• Nenhum resultado encontrado

Desafios metodológicos dos programas intergeracionais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Desafios metodológicos dos programas intergeracionais"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Desafios metodológicos dos programas intergeracionais

Por Beltrina Côrte

A possibilidade humana de existir — forma acrescida de ser — mais do que viver, faz do homem um ser eminentemente relacional. Estando nele, pode também sair dele. Projetar-se. Discernir. Conhecer. É um ser aberto. Distingue o ontem do hoje

(Freire, 2001:10).

esde 2001, ano em que entrei na PUC-SP para ministrar a disciplina de Metodologia de Pesquisa aos alunos do mestrado em Gerontologia, observo a grande dificuldade de serem ultrapassadas as fronteiras das áreas disciplinares específicas. Na PUC não existem manuais de normatizações e métricos que enquadram e padronizam os saberes. Por não existirem, cada Programa tem a liberdade de orientar as produções acadêmicas seguindo as normas gerais da ABNT. Pelo menos é isso o que ocorre no Programa de Gerontologia.

Isso me permite trabalhar com métodos qualitativos, utilizando vários procedimentos na busca de conhecimento. Com essa abordagem não se pretende ter poder de controle sobre os fatos da natureza, muito menos grandes explicações. Busca-se, a partir de pequenas amostras, irrelevantes estatisticamente, compreender processos, relações, viver e envelhecer.

A maioria dos alunos, de diversas gerações, profissionais liberais, vários deles igualmente docentes (todos formadores de opinião), chegam reclamando da rigidez com a qual foram formatados na graduação, assinalando os “n” manuais aprendidos. No entanto, quando apresentamos em aula a possibilidade de serem criativos, lidarem com a liberdade do sujeito que há em cada corpo,

D

(2)

reclamam da ausência da rigidez - leia-se manuais -, e ficam seriamente angustiados.

Na tentativa de amenizar a angústia (ou aumentá-la), costumo passar o filme Ponto de Mutação (Mindwalk, 1992; drama dirigido por Bernt Capra), baseado no livro homônimo do seu irmão, o físico austríaco Fritjof Capra, The Turning Point. O lado científico de Ponto de Mutação é, para mim, de suma importância metodológica, porque antepõe, de modo explícito, duas linhas de pensamento confrontadas diretamente: o pensamento mecanicista e o pensamento holístico. Todo o tempo o filme chama a atenção para o que somos: parte de uma teia de relações. O conteúdo científico, religioso e filosófico do filme é pura poesia, em diálogos permeados de sentimento e significado.

Para maior compreensão, apresento um trecho do filme (foi produzido no início da década de 90) com os três personagens principais: um poeta, Thomas (John Heard), que abandonou a cidade de Nova York por não suportar um modo de vida mercantilizado, refugiando-se na França para recuperar-se da decepção profissional e de um casamento fracassado, e tentar superar, com tranquilidade, a crise de meia-idade que o acomete; um político, Jack (Sam Waterston), que após perder as eleições para presidente dos EUA sente-se esgotado, confuso em relação aos rumos de sua carreira, e solicita socorro ao amigo poeta; e uma física, Sonia (Liv Ullmann): desiludida com os rumos tomados pela ciência, isolou-se em um vilarejo francês (Mont Saint Michel), para repensar a vida profissional e familiar, pois tem convivência difícil com a filha que com ela passa as férias.

A discussão entre os três acontece nesse vilarejo medieval, após um casual encontro na igreja. A discussão versa sobre a história da sociedade moderna e as linhas de pensamento mecanicista e holístico. O filme mostra como René Descartes introduziu a visão de que o cosmos poderia ser entendido como um relógio; assim, a natureza, máquina da qual bastava desmontar as peças e entendê-las para se compreender o todo. Perspectiva assumida e consolidada por Isaac Newton, que impregnou o mundo das artes, da política e da sociedade. A visão de mundo mecanicista, cartesiana e positivista perdura até hoje na sociedade. Para entender melhor a discussão dos três personagens, transcrevo1 pequeno diálogo do filme:

Sonia: Certo, Jack. Mas não foi sempre assim. Não antes de Descartes. Quando ele introduziu isso provocou uma ruptura revolucionária com a Igreja. Ele queria saber como o mundo funcionava sem a ajuda do Papa, pois para ele o mundo era só uma máquina. Aí ele ficou fascinado pela máquina do relógio e fez dele a sua principal metáfora. Ele disse: “Vejo o corpo como nada mais que uma máquina”. Um homem saudável é um relógio bem-feito, e um doente um relógio malfeito.

