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Estudo sobre a prevalência de alcoolemia positiva e padrões de consumo em mulheres motoristas do Brasil

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL POS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL. MICHELINE ALVES DE MORAES. ESTUDO SOBRE A PREVALÊNCIA DE ALCOOLEMIA POSITIVA E PADRÕES DE CONSUMO EM MULHERES MOTORISTAS DO BRASIL. RECIFE, 2010..

(2) MICHELINE ALVES DE MORAES. ESTUDO SOBRE A PREVALÊNCIA DE ALCOOLEMIA POSITIVA E PADRÕES DE CONSUMO EM MULHERES MOTORISTAS DO BRASIL. Dissertação de Mestrado para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, elaborada pela aluna Micheline Alves de Moraes, sob a orientação da Profª Drª Roberta Uchoa e co-orientação do Profº Drº Flávio Pechansky, apresentada como requisito final ao Programa de PósGraduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco.. RECIFE, 2010..

(3) Moraes, Micheline Alves de Estudo sobre a prevalência de alcoolemia positiva e padrões de consumo em mulheres motoristas do Brasil / Micheline Alves de Moraes. – Recife : O Autor, 2010. 105 folhas : tab. , abrev. e siglas. Dissertação (Mestrado) – Universidade Pernambuco. CCSA. Serviço Social, 2010.. Federal. de. Inclui bibliografia e anexos. 1. Gênero plural. 2. Álcool no organismo. 3. Bebidas e acidentes de trânsito. 4. Bebida alcoólicas Consumo - Brasil. 5. Serviço social com Mulheres I. Título. 364.272 361. CDU (1997) CDD (22.ed.). UFPE CSA2010-065.

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(5) Dedico esta dissertação de Mestrado, em especial, a meu companheiro, Frederico Leite, que acompanhou todos os obstáculos que enfrentei até a conclusão desta etapa final, incentivando-me mesmo à distância. A minha filha Laura, que por não entender as razões da minha partida para outra cidade, sofreu com minha ausência, mas hoje demonstra sinais de superação. A minha pequena Luiza, de um ano e cinco meses, que nasceu durante a coleta de campo da pesquisa, na cidade de Porto Alegre, sendo a minha filha “gauchinha”. Enfim, dedico principalmente este trabalho a todas as mulheres que estiveram e estão na minha vida: mãe, vó, tias, orientadoras, professoras, uma rede de mulheres, fortes, batalhadoras, guerreiras, cada uma a sua maneira, respeitando o seu tempo, possibilidades e limitações..

(6) AGRADECIMENTOS. À minha orientadora de Mestrado, Drª Roberta Salazar Uchoa, que vem acompanhando minha carreira profissional, há mais de cinco anos, sempre me incentivando a superar as barreiras e dificuldades do dia-a-dia, com seu exemplo de perseverança, dedicação e responsabilidade e por quem tenho uma grande estima, carinho e admiração. A todo o corpo docente do Departamento de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal de Pernambuco, que sempre foi bastante solícito e colaborativo no sentido de contribuir para a resolução dos problemas cotidianos, no período em que estive vinculada a instituição, antes mesmo de ser aluna oficial do mestrado, ainda como aluna especial. A todos os integrantes do Centro de Pesquisa em Álcool e outras Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialmente ao Drº Flávio Pechansky, que foi meu co-orientador durante o ano em que me dediquei à coleta de dados como parte do mestrado sanduíche, na cidade de Porto Alegre. À Secretária Nacional de Políticas Sobre Álcool e Outras Drogas (SENAD) que com o objetivo de incentivar a participação de pesquisadores da região do Norte – Nordeste, em projetos de grande repercussão no cenário nacional, financiou bolsa complementar de estudos, durante a parte sanduíche do mestrado, assim como todos os recursos necessários para o deslocamento até a cidade de Porto Alegre, tanto para realização da entrevista inicial, como para participar efetivamente do projeto. A SENAD também garantiu toda a infra-estrutura necessária à realização desta pesquisa, incluindo passagens e diárias para a equipe de coleta que viajou por todo o território nacional, mostrando, deste modo, o compromisso de tal secretária com o fomento de pesquisa de qualidade e também com a descentralização de saberes e recursos entre pesquisadores brasileiros..

(7) À Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) que permitiu o afastamento das minhas funções, enquanto psicóloga e servidora pública da Secretaria de Saúde do município, por período de um ano, para realização da pesquisa. As minhas duas princesinhas, Laura e Luiza, minhas duas filhas e principais incentivadoras de todos os meus projetos, sejam pessoais ou profissionais, pois me dão forças para vencer cada uma das batalhas da vida, sempre com mais serenidade, mais maturidade, disciplina e principalmente com muita coragem. A todos os meus familiares e amigos que contribuíram para que eu finalmente chegasse a esta etapa final, oferecendo disponibilidade para ajudar nos momentos mais difíceis, com dedicação, carinho e amor. Por fim, agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente incentivaram e contribuíram para que a minha trajetória tivesse êxito, alguns, posso assegurar, acreditando que o conhecimento é uma das ferramentas mais importantes que o homem pode adquirir e que através dele, e só através dele, encontramos o caminho da liberdade, da autonomia e da emancipação..

(8) LISTA DE SIGLAS. BAC – Breath Alcohol Concentration CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas psicotrópicas CPAD – Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito IDT – Instituto de Toxicodependência do Governo de Portugal IRGGA – International Research Group on Gender and alcohol NEPTA – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trânsito e álcool OMS – Organização Mundial de Saúde PRF – Polícia Rodoviária Federal SENAD – Secretária Nacional de Políticas sobre álcool e outras Drogas SEST-SENAT – Serviço Social de transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem e Transporte TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

(9) LISTA DE TABELAS. Tabela 1 – Perfil sócio-econômico das condutoras de veículos........................................64 Tabela 2 – Prevalência de consumo de álcool.................................................................. 65 Tabela 3 – Consumo de álcool ao dirigir............................................................................66 Tabela 4 – Cruzamento das variáveis de freqüência de consumo de álcool com idade...................................................................................................................................67 Tabela 5 – Cruzamento das variáveis de freqüência de consumo de álcool com nível de escolaridade.......................................................................................................................68 Tabela 6 – Cruzamento das variáveis de freqüência de consumo de álcool com renda individual.............................................................................................................................69 Tabela 7 – Cruzamento das variáveis de freqüência de consumo de álcool com ocupação............................................................................................................................70 Tabela 8 – Cruzamento das variáveis de freqüência de consumo de álcool com moradia...............................................................................................................................71.

