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Frações (parte I)

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Academic year: 2021

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Frac

¸ ˜

oes (Parte I)

Carlos Pereira dos Santos, Ricardo Cunha Teixeira

Centro de An´alise Funcional, Estruturas Lineares e Aplica¸c˜oes da Universidade de Lisboa N´ucleo Interdisciplinar da Crian¸ca e do Adolescente da Universidade dos A¸cores

cmfsantos@fc.ul.pt, ricardo.ec.teixeira@uac.pt

Resumo: A tem´atica das fra¸c˜oes ´e provavelmente o assunto mais delicado no que diz respeito ao ensino da matem´atica inicial. Por terem m´ultiplas aplica¸c˜oes, contextos e sentidos, as fra¸c˜oes pedem um ensino altamente especializado e es-merado. H´a que modelar de forma cuidadosa o conceito de fra¸c˜ao, fasear e or-denar os n´os conceptuais ao longo dos anos e dosear o car´ater abstrato/concreto dos exemplos e atividades. Muito se testou, teorizou e escreveu sobre esta tem´atica. Este trabalho consiste num resumo alargado sobre o ensino das fra¸c˜oes, documentado em literatura especializada e ilustrado atrav´es de exemplos concre-tos retirados de manuais do Singapore Math, um dos mais cotados m´etodos de ensino do mundo.

Palavras-chave: D´ızimas, escalas, fra¸c˜oes, fra¸c˜oes equivalentes, numerais mis-tos, n´umeros racionais, opera¸c˜oes aritm´eticas, percentagens, propor¸c˜oes, raz˜oes, regra de trˆes simples, resolu¸c˜ao de problemas, Singapore Math.

1

Introdu¸

ao

Em [1], o matem´atico israelita Ron Aharoni cita um texto do s´ec.xv para argu-mentar que as fra¸c˜oes j´a foram mat´eria do ensino superior. Independentemente da discuss˜ao hist´orica sobre o assunto, o autor quis passar a mensagem de que a tem´atica das fra¸c˜oes ´e consideravelmente sofisticada. De facto, esta tem´atica constitui um dos assuntos mais melindrosos no que diz respeito ao ensino da matem´atica inicial. Uma das raz˜oes para tal ´e a necessidade constante de con-textualiza¸c˜ao. Quando dizemos 2

3, estamos frequentemente a mencionar duas

ter¸cas partes de alguma coisa. Basta que numa mesma frase se mencionem duas fra¸c˜oes relativas a todos diferentes para se lan¸car o caos: “23 de quˆe?”, “57 de quˆe?”. Quando dizemos “a rela¸c˜ao ´e de 2 para 3”, estamos novamente a relacionar grandezas, n˜ao sendo poss´ıvel perceber quais s˜ao se dissermos ape-nas 23. As fra¸c˜oes s˜ao abstratas, sendo relativas a algo.

(3)

Outro problema que as fra¸c˜oes levantam diz respeito `a ´algebra que envolvem. Pensemos nos n´umeros naturais N = {1, 2, 3, . . .}. Se adicionarmos dois n´umeros naturais, obtemos novamente um n´umero natural. No entanto, se quisermos fa-zer uma compra de 100 euros e s´o tivermos 80, podemos propor pagar com o que temos e ficar a dever. Como 80 − 100 = −20, utilizamos os n´umeros negativos para exprimir essa d´ıvida. Foi necess´ario estender o conjunto dos naturais. Pas-samos a lidar com os n´umeros inteiros Z = {. . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . .}, pelo que temos de aprender a operar com eles (e.g., adicionar, subtrair, multiplicar e dividir). Imaginemos, agora, que temos um bolo e queremos dividi-lo igual-mente com um amigo. Os n´umeros inteiros j´a n˜ao chegam. A melhor forma de descrever o que cada um recebe recebe ´e dizer “meio bolo”, ou seja, 12 bolo. E, mais uma vez, tendo sido feita nova extens˜ao, precisamos de saber operar com estes objetos a que chamamos fra¸c˜oes. ´E um p´essimo sintoma vermos os jovens a transformar o elegante objeto 1

2, a melhor forma de referir metade,

em 0, 5. Isto porque 0, 5 ´e apenas mais uma forma de referir cinco d´ecimos, ou seja, 105. Transformou-se algo minimalista e irredut´ıvel numa representa¸c˜ao menos elegante da mesma quantidade. Este sintoma revela que o jovem n˜ao est´a `a vontade com as fra¸c˜oes, tendo tendˆencia para pensar em termos de repre-senta¸c˜oes decimais. Na maioria dos casos, n˜ao ´e esse o procedimento certeiro. N˜ao devemos fugir da ´algebra que as fra¸c˜oes envolvem, mas sim aprendˆe-la. E a nossa cultura matem´atica aumenta de forma muito vincada ao fazer isso.

Segundo David Sousa, autor do livro How the brain learns Mathematics [14], estudos realizados no ˆambito das Neurociˆencias Cognitivas tˆem revelado resul-tados intrigantes, que apontam para a existˆencia de uma reta num´erica mental que nos ajuda a comparar n´umeros, sendo que a rapidez com que comparamos dois n´umeros depende n˜ao s´o da distˆancia entre eles como tamb´em da sua ordem de grandeza (ver Figura 1). ´E, portanto, mais r´apido decidir que 73 > 34 do que 73 > 72 e que 3 > 2 do que 73 > 72.

Figura 1: Reta num´erica mental.

Qual a importˆancia desta descoberta? Percebemos que a reta num´erica mental oferece uma intui¸c˜ao limitada sobre os n´umeros, estando apenas contemplados os n´umeros naturais. Este facto pode explicar a falta de intui¸c˜ao quando lidamos, por exemplo, com n´umeros negativos e com fra¸c˜oes, que n˜ao correspondem a qualquer categoria natural no nosso c´erebro. Para os compreender, ´e necess´ario construir modelos mentais adequados.

Os primeiros contactos com as fra¸c˜oes sucedem normalmente com 6 ou 7 anos de idade. A partir da´ı, o seu tratamento deve ser cuidadosamente faseado. Isto porque um dos motivos para a tem´atica ser melindrosa ´e o facto de as fra¸c˜oes encerrarem m´ultiplas utiliza¸c˜oes e contextualiza¸c˜oes. Uma pequena lista ordenada ´e a seguinte:

(4)

1. O que ´e uma fra¸c˜ao? Fra¸c˜ao como rela¸c˜ao todo-partes.

2. Representa¸c˜oes distintas da mesma quantidade. Fra¸c˜oes equivalentes. 3. Mesma natureza e mesmo denominador. Adi¸c˜ao e subtra¸c˜ao de fra¸c˜oes. 4. Fra¸c˜ao como multiplicador e multiplicando. O que ´e a multiplica¸c˜ao de fra¸c˜oes? 5. Medir e repartir. No¸c˜ao de inverso e divis˜ao de fra¸c˜oes.

6. Quantas unidades h´a numa fra¸c˜ao? Numera¸c˜ao mista.

7. Como se relacionam as fra¸c˜oes com o sistema de numera¸c˜ao decimal? 8. Relacionar dois valores de uma mesma grandeza. Fra¸c˜ao como raz˜ao. 9. Fra¸c˜ao para relacionar grandezas diferentes.

10. Igualdade de rela¸c˜oes. Fra¸c˜oes ao servi¸co das propor¸c˜oes e regra de trˆes simples. 11. Como se relacionam as fra¸c˜oes com as percentagens?

12. Como se relacionam as fra¸c˜oes com as escalas? 13. Resolu¸c˜ao de problemas envolvendo fra¸c˜oes.

Discutiremos os diferentes t´opicos desta lista em dois textos separados. No entanto, estes conte´udos devem ser encarados de forma sequencial e articulada. Uma boa revis˜ao da literatura sobre o tema das fra¸c˜oes pode ser encontrada em [4].

2

O que ´

e uma fra¸

ao?

