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Nigéria e Secularismo: uma interpretação

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Academic year: 2021

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2º CICLO DE ESTUDOS

MESTRADO EM HISTÓRIA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COOPERAÇÃO

Nigéria e Secularismo: uma

interpretação

Tânia Ferreira

M

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Tânia Raquel Porto Ferreira

Nigéria e Secularismo: uma interpretação

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História, Relações Internacionais e Cooperação, orientada pelo Professor Doutor Manuel Loff

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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Nigéria e Secularismo: uma interpretação

Tânia Raquel Porto Ferreira

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História, Relações Internacionais e Cooperação, orientada pelo Professor Doutor Manuel Loff

Membros do Júri

Professor Doutor Luís Antunes Grosso Correia Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professora Doutora Isabel Maria Galhano Rodrigues Faculdade de Letras – Universidade do Porto

Professor Doutor Manuel Vicente de Sousa Lima Loff Faculdade de Letras - Universidade do Porto

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Sumário

Agradecimentos ... 8

Resumo ... 9

Abstract ... 10

Introdução ... 11

Capítulo 1 – Secularização e o significado da História ... 16

Capítulo 2 – Secularismo no contexto pós-colonial ... 31

2.1. Distanciamento ... 31 2.2. Comparação ... 35 2.3. Neutralização ... 39 Considerações finais ... 46 Referências bibliográficas ... 50 Anexos ... 51

1 - Caracterização socioeconómica dos entrevistados ... 52

2 - Tabelas gerais de temas cruzados ... 58

3 - Exemplar de tabelas individuais ... 72

4 - Guião das entrevistas ... 75

5 - Termo de doação ... 79

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Agradecimentos

À minha família, por ter depositado em mim a confiança e liberdade de poder escolher o meu caminho e por todo o apoio que me têm dado,

Aos meus amigos que não me deixaram parar de rir, em especial ao Diogo Lourenço, à Diana Esteves e à Teresa Campos,

Ao Prof. Manuel Loff, por ter acreditado em mim,

(9)

Resumo

Partindo de entrevistas com um grupo de jovens nigerianos, que em algum momento das suas vidas optaram por viver no estrangeiro, desenvolvemos uma interpretação da visão secular inscrita nos seus discursos, seguindo para uma interpretação do significado da história no contexto pós-colonial.

(10)

Abstract

Drawing from interviews with a group of young Nigerians who have lived abroad for a period of their lives, we develop an interpretation of the secular vision inscribed in their discourses, adding to an interpretation of the meaning of history in the post-colonial context.

(11)

Introdução

Esta investigação nasce de uma urgência. Uma necessidade de questionar, integrar, esclarecer experiências vividas na interação entre o Ocidente e o resto do mundo. Ela é por isso, e simultaneamente, um ato de fé na ciência e em específico nas humanidades para interpretar e compreender o mundo. Esse mundo que pode convergir num espaço comum de diálogo e discussão acima dos particularismos históricos de cada contexto.

Desde o final de 2009, fomos reunindo questões numa observação participante, que passou pelo Quénia, em 2010 pela Rússia e pelo Vietname e finalmente em 2011 pela Nigéria até 2013. Pela afinidade que fomos desenvolvendo com este país, centramo-nos neste caso em específico.

O que se segue é o resultado de uma tentativa de síntese do que considerámos essencial nesta interação. E deparámo-nos com um problema analisado por Edward W. Saïd. Um problema de interpretação da história, de inscrição do passado no presente ou não, que se revela explícita e implicitamente num contexto pós-colonial.

Tendo sido o secularismo um elemento preponderante na expansão imperialista, com uma interpretação eurocêntrica da história, dele partimos para analisar as possíveis reconfigurações no presente através das identidades individuais de um grupo de jovens nigerianos. O cerne da nossa investigação será aqui perceber quais são as referências secularizantes nos seus discursos, para daí retirar uma conclusão sobre o significado da história ou do passado na transformação da ordem moral moderna.