(10) RESUMO Estudos de âmbito nacional e internacional têm sugerido a existência de um aumento gradativo no consumo de drogas entre mulheres nas últimas décadas, particularmente de bebidas alcoólicas. Este crescimento tem contribuído para diminuir paulatinamente o limiar de diferenças nos padrões de consumo entre os gêneros. Uma das explicações teóricas sugere que o aumento do consumo de álcool em mulheres estaria relacionado com mudanças sócio-culturais, ligadas diretamente à inserção das mulheres no mercado de trabalho e às novas modalidades de inclusão social, como melhora no nível de escolarização, participação política mais significativa, status social elevado, garantia de direitos plenos no exercício de cidadania. Fundamentado nos resultados de estudos nacionais e internacionais avaliou-se uma amostra de 130 mulheres que trafegaram por 21 capitais do território brasileiro, no período de agosto de 2008 a maio de 2009, com o objetivo de identificar o perfil sócio-demográfico e o padrão de consumo desta população. Os achados demonstraram que o consumo de bebidas alcoólicas entre as mulheres brasileiras vem acompanhando as tendências dos demais países, porém com algumas particularidades, como uma predominância de consumo mais moderado do que abusivo entre as mulheres mais bem posicionadas socialmente. Palavras chave: gênero, álcool, trânsito..

(11) ABSTRACT National and international studies have suggested a gradual increase in drug use among women in recent decades, particularly alcohol. This growth gradually has reduced the differences in consumption patterns between genders. One explanation for this phenomenon suggests that the increase in alcohol consumption among women would be related to socio-cultural changes, directly linked to the integration of women into labor market and new forms of social inclusion, like improving the level of schooling, more meaningful political participation, high social status, security of rights and exercise of citizenship. Based on the results of national and international studies, a sample of 130 women that traveled over 21 capitals of Brazil were interviewed, from August 2008 to May 2009 with the aim to identify the socio-demographic and consumption pattern of this population. The results showed that alcohol consumption among women in Brazil has been following trends from most countries, but with some peculiarities, such as a predominance of moderate consumption rather than abusive among women socially better positioned. Keywords: gender, alcohol, traffic..

(12) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO....................................................................................................................12 CAPÍTULO I Gênero como categoria de análise: contribuições da literatura e do movimento feminista..............................................................................................................................16 CAPÍTULO II Gênero e consumo de álcool em países da América Latina, Ásia e África: tendência de aumento de consumo entre as mulheres jovens................................................................38 CAPÍTULO III Consumo de bebidas alcoólicas em mulheres nas estradas: panorama das pesquisas realizadas em países desenvolvidos..................................................................................46 CAPÍTULO IV Metodologia de trabalho.................................................................................................... 54 Delineamento amostral ......................................................................................................55 Instrumentos de coleta........................................................................................................57 Coleta de dados..................................................................................................................58 Questões éticas..................................................................................................................61.

(13) CAPÍTULO V Resultados.........................................................................................................................62 CAPÍTULO VI Discussão dos resultados..................................................................................................71 CAPÍTULO VII Considerações finais..........................................................................................................79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................80 ANEXOS Anexo 1 - Dados observacionais........................................................................................88 Anexo 2 - Entrevista Padronizada e Dirigida......................................................................91 Anexo 3 - Manual de Saliva..............................................................................................100 Anexo 4 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).....................................103 Anexo 5 - Quite de Coleta de Viagens..............................................................................105.

(14) INTRODUÇÃO. Vários estudos apontam que nas últimas décadas o comportamento de beber entre as mulheres vem se alterando para um consumo mais elevado, fazendo com que, em contrapartida, as mesmas se aproximem de um padrão de consumo masculino, que sempre foi historicamente mais significativo em diferentes épocas e contextos culturais (WHO, 2005). O Brasil, por exemplo, vem experimentando desde a década de 70 uma escalada vertiginosa de aumento de consumo de álcool entre mulheres. Para se ter uma idéia, há 30 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimava que, para cada 20 homens com dependência alcoólica, havia apenas uma mulher com o mesmo diagnóstico no Brasil. Em 2001, de acordo com estudo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), havia uma mulher para cada três homens dependentes nas 107 maiores cidades do país. Sabe-se que entre a população mais jovem esta diferença é praticamente inexistente (CARLINI et al., 2001). Estudos internacionais têm revelado que há um perfil de mulheres que vem desenvolvendo um consumo de álcool mais prevalente: aquelas mais jovens, mais escolarizadas, com bons empregos e melhor condição sócio-econômica (WHO, 2005). Por outro lado, tem aumentado também o consumo de álcool associado ao comportamento de dirigir, assim como acidentes de trânsito envolvendo mulheres que fizeram uso abusivo de álcool e outras drogas (Tsal, et al, 2008). Levando em consideração toda esta problemática, este estudo tem como objetivo geral identificar o perfil sócio-demográfico e o padrão de consumo de álcool das mulheres motoristas que trafegam pelas estradas brasileiras, partindo do pressuposto que aquelas mais jovens, melhor inseridas socialmente, ou seja, com bons empregos, com alto nível de escolarização e bons salários vão apresentar índices de alcoolemia mais altos quando comparadas às mulheres que não tem este perfil. Entre os objetivos específicos estão o de comparar o perfil sócio-demográfico da amostra com os estudos internacionais sobre consumo de bebidas alcoólicas entre mulheres, assim como confrontar padrões de consumo diversos com as diferentes variáveis exploradas..

(15) Vale salientar que o resultado deste trabalho é fruto de uma estratificação amostral de 130 mulheres de um estudo pioneiro no Brasil, de impacto nacional, a respeito do uso de substâncias psicoativas no trânsito, intitulado “Estudo do impacto do uso de bebidas alcoólicas e outras substâncias psicoativas no trânsito brasileiro”, realizado pelo Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas (CPAD), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o objetivo de analisar a prevalência de uso de álcool e outras drogas em uma amostra de motoristas que cruzaram as regiões metropolitanas das 27 capitais do país, no período de agosto de 2008 a setembro de 2009 (Pechansky & De Boni, 2007). O primeiro capítulo se propõe a fazer uma revisão bibliográfica de estudos teóricos sobre o conceito de gênero, trazendo para discussão pesquisadores de orientação Marxista e de outras abordagens, apontando as discordâncias entre eles, assim como os pontos de convergência. No percurso deste capítulo é contextualizada e historicizada a importância do movimento feminista para a construção de uma conotação sócio-política para o termo gênero. Mais adiante, no segundo capítulo, várias pesquisas realizadas em diversos países da Ásia, América Latina e África, através de levantamentos realizados com o objetivo de medir a prevalência de uso de drogas em diversas populações, conseguem identificar que o aumento de consumo de bebidas alcoólicas entre a população feminina, é uma tendência mundial, principalmente entre as mulheres mais jovens, inseridas no mercado de trabalho e mais escolarizadas. São trabalhadas também algumas explicações sócio-culturais para este aumento de consumo (Wilsnack et al., 2005). No terceiro capítulo é feito um levantamento bibliográfico de estudos a respeito do consumo de álcool em mulheres associado ao comportamento de dirigir. Os achados em pesquisas têm identificado um perfil bem característico de mulheres que se envolvem em acidentes de trânsito: são aquelas geralmente jovens e que, de um modo geral, tendem a se expor mais a diversas situações de risco quando comparadas a outros grupos de mulheres, nomeadas por alguns pesquisadores como “não normativas” (Elliot et al., 2006). O quarto capítulo explora a metodologia de trabalho necessária à realização da pesquisa. Faz-se uma descrição pormenorizada das etapas, que incluem o delineamento amostral dos sujeitos, passando pelos instrumentos de coleta de dados – dados observacionais, entrevista dirigida e padronizada e coleta de saliva – até a descrição da coleta de dados propriamente dita. O capítulo também descreve a composição da equipe de coletadores e de todas as pessoas envolvidas no projeto, bem como questões éticas.