Fra¸

ao como rela¸

ao todo-partes

Tal como a generalidade das representa¸c˜oes num´ericas, as fra¸c˜oes tˆem m´ultiplos sentidos e aplica¸c˜oes. No entanto, a sua utiliza¸c˜ao para indicar um certo n´umero de partes iguais, provenientes da divis˜ao de um dado todo, deve ser o primeiro sentido a ser abordado. A no¸c˜ao de todo ou unidade1 ´e central para uma boa compreens˜ao do conceito de fra¸c˜ao e traz, a si associada, a ideia fundamental de representa¸c˜ao ([3] constitui uma boa referˆencia complementar). A primeira mensagem sobre fra¸c˜oes a transmitir a uma crian¸ca est´a ilustrada na Figura 2.

Figura 2: O que ´e uma fra¸c˜ao? [8]

1Ao contr´ario de outros autores, optamos prioritariamente por “todo” em vez de “unidade”

para podermos utilizar o termo “unidade” noutros contextos. Por exemplo, 45 representa uma quantidade expressa em quintos. O “quinto”, por si s´o, pode ser encarado como sendo a unidade em que a fra¸c˜ao est´a expressa.

(5)

Uma fra¸c˜ao interpretada no sentido da rela¸c˜ao todo-partes encerra em si duas informa¸c˜oes:

 Em quantas partes iguais ´e dividido o todo (denominador);

 Quantas dessas partes constituem a quantidade em causa (numerador).

O n´umero de partes iguais em que o todo ´e dividido traduz a natureza da unidade em que a fra¸c˜ao ´e expressa: podem ser meios, podem ser ter¸cos, podem ser quartos, etc. Na medida em que ´e algo qualitativo, precisa de ser denominado (meios, ter¸cos, . . . ). Da´ı o nome “denominador” – denomina uma natureza. Por outro lado, ao estipularmos a quantidade de meios, ter¸cos, . . . , estamos perante um ju´ızo quantitativo. Da´ı o “numerador” indicar quantas partes temos. Esta mensagem deve ser transmitida `as crian¸cas da forma mais eficaz poss´ıvel. Os pap´eis do numerador e do denominador devem ser desvendados atrav´es de frases simples como, por exemplo, a que se segue:

“25 s˜ao2de5partes iguais que formam o todo.”

Numa frase como esta est´a tudo dito. Em quantas partes iguais se divide o todo? Cinco. Quantas dessas partes temos? Duas. Eis o denominador e o numerador.

Neste processo inicial, h´a um conceito importante a ser desmistificado: a forma do todo ou das partes n˜ao ´e relevante. O que ´e relevante ´e haver um todo e este ser dividido em partes iguais. Por isso, ´e importante explorar o tema segundo m´ultiplas perspetivas. Na Figura 3 temos dois todos diferentes: um deles ´e uma pizza, o outro ´e um quadrado. N˜ao ´e por essa diferen¸ca que 12 deixa de estar representado em ambos os exemplos. Nas duas situa¸c˜oes apresentadas, quer a pizza como o quadrado foram divididos em duas partes iguais.

Figura 3: Todos diferentes [8].

Na Figura 4 temos dois exemplos relativos a um todo idˆentico (um quadrado). Em ambos est´a representado 14, mas com formas diferentes. Facilmente se intui que n˜ao ´e a forma das partes que interessa. S˜ao quatro partes, s˜ao iguais e juntas formam o todo; isso sim, interessa.

(6)

Figura 4: Partes diferentes [8].

Estas ideias sobre numerador e denominador s˜ao simples, mas n˜ao deixam de ser fundamentais. Deve haver alguma pr´atica associada, tal como se ilustra na Figura 5.

Figura 5: Exemplos variados [8].

Tamb´em s˜ao aconselh´aveis alguns exerc´ıcios que obriguem as crian¸cas a pensar se as partes s˜ao ou n˜ao s˜ao iguais. Por exemplo, relativamente `a al´ınea (a) da Figura 6, a crian¸ca dever´a responder “O todo foi dividido em duas partes, mas as partes n˜ao s˜ao iguais. A zona azul ´e muito menor do que a branca, pelo que n˜ao corresponde a 12.”.

(7)

Figura 6: Partes iguais ou desiguais? [8]

´

E de real¸car tamb´em a importˆancia de se explorar o tema das fra¸c˜oes seguindo a abordagem Concreto>Pict´orico>Abstrato (CPA), que remonta aos trabalhos do psic´ologo americano Jerome Bruner [5]. Nos primeiros anos de escolari-dade, todos os temas devem ser introduzidos partindo do concreto. Nesse sen-tido, ´e importante utilizar objetos do dia a dia ou fotografias desses objetos (e.g., pizzas, bolos, tabletes de chocolate, . . . ). A utiliza¸c˜ao de materiais ma-nipul´aveis tamb´em ´e recomend´avel, desde as barras Cuisenaire (Figura 7) aos blocos padr˜ao (Figura 8), passando por simples legos (Figura 9).

Figura 7: Explorar as fra¸c˜oes com as barras Cuisenaire [11].

Figura 8: Explorar as fra¸c˜oes com os blocos padr˜ao [6].

O aluno deve perceber que a matem´atica pode ser usada para interagir com o meio que o rodeia e para resolver problemas da vida real. Por seu turno, os

(8)

Figura 9: Explorar as fra¸c˜oes com legos [12, 16].

exemplos pict´oricos constituem representa¸c˜oes de materiais concretos que aju-dam os alunos a visualizarem conceitos matem´aticos (e.g., um c´ırculo dividido em partes iguais, um retˆangulo dividido em partes iguais, . . . ). J´a no ˆambito do abstrato, o trabalho formal com os s´ımbolos permite mostrar aos alunos que existe uma maneira mais r´apida e eficaz de representar um determinado conceito (e.g., 12, 34, . . . ). O significado de cada s´ımbolo deve estar firmemente enraizado em experiˆencias com objetos reais. A passagem do concreto ao abstrato pode ser consideravelmente delicada para a crian¸ca. Trata-se de todo um caminho a ser percorrido de forma faseada, passo a passo.

Como j´a exemplificamos, as partes que comp˜oem o todo n˜ao tˆem que ser obri-gatoriamente sectores circulares de um c´ırculo. Mas podemos ir mais longe de modo a trabalhar o tema das fra¸c˜oes segundo m´ultiplas perspetivas. David Sousa [14] apresenta um exemplo que n˜ao se baseia nos tradicionais modelos geom´etricos. A ideia passa por propor uma ca¸ca ao tesouro, que se baseia na descoberta de palavras-chave que conduzem ao tesouro. Por exemplo, supondo que o tesouro est´a escondido perto da cadeira do professor, a palavra cadeira pode ser descoberta ao resolver o seguinte enigma: “Para descobrires a palavra secreta, precisas dos primeiros 24 de casa, dos primeiros 36 de deitar e dos ´

ultimos 28 de terceira”. Este exemplo tem a vantagem de tamb´em se poder trabalhar a divis˜ao sil´abica.

Nesta fase inicial de aprendizagem, duas ideias adicionais podem ser tratadas: compara¸c˜oes simples e o ato de completar o todo. Uma das compara¸c˜oes sim-ples ´e bastante direta, dizendo respeito a naturezas idˆenticas. O que ´e maior

4 7 ou

3

7? Estando ambas as fra¸c˜oes expressas na mesma natureza (s´etimos),

evidentemente que quatro ´e maior do que trˆes. A compara¸c˜ao simples mais interessante n˜ao ´e t˜ao direta e est´a expressa na Figura 10.

(9)

Figura 10: Compara¸c˜oes [8].