1

(3)

Jack: Bem, hoje em dia parece meio primitivo [homem como relógio], mas funciona, não?

Sonia: Tão bem que cientistas passaram a acreditar que todos os seres vivos, plantas, animais, nós, não passamos de máquinas, e isto é falso. Isso tomou conta de tudo: arte, política...

Jack: ... O que há de errado com Descartes? Sonia: Não há nada de errado com ele, até o acho maravilhoso. Ele foi uma dádiva divina para o século XVII, mas os tempos mudaram. Precisamos de uma nova maneira de entender a vida. Aquele pêndulo, por exemplo, há muito tempo foi substituído por um cristal de quartzo. E essas magníficas engrenagens feitas à mão transformadas num microchip do tamanho de uma unha. A ciência já passou o pensamento mecanicista nessa proporção. Mas vocês políticos parecem ainda ter essa máquina dentro da cabeça.

...

Sonia: A execução é trabalho seu. Acho que enquanto continuar a ver as coisas nessa velha ótica patriarcal, cartesiana, newtoniana, deixará de ver como o mundo realmente é. Você, eu, todos nós precisamos de uma nova visão do mundo e de uma ciência mais abrangente para nos apoiar. Há uma teoria surgindo agora que coloca todas as ideias ecológicas de que falamos numa estrutura científica coesa e coerente. Nós a chamamos de teoria dos sistemas, dos sistemas vivos.

Jack: O que há de útil nessa teoria holística? É isto que não entendo. Pode contemplar as coisas, olhá-las, como disse Thomas, mas se quiser fazer algo, especificamente por definição, não precisa desmontar as coisas? Como pode falar de uma árvore sem falar nas folhas ou raízes?

Sonia: Eu conseguiria, sem nem mencionar essas partes. Um cartesiano olharia para a árvore e a dissecaria, mas aí ele jamais entenderia a natureza da árvore. Um pensador de sistemas veria as trocas sazonais entre a árvore e a terra, entre a terra e o céu. Ele veria o ciclo anual que é como uma gigantesca respiração que a Terra realiza com suas florestas, dando-nos o oxigênio. O sopro da vida, ligando a Terra ao céu, e nós ao universo. Um pensador de sistemas veria a vida da árvore somente em relação à vida de toda a floresta. Ele veria a árvore como o habitat de pássaros, o lar de insetos. Já se você tentar entender a árvore como algo isolado ficaria com os milhões de frutos que produz na vida, pois só uma ou duas árvores resultarão deles. Mas se você vir a árvore como um membro de um sistema vivo maior, tal abundância de frutos fará sentido, pois centenas de animais e aves sobreviverão graças a eles.

(4)

Interdependência. A árvore também não sobrevive sozinha. Para tirar água do solo precisa dos fungos que crescem na raiz. O fungo precisa da raiz e a raiz precisa do fungo. Se um morrer o outro morre também. Há milhões de relações como esta no mundo, cada uma envolvendo uma interdependência. A teoria dos sistemas reconhece essa teia de relações como a essência de todas as coisas vivas. Só um desinformado chamaria tal noção de ingênua ou romântica porque a dependência comum a todos nós é um fato científico.

Jack: Uma teia de relações... ...

A teoria holística, que quer dizer “o todo”, “o completo”, aparece no filme como oposta à linha cartesiana. Essa linha de pensamento “investiga a relação de cada parte dentro da totalidade e a influência dessa totalidade em cada parte”, ressaltando as relações entre elas. A teoria holística parte do princípio de que tudo está interligado e é interdependente. A fala da física em determinado momento deixa clara a diferença entre as duas linhas de pensamento. Enquanto o pensamento mecanicista ou cartesiano é mercantilista e individualista, o holístico é coletivo, ao ponto de ela (Sonia) comentar que “os índios americanos pensavam nas consequências de suas ações até a sétima geração”.