(16) que vão desde a segurança dos coletadores nas estradas, até a importância da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O quinto capítulo faz uma descrição dos principais achados da pesquisa, que são ilustrados através de oito tabelas de resultados. A tabela 1 mostra o perfil sócioeconômico das mulheres selecionadas de acordo com as variáveis escolhidas para investigação, quer sejam: idade, nível de escolaridade, renda individual, ocupação e moradia. A tabela 2 retrata a prevalência de consumo de álcool entre as mulheres condutoras de veículos de acordo com uma série de variáveis relacionadas a freqüências diferentes de consumo. A tabela 3 ilustra a relação entre consumo de álcool e direção. As cinco tabelas subseqüentes são resultado do cruzamento de dois padrões de consumo identificados – binge e pouco freqüente – com as variáveis sócio-demográficas do estudo. O sexto capítulo se encarrega de abordar as limitações metodológicas. Procura, na medida do possível, fazer uma comparação do perfil sócio-demográfico encontrado entre as condutoras de veículos, assim como de seus padrões de consumo de álcool, com os estudos internacionais a cerca desta problemática. O objetivo principal é o de identificar possíveis semelhanças, assim como particularidades entre as diferentes culturas. As abordagens teóricas exploradas no segundo capítulo a cerca dos fatores sociais que influenciam o aumento de consumo de álcool entre as mulheres são também re-atualizadas e comparadas com os achados brasileiros. Pode-se dizer, portanto, que a realização deste estudo traz contribuições importantes na área de consumo de álcool em mulheres, particularmente no que se refere ao uso de substâncias psicoativas no trânsito. Sabe-se, por exemplo, que o número de mulheres motoristas que circulam pelas estradas brasileiras ainda é muito reduzido, comparado ao número de homens motoristas que dirigem nesses mesmos locais. Para se ter uma idéia, em algumas capitais do país o número de homens motoristas chega a ser quatro vezes maior que o número de mulheres motoristas. Sabe-se também que, por outro lado, há uma tendência de aumento da frota feminina ao longo dos anos que precisa ser acompanhada em estudos futuros (DENATRAN, 2005), principalmente se este aumento estiver associado à expansão progressiva do consumo de álcool e de outras substâncias psicoativas. Esta pesquisa serve também de instrumento importante no desenvolvimento de políticas públicas de prevenção e tratamento do uso abusivo de substâncias psicoativas ao apresentar o perfil sócio-demográfico das mulheres motoristas nas estradas nacionais..

(17) Por fim, este projeto é uma contribuição para os estudos sobre gênero que discutem o fortalecimento político de grupos de mulheres, em situações e contextos sócio-históricos específicos. Neste sentido, pode-se fazer uma análise crítica do aumento de consumo de álcool em mulheres não apenas como necessariamente maléfico e danoso, mas sim como uma das mediações possíveis que vem acompanhando uma série de mudanças sociais ligadas aos novos papéis de gênero no mundo contemporâneo e que se contrapõem drasticamente aos espaços tradicionais reservados tanto para homens como para mulheres em diversas culturas. Estas questões referentes à importância desta pesquisa, assim como sugestões para encaminhamentos futuros são exploradas no sétimo capítulo, nas considerações finais do trabalho..

(18) CAPÍTULO I Gênero como categoria de análise – contribuições da literatura e do movimento feminista. Este estudo visa identificar o perfil sócio-demográfico e o padrão de consumo de álcool de mulheres motoristas que trafegam pelas estradas brasileiras, tendo como hipótese de trabalho a suposição de que as mulheres melhor inseridas socialmente – bom nível de escolarização, bons empregos e melhor poder aquisitivo - vão apresentar índices de alcoolemia mais altos quando comparadas às mulheres que não tem este perfil. Uma das principais razões para a escolha do gênero feminino nas análises é que vários estudos de âmbito nacional e internacional têm sugerido a existência de um aumento gradativo, durante as últimas décadas, no consumo de drogas entre mulheres, particularmente de bebidas alcoólicas; aumento este que tem contribuído para diminuir paulatinamente as diferenças nos padrões de consumo feminino e masculino de beber, como foi sugerido na introdução deste trabalho. Uma das explicações aponta que o aumento do consumo de álcool entre as mulheres estaria relacionado com mudanças sócio-culturais decorrentes do novo processo de socialização das mesmas, ligadas diretamente à inserção das mulheres no mercado de trabalho e às novas modalidades de inclusão social, como melhoria no nível de escolarização, participação política mais significativa, status social elevado, garantia de direitos plenos no exercício de cidadania (WHO, 2005). Alguns autores consideram que o acesso a essas conquistas e garantias sociais vem, melhorando as condições de vida das mulheres a tal ponto de estimulá-las a desenvolver comportamentos considerados, inclusive de riscos, mas valorizados socialmente, como o uso abusivo de drogas e medicamentos (Wilsnack et. al., 2005). Alguns teóricos especialistas em estudos sobre gênero, que abordam as relações hierárquicas existentes, supõem que as relações de poder entre homens e mulheres vêm se alterando com o desenvolvimento histórico das sociedades, com uma inclinação de.

(19) aumento de poder para as mulheres (Scott, 1991). Entretanto para alguns grupos feministas e adeptos da teoria Marxista, o poder do homem sobre as mulheres, nunca foi tão substancial e contemporâneo; vem acompanhando as reestruturações do sistema capitalista com tendência para expansão e ampliação das desigualdades como ocorre entre as classes sociais (Saffioti, 2001). Discordando não completamente dessa última consideração, vale salientar, porém, que estamos falando de relações contraditórias, como assim são as relações entre capital e trabalho, e que dentro desta contradição, existem forças que emanam, ora a favor da classe trabalhadora, ora a favor do capital; existem forças que oprimem as mulheres, e contraditoriamente, aquelas que fortalecem e que podem obviamente alterar as relações de poder entre os gêneros, em determinadas condições objetivas, históricas e culturais, modificando, conseqüentemente, as condições concretas de vida de algumas mulheres, mas não de todas. Estas reflexões serão melhor aprofundadas no desenvolvimento deste capítulo. Neste capítulo são abordadas algumas concepções sobre gênero na perspectiva de pesquisadores nacionais e internacionais que se preocuparam com o desenvolvimento do tema a partir do final do século XX, entre as décadas de 60 e 90, sendo que alguns puderam acompanhar os movimentos revolucionários do período. Comecemos pelo significado morfológico do termo gênero que ainda hoje é utilizado por muitos estudiosos, inclusive das ciências humanas e da saúde, apenas para destacar diferenças físicas ou anatômicas entre os sexos.. A forma biologizante de conceber. gênero tem uma explicação histórica. Sabe-se, por exemplo, que ao longo dos séculos, as pessoas utilizavam de forma figurada os termos gramaticais, dentre eles o conceito de gênero, para evocar as diferenças quanto aos traços sexuais ou psicológicos dos indivíduos. Por exemplo, a utilização proposta no Dicionário de Língua Francesa, de 1878, era: “Não se sabe qual é o seu gênero, se é macho ou fêmea; fala-se de um homem retraído, cujos sentimentos são desconhecidos. " Só recentemente, no final do século XX, as feministas começaram a usar a palavra “gênero” com um sentido mais histórico, ou como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos, ou então para se contrapor ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual (Scott, 1991). Na gramática, gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado mais do que uma descrição objetiva de.