Neste caso, a natureza ´e distinta (no exemplo, um quarto e um quinto). E a compara¸c˜ao pode parecer paradoxal a uma crian¸ca, uma vez que 5 ´e maior do que 4, mas 1

5 ´e menor do que 1

4. Com uma situa¸c˜ao concreta, o conceito pode

ser clarificado: “Tendo dois bolos iguais, um para ser dividido igualmente por quatro amigos e o outro para ser dividido igualmente por cinco amigos, em qual dos grupos se come mais, no primeiro ou no segundo?” Para captar a aten¸c˜ao da crian¸ca para uma determinada tarefa matem´atica deve-se procurar uma liga¸c˜ao emocional com o tema a explorar. N˜ao s´o conseguimos captar a sua aten¸c˜ao como tamb´em estimulamos a crian¸ca a aplicar a matem´atica em situa¸c˜oes con-cretas do dia a dia. As abordagens “Hoje vamos estudar fra¸c˜oes.” e “Vamos dividir esta pizza! Preferem 14 ou 15 da pizza?” s˜ao completamente distintas. Segundo David Sousa [14], se um professor n˜ao conseguir responder `a pergunta “Por que raz˜ao precisamos de saber isto?”, de uma maneira que fa¸ca sentido e tenha significado para os seus alunos, ent˜ao ter´a que repensar necessariamente aquilo que est´a a ensinar.

O ato de completar o todo tamb´em deve ser incentivado nesta primeira fase. Pense o leitor quantas vezes na vida teve um racioc´ınio do tipo “J´a tenho trˆes quartos do pretendido; ainda falta o outro quarto.”. A Figura 11 ilustra esse tipo de pensamento.

(10)

Exerc´ıcios envolvendo sombreados e pinturas podem ser propostos de forma gra-dual. Em rela¸c˜ao a cada um dos trˆes casos da Figura 12, a crian¸ca ´e convidada a descobrir que fra¸c˜ao do todo corresponde `a parte sombreada. Nestes casos, a tarefa j´a n˜ao ´e de todo evidente. Isso porque j´a n˜ao h´a uma correspondˆencia direta entre o sombreado e um n´umero de partes iguais que subdividem o todo.

Figura 12: Exerc´ıcios mais sofisticados.

Por exemplo, considerando o caso da esquerda, a chave consiste em perceber que, na coluna do meio, a zona sombreada corresponde a um quadrado, na medida em que dois quadrados s˜ao divididos em duas partes iguais. Sendo assim, se usarmos meio quadrado para dividir o retˆangulo completo em doze partes iguais, o que se tem ´e 4

12.

3

Representa¸

oes distintas da mesma quantidade.

Fra¸

oes equivalentes

Antes de tratar da ´algebra relacionada com as fra¸c˜oes (adi¸c˜ao, subtra¸c˜ao, multi-plica¸c˜ao e divis˜ao), ´e imprescind´ıvel abordar a no¸c˜ao de equivalˆencia de fra¸c˜oes ([18], para mais informa¸c˜ao). A Figura 13 ilustra o conceito.

Figura 13: Fra¸c˜oes equivalentes [9].

A dobragem da tira de papel exp˜oe um facto simples: a mesma por¸c˜ao de fita pode ser representada atrav´es de formas diferentes (12, 24, 48, . . .). A multiplici-dade de representa¸c˜oes para uma mesma quantidade baseia-se na mudan¸ca do n´umero de partes iguais em que se subdivide o todo. Observe-se a Figura 14.

(11)

`

A esquerda, um bolo tem cinco fatias: quatro com cobertura de chocolate e uma com cobertura de baunilha. Naturalmente, a fra¸c˜ao de bolo coberto com chocolate ´e 45. `A direita, est´a representado exatamente o mesmo bolo. Nesta se-gunda imagem, todas as fatias foram cortadas, ficando divididas em duas iguais. Passou a haver dez fatias em vez de cinco. Observando a imagem da direita, a fra¸c˜ao de bolo coberto com chocolate ´e bem descrita por 108. ´E claro que a quan-tidade de bolo coberta com chocolate ´e exatamente a mesma, consequentemente,

4 5 =

8 10.

Figura 14: Fra¸c˜oes equivalentes [2].

Analisando a situa¸c˜ao do ponto de vista alg´ebrico, a passagem de 4 5 para

8 10

obt´em-se multiplicando o numerador e o denominador da primeira fra¸c˜ao pelo mesmo valor, neste caso, 2. A multiplica¸c˜ao do denominador por 2 acontece porque passamos a ter o dobro das fatias, ou seja, o n´umero de partes iguais duplica. Por outro lado, a multiplica¸c˜ao do numerador por 2 sucede porque a quantidade de fatias cobertas com chocolate tamb´em passa a ser o dobro. Todas as fatias passam a ser mais finas exatamente da mesma maneira, em particular, as de chocolate. Pode ver-se uma ilustra¸c˜ao dinˆamica do conceito na Figura 15.

(12)

Nas primeiras aprendizagens sobre fra¸c˜oes, ´e fundamental trabalhar o tema segundo m´ultiplas perspetivas. Em particular, ´e importante diversificar a na-tureza do todo. Se estipularmos que uma moeda de 1 euro ´e o todo temos o seguinte:

- a moeda de 50 cˆentimos ´e 12 euro – s˜ao precisas 2 para obter o todo; - a moeda de 20 cˆentimos ´e 15 euro – s˜ao precisas 5 para obter o todo; - a moeda de 10 cˆentimos ´e 1

10 euro – s˜ao precisas 10 para obter o todo;

- a moeda de 5 cˆentimos ´e 201 euro – s˜ao precisas 20 para obter o todo; - a moeda de 2 cˆentimos ´e 501 euro – s˜ao precisas 50 para obter o todo; - a moeda de 1 cˆentimo ´e 1

100 euro – s˜ao precisas 100 para obter o todo.

A Figura 16 ilustra a equivalˆencia de fra¸c˜oes com recurso ao sistema monet´ario. Este tipo de exemplo ´e especialmente interessante, na medida em que uma mesma quantia pode ser organizada atrav´es de trocos de maior ou menor valor. Na realidade, ´e exatamente essa a alma do conceito: uma mesma quantidade pode ser expressa com recurso a subm´ultiplos da unidade, maiores ou menores.

Figura 16: Fra¸c˜oes equivalentes: uma ilustra¸c˜ao monet´aria.

A equivalˆencia de fra¸c˜oes corresponde `a simples divis˜ao ou multiplica¸c˜ao do nu-merador e do denominador por um mesmo n´umero diferente de zero. Devem ser propostos exerc´ıcios relacionados, tal como se mostra nas Figuras 17 e 18.

Todas as fra¸c˜oes podem ser expressas atrav´es de uma representa¸c˜ao irredut´ıvel em que o numerador e o denominador n˜ao podem ser divididos por um mesmo n´umero natural diferente de 1 (o numerador e o denominador dizem-se primos entre si ). Exemplos de fra¸c˜oes irredut´ıveis s˜ao 12, 25, 1021, etc. Fra¸c˜oes redut´ıveis como 2436 podem ser trasformadas numa fra¸c˜ao irredut´ıvel num ´unico passo di-vidindo numerador e denominador pelo maior n´umero natural poss´ıvel que o

(13)

Figura 17: Fra¸c˜oes equivalentes: amplia¸c˜ao do denominador [8].

Figura 18: Fra¸c˜oes equivalentes: redu¸c˜ao do denominador [9].

permita (diz-se m´aximo divisor comum). Como o m´aximo divisor comum de 24 e 36 ´e o 12, pode dividir-se o numerador e o denominador de 24

36 por 12,

obtendo-se a fra¸c˜ao irredut´ıvel 23.

´

E perfeitamente poss´ıvel tratar a equivalˆencia de fra¸c˜oes antes de abordar a quest˜ao das fra¸c˜oes irredut´ıveis, m´aximo divisor comum de dois n´umeros, etc. O cotad´ıssimo m´etodo de ensino da matem´atica inicial utilizado em Singapura, Singapore Math, ´e um exemplo desta abordagem. Embora tratando a tem´atica

(14)

junto de crian¸cas do terceiro ano de escolaridade (8 anos de idade) atrav´es de esquemas e exerc´ıcios como os das Figuras 17 e 18, opta por n˜ao aprofundar o assunto da irredutibilidade de fra¸c˜oes na sua globalidade logo nessa fase. No entanto, importa frisar que exerc´ıcios como

2 6 =

? 9

podem e devem ser propostos. Estes casos s˜ao mais dif´ıceis, uma vez que n˜ao h´a um factor multiplicativo inteiro que permita passar de 26 para 39 (n˜ao h´a nenhum natural que multiplicado por 6 resulte em 9). No entanto, 26 ´e igual a 13 (÷2) e 13 ´e igual a 39 (×3). Esta an´alise est´a ao alcance de crian¸cas do terceiro ano de escolaridade.