Nos diálogos os conflitos não ficam apenas no campo da teoria. Eles se estendem para a vida pessoal, cujas relações, derivadas das visões de mundo, estão igualmente em crise. O poema “As uvas e o vento”, do poeta Pablo Neruda é metaforicamente evocado pelo autor para mostrar que a única coisa que se captura é a própria vida, que se tem em mãos a própria vida, as relações que a ela pertencem, as pessoas que se ama, que se quer bem, pois a vida é feita de relações. Aliás, nossa vida é impensável sem relacionamentos. O sujeito se faz de relações.

Tu perguntas o que a lagosta tece Lá embaixo...

Com seus pés dourados. Respondo que o oceano sabe. E por quem a medusa espera, em sua veste transparente? Está esperando pelo

tempo, como tu.

Quem as algas apertam Em seu abraço... perguntas... Mais firme que uma hora e Um mar certos? Eu sei. Perguntas sobre a mesa Branca do narval...

E eu respondo cantando como Unicórnio do mar, arpoado, morre. Perguntas sobre as plumas do rei Pescador...

(5)

Que vibrou nas puras

Primaveras dos mares do sul. Quero te contar que o oceano Sabe isto: que a vida...

Em seus estojos de jóias, É infinita como areia,

Incontável, pura; e o tempo, Entre as uvas cor-de-sangue... Tornou a pedra dura e lisa, Encheu a água-viva de luz... Desfez o seu nó, soltou Seus fios musicais... De uma cornucópia feia De infinita madrepérola.

Sou só a rede vazia diante dos Olhos humanos na escuridão... E de dedos habituados à longitude Do tímido globo de uma laranja. Caminho, como tu, investigando A estrela sem fim...

E em minha rede, durante A noite, acordo nu.

A única coisa capturada É um peixe...

Preso dentro do vento

Investigando a estrela sem fim...

O poeta do filme, Thomas, diz que a vida sente a si mesma e é maior que todas as teorias, e que a inscrição cravada na porta da catedral de Mont Saint Michel dizendo que “nenhum santo sustenta-se sozinho” quer dizer que existe algo maior, fruto da convivência, da vida em comum. Para completar, ele cita parte de um poema de John Donne2:

Nenhum homem é uma ilha isolada;

cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra (...)

E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

2 John Donne (1572 –1631) foi um poeta jacobino inglês, pregador e o maior representante dos

poetas metafísicos da época. Sua poesia é célebre por sua linguagem vibrante e metáfora engenhosa, especialmente quando comparada à poesia de seus contemporâneos. Incompreendido na sua época, esquecido por muitos séculos, é hoje reverenciado e lido em todo o mundo. Sua obra serviu de inspiração para muitos outros poetas além do seu tempo. Foi a partir desse texto de John Donne, que o escritor norte-americano Ernest Hemingway, encontrou inspiração para o título do seu romance “Por Quem os Sinos Dobram”. Ver

(6)

O filme costuma impactar bastante os alunos, até porque vários deles, ao procurarem a Gerontologia Social (deixando as certezas das áreas disciplinares de formação) já estão em um caminho que os leva à interdisciplinaridade. Como os personagens do filme, em um processo de mudança de vida (pessoal e profissional). Todos ali são especiais e singulares porque rompem com as fronteiras do saber hegemônico, mecanicista, querendo maior compreensão sobre a complexidade da vida e de seu processo existencial e social, envolvendo o tempo a mais de vida e os sentidos que damos à ele. Querem algo mais. E, é claro, a visão cartesiana que existe em cada um deles, como sujeitos transcendentais e racionais, e que existe em mim, brigará com qualquer outra visão, seja holística, relacional...

Infelizmente, grande parte da academia ainda trabalha na perspectiva das teorias centradas no sujeito, em projetos, objetivos, metodologias, metas, resultados. Pouco importa para a academia, ao menos para os órgãos avaliadores da área da Gerontologia, disciplinares, a produção de subjetividades, de vínculos. Uma sala de aula envolve relações e gerações, e por isso um professor é antes de tudo um profissional da relação, cujo instrumento de trabalho é a palavra. Mas no momento de uma avaliação o que menos importa são as relações.

Como pensar de outro modo?