(20) traços inerentes. Além disso, as classificações sugerem uma relação entre categorias que permite distinções ou agrupamentos separados (Scott 1991). Segundo Barbieri (1998), os estudos sobre gênero começaram com os movimentos feministas nos anos 60. O objetivo principal era o de compreender a condição de subordinação das mulheres e as razões da perpetuação de tal subordinação durante séculos ou milênios na história da humanidade. Como o movimento das mulheres na época tinha um caráter eminentemente político, a idéia era a de provocar uma verdadeira revolução acadêmica com o investimento em estudos e pesquisas sobre as mulheres e com a possibilidade de criação de novos campos e saberes na área das ciências sociais. Porém, por uma série de razões, inclusive políticas, a ”revolução” não logrou êxito e o movimento feminista perdeu força (Barbieri, 1998). Após o enfraquecimento do movimento e a constatação da impossibilidade de uma “revolução” apenas a partir do gênero, um grupo de acadêmicas, no lugar de se dedicarem à construção de uma teoria, se propuseram a gerar conhecimentos sobre as condições de vida das mulheres. Nascem então centros acadêmicos e organizações não governamentais, preocupados com os “estudos sobre a mulher” ou sobre “as mulheres” que se multiplicaram em diversas partes do mundo. A partir de então duas posturas diferentes têm acompanhado as investigações sobre o gênero: uma que se centraliza nas mulheres enquanto “objeto de estudo” e outra que privilegia a sociedade como “geradora da subordinação feminina”. Enquanto a primeira perspectiva enfatiza a geração de conhecimentos sobre as mulheres e os determinantes de suas condições sociais, com um predomínio do estudo das relações mulher-homem e mulher-mulher, para a segunda, as premissas gerais defendem que a subordinação das mulheres é produto de determinadas formas de organização e funcionamento sociais que podem ser alterados historicamente (Barbieri, 1998). É importante observar que este tipo de raciocínio científico, ou uma alternativa ou outra, remete a uma forma fragmentária de analisar o gênero, ou qualquer outro fenômeno social, que é própria do pensamento dicotômico cartesiano, diferente do materialismo histórico marxista. No primeiro caso, o particular não faz conexão com o geral e vice-versa. Trabalha-se com uma versão ou com a outra e não com as duas conectadas dialeticamente, que faria muito mais sentido. Os historiadores feministas utilizam toda uma série de abordagens na análise do gênero, que podem ser resumidas em três posições teóricas (Scott, 1991):.

(21) A primeira posição teórica é composta por um grupo de pesquisadores que concentram seus estudos nas origens do patriarcado. Para estes teóricos a explicação da subordinação das mulheres está no fato do homem sentir “necessidade” de dominá-las. Alguns estudiosos sugerem que a dominação masculina é definida como o reflexo do desejo do homem de transcender a sua alienação dos meios de reprodução da espécie, já que o poder de procriação não pertence ao homem e sim à mulher, sendo ele alienado deste processo. A libertação das mulheres viria através das transformações na tecnologia da reprodução, que poderia num futuro próximo eliminar a necessidade do corpo das mulheres funcionarem como agente da reprodução. Este parece ser um posicionamento bastante ousado no sentido de que a solução apontada é a de eliminar completamente o lugar da mulher na sociedade, enquanto reprodutora da espécie, propondo para o futuro a reprodução em laboratório, ou artificial. Ainda no mesmo grupo existem as feministas que acreditam que a alienação encontra-se na sexualidade em si, ou seja, a mulher não detém a sua própria sexualidade, uma vez que esta é governada pelo homem. Neste caso, a sexualidade é para o feminismo o que o trabalho é para o marxismo o que nos pertence mais nos é alienado. A solução para este caso seria então a completa liberdade sexual, sem limites impostos para as escolhas; quanto mais a mulher se apropriar de suas possibilidades de exploração sexual, menos alienada se tornará. Este também é um pensamento arrojado e reflete sobre o nível de repressão a que são submetidas todas as mulheres em diversas culturas, inclusive as mais desenvolvidas, entretanto é importante considerar que nem toda liberdade sexual, gera em si, emancipação para o sujeito. Scott (1991) em um dos seus artigos – “Gênero: uma categoria útil para a análise histórica” - faz uma crítica às teorias do patriarcado dizendo que elas não explicam, primeiro, o que as desigualdades de gênero têm haver com outras desigualdades sociais que se entrecruzam com as de gênero, como classe, raça e etnia e; segundo, o patriarcado continua preso a uma análise baseada em diferenças orgânicas e físicas e considera que o que for baseado em diferença física gera, necessariamente um caráter de irreversibilidade, uma vez que o limite está posto pelo corpo e não pelas regras sociais. A segunda posição teórica é composta por pesquisadores que tem tradição marxista e compromisso com as críticas feministas e que impõem a exigência de encontrar uma base “material” para o gênero. Os teóricos desta linha de pensamento privilegiam a divisão sexual do trabalho como núcleo motor da desigualdade. O peso teórico do marxismo é muito claro dentro dessa perspectiva em particular nos estudos sobre.

(22) reprodução, embora isto não signifique que todas as contribuições à categoria gênero que incorporam a teoria marxista se filiem a esta corrente (Barbieri, 1998). Considero esta segunda abordagem bastante esclarecedora no sentido de que a mesma oferece elementos para dar conta de explicar porque as relações desiguais entre homens e mulheres se perpetuam e são reforçadas pelo que a cultura estabelece como sendo função masculina e/ou feminina. Sabemos que a divisão sexual do trabalho opera ainda hoje sobre bases bastante rígidas, em relação à divisão de tarefas. Mesmo com a forte inserção da mulher no mercado, os homens tendem a assumir prioritariamente a função de provimento material de suas famílias e as mulheres a de cuidadoras “oficiais” da casa e responsáveis socialização dos filhos, não se abrindo, portanto, espaços para trocas ou negociações nesses cenários. Os teóricos dessa abordagem consideram que mesmo que a desigualdade seja anterior ao surgimento do modo de reprodução capitalista, a existência deste modelo mantém acesas as divisões e cisões existentes. Para Scott (1991) esta forma de pensar as relações de gênero limitou ou atrasou o desenvolvimento de novas direções de análise. Acredita a autora que há entre as feministas o reconhecimento de que os sistemas econômicos não determinam diretamente as relações de gênero e que, de fato, a subordinação das mulheres é anterior ao capitalismo e continua sob o socialismo, mesmo assim, existe uma busca de uma explicação materialista que exclua as diferenças físicas e materiais. A terceira posição teórica é formada pelo pós-estruturalismo francês e pelas teorias anglo-saxônicas das relações de objeto, sendo a psicanálise utilizada como principal ferramenta para explicar a produção e reprodução das “identidades dos sujeitos”. A escola anglo-saxônica trabalha dentro dos termos das teorias das relações objetais cujo principal representante é Sigmund Freud. Já a escola francesa baseia-se nas leituras estruturalistas e pós-estruturalistas de Freud, nos termos das teorias da linguagem - para as feministas a figura central é Jacques Lacan (Scott, 1991). Dentro desta perspectiva os sistemas de gênero são concebidos como sistemas de poder que resultam de conflitos sociais permanentes entre as partes envolvidas. Estes conflitos começam a operar em tenra idade (alguns teóricos de tal abordagem acreditam que os conflitos podem anteceder, inclusive, o nascimento de uma criança, ou seja, já existem relações de poder estruturadas dentro do contexto familiar, que podem influenciar no estabelecimento da identidade sexual de seus membros). É importante ter o entendimento de que estes conflitos são próprios de relações de poder entre os pares envolvidos sem serem necessariamente explicitados ou nomeados objetivamente, mas.