4

Mesma natureza e mesmo denominador.

Adi¸

ao e subtra¸

ao de fra¸

oes

Imagine o leitor que pergunta a uma crian¸ca de 5/6 anos “Quanto ´e trˆes gatos mais duas rosas?”. Mesmo que a resposta seja cinco, h´a claramente um problema de l´ogica. A pergunta seguinte pode ser “Cinco quˆe?”. Naturalmente que n˜ao s˜ao nem cinco gatos nem cinco rosas. Quanto muito, seriam cinco seres vivos, na medida em que tanto os gatos como as rosas s˜ao seres vivos. H´a uma esp´ecie de lei fundamental nas adi¸c˜oes e nas subtra¸c˜oes que ´e a necessidade de uma natureza comum para os objetos a contar de modo a que estas opera¸c˜oes tenham l´ogica e fa¸cam sentido. Considere-se, na Figura 19, um exemplo que pode ser trabalhado ainda no contexto da educa¸c˜ao pr´e-escolar. ´E solicitada uma hist´oria a uma crian¸ca, para ser usada ao servi¸co da aprendizagem da adi¸c˜ao. Algo do tipo: “Estavam 7 formigas a comer um queijo. Chegaram mais 2 formigas. No final, ficaram 9 formigas a comer o queijo”. Repare-se que os trˆes n´umeros da igualdade 7 + 2 = 9, o 7, o 2 e o 9, correspondem a quantidades de formigas. Tudo s˜ao formigas, a natureza comum dos objetos neste exemplo ´e evidente.

Figura 19: Uma adi¸c˜ao simples.

Considere-se, agora, a Figura 20. ´E solicitada `a crian¸ca uma frase que asso-cie a imagem `a igualdade 2 + 3 =? (a utiliza¸c˜ao de exerc´ıcios figura+express˜ao matem´atica, envolvendo uma figura e uma express˜ao matem´atica ´e uma ima-gem de marca do Singapore Math). Neste exemplo, a crian¸ca tem de

(15)

combi-nar os objetos. Ou seja, ´e deixada `a crian¸ca a tarefa de encontrar uma na-tureza comum para os objetos a contar de modo a que a frase tenha l´ogica. Neste exemplo, a escolha pode recair sobre o facto de ambos serem frutos: “Temos 2 ma¸c˜as e 3 laranjas. Quantos frutos temos no total?”. Debates sobre a natureza comum que os objetos devem ter de modo a que as adi¸c˜oes e sub-tra¸c˜oes fa¸cam sentido s˜ao um daqueles pormenores importantes no ˆambito das boas pr´aticas did´aticas. Isto porque o assunto ´e a alma da adi¸c˜ao e subtra¸c˜ao de fra¸c˜oes, do famoso “v´ırgula debaixo de v´ırgula”, da manipula¸c˜ao alg´ebrica de express˜oes com inc´ognitas, entre outros exemplos. ´E algo absolutamente basilar para uma boa evolu¸c˜ao do conhecimento matem´atico.

Figura 20: Combinar diferentes objetos.

Imagine que tem no bolso meio euro juntamente com vinte cˆentimos. ´E pr´atica intuitiva das pessoas pensar em cˆentimos: “Tenho setenta cˆentimos”. A raz˜ao para tal corresponde `a necessidade da procura por uma natureza comum: pri-meiro estipula-se uma natureza comum, que estabelece a unidade em que se efetua a adi¸c˜ao e, em seguida, pensa-se na quantia tendo em conta essa unidade. Repare-se que tamb´em se podia pensar na quantia como sendo sete d´ecimos de euro. Este pensamento s´o n˜ao acontece na pr´atica porque estamos habituados a pensar nos d´ecimos de euro como sendo moedas de dez cˆentimos, ou seja, pensamos num d´ecimo em cent´esimos. Este pensamento traduz-se no c´alculo:

Meio euro + vinte cent´esimos de euro = 1 2e + 20 100e = 50 100e + 20 100e = 70 100e. A determina¸c˜ao de um denominador comum corresponde muito simplesmente a encontrar uma natureza comum para os termos em causa na adi¸c˜ao ou na subtra¸c˜ao (no exemplo dado foram os cent´esimos).

A Figura 21 ilustra uma primeira abordagem `a adi¸c˜ao de fra¸c˜oes junto de crian¸cas do 4.◦ano de escolaridade. Ainda n˜ao h´a uma sistematiza¸c˜ao quanto ao processo para a determina¸c˜ao do denominador comum, mas sim uma explica¸c˜ao sobre a necessidade dessa pr´atica. O professor dever´a dizer frases como “Va-mos colocar tudo em quartos para poder“Va-mos adicionar. Um meio corresponde a quantos quartos?”.

(16)
(17)

A Figura 22 constitui um exemplo do mesmo tipo quanto `a subtra¸c˜ao.

(18)

Levanta-se a quest˜ao de como determinar o denominador comum de forma ex-pedita. Por exemplo, considere o c´alculo 38+16. H´a um mecanismo simples que consiste em considerar uma fra¸c˜ao equivalente a cada parcela da soma, utilizando como factor multiplicativo o denominador da outra parcela. Isso far´a aparecer um denominador comum igual ao produto dos denominadores originais (neste caso, 48).

Frequentemente, este m´etodo n˜ao d´a origem ao menor denominador comum poss´ıvel. Uma vez que o m´ınimo m´ultiplo comum de 8 e 6 ´e 24, a dita soma pode ser feita com recurso a esse denominador. ´E claro que 2648 e 1324 s˜ao equivalentes.

Tal como no caso da equivalˆencia de fra¸c˜oes, a tem´atica da adi¸c˜ao e subtra¸c˜ao de fra¸c˜oes com denominadores diferentes pode ser tratada junto de crian¸cas a partir do 4.◦ ano de escolaridade (9 anos de idade) atrav´es de esquemas, sem

aprofundar totalmente o assunto relativo ao m´ınimo m´ultiplo comum de dois n´umeros (mais uma vez, o Singapore Math ´e um exemplo dessa abordagem). No entanto, qualquer que seja o m´etodo, a no¸c˜ao de equivalˆencia de fra¸c˜oes deve vir antes das opera¸c˜oes, uma vez que a determina¸c˜ao da natureza comum recorre ao conceito de equivalˆencia.

Sendo esta uma fase de aprendizagem que j´a n˜ao ´e a inicial, conv´em referir que h´a v´arios modelos relativos a fra¸c˜oes e n˜ao apenas os pict´oricos cont´ınuos que costumam ser utilizados na fase inicial. Em [4], encontra-se um resumo de uma classifica¸c˜ao desses modelos. Na Figura 23, apresentam-se quatro:

(a) modelo cont´ınuo (o todo ´e um ´unico retˆangulo);

(b) modelo discreto (o todo ´e um conjunto de doze laranjas);

(c) modelo linear (caso particular de um modelo cont´ınuo proposto com fre-quˆencia no curr´ıculo portuguˆes e fortemente defendido por Hung-Hsi Wu, matem´atico da Universidade da Calif´ornia, especialista na tem´atica [19]); (d) modelo discreto com componente mista (o todo ´e um conjunto de seis

(19)

Figura 23: Modelos de representa¸c˜ao das fra¸c˜oes.

Um exemplo dinˆamico de uma adi¸c˜ao, esquematizado atrav´es de um modelo cont´ınuo (retirado de [15]), ´e apresentado na Figura 24.