El marco de nuestras reflexiones teóricas, procedentes de algunos autores en buena medida pero también debido a lo que nuestro propio deseo innova, propician el señalar que estamos viviendo, culturalmente hablando, una época de cambios (de avances y retrocesos), de transacciones y transformaciones, en la que vamos transitando [muy sutilmente por cierto, ya que las verdaderas transformaciones demandan complicidad al tiempo] de una cultura que enfatiza el yo, el sujeto individual y trascendental, magnificado por la tradición occidental, a una cultura de las relaciones. Sáez Carreras y García Molina, Pensar sin barandillas

Minhas reflexões se aprofundaram quando, no início de 2011, recebi um convite tentador de amigos do SESC-SP, especialmente de José Carlos Ferrigno: compor uma comunidade de aprendizagem semipresencial sobre Programas Intergeracionais, no Curso de Capacitación de Profesionales del Trabajo Intergeneracional - primera edición, de 19 de setembro a 4 de dezembro de 2011, em Granada (Espanha), com dois grandes mestres: Mariano Sánchez Martínez e Juan Sáez Carreras. Um curso, segundo os mestres, desenhado para pensar, praticar o pensamento, construir pensamento, inovar e renovar. No paper de introdução os mestres escreveram: Un curso en el que atreverse a pensar la intergeneracionalidad es una condición primera para poder hablar de profesionalización del trabajo intergeneracional. En consecuencia, nos percibimos como incitadores del pensamiento -del vuestro y del nuestro-, acompañantes del proceso y, por supuesto, facilitadores de los posibles aprendizajes…

(7)

Un curso en el que los tradicionales roles de profesores y de alumnos se transforman en los de miembros de una comunidad de aprendizaje. En consecuencia, vislumbramos un curso en el que, como comunidad, vamos a poner en común nuestros conocimientos y aprendizajes. Vamos a poner en común nuestras experiencias de vida, las pasadas, las presentes y las futuras. ¡Traigamos al curso todo aquello que pueda mejorar nuestra capacidad de aprender conjuntamente! En este sentido, las experiencias personales, la letra de una canción, unos versos, las imágenes de una película, la fragancia de un espacio, el tacto de un objeto, un recuerdo,... son tan relevantes como lo escrito en un artículo o en un libro. Para pensar lo evidente –la intergeneracionalidad- necesitamos una mirada nueva.

Tudo começa pelo encontro. Um grupo composto de dez pessoas (oito brasileiros e dois espanhóis) foi introduzido à cultura de relações, marco para uma prática relacional como “são as relações intergeracionais realizadas em situações plenas de imanências e contingências”. Como lembra o poema de Ángel González, Muerto en el olvido:

Yo sé que existo porque tú me imaginas Soy alto porque tú me crees alto, y limpio porque tú me miras con buenos ojos, con mirada limpia. Tu pensamiento me hace

inteligente, y en tu sencilla ternura, yo soy también sencillo y bondadoso.

Pero si tú me olvidas

quedaré muerto sin que nadie lo sepa. Verán viva

mi carne, pero será otro hombre

– oscuro, torpe, malo- el que la habita...

O que significam as relações intergeracionais? Aprendemos que são transmissão e intercâmbio de capital social na solidariedade; transmissão de habilidades úteis para a vida; transmissão de valores, códigos morais e normas sociais; reprodução e transmissão da cultura, da história e da identidade; prevenção e redução dos prejuízos e da discriminação em torno da idade; formação e preservação da solidariedade intergeracional em nível social básico para manter o contrato intergeracional; e manter a transmissão e os intercâmbios de conhecimento e valores entre gerações. Mas com que método podemos alçar voo?

(8)

Da cultura do sujeito a uma cultura das relações

Como sair da lógica da cultura ocidental apoiada na perspectiva causal e disjuntiva para um pensamento que seja lateral? Que se mova pela lógica da paixão, da prática, da ação? Em Granada, aprendemos que a partir das práticas surgem as experiências e singularidades. E a prática é processo de relação. A teoria, então, é a prática de se pensar. A prática é fazer ação, que permite pensar o encontro, a intersubjetividade. A prática é a ciência da realidade, sendo o território o lugar das relações, do conflito, da paixão.

Apresento a seguir síntese da proposta do professor Juan Sáez Carreras a fim de se ir da lógica ocidental, hegemônica e individualista, à outra lógica, relacional. Não se trata de oposição, mas movimento para se trabalhar as relações intergeracionais.

DE PARA

Objetivo. Metodologia, justificativas, estratégias, resultados.

Potencializar a intergeracionalidade Intenção, percurso, diálogo, processo, temporalidade.