Nesta transformação colocamos a hipótese de que noções de progresso e liberdade não sejam interpretadas como elementos de um secularismo histórico eurocêntrico. E que no seio dessa transformação possa estar uma interpretação secular e cosmopolita da violência.

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Caracterização da amostra: o nosso grupo de informantes é composto por 11 jovens nigerianos de idades entre 25 e 42 anos. Desses 11 jovens, 6 encontram-se entre os 31 e os 33 anos de idade, 2 entre os 25 e 26, 35 e 36 respetivamente, e 1 entrevistado de 42 anos de idade. A amostra revela uma predominância do sexo masculino, com a participação de 9 homens e 2 mulheres.

Seguindo a categorização das seis zonas geopolíticas da Nigéria1, as histórias de vida deste grupo indicam que a maioria é oriunda das cidades da zona Sul do país, mais concretamente, 7 nascidos na zona Sul-Oeste, 2 da zona Sul-Sul, 1 da zona Norte-Central, ‘Middle Belt’ ou Cintura Média2

e 1 na zona Norte-Oeste. Para além das suas zonas de origem, predominam períodos de residência na zona Sul-Oeste.

Dos 11 entrevistados todos têm experiência de migração, sendo que 9 vivem atualmente na Europa e nos Estados Unidos (num caso na Europa de Leste) e 2 vivem na Nigéria, tendo regressado ao país natal depois de alguns anos no estrangeiro.

Neste grupo, todos completaram formação académica superior ou seguiram uma via de especialização artística. 8 possuem o grau de Licenciatura, dos quais 2 estão atualmente inscritos em Mestrado. Os 3 restantes desenvolveram a sua formação através de diferentes instituições especializadas em ensino artístico, em cursos de pequena ou média duração, e através de acompanhamento em forma de mentoria.

Desta forma, revela-se que 6 participantes estão neste momento em situação profissional de contrato permanente e outro em estágio em empresas multinacionais, 4 denominam-se como trabalhadores independentes (vários artistas e um fundador de uma ONG) e 1 como estudante de mestrado.

É importante salientar também que no que diz respeito às suas crenças religiosas, todos se consideram cristãos, embora existam nuances na forma como vivenciam a religião. 6 entrevistados referem que não se identificam como ‘religiosos’ na medida em que não praticam habitualmente, e acreditam num sentido mais espiritual, mais alargado da fé. Mesmo dos 5 que afirmam que são cristãos praticantes, 2 referem que não são

1

ver ‘Geopolitical Zones of Nigeria’, in https://en.wikipedia.org/wiki/Geopolitical_zones_in_Nigeria, consultado em 30 de setembro de 2016.

2 ver ‘Cinturão Médio da Nigéria, in

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cintur%C3%A3o_m%C3%A9dio_da_Nig%C3%A9ria, consultado em 30 de setembro de 2016.

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‘fanáticos’ ou ‘extremistas’. Ser ‘religioso’ é visto pela maioria como uma imposição de valores sem respeito pelas diferenças, que não se relaciona com o ideal de ser ‘cristão’. Quanto à sua etnicidade, 7 pertencem ao grupo cultural Yoruba, 2 são Igbo, 1 Edo e um último da região do Delta3.

A Nigéria tem 182 milhões de habitantes, com 48% de população urbana. O Cristianismo e o Islão correspondem às principais religiões, sendo que 49.3% da população é muçulmana, 48.8% é cristã e 1.% pertence a o religiões indígenas ou outras4. Em 2005 estimou-se que 10% da população frequentava estudos universitários.5

Lagos é a maior cidade da Nigéria, a maior do continente africano e umas das maiores aglomerações urbanas do mundo. Estimativas do número de nigerianos que vivem no estrangeiro variam de 5 a 15 milhões.