(23) existem, em nível inconsciente, influenciando as concepções e imaginários construídos a respeito do que é coisa de homem ou de mulher em nossas sociedades. Assim, os conflitos definidores das identidades de gênero, evidenciados nos cenários domésticos acontecem, em muitas situações, como expressão de conflitos macro-sociais de relações desiguais entre homens e mulheres já presentes, que são re-atualizados nesses espaços e que evidenciam sistemas de poder altamente dominadores e autoritários. Acontecem de modo mais marcante, na teoria psicanalítica, quando o filho (a) passa a rivalizar com o pai para ter a mãe como sua fonte única e exclusiva de desejo e de prazer. Quando o pai se interpõe como figura limitadora para a realização deste desejo, a criança pode ou não aceitar este imposição de limite. Caso aceite, seu caminho muito provavelmente será o da formação da heterossexualidade madura. Caso rivalize com a figura do pai, os conflitos simbólicos entre pai, mãe e filho podem trazer dificuldades para o estabelecimento de uma identidade heterossexual, e o filho (a), pode permanecer fixado no desejo de querer a mãe a todo custo. Temos aí a explicação psicanalítica para a formação da identidade homossexual: a não aceitação de que o pai exerce poder e tem direitos sobre a mãe e que o filho para crescer precisa procurar outra mulher, que não à do pai. É importante que entendamos que estes processos se dão na esfera da subjetividade que circunda o imaginário de homens e mulheres em nossas sociedades. È inegável que as explicações teóricas propostas, colocam a mulher num espaço de objeto de troca, negociado entre homens, se apropriando dela aquele que tiver mais força, seja física, seja psicológica. Não podemos dizer, entretanto, que a psicanálise, em si, criou esta conjuntura de relações de domínio como acreditam aqueles que não conhecem a fundo tal teoria. É neste contexto de análise que o teórico Michel Foucault vê a sexualidade: como um produto histórico, sugerindo ao mesmo tempo uma análise aprofundada sobre a política sexual nas sociedades contemporâneas. Podemos fazer também a reflexão de que sexualidade não cria necessariamente os conflitos próprios postos nas diferenças de domínio social/sexual entre homens e mulheres, em diversas culturas ou sociedades. A sexualidade é uma das expressões destas desigualdades. Serve para sistematizá-la ou reforçá-la. Todavia, é ingênuo, imaginar que a manutenção das desigualdades se dê pelo reforço de uma ciência psicológica apenas. As instituições religiosas, educacionais, o próprio Estado cumprem o seu papel neste sentido. Mas como conceituar gênero? Não parece um termo simples de ser definido, uma vez que remete a discussões complexas e a visões e perspectivas de conceber o homem e o ser social bastante diversas entre autores que convergem em alguns aspectos e divergem.

(24) completamente em outros. Para Barbieri (1998), como para Scott (1991), falar de gênero implica falar de regras ou regulações sociais criadas culturalmente e que, apoiadas nas diferenças anatômico-fisiológicas entre os sexos, vão conduzir o que cada um pode e deve ser, de acordo com o que é socialmente estabelecido para cada sexo. Essas autoras percebem o sistema de sexo/gênero como um sistema de poder, resultante de um conflito social, que pode ser alterado, a depender da correlação de forças entre quem domina e quem é dominado. Assim, para Barbieri (1993) o sistema de sexo/gênero se refere ao: Conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatômicofisiológica e que dão sentido a satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e, em geral, ao relacionamento entre as pessoas. Em termos durkheimianos, são as tramas das relações sociais que determinam as relações dos seres humanos enquanto pessoas sexuadas (Barbieri,1998, p.4).. Ao complexificar a análise do que chama de sistema sexo/gênero, Barbieri (1998) destaca que no âmbito familiar e doméstico as posições de subordinação entre as mulheres, que compartilham a mesma posição de classe social, por exemplo, não são fixas, e podem se modificar ao longo do ciclo de vida, portanto: Algumas mulheres podem exercer poder sobre outras mulheres. Mais ainda, em contextos de alta dominação masculina, esta pode ter como agente dominador, certas e determinadas mulheres; ao investi-las de autoridade, o sistema cria zonas de incerteza, divide as mulheres enquanto gênero, impede alianças, impede a constituição de oposições coesas e se legitima como dominação (Ibid.,p.5).. Fazendo uma defesa da segunda abordagem teórica que entende a divisão sexual do trabalho como núcleo motor para a perpetuação de relações desiguais, não podemos pensar que os condicionantes que estão na base da exploração feminina podem ser explicados apenas por sistemas de forças e poderes que entram em conflito permanente quando o sujeito se depara com as regras da cultura. Há outros elementos e outras conexões que estão na base de exploração/dominação das mulheres e de outros sujeitos históricos que precisam de investigações mais apuradas. Como por exemplo, porque algumas mulheres mesmo bem colocadas socialmente, com bons empregos e bons salários, mantêm, em alguns contextos, situações de alta subordinação em relação ao.

(25) poder masculino instituído. Qual a raiz de tal subordinação cuja fonte não está localizada na incapacidade de reprodução material e imediata das condições de vida dessas mulheres? As teorias que estudam a divisão sexual do trabalho, buscando uma base material para tais fenômenos precisam ser mais exploradas por investigadores da área? Fazendo colocações mais ousadas ainda: será que não podemos encontrar uma base explicativa para estas questões, também nas abordagens psicológicas, ou em outras ciências afins? Outra reflexão importante a fazer: até que ponto as abordagens psicológicas poderiam funcionar como ferramentas do saber, em sentido contrário? Ou seja, ajudando na compressão e reprodução de mecanismos emancipatórios, tanto para aqueles que oprimem, como para aqueles que são oprimidos, no sentido de superá-los. É preciso pensar seriamente sobre este assunto. È mais fácil criticar uma teoria do que compreendê-la e entender a sua utilidade. Faço a defesa da teoria Marxiana, mas sem negar a importância de transitar por outros saberes para compreender amplamente tudo que se evidencia objetivamente e subjetivamente no contexto e no cotidiano da convivência entre homens e mulheres. Para Barbieri (1998), o trabalho acumulado sobre gênero até o presente momento não possibilitou a construção de um corpo teórico consistente. Para tal autora, a vitalidade da proposta de gênero está no fato de ter possibilitado seguir linhas de investigação diferentes, baseadas em linhas teórico-metodológicas distintas. Trata-se, portanto, de um campo aberto para o debate, no qual as diferentes perspectivas deverão confrontar-se na sua coerência interna, na sua capacidade de explicação e nas possibilidades que abrem para a ação e transformação das sociedades compostas por homens e mulheres. Scott (1991) também sugere que as tentativas dos historiadores das ciências sociais de teorizar sobre gênero foram infrutíferas na medida em que utilizaram formulações antigas que propõem explicações causais universais, ou seja, regras de funcionamento social a serem aplicadas a todas as sociedades. Essas teorias tiveram, no melhor dos casos, um caráter limitado por terem que incluir generalizações redutoras ou simples demais, que minaram não só o sentido da complexidade da causalidade social na forma proposta pela história como disciplina, mas também o engajamento feminista na elaboração de análises que pudessem levar a alguma mudança no sentido da utilização do conhecimento estruturado para alterar efetivamente a opressão sofrida pelas mulheres em diversas culturas. O gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos:.