Lógica disciplinar

Orientada para o conhecimento científico fragmentado. Quem são os idosos, os menores? As crianças? Lógica do sujeito, da identidade, do indivíduo, das classificações. A cultura do eu.

Lógica profissional

Orientada para a ação. O que fazem os diversos implicados nas relações intergeracionais? Lógica do predicado. Lógica de processos. A cultura do “nós”. O profissional não pode ser espectador das relações. A cultura do múltiplo. Na relação nos destituímos dos sujeitos para a construção de outro.

Uma caixa de ferramentas “Imperativa” e “especulativa”,

carregada de teorias para remeter à generalidade (abstrações

metafísicas).

Uma caixa de ferramentas Que remetem a “contingências” e “situações” (não a categorias nem a problemas).

Teologias finalísticas

Acabar com greves, superar a velhice, resolver a inclusão, construir tecido social, melhorar o meio ambiente.

Metas contingentes

Imanente, micro, molecular, “obtidas no processo”. Trabalhar com as pessoas que estão em greve, se encontram em situação de

marginalidade, gozar as relações, promover o encontro entre gerações,

(9)

promover o diálogo sem conteúdos próprios.

Da explicação e prescrição de saberes e informações de índole manualística. Livros/revisão de literatura.

À construção coletiva de conhecimentos

Criação de um espaço em que se possa pensar alternativas. Gerador de contextos. O ser humano como criador de conceitos, preceitos, afetos.

Da cultura do sujeito

Não é só singular: liberamos o eu (eu posso, eu faço). Estamos muito limitados em uma gramática do ser e não nas relações. A tirania da

gramática: ser-dever, e da moral.

À uma cultura das relações Natureza ontológica do “com” e o “entre”. Maneira de ser e estar no mundo. Somos diferentes e vamos nos diferenciando dos outros. A vida é o predicado, não diz nada do sujeito, mas da vida. Eu sou minhas

circunstâncias. O predicado é a

relação. Nossa biografia está cheia de processos e não de sujeitos.

Do fervor metodológico Metodolatria

Nos séculos 16, 17 e 18 sucederam-se o desucederam-senvolvimento da ciência e os intentos de sua teorização. Copérnico, Kepler e Galileu instauraram um método experimental, e Bacon o teorizou. Acrescentou-se a filosofia mecanicista de Descartes,

considerada a primeira das correntes filosóficas da modernidade. A crença acrítica da existência de tal método representa uma espécie de

metodolatria, hoje objeto de pesadas críticas (Bunge, 1985). O poder

baseado no saber, tornando legítimo o exercício da autoridade intelectual. Na lógica racional vigente, os

conhecimentos válidos e verdadeiros sobre a realidade são procedentes da razão e não dos sentidos e da

experiência.

À tomada de posição

A intergeracionalidade não é questão de método, mas de diálogo, desejo e posição. A educação é um recurso e não meta/objetivo. A educação é tomada de decisão, de desejo de educar.

Trata-se de inventar, se inspirar segundo situações e não modelos.

Do conhecimento como objetivo e meta, em que se acredita controlar o futuro.

A mostrar o mundo por meio das relações, porque na relação nos destituímos dos sujeitos para a construção de outro.

Da utilização de categorias como fundamento dos projetos de

intervenção (idade, exclusão, velhice). Isso implica determinar o projeto a

À projetos (mapas/territórios) que partem das situações contingentes e relacionais que assumem a

(10)

partir do critério idade que classifica. Da excessiva ênfase no desenho de projetos. Preocupação com as

formas e não com as relações.

À abordagem de práticas e promoção de experiências

intergeracionais. Foco nas relações. Promoção de práticas e experiências. Que as práticas promovam

experiências. De um tempo institucional e

regulado (linear, standard), reflexo de preceitos e normatividades. Acima das situações de quem vive as relações.

A dar prioridade aos tempos dos sujeitos (para “ver e observar,

compreender e concluir”). A proposta é perder tempo, senão nos tornamos empresários.

De uma concepção do espaço da relação, rígido e estruturado.

À uma concepção do espaço que promova possibilidades de

encontros simétricos e

rizomáticos*. A dinâmica do rizoma é resistir, infectar e vitalizar o instituído, no agora da vida. Os saberes tornam-se sabores. Não mudam a realidade finita dos homens, mas atribuem ao “incompreensível” uma realidade artística, criadora, isenta do imaginário divino, do juízo, da verdade, da

punição e do castigo. Um conversar “com” no lugar de um falar “sobre”. Trata-se de nutrir o bom encontro (movimentos, ideias, acontecimentos), marcado pelo desejo ético e estético de criação. O trabalho rizomático é ação colateral.