Descrição do processo de recolha de informações: o convite para a participação neste projeto foi realizado através da Internet, pelo Facebook e pelo Skype. 8 dos participantes são contactos pessoais realizados durante o período em que nos instalámos na Nigéria (2011-2013). Dado que a maioria desses contactos com experiência de migração são homens, recorri à ajuda de um dos participantes para convidar mulheres. A única mulher que tinha contactado anteriormente e aceite participar acabou por não responder mais, por razão desconhecida. As 2 mulheres entrevistadas são assim conhecidas de conhecidos. Por razões totalmente alheias ao desenvolvimento da tese, realizei um contacto online com um nigeriano a viver no estrangeiro, que não conhecia, mas que por se enquadrar no perfil, convidei a participar no projeto, o que aceitou.

A resposta ao convite foi rápida e positiva. Num espaço de poucas horas obtive resposta afirmativa por parte de várias pessoas, que demonstraram entusiasmo em relação à entrevista. Os primeiros contactos foram realizados no final de maio de 2015, e as entrevistas efetivas ocorreram entre 8 e 30 de agosto de 2015 por Skype. Duraram

3

Quando se pergunta sobre o grupo étnico, é comum a resposta remeter para o Estado onde se situa esse grupo, se forem menos conhecidos. O Delta é, assim, o nome de um Estado e não o de uma cultura.

4

Ver ‘Religion in Nigeria’ in https://en.wikipedia.org/wiki/Religion_in_Nigeria, consultado em 30 de setembro de 2016.

5

Ver ‘Education: gross enrolment ratio by level of education’ in

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em média 1h20 minutos cada. Devido a problemas de som com o aparelho de gravação, um programa de áudio em telemóvel, foi necessário repetir metade de uma entrevista, o que aconteceu a 6 de setembro de 2015. Num outro caso, a má ligação de Internet exigiu a interrupção da entrevista que foi retomada e finalizada a 31 de agosto de 2015.

Ficaram 5 convidados por entrevistar. 2 faltaram mais do que uma vez à entrevista marcada online, apesar de terem aceite a participação, outros 2 não responderam no momento de marcar a entrevista, e uma pessoa que se encontra na Nigéria mostrou-se sempre disponível, mas por razões meramente técnicas de conexão, decidimos não realizar a entrevista.

O entusiasmo sentido por parte de vários entrevistados, foi acompanhado em alguns casos pelo facto de esta ser uma experiência rara, a de falar das suas vidas para um projeto de investigação. Alguns mostraram interesse em conhecer os resultados do projeto. A necessidade de direcionar a entrevista obrigando os informantes a se aproximarem mais do guião inicialmente concebido, dependeu um pouco do grau de conforto dos participantes, por um lado, e da minha capacidade para detetar no momento aspetos interessantes a serem desenvolvidos, por outro. Quando existiu espaço para improvisar perguntas, foi quando se sentiu maior fluidez na entrevista. O momento de migração é um tema central nas vidas destes participantes, e é sobre a Nigéria que, no decorrer das entrevistas, logo após a primeira, percebi que falavam mais à vontade.

Parece ter sido aquele entusiasmo que ajudou a equilibrar o facto destas interações terem ocorrido por Skype. Se por um lado, não convida tanto a uma entrevista que se prolongue por várias horas, por outro, a sensação de urgência ajudou a que os entrevistados procurassem encontrar as respostas certas para aquilo que quisessem exprimir. Apenas em uma entrevista se verificou que o Skype não colocou qualquer entrave à vontade de divagação por parte do entrevistado. Acima de tudo, existiu em todas as entrevistas uma grande disponibilidade para corresponder às expectativas, de querer ajudar.

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Capítulo 1 – Secularização e o significado da História

A era secular, ou laica de laicidade, trouxe importantes desafios ao reconhecimento de uma dimensão moral e espiritual nos nossos imaginários o que, segundo Charles Taylor, advém da transformação das condições de crença e descrença, da possibilidade ou impossibilidade de certos tipos de experiência. Taylor preocupa-se não tanto com a descrição das próprias crenças ou descrenças ‘como teorias rivais’, isto é, ‘ways that people account for existence, or morality whether by God or by something in nature’, mas com ‘different kinds of lived experience involved in understanding your life in one way or the other, on what it’s like to live as a believer or an unbeliever’6

.