(20)

Figura 24: Adi¸c˜ao de fra¸c˜oes: uma ilustra¸c˜ao dinˆamica.

Esta aprendizagem esquem´atica sobre adi¸c˜oes e subtra¸c˜oes ´e fundamental para alicer¸car uma boa compreens˜ao. A Figura 25 mostra uma boa atividade reali-zada por um aluno (retirado de [17]).

(21)

5

Fra¸

ao como multiplicador e multiplicando.

O que ´

e a multiplica¸

ao de fra¸

oes?

Na capa de um livro sobre tabuadas da multiplica¸c˜ao, que preferimos deixar sob anonimato, apareceu a interessant´ıssima imagem exposta na Figura 26.

Figura 26: Tudo o que n˜ao deve ser feito.

O interesse do exemplo est´a no facto de mostrar tudo o que n˜ao se deve fazer. Se Jerome Bruner [5], um dos pais do construtivismo, defensor de um esmerado cuidado com a passagem do concreto ao abstrato (abordagem CPA), visse um exemplo destes, soltaria certamente esgares de horror! A imagem, ao utilizar morangos para dar um exemplo para concretizar a igualdade 2 × 2 = 4, vai contra o conceito mais fundamental da multiplica¸c˜ao no sentido aditivo.

Nas aplica¸c˜oes pr´aticas da multiplica¸c˜ao no sentido aditivo, ao contr´ario do que se passa com as adi¸c˜oes e subtra¸c˜oes, os fatores n˜ao tˆem a mesma natureza: um desempenha o papel de multiplicador e o outro de multiplicando.

As magn´ıficas imagens expostas na Figura 27 constituem um bom exemplo.

(22)

Esta atividade, do tipo figura+express˜ao matem´atica, constitui um excelente exemplo do que se deve fazer. Olhando para as abelhas, a crian¸ca tem de en-contrar sentido para a igualdade 4 × 6 = 24. Trata-se de contar as patas: h´a quatro repeti¸c˜oes (quatro abelhas) de conjuntos de seis patas (cada abelha tem seis patas). No total, h´a 4 × 6 patas = 24 patas. Observe-se que dos trˆes n´umeros que comp˜oem a igualdade (4, 6, 24), apenas o 6 e o 24 s˜ao patas. O 4 n˜ao ´e uma quantidade de patas, mas sim o n´umero de repeti¸c˜oes. O 4 tem um papel operador, sendo denominado de multiplicador. Da mesma forma que um explicador ministra a sua explica¸c˜ao ao explicando, que uma m´aquina replicadora atua sobre o ente replicado e que uma fotocopiadora copia o mate-rial a ser fotocopiado, tamb´em o multiplicador indica quantas vezes se repete o multiplicando. O primeiro tem informa¸c˜ao sobre o n´umero de repeti¸c˜oes e o segundo, o seu alvo, constitui o material a ser repetido. Por isso, ´e completa-mente errado escrever 4 patas × 6 patas = 24 patas. Isto parece um detalhe, mas ´e absolutamente fundamental para uma boa compreens˜ao do que se segue.

Na Figura 28, apresenta-se um exemplo medi´atico, que circulou recentemente nas redes sociais. Face ao que se vˆe na imagem, houve muita contesta¸c˜ao por esse mundo fora, uma vez que a professora queria que o aluno respondesse 3 + 3 + 3 + 3 + 3 e n˜ao 5 + 5 + 5. Por esse motivo, puniu a resposta da crian¸ca. A “zanga” atingiu n´ıveis consider´aveis e o assunto foi discutido tanto pelo cidad˜ao comum como por especialistas. No entanto, entendemos que as cr´ıticas n˜ao foram colocadas de forma certeira. A nosso ver, a quest˜ao principal consiste no facto de o exerc´ıcio estar mal elaborado. Do ponto de vista alg´ebrico, ´e claro que 3 × 5 ´e igual a 5 × 3 (a contesta¸c˜ao veio naturalmente do facto de a multiplica¸c˜ao ser comutativa). Sendo assim, para cumprir o objetivo de convidar o aluno a diferenciar os pap´eis de multiplicador e multiplicando, faltou uma coisa fundamental: contextualizar o exerc´ıcio com uma situa¸c˜ao da vida real.

Figura 28: Um exemplo medi´atico.

A Figura 27 constitui um bom exemplo de dois exerc´ıcios bem feitos com o mesmo prop´osito. Em ambas as al´ıneas, ´e apresentada uma situa¸c˜ao concreta lado a lado com uma igualdade (envolvendo uma express˜ao num´erica com uma multiplica¸c˜ao). O aluno ´e convidado a explicar como se relaciona a abstra¸c˜ao com a concretiza¸c˜ao. Em rela¸c˜ao a estes exemplos, h´a uma clara interpreta¸c˜ao sobre o que pode ser o multiplicador; por exemplo, no caso dos sapos, h´a 4 patas repetidas 6 vezes e, por esse facto, damos o papel de multiplicador ao 6. Os pap´eis de multiplicador e multiplicando n˜ao s˜ao uma quest˜ao de lateralidade, como no caso do exemplo medi´atico. Em 6 × 4, 6 n˜ao ´e multiplicador por estar `

(23)

abstrato, n˜ao temos uma forma clara de atribuir o papel de multiplicador a um dos fatores, a n˜ao ser por interm´edio de uma conven¸c˜ao que se possa estabe-lecer. No entanto, estando perante situa¸c˜oes concretas, esse papel j´a vem da l´ogica trazida por essas situa¸c˜oes. ´E claro que, na l´ıngua portuguesa, dizemos mais vezes “Tenho 3 vezes dois bolos.” do que “Tenho dois bolos 3 vezes.”. Devido a esse facto, h´a uma tendˆencia para se dizer que o fator da esquerda ´e o multiplicador. No entanto, a raz˜ao lingu´ıstica n˜ao ´e, de todo, o conceito vital. O fundamental ´e que, nas situa¸c˜oes pr´aticas, h´a algo que se repete e, quando as traduzimos em linguagem matem´atica, h´a uma informa¸c˜ao sobre o n´umero de repeti¸c˜oes traduzida atrav´es de um n´umero. A ´unica forma de saber o que se repete e quantas vezes ´e repetido ´e partir de situa¸c˜oes da vida real. Numa express˜ao alg´ebrica abstrata, a quest˜ao n˜ao se coloca fora da nossa capacidade para definir coisas e estabelecer conven¸c˜oes (que, por sinal, ´e uma ´otima e bem sucedida capacidade humana). Perante a quest˜ao “No c´alculo 3 × 5, qual ´e o multiplicador e qual ´e o multiplicando?”, a boa resposta ´e “N˜ao sei. Qual ´e a situa¸c˜ao concreta em que se est´a a aplicar o c´alculo?”. ´E por isto que a profes-sora n˜ao devia ter punido o aluno. A origem do problema esteve, como acontece tantas vezes, numa conce¸c˜ao errada da quest˜ao a formular.

Relacionado com o tema dos pap´eis de multiplicador e multiplicando, est´a o modelo retangular da multiplica¸c˜ao. Este modelo constitui uma boa ajuda para a compreens˜ao da multiplica¸c˜ao de fra¸c˜oes. Considere-se a Figura 29.

Figura 29: Multiplica¸c˜ao no sentido aditivo: modelo retangular.