*O rizoma é um mapa a ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga (Deleuze e Guattari, 2000).

Da pessoa mais velha como

explicadora, que diz “como” se deve fazer as coisas, o que dizer e como se deve pensar.

Ao facilitador e mediador de

processos, que promove o desejo e o “pensar” do grupo, de jovens, crianças e idosos.

Da pessoa, seja qual for a idade, como sujeito individual, centrado no eu, positivista.

Ao coletivo intergeracional como grupo de trabalho “encarnado” das relações, palavras e experiências. E experiência não se fabrica.

De um conteúdo previamente fixado, disciplinar, predominante.

Aos procedimentos dialógicos para pensar, debater, nomear e escrever as práticas. Não podemos ter medo de dar nomes.

(11)

Do programa intergeracional O programa – oposto ao rizoma – impõe a todos a obediência às setas e indicações.

À situação relacional na qual se abordam os problemas, as questões que o coletivo vai livremente

abordando em um projeto que, diferentemente do programa, experimenta, desconfia. De padronizar as perguntas e as

respostas, pois boa parte do que somos e boa parte do que poderemos ser têm sido fabricadas fora de nós.

A dar a palavra ao sujeito para que ele ressignifique a ação. É indigno decidir pelos outros. Foucault diz que é uma obscenidade decidir pelo outro. Na relação, cada um tem que

ressignificar a partir da experiência. Gestor de projetos, como espectador

das relações.

Profissionais das relações Despertar o sentido das relações intergeracionais em um mundo individualizado. “Não busco a

autoajuda, eu quero que me ajudem a relacionar”. Em nós é que nos

construímos. Fazemo-nos sendo nós. Que tal começar a praticar esse movimento dentro de sala de aula? Dentro dos grupos de pesquisa? Nas organizações não governamentais? Dentro das instituições privadas e públicas? Em casa? Com os amigos? A pensar coletivamente a situação relacional ao longo de nossa existência e os problemas dela decorrentes, uma situação interdependente e encarnada de relações, palavras e experiências?

Que tal começar por nutrir o bom encontro com a vida, com o envelhecer, com o outro, a partir da perspectiva da cultura das relações?

O convite está feito!

Data de recebimento: 08/11/2012; Data de aceite: 20/11/2012.

Referências

Bunge, M. (1985). Racionalidad y realismo. Madrid: Alianza.

Freire, P. (2001). Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez/IPF. Sáez, J. y Garcia, J. (en prensa). Pensar sin barandillas. Valencia: Nau Llibres. (Bunge, 1985)

Deleuze, G. Guatarri, F. (2000). Mil platôs (volume I). São Paulo: editora 34. _______________________

Beltrina Côrte – Jornalista, com doutorado e pos.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Docente da PUC-SP, coordenadora do curso de Especialização em Gerontologia (COGEAE/PUC-SP) e editora de conteúdos do Portal do Envelhecimento. E-mail: beltrina@pucsp.br

Referências

Documentos relacionados

É perceptível, desta forma, o constante aumento do aprofundamento dos personagens: os “príncipes” têm agora não só nome e falas, mas personalidades bem desenvolvidas,

Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: (i) ar- tigos publicados até o final de 2017; (ii) artigos que apresen- tem uma aplicação da Avaliação do Ciclo de Vida e utilizem

Uma maneira viável para compreender uma reação química é através da conservação das massas, isso porque numa abordagem mais ampla, como demonstra no livro

Mesmo com suas ativas participações na luta política, as mulheres militantes carregavam consigo o signo do preconceito existente para com elas por parte não somente dos militares,

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

32 bit endereço IP de origem versão do protocolo IP tamanho do header (bytes) número máximo de saltos (decrementado em cada roteador) para fragmentação/ remontagem tamanho total

O fabricante não vai aceitar nenhuma reclamação dos danos causados pela não observação deste manual ou por qualquer mudança não autorizada no aparelho.. Favor considerar

As questões das decisões tomadas pelo doente gravitam, pois, à volta do seu consentimento com prévia informação e esclarecimento o que, se é determinante para