(26) O seu uso rejeita explicitamente as explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação do fato de que as mulheres têm filhos e os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as construções sociais: a criação inteiramente social das idéias sobre os papeis próprios aos homens e as mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (Scott,1991, p.3).. A definição de gênero para Scott (1991) baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar relações de poder. O gênero implica quatro elementos relacionados entre si: 1) símbolos culturais. disponíveis. que. evocam. representações. múltiplas. (freqüentemente. contraditórias); 2) conceitos normativos que colocam em evidência interpretações do sentido dos símbolos que tentam limitar e conter as suas possibilidades metafóricas. A posição que emerge como dominante é considera como a única possível; 3) a introdução do aspecto político das relações de gênero assim como uma referência às instituições e organizações sociais; 4) a limitação de análise da identidade subjetiva: mesmo que a teoria lacaniana possa ser útil para a reflexão sobre a construção de identidade de gênero, os historiadores precisam trabalhar de forma mais histórica. A identidade de gênero é única e universalmente baseada no medo da castração, a pertinência da interrogação histórica é negada (Scott, 1991). Gênero para Scott é também: Uma forma primeira de significar relações de poder. Seria melhor dizer que o gênero é um campo primeiro no seio do qual ou por meio do qual o poder é articulado. (...) o gênero, portanto, é um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana (Ibid., p.3).. É importante substituir a idéia de que o poder é unificado, coerente e centralizado, para aquela que admite um conceito foucaltiano de poder, entendido como constelações dispersas de relações desiguais discursivamente instituídas em “campos de forças” onde:.

(27) No seio desses processos e estruturas, há espaço para um conceito de realização humana como um esforço de construir uma identidade, uma vida, um conjunto de relações, uma sociedade dentro de certos limites e com a linguagem – conceitual – que ao mesmo tempo coloque limites e contenha a possibilidade de negação, de resistência e reiterpretação. O jogo de invenção metafórica e de imaginação (Ibid.,p.3).. Discordando de algumas idéias de Scott (1991), para a teoria marxiana, (apud, Rubin, 1993), não há nenhum conhecimento estruturado que dê conta da opressão das mulheres com o mesmo poder explicativo que a teoria sobre a opressão de classes. Tem-se argumentado, por exemplo, que as mulheres são uma força de reserva para o capitalismo, que os salários geralmente mais baixos das mulheres fornecem uma maisvalia extra para um empregador capitalista e que as mulheres servem aos objetivos do consumismo capitalista no seu papel de administradoras do consumo familiar. Outros estudiosos tentam localizar a opressão das mulheres no coração da dinâmica capitalista ao apontar a relação entre o trabalho doméstico e a reprodução da força de trabalho, uma vez que o trabalho doméstico e a sua manutenção nos moldes tradicionais são peça chave na reprodução de sujeitos capacitados para o mercado (Rubin, 1993). Para Rubin (1993), todavia, o marxismo fracassou em termos de construção de uma teoria que pudesse dar conta da opressão sexual que sofrem as mulheres em muitas culturas. Isto aconteceu porque seus teóricos sempre foram pouco preocupados com o sexo. Explicar a utilidade essencial das mulheres para o sistema capitalista é uma coisa; afirmar que esta utilidade explica a gênese da opressão é outra bastante diferente. Existe uma brecha neste aspecto, que não pode ser preenchida pela teoria marxista. Considera que as mulheres são oprimidas em sociedades que, por maior, que seja o esforço da imaginação, não podem ser descritas como propriamente capitalistas. Rubin (1993) define o que considera o sistema sexo/gênero como: Um conjunto de arranjos através dos quais a matéria prima biológica do sexo e da procriação humanas é moldada pela intervenção humana e social e satisfeita de forma convencional, pouco importando o quão bizarras algumas dessas convenções podem parecer (Rubin,1993,p.2).. Dito de outro modo:.

(28) O sistema sexo/gênero é um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e na qual essas necessidades sexuais são satisfeitas (Ibid.,p.2).. Em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels (1987) sugere que a opressão sexual é parte daquilo que o capitalismo herda de formas sociais anteriores.. De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo da história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Elas são de dois tipos: de um lado a produção de meios de existência, de meios alimentícios, habitação e instrumentos necessários para tudo isso; de outro lado à produção do homem mesmo, a continuação da espécie. A ordem social em que vivem os homens de determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas espécies de produção: pelo grau do desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família do outro (Engels, 1987, p.2).. Não devemos separar os sistemas econômicos dos sistemas sexuais, como se fossem sistemas apartados e desconectados. Associa-se geralmente ‘modos de produção’ ao falar dos sistemas econômicos e ‘modo de reprodução’ para se falar dos sistemas sexuais, como se estes últimos tivessem certa autonomia. Essa forma de pensar, segundo Rubin, (1993): Reduz a riqueza de cada sistema, já que “‘produções” e “reproduções” ocorrem em ambos. Qualquer modo de produção envolve a reprodução – de instrumentos, da força de trabalho, das relações sociais; (...) Um sistema de sexo/gênero não é apenas o momento reprodutivo de um modo de produção. A formação da identidade de gênero é um exemplo de produção no domínio do sistema sexual. E um sistema de sexo/gênero envolve muito mais que relações de procriação, reprodução no sentido biológico (Rubin,1993,p.6).. Pode-se dizer que algumas ciências são construídas ou sistematizadas com o objetivo de legitimar ou manter um caráter universalizante de certos ordenamentos sociais, isto não quer dizer que a teoria em si criou as desigualdades, como já foi exposto a respeito dos preceitos da psicanálise. As estruturas elementares de parentesco” do.