Uma das ferramentas que as crian¸cas do 1.◦ ciclo tˆem de aprender ´e a possi-bilidade de utiliza¸c˜ao da multiplica¸c˜ao no sentido aditivo para determinar o n´umero de quadradinhos arrumados numa disposi¸c˜ao retangular. N˜ao se trata de uma regra, mas sim de uma aplica¸c˜ao da multiplica¸c˜ao. H´a duas abordagens fundamentais, correspondentes a um racioc´ınio por linhas ou por colunas. Em rela¸c˜ao ao primeiro, um poss´ıvel di´alogo pode ser o seguinte: “Quantas linhas h´a?”–“Trˆes”; “Quantos quadradinhos h´a em cada linha?”–“Cinco”; “Nesse caso, h´a cinco quadradinhos que se repetem trˆes vezes, 3 × 5 quadradinhos = 15 qua-dradinhos”. Quanto ao segundo: “Quantas colunas h´a?”–“Cinco”; “Quantos quadradinhos h´a em cada coluna?”–“Trˆes”; “Nesse caso, h´a trˆes quadradinhos que se repetem cinco vezes, 5 × 3 quadradinhos = 15 quadradinhos”. No pri-meiro caso, o n´umero de repeti¸c˜oes foi associado ao n´umero de linhas, sendo este o multiplicador. No segundo, o n´umero de repeti¸c˜oes foi associado ao n´umero

(24)

de colunas, sendo este o multiplicador. Como b´onus, a situa¸c˜ao ilustra a pro-priedade comutativa da multiplica¸c˜ao.

Estamos, agora, em condi¸c˜oes de explorar a multiplica¸c˜ao envolvendo fra¸c˜oes. Tal como acontece com os n´umeros naturais, nas situa¸c˜oes pr´aticas de multi-plica¸c˜ao no sentido aditivo, os fatores desempenham pap´eis diferentes. Como ´e de esperar, uma fra¸c˜ao tanto pode desempenhar o papel de multiplicador como de multiplicando. No entanto, h´a um conceito adicional a ser compreendido.

Enquanto que, com n´umeros naturais, o multiplicador assume apenas o papel de replicador (cont´em a informa¸c˜ao sobre o n´umero de repeti¸c˜oes), com fra¸c˜oes passa a haver um novo papel que consiste em fazer “partes de”. Quando dizemos “a ter¸ca parte de ~”, estamos a falar de 13×~; quando dizemos “metade de ~”, estamos a falar de 12× ~. Mais, o multiplicador pode conter em si mesmo uma dupla informa¸c˜ao relativa a “repeti¸c˜oes” e a “partes de”. Por exemplo, quando dizemos “duas ter¸cas partes de ~”, estamos a falar de 2

3 × ~ e isso significa

que temos duas repeti¸c˜oes da ter¸ca parte de ~. Mais uma vez, o numerador quantifica e o denominador qualifica.

N˜ao se pode perceber a multiplica¸c˜ao de fra¸c˜oes sem compreender este con-ceito. Na multiplica¸c˜ao n˜ao h´a a exigˆencia de uma natureza comum, pura e simplesmente porque os fatores desempenham pap´eis diferentes ao servi¸co de uma opera¸c˜ao aritm´etica que tem um objetivo diferente do da adi¸c˜ao ou sub-tra¸c˜ao. ´E por isso que n˜ao ´e exigida a determina¸c˜ao de um denominador comum. No caso da multiplica¸c˜ao no sentido aditivo, as melhores met´aforas para o mul-tiplicador s˜ao “fotocopiadora” e “faca”. A primeira replica e a segunda parte. A mistura das duas constitui a a¸c˜ao de uma fra¸c˜ao como multiplicador. Observe-se novamente a Figura 27: os c´alculos 4 × 6 e 6 × 4 aparecem diferentemente nos exemplos das abelhas e dos sapos para mostrar 4 como multiplicador e 6 como multiplicador. No caso das fra¸c˜oes, ´e exatamente igual. Podemos ter 3 ×12 bolo (3 c´opias de metade de um bolo) ou 12 × 3 bolos (metade de uma quantidade de trˆes bolos). Em ambos os casos, o resultado ´e trˆes meios de bolo, mas as imagens s˜ao diferentes, como ´e ilustrado na Figura 30.

(25)

Para proporcionar um entendimento conceptual da multiplica¸c˜ao de fra¸c˜oes, aconselhamos a abordagem do Singapore Math que, basicamente, divide o as-sunto em trˆes casos, tratando os dois primeiros no 1.◦ ciclo e o terceiro no 2.◦ciclo. Estes casos podem ser compreendidos a dois n´ıveis (o ideal ´e alcan¸car ambos): procedimental, que consiste em saber fazer (saber executar) e concep-tual, que consiste em saber profundamente o que se faz (explicar o motivo porque se faz assim). ´E curioso constatar que, ao n´ıvel procedimental, a multiplica¸c˜ao de fra¸c˜oes ´e mais f´acil do que a adi¸c˜ao e subtra¸c˜ao mas, ao n´ıvel conceptual, ´e o contr´ario.

Caso 1: n´umero natural × frac¸˜ao

n´umero natural como multiplicador e frac¸˜ao como multiplicando

Este ´e claramente o caso mais f´acil. Corresponde a situa¸c˜oes como 4×2

3 bolo ou,

por extenso, o “qu´adruplo de dois ter¸cos de bolo”. Repare o leitor que se a ex-press˜ao fosse o “qu´adruplo de dois coelhos” ou o “qu´adruplo de dois berlindes”, as respostas autom´aticas seriam “oito coelhos” ou “oito berlindes”. ´E claro que no caso de o “qu´adruplo de dois ter¸cos de bolo” a resposta tamb´em ´e natural e ´

e “8 ter¸cos de bolo”. Ali´as, outro exemplo do mesmo tipo pode ser analisado do lado esquerdo da Figura 30. A raz˜ao de ser o caso mais f´acil consiste no facto de o denominador indicar apenas a unidade (ter¸cos de bolo) e o resto da tarefa ser quantitativa, correspondendo simplesmente `a multiplica¸c˜ao aditiva de n´umeros naturais (4 × 2). ´E claro que n ×ab~ resulta em n×ab ~, uma vez que se trata de n × a unidades em que a unidade ´e a b-´esima parte de ~. O que quer que seja ~ (e.g., bolos, coelhos, naves espaciais), basta efetuarn×ab . ´E interessant´ıssimo ve-rificar que muitas pessoas adultas transformam um c´alculo como 3 ×25 em 31×2

5.

Isso ´e um sintoma revelador de que algo j´a est´a a correr mal; significa que a pes-soa aprendeu um procedimento e j´a est´a a perder a vis˜ao conceptual do assunto.

Caso 2: frac¸˜ao × n´umero natural

frac¸˜ao como multiplicador e n´umero natural como multiplicando

Este caso j´a pede uma an´alise mais cuidada. Imagine que quatro irm˜aos recebem de heran¸ca trˆes sacos, cada um com 20 diamantes. Para dividirem igualmente a riqueza entre si, d´a jeito operar 34 × 20 diamantes. A conta 3

4× 20 ´e a que se

adapta `a situa¸c˜ao e pode ser pensada em dois passos: a quarta parte de cada saco corresponde a 5 diamantes. Como h´a 3 sacos, cada irm˜ao dever´a receber 3 × 5 diamantes= 15 diamantes. Este pensamento aponta para o procedimento seguinte:

3

4× 20 diamantes = 3× a quarta parte de vinte diamantes =

= 3 ×204 diamantes = 3 × 5 diamantes = 15 diamantes.

Acontece que h´a uma segunda forma de resolver este problema. Os irm˜aos podem abrir primeiro os sacos e juntar tudo, ou seja, o total da riqueza ´e de 3 × 20 diamantes = 60 diamantes. Em seguida, tiram o seu quinh˜ao, ou seja, a ter¸ca parte de 60 diamantes. Este segundo pensamento aponta para o procedi-mento seguinte:

3

4× 20 diamantes = a quarta parte do triplo de vinte diamantes =

= 14× 3 × 20 diamantes = 1

(26)

Basicamente, o que estamos a dizer ´e que tanto faz efetuar 3 ×204 como 3×204 . Mais uma vez, parece um pequeno pormenor, mas ´e um detalhe importante, com reflexo na an´alise das imagens e na compreens˜ao dos exemplos. A Figura 31 mostra um exemplo retirado dos manuais do Singapore Math, ilustrando o pri-meiro m´etodo. A Figura 32 ilustra o segundo m´etodo. A explora¸c˜ao destes casos ´e tratada no 4.◦ ano de escolaridade.

