necessitavam confirmação diagnóstica e possível afastamento do trabalho após feita triagem na própria comunidade. Esta atividade foi realizada em Camamu-BA no período de 07 a 08 de dezembro de 2009. Do total de 137 pescadoras artesanais/marisqueiras atendidas observou-se, quanto o grau de instrução, que 60,58% possuíam o 1° grau

Referências

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