(29) antropólogo Lévi-Strauss (1982) sugere, dentre outras coisas, que o parentesco é explicitamente concedido como uma imposição da organização cultural sobre os fatos da procriação biológica. Seria um pouco o inverso da psicanálise, no sentido da origem do determinismo, ou seja, as regras sociais impostas as tribos determinam o lugar social de homens e mulheres. No caso da primeira teoria, ter o pênis (fallus), simbolizando poder, ou nascer sem ele, é que será determinante no estabelecimento das regras de quem manda e de quem obedece. Teorizando um pouco a respeito do que traz Lévi-Strauss, a essência das relações de parentesco está na troca das mulheres entre os homens de tribos diferentes. A organização do parentesco tem dois elementos chaves, quer sejam a dádiva e o tabu do incesto: a “dádiva” se baseia na teoria de Mauss que sugere que o dar, receber e retribuir presentes domina as relações sociais. A doação de um presente confere aos participantes uma relação de confiança, solidariedade e ajuda mútua, mas ao mesmo tempo é uma forma de estabelecer um comércio social. A mulher torna-se então a mercadoria, o objeto de troca compartilhado nos negócios entre as famílias. O tabu do incesto, ou seja, a proibição de união entre parentes próximos funciona como um mecanismo para assegurar que as trocas se realizem entre famílias e entre grupos de linhagens diferentes. Neste sentido, presentear com mulheres tem o resultado mais profundo do que de outras transações de presentes, porque o relacionamento estabelecido desta forma não é apenas de reciprocidade, mas de parentesco que se oficializa através do casamento (Sahlins, 1972, apud Rubin, 1993). Um sistema de parentesco é para Lévi - Strauss:. Uma imposição de fins sociais sobre uma parte do mundo natural. Tratase, portanto, de produção no sentido mais geral do termo: uma modelagem, uma transformação de objetos (neste caso pessoas) e para um propósito subjetivo (...) ele tem suas próprias relações de produção, distribuição e troca, as quais incluem as formas de propriedade sobre pessoas. Essas formas não são direitos de propriedade exclusiva, mas diferentes tipos de direitos que várias pessoas têm sobre as outras, (...) Sistemas de parentesco não trocam meramente mulheres. Eles trocam acesso sexual, estatutos genealógicos, ancestrais e nomes de linhagem, diretos e pessoas – homens, mulheres e crianças – em sistemas concretos de relações sociais. Estas relações sempre incluem certos “direitos” para os homens, outros para as mulheres (Lévi-Strauss, 1982, apud Rubin,1993)..

(30) No nível mais geral, a organização social do sexo pautada pelas regras do parentesco, repousa sobre o gênero, a heterossexualidade obrigatória e a coerção feminina. Ou seja, o casamento com homens de outras tribos aparece como a única forma de organização social permitida às mulheres, a heterossexualidade é obrigatória, ou melhor, as mulheres só podem se relacionar com homens, ou da sua tribo ou de tribos vizinhas. As trocas de favores, ou de mulheres, são realizadas, a príncipio, em função da necessidade da tribo de estreitar relações com outros grupos sociais. Se for de interesse da tribo, a mulher é dada de presente e persuadida a estabelecer laços consangüíneos com outros homens. Seguindo este paradigma, o gênero é definido como: Uma divisão dos sexos socialmente imposta. É um produto das relações sociais de sexualidade. Os sistemas de parentesco repousam sobre o casamento. Portanto, eles transformam machos e fêmeas em ”homens” e “mulheres”, cada qual uma metade incompleta que só pode encontrar a completude quando unida à outra. Homens e mulheres são de certo diferentes. Mas eles não são diferentes quanto o dia e a noite, a terra e o céu, o yin e o yang, a vida e a morte. De fato, do ponto de vista da natureza, homens e mulheres são mais próximos entre si do que qualquer um dos dois em relação a um a outra coisa. Por exemplo, montanhas, cangurus ou coqueiros. A idéia de que homens e mulheres são mais diferentes entre si do que cada um o é de qualquer outra coisa, deve vir de algum outro lugar que não a natureza (Rubin, 1993, p.7).. Voltando a falar das contribuições da psicanálise, embora haja uma série de críticas a tal abordagem, alguns autores Marxistas não desprezam completamente as contribuições desta ciência uma vez que a mesma é capaz de descrever alguns mecanismos que estão na base da incorporação das regras e regulações da sexualidade dos indivíduos nas sociedades em que vivem. Para Rubin (1993), no entanto, a Psicanálise tornou-se, com freqüência, mais do que uma teoria dos mecanismos de reprodução de arranjos sexuais; ela é um destes mecanismos, ou seja, a psicanálise enquanto ciência tem contribuído para a utilização do corpo, ou da natureza no processo de legitimação de desigualdades, diferenças e antagonismos entre homens e mulheres. A teoria psicanalítica, nesta perspectiva, vê a formação da “identidade feminina” como amplamente baseado no sofrimento e na humilhação. São necessárias acrobacias, comenta Rubin (1993), para explicar porque alguém deve ter prazer em ser mulher que não seja por via do culto ao sofrimento. Nas.

(31) palavras da autora: A psicanálise em si é “uma maneira de entender como uma cultura fálica domestica as mulheres e os efeitos para as mulheres desta domesticação” (Rubin, 1993, p.14). A psicanálise também sugere que: Os componentes comuns da personalidade feminina são masoquismo, ódio de si mesma e passividade, tal julgamento não está feito. Em vez disso, uma dupla norma de interpretação é empregada. Masoquismo é ruim para os homens, essencial para as mulheres. Um narcisismo adequado é necessário aos homens, impossível para as mulheres. Passividade é trágica no homem, enquanto que a falta de passividade é trágica numa mulher (Ibid,1993,p.14).. Esta é uma crítica bastante severa feita principalmente pelas feministas que acusam Freud de determinismo biológico, embora o autor enfatize que o destino da sexualidade adulta resulta de um desenvolvimento psíquico e não biológico. Suponho como foi citado anteriormente, que a psicanálise, como muitas outras ciências psicológicas, sociais, biológicas, seja a que áreas pertençam, podem contribuir ora para emancipação, ora para fortalecimento,. universalização. e. manutenção. de. uma. condição. de. opressão/subordinação das mulheres ou de outros grupos sociais. Os leitores dos clássicos psicanalíticos sabem que Freud sistematizou, na medida do possível, uma teoria que fosse capaz de ajudar as pessoas a se libertarem, ou na melhor das hipóteses, a compreenderem os seus conflitos neuróticos, no sentido de melhor adaptar-se ao cotidiano social. Mas não apenas isto, a teoria psicanalítica, ofereceu também ferramentas para ajudar na superação de tais conflitos de modo autônomo e independente. Não considero que a psicanálise, ao identificar através do corpo, todo um imaginário de desigualdades entre homens e mulheres, os tenha criado, que ela seja a ciência vilã de toda esta história. Até porque, já foi demonstrado por outros estudos que a opressão feminina é anterior a origem dos textos freudianos. E digo mais, nem todos psicanalistas, em seus discursos e práticas oprimam as mulheres. E aí faço uma provocação: o Marxismo também não poderia ser utilizado como instrumento de opressão das classes subalternizadas? Acredito que poderia. Depende de quem o utiliza e com que objetivos. Neste sentido discordo da colocação de alguns autores sobre o papel tão forte.