Figura 31: Fra¸c˜ao × n´umero natural: primeiro m´etodo.

(27)

Caso 3: frac¸˜ao × frac¸˜ao

Para abordar o caso geral, ´e importante responder primeiro a uma pergunta do g´enero “Quanto ´e um ter¸co de um quinto de bolo?”. Ou seja, “Como interpretar o c´alculo n1 × 1

m?”. Considere-se a Figura 33. Em cima, vemos 1

5 de bolo, uma

fatia cortada na vertical. Em baixo, vemos o bolo cortado na horizontal em trˆes partes iguais. Naturalmente, o quadradinho vermelho ´e um ter¸co de um quinto de bolo. Mas que parte ´e essa? A resposta ´e simples! Pelo racioc´ınio multiplicativo que vimos anteriormente, associado `a Figura 29, esse quadradinho vermelho ´e uma de 3 × 5 partes iguais que constituem o bolo. Sendo assim, um ter¸co de um quinto de bolo ´e um quinze avos de bolo, ou seja, 13×1

5 = 1 15. Em geral, 1n× 1 m= 1 n×m.

Figura 33: Um ter¸co de um quinto de bolo.

Compreendido este esquema, o caso geral da multiplica¸c˜ao de fra¸c˜oes pode ser finalmente interpretado. A Figura 34 constitui uma ilustra¸c˜ao dinˆamica.

(28)

Figura 34: Calcular 25×2

3: uma ilustra¸c˜ao dinˆamica.

Na Figura 35, retirada de um manual do 5.◦ano do Singapore Math, ano onde se trata o caso geral, utiliza-se uma tesoura como met´afora para o papel da fra¸c˜ao como multiplicador.

(29)

6

Medir e repartir.

No¸

ao de inverso e divis˜

ao de fra¸

oes

Em [13], no ˆambito de um estudo comparativo sino-americano, Liping Ma colo-cou algumas quest˜oes a professores dos primeiros anos. Uma delas foi a seguinte:

Imagine que est´a a ensinar a divis˜ao de frac¸c˜oes. Para que isto tenha algum significado para as crian¸cas, muitos professores tentam mostrar as aplica¸c˜oes da matem´atica. Por vezes tentam arranjar situa¸c˜oes da vida real ou hist´orias-problema para mostrar a aplica¸c˜ao de um conte´udo particular. Qual seria uma boa hist´oria ou um bom modelo para 74÷1

2?

Esta interessante quest˜ao originou um pobre desempenho dos professores ame-ricanos, apontando para uma certa incompreens˜ao sobre as aplica¸c˜oes das ope-ra¸c˜oes. Para melhor compreender o que se passa com a quest˜ao, olhemos nova-mente para uma representa¸c˜ao da multiplica¸c˜ao no sentido aditivo (36).

Figura 36: Vasos de flores.

Querendo formular uma quest˜ao sobre a multiplica¸c˜ao, ´e com naturalidade que surge “Tenho 8 flores em cada um dos 4 vasos. Quantas flores tenho no total?”. Trata-se de flores e a quest˜ao ´e traduzida por 4 × 8 flores = ?. Quatro ´e o multiplicador (n´umero de repeti¸c˜oes) e oito o multiplicando (um grupo de oito flores). A resposta ´e “32 flores”.

Querendo formular quest˜oes sobre a divis˜ao, h´a duas hip´oteses distintas: (a) Pode omitir-se o multiplicando, perguntando sobre ele. Esse ´e o cen´ario

da divis˜ao para repartir (divis˜ao por partilha equitativa) e uma quest˜ao natural ´e “Quero repartir igualmente 32 flores por 4 vasos. Quantas flo-res devo colocar em cada vaso?”. Ora, esta quest˜ao parte da igualdade 4×? flores = 32 flores e ´e traduzida pela divis˜ao 32 flores ÷ 4 = ?. A resposta ´e 8 flores; a natureza, que s˜ao as flores, aparece na resposta e a pergunta-chave ´e “Quanto calha a cada um?”.

(b) Pode omitir-se o multiplicador, perguntando sobre ele. Esse ´e o cen´ario da divis˜ao para medir (divis˜ao por agrupamento) e uma quest˜ao natural ´e “Com um total de 32 flores, quero fazer vasos com 8 flores. Quantos vasos consigo fazer?”. A quest˜ao parte da igualdade ? × 8 flores = 32 flores e ´

e agora traduzida pela divis˜ao 32 flores ÷ 8 flores = ?. A resposta ´e 4; a natureza, que s˜ao as flores, n˜ao aparece na resposta (n˜ao faz sentido algum responder 4 flores) e a pergunta-chave ´e “Quantas vezes cabe?”. Trata-se efetivamente de uma medi¸c˜ao; utilizando 8 flores como unidade, o que se

(30)

est´a a fazer ´e medir um total de 32 flores, tendo em conta essa unidade; 32 flores correspondem a 4 unidades. Nesta aplica¸c˜ao concreta, faz sen-tido escrever 32 flores8 flores , indicando que se pretende saber quantas vezes um grupo de 8 flores cabe num grupo de 32 flores. Na medi¸c˜ao, tal como nas adi¸c˜oes e subtra¸c˜oes, a mesma natureza ´e vital: medimos comprimentos com comprimentos, ´areas com ´areas, etc. A resposta ´e um n´umero puro2.

Repartir Medir

Pretende-se descobrir o multiplicando Pretende-se descobrir o multiplicador O resultado exprime-se na natureza

dos objetos apresentados no problema O resultado ´e um n´umero puro. (e.g., flores, ma¸c˜as, joaninhas, . . . ).

Quest˜ao t´ıpica: “Quanto calha a cada um?” Quest˜ao t´ıpica: “Quantas vezes cabe?”

A situa¸c˜ao de multiplica¸c˜ao no sentido aditivo origina duas situa¸c˜oes de divis˜ao, conforme o objetivo seja a determina¸c˜ao do multiplicando ou do multiplicador. Naturalmente, esta ideia ´e vital para uma boa compreens˜ao das divis˜oes que envolvem fra¸c˜oes.

Divis˜ao para repartir no contexto das frac¸ ˜oes: noc¸˜ao de inverso

Estamos habituados a dividir riquezas por muitas pessoas. S˜ao comuns pro-blemas como “Cada conjunto de trˆes pessoas recebe 24 euros. Admitindo uma divis˜ao equitativa, quanto recebe cada pessoa?”. No entanto, para as crian¸cas (e mesmo para os adultos!), problemas como “Cada metade de pessoa recebe 24 euros. Quanto recebe cada pessoa?” j´a trazem mist´erio e estupefa¸c˜ao. Mas ´e uma abordagem leg´ıtima; a Figura 37 ilustra a ideia.

Figura 37: Calcular 24 ÷12: uma ilustra¸c˜ao dinˆamica.

Uma vez que cada pessoa tem duas metades e cada metade recebe 24 euros, a resposta `a quest˜ao ´e 48 euros. O c´alculo 24 euros ÷ 1

2 ´e transformado na

mul-2Um f´ısico cortaria alegremente a palavra “flores” do numerador com a palavra “flores”

do denominador, indicando o resultado 4 na sua forma pura. Trata-se de uma mnem´onica operat´oria que se ajusta `a ideia de medi¸c˜ao e `a pergunta “Quantas vezes cabe?”.

(31)

tiplica¸c˜ao 2 × 24 euros. Isto porque 12 cabe 2 vezes numa unidade. ´E isto o inverso multiplicativo de um n´umero: o n´umero de vezes que esse n´umero cabe numa unidade. O inverso de 12 ´e 2.

´

E f´acil explicar que o inverso de 12 ´e 2, o inverso de 101 ´e 10 e, assim, sucessiva-mente. Mas como pensar no inverso de uma fra¸c˜ao como 23 ou, em geral, mn? Nesses casos, a explica¸c˜ao tem de ser cuidada e estrutura-se da seguinte forma:

- 23 pode ser pensado como a ter¸ca parte de duas unidades. - 23 cabe trˆes vezes em duas unidades.