(32) dado a psicanálise na reprodução de mecanismos repressivos dirigidos às mulheres. Acredito que a psicanálise também pode operar em outras bases. Retomando as idéias de Rubin (1993), a autora sustenta que o movimento feminista deve tentar resolver a crise edipiana da cultura reorganizando o campo do sexo e gênero de tal forma que a experiência edipiana de cada indivíduo seja menos destrutiva, principalmente para o ego da mulher. “Uma revolução feminista profunda libertaria mais do que as mulheres. Ela libertaria formas de expressão sexual, e libertaria a personalidade humana da camisa de força do gênero” (Rubin, p.22). Mas ressalta que as reflexões feitas pelos teóricos da psicologia/antropologia proporcionam um quadro no qual o pleno peso da sexualidade e do casamento pode ser incorporado dentro de uma análise da opressão do sexo. Isto sugere uma concepção do movimento de mulheres análogo ao movimento da classe trabalhadora, com a diferença que cada um dirigi-se a uma fonte específica de descontentamento humano. A proposta de Rubin (1993) é a de que um dia possamos construir tanto uma sociedade sem classes, como uma sociedade sem gênero, onde as formas de expressão da sexualidade não sejam obrigatórias, nem para os homens, nem para as mulheres. Ao fazer estas colocações a autora parece por em cheque as crenças construídas por nós mesmos, a respeito do que achamos que somos e achamos que desejamos, dado que são imposições sociais postas pela cultura. Somos doutrinados culturalmente para uma “heterossexualidade obrigatória”, quando, na verdade, existem outras possibilidades de exercício da sexualidade que não atingem o nosso imaginário. Sendo assim, a autora propõe uma sociedade sem gênero, que elimine a obrigatoriedade e a hierarquização de papéis sociais, organização esta que oprime a ambos, homens e mulheres. O sonho é de uma sociedade andrógena, uma vez que:. “Não somos oprimidas apenas como mulheres; somos oprimidas por termos que ser mulheres, ou homens”, Dependendo do caso. Pessoalmente, penso que o movimento feminista deve sonhar com algo mais do que a eliminação da opressão das mulheres. Ele deve sonhar com a eliminação das sexualidades obrigatórias e dos papéis sexuais obrigatórios. O sonho que acho mais fascinante é de uma sociedade andrógena e sem gênero (mas não sem sexo). Em que a anatomia de cada um é irrelevante para o que cada um é, faz, ou com quem cada um faz amor (Ibid.,p.22)..

(33) Rubin (1993) termina um de seus artigos – “O tráfego de mulheres: notas sobre a economia política do sexo” – sugerindo que as análises econômicas e políticas serão incompletas se elas desconsiderarem as mulheres, o casamento e a sexualidade. Preocupações tradicionais da antropologia e da ciência social – como a evolução da estratificação social e a origem do Estado devem ser trabalhadas para incluir as implicações de casamentos entre primos cruzados matrilaterais, da mais-valia extraída na forma de filhas, a conversão da mão-de-obra feminina em riqueza masculina, a conversão de vidas femininas em alianças matrimoniais, a contribuição do casamento ao poder político, e as transformações que todos estes aspectos variados da sociedade sofreram no decorrer dos anos. Eventualmente, alguém terá que escrever uma nova versão de “A Origem da Família e da Propriedade Privada e do Estado”, reconhecendo a interdependência mútua da sexualidade, da economia e da política sem subestimar a total significação de cada uma na sociedade humana. Em sociedades contemporâneas, por exemplo, a mulher não é mais reconhecida socialmente apenas como àquela que tem contribuído para produção e reprodução da mais valia através da exploração do trabalho doméstico não remunerado. Muitos modelos de famílias atuais não são necessariamente administrados por homens e seguem uma linha matrilinear, ou seja, onde as mulheres provêem seu próprio sustento e de suas famílias, exercendo forte poder de liderança entre seus membros. Algumas mulheres, que por outro lado, exercem mais plenamente a sua sexualidade, longe dos padrões repressores de gerações anteriores. Muitos arranjos familiares brasileiros se incluem nesse contexto. Algumas mulheres que se desdobram entre as funções domésticas e laborativas, exercendo duplas jornadas de trabalho, geradoras de um nível de stress intenso. Esta tensão pode estar estimulando algumas delas a aumentar o consumo de bebidas alcoólicas, ou de outras drogas para “relaxar” e aliviar os problemas do dia-a-dia. Estes perfis de mulheres são bem atuais e precisam ser investigados em estudos futuros que se preocupem principalmente com o papel político que estas mulheres exercem nas comunidades em que vivem, embora existam movimentos contrários, antagônicos a qualquer tipo de processo emancipatório. Em Gênero e Patriarcado, um dos seus artigos mais importantes, Saffioti (2001), estudiosa brasileira, faz crítica importante às fundamentações teóricas que explicam as relações de gênero apenas pelo viés das relações de poder, ou seja, colocando o poder no centro da organização social. Esta autora sugere que essas abordagens, apesar dos seus avanços inegáveis no sentido de avaliar outros fatores que intervêm na dinâmica.

(34) entre homens e mulheres, têm contribuído consideravelmente para a despolitização das mulheres em suas lutas por emancipação política. Em seus trabalhos Saffioti (2001) propõe que as relações antagônicas e desiguais vividas entre homens e mulheres, sempre com desvantagens para as mulheres, não podem ser explicadas, única e exclusivamente, pela utilização da categoria gênero, ou do sistema sexo/gênero. A autora propõe a utilização de outro conceito, também estudado por investigadores internacionais: o conceito de patriarcado ou ordem patriarcal. O patriarcado é uma forma de organização específica de dominação masculina e o uso do termo está relacionado a grupos pastorais e nômades como os do Velho Testamento, de onde provém tal nomenclatura, embora o sistema de dominação que coloca as mulheres no lugar de submissão/opressão em relação aos homens seja anterior a esta época. Sabe-se, por exemplo, que Abraão foi um patriarca – um homem velho, cujo poder absoluto sobre esposas, crianças rebanhos e dependentes era um dos aspectos da instituição da paternidade, tal como definida pelo grupo no qual vivia (Rubin, 1993). O patriarcado cumpre a função de estabelecer pactos de solidariedade entre os homens com o objetivo principal de garantir a opressão das mulheres, assim como de controlá-las. Este regime ancora-se em uma maneira de os homens assegurarem, para si mesmos e para seus dependentes, os meios necessários à produção diária e reprodução da vida. Neste regime, as mulheres são objeto da satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, da força de trabalho e de novas reprodutoras. Quais são então os recursos ou as estratégias utilizadas para manter as mulheres presas a este sistema opressivo: o patriarcado se baseia na utilização do controle e do medo, atitude e sentimento que forma um círculo vicioso, onde os homens convergem sua agressividade, em agressão, dirigida mais freqüentemente às mulheres (Johnson, apud Saffioti, 2001). Todavia, existe uma contradição que perpassa as relações homem-mulher na ordem patriarcal: a possibilidade do dominado não aceitar a subordinação e se rebelar contra a mesma. Mesmo na ordem patriarcal, que é uma das formas de manifestação da organização do sistema sexo/gênero, as mulheres detêm algum poder, mesmo em situações onde ela dá o consentimento para o exercício da dominação (Saffioti, 2001). O patriarcado também tem a função de servir aos interesses dos grupos/classes dominantes (Saffioti, 1969, 1999) tendo o poder de agir de acordo com os interesses desses grupos, sendo habilitado pela sociedade a tratar legitimamente as pessoas sobre quem recai o preconceito da maneira como este as retrata..

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