- Logo, 23 cabe 32 de vezes numa unidade. - O inverso de 2

3 ´e 3 2!

Exatamente da mesma forma, podemos argumentar que o inverso de n m ´e

m n. A

compreens˜ao desta mensagem ´e muito delicada quando se trata de um aluno do 2.◦ ciclo. Tem de haver uma esmerada representa¸c˜ao da ideia e, mesmo assim, muitos n˜ao a perceber˜ao totalmente com essa idade. A Figura 38 ´e uma obra de arte de esquematiza¸c˜ao deste conceito matem´atico.

Figura 38: No¸c˜ao de inverso.

Sendo assim, a divis˜ao pode ser simplesmente transformada numa multiplica¸c˜ao atrav´es do conceito de inverso.

(32)

Dividir ´e o mesmo que multiplicar pelo inverso. a b ÷ c d = d c × a b = a b × d c

No estudo de Liping Ma, h´a respostas de professores chineses que s˜ao exemplos did´aticos de grande qualidade. Eles frisam os conceitos atrav´es de frases simples e certeiras. Tal como lig´amos as opera¸c˜oes inversas, 32 flores ÷ 4 = ? flores e 4 × ? flores = 32 flores, podemos e devemos fazer o mesmo no caso das fra¸c˜oes: “Pretende-se encontrar um n´umero tal que metade dele seja 74, ou seja, dividir por uma fra¸c˜ao ´e encontrar um n´umero, quando uma parte fra-cion´aria dele ´e conhecida.”

“Metade de uma corda de saltar mede 74 de metro, qual ´e o comprimento da corda?”

“Um comboio demora uma hora e trˆes quartos a fazer metade de um percurso. Quanto tempo demora o comboio a fazer o percurso completo?” “Pagando 7

4 Yuan para comprar 1

2 de bolo, quanto custa o bolo inteiro?”

Outros professores apontam duas propriedades simples, mas n˜ao evidentes para todas as pessoas. A primeira delas ´e seguinte:

(N ÷ a) ÷ b = (N ÷ b) ÷ a.

Trata-se mais uma vez de uma consequˆencia da propriedade comutativa da multiplica¸c˜ao, ilustrada com o exemplo dos cortes no bolo. Tanto faz fazer primeiro a cortes na vertical e em segundo lugar b cortes na horizontal, como fazer primeiro b cortes na horizontal e em segundo lugar a cortes na vertical. O quadradinho a comer no fim ser´a ab1 de bolo em ambos os casos. A segunda propriedade a real¸car ´e a seguinte:

N ÷ (a ÷ b) = (N ÷ a) × b.

Esta propriedade decorre de uma ideia semelhante `a exposta relativamente `a no¸c˜ao de inverso. Se tivermos 24 ÷ 4, naturalmente que a resposta ´e 6. No entanto, se tivermos 24 ÷ 4 ter¸cos, uma vez que h´a trˆes ter¸cos em cada unidade, o resultado ´e agora 6 × 3. Com estas duas propriedades, podemos apreciar uma not´avel resposta de um professor chinˆes [13].

O Prof. Xie foi o primeiro professor que eu conheci que descreveu um m´etodo pouco comum de efetuar a divis˜ao por frac¸c˜oes sem usar a multiplica¸c˜ao. Disse-lhe que nunca tinha pensado nisso e pedi-lhe que explicasse como funcionava. Ele disse que era f´acil:

7 4 ÷ 1 2 = (1) (7 ÷ 4) ÷ (1 ÷ 2) = (2) ((7 ÷ 4) ÷ 1) × 2 = (Segunda propriedade) (3) ((7 ÷ 1) ÷ 4) × 2 = (P rimeira propriedade) (4) (7 ÷ 1) ÷ (4 ÷ 2) = (Segunda propriedade) (5) 7 ÷ 1 4 ÷ 2 (6)

(33)

Notavelmente, o que este professor explicou ´e que se pode efetuar diretamente a divis˜ao: a b ÷ c d= a ÷ c b ÷ d.

Contudo, o professor observou que esta abordagem apenas ´e indicada nos c´alculos em que quer o numerador como o denominador do dividendo s˜ao divis´ıveis res-petivamente pelo numerador e pelo denominador do divisor.

Divis˜ao para medir no contexto das frac¸ ˜oes

A divis˜ao de fra¸c˜oes pode tamb´em ser pensada no sentido da medi¸c˜ao. Pensemos no c´alculo 52÷3

5, concretizando-o numa situa¸c˜ao envolvendo dinheiro. Imagine

que tem sacos com 3 moedas de 20 cˆentimos (35 de euro) e que quer saber a quantidade de sacos necess´aria para obter uma quantia correspondente a 5 moedas de 50 cˆentimos (52 de euro). Na pr´atica estamos a medir; queremos saber quantas vezes 35 cabe em 52.

Figura 39: Calcular 52÷3

5: uma ilustra¸c˜ao dinˆamica.

Se utilizarmos uma mesma natureza, isto ´e, se encontrarmos um denominador comum (no caso de dinheiro, um troco comum), a compara¸c˜ao ´e poss´ıvel. E, feito isso, n˜ao ´e preciso pensar nessa natureza – repare-se que as quest˜oes “quantos sacos de dois bolos s˜ao necess´arios para ter seis bolos?” ou “quantos sacos de dois berlindes s˜ao necess´arios para ter seis berlindes?” tˆem a mesma resposta, trˆes. N˜ao interessa a natureza, o que interessa ´e que seja a mesma. Sendo assim,

5

2 de euro s˜ao 25 moedas de 10 cˆentimos ( 5 2 =

25 10); 3

5 de euro s˜ao 6 moedas de 10 cˆentimos ( 3 5 =

6 10);

25 d´ecimos a dividir por 6 d´ecimos resulta em 256;

(34)

Encarando a divis˜ao no sentido da medi¸c˜ao, a determina¸c˜ao do mesmo denomi-nador ´e natural e isso constitui mais uma forma de explicar a regra operat´oria:

a b ÷ c d = ad bd ÷ bc bd |{z}=

a mesma natureza ´e irrelevante

ad bc.

Tamb´em no sentido da medi¸c˜ao, podemos ter ´otimas respostas `a quest˜ao de Liping Ma:

“Se uma equipa de trabalhadores construir 1

2 km de estrada por dia,

quan-tos dias levar˜ao para construir uma estrada com 7

4 km de comprimento?”

“Comprei 74 kg de a¸c´ucar. Quero colocar esse a¸c´ucar em sacos de 12 kg. Quantos sacos s˜ao precisos?”

Referˆ

encias

[1] Aharoni, R. Aritm´etica para Pais, Gradiva, 2008.

[2] Atractor. www.atractor.pt

[3] Ball, D. “Halves, pieces and twoths: constructing and using represen-tational contexts in teaching fractions”, In Carpenter, T., Fennema, E., Romberg, T. (Eds.), Rational Numbers: An Integration of Research (pp. 157–196), Hillsdale, New Jersey, Lawrence Erlbaum Associates, 1993. [4] Bruce, C., Chang, D., Flynn, T. Foundations to Learning and Te-aching Fractions: Addition and Subtraction, EduGAINS, Ontario Mi-nistry of Education, 2013. www.edu.gov.on.ca/eng/literacynumeracy/ LNSAttentionFractions.pdf

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[8] Hong, K. Primary mathematics Textbook 2B, American Edition: Curricu-lum Planning & Development Division Ministry of Education of Singapore, Times Media Private Limited, 1981.

[9] Hong, K. Primary mathematics Textbook 3B, American Edition: Curricu-lum Planning & Development Division Ministry of Education of Singapore, Times Media Private Limited, 1981.

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(35)

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Imagem

Figura 5: Exemplos variados [8].
Figura 8: Explorar as fra¸ c˜ oes com os blocos padr˜ ao [6].
Figura 9: Explorar as fra¸ c˜ oes com legos [12, 16].
Figura 11: Completar o todo [8].
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Referências

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