Taylor parece aproximar-se de Dilthey ao colocar a experiência da vida, as práticas sociais como produto da história, na base de formação de novas mundividências, cuja estrutura consiste ‘numa conexão em que, sobre a base de uma imagem cósmica, se decidem as questões acerca do significado e do sentido da vida e daí se deduzem o ideal, o sumo bem, os princípios supremos da conduta de vida’7. Tratam-se, para Taylor, de ‘intuições morais’ que, na génese de uma identidade moderna, deram origem a uma nova configuração de Si próprio, ‘a given ontology of the human’, na qual o autor procura interpretar as ‘idée-forces’, ‘how they became central to a society in history’, ‘what gave its spiritual power’8

.

Partindo também das intuições, ‘toda a genuína mundividência é uma intuição que brota do facto de estar imersa na própria vida’, Dilthey refere que para apreendermos os tipos de mundividência devemos virar-nos para a história como ‘nexo entre a vida e a metafísica’, ‘mergulhar na vida como centro destes sistemas’, na ‘consciência das grandes conexões de sistemas que atravessam a história, em que existe um comportamento típico’9

. Dilthey fala de uma consciência histórica estabelecendo uma relação entre a metafísica e a cultura secular, assim como a ciência.

6

Charles Taylor, A Secular Age, Harvard University Press, Cambridge, MA, 2007, p.4.; ênfase do autor.

7

Wilhelm Dilthey, Os Tipos de Conceção do Mundo, Lusosofia Press (lusosofia.net), trad. Artur Morão, 1911, p. 17.

8 Charles Taylor, Sources of the Self: The Making of Modern Identity, Harvard University Press,

Cambridge, MA, 1989, p. 203.

9

(17)

Aqui, as conceções religiosas do mundo, cuja ‘força operante do invisível é a categoria básica da vida religiosa elementar’10

teriam preparado uma visão metafísica. ‘O processo total do nascimento e da consolidação das mundividências impele à exigência de as elevar a um saber de validade universal’, ‘a tendência para a consolidação leva para além delas’. A metafísica surgiria, deste modo, com o momento de conformação das experiências de vida às ‘exigências da razão’, quando ‘a conceção do mundo se eleva a uma conexão conceptual, quando esta ganha uma base científica e se apresenta, portanto, com pretensão a uma validade universal’11

.

O processo de secularização estará, assim, intimamente ligado à concentração daquela dimensão suprassensível, da transcendência da religião, de uma conceção do mundo cujos fins se situam para além da satisfação humana, num espetro de uma vida imaginada para as massas12, ou para os indivíduos. Na era da laicidade, metafísica e religião cruzam-se sobre a tendência para que esta se submeta a um processo de subtração, ou ‘morte de Deus’13

nos sistemas metafísicos, em virtude de uma razão autossuficiente. Aquela consciência histórica de Dilthey é já produto da secularização ao ‘transformar em objeto seu o conflito realmente existente dos sistemas na sua íntegra constituição. A consciência histórica contempla estas constituições globais em conexão com o decurso das religiões e da poesia. Mostra como todo o trabalho conceptual metafísico não deu um passo em frente em direção a um sistema unitário’14.

Taylor considera também o desenvolvimento histórico da dimensão espiritual moderna: ‘our sense of where we are is crucially defined in part by a story of how we got there. In that sense, there is an inescapable (though often negative) God-reference in the very nature of our secular age’. Segundo o autor, a cultura moderna teria legitimado uma visão de dois extremos da religião, da sua transcendência ou da sua negação, ou subtração, concluindo que: ‘we are doomed to misidentify ourselves, as long as we can’t do justice to where we come from’15.

10 Op. cit., p. 22. 11 Op. cit., p. 28-29. 12

Charles Taylor, A Secular Age, p. 19-20.

13 Op. cit., p. 21. 14

Wilhelm Dilthey, op. cit., p. 33

15

(18)

‘We were not at the top’, refere Taylor. Esta vulnerabilidade advinha de uma devoção e temor a um ser superior, condição essa que se inverte numa viragem antropocêntrica, com o surgimento do que o autor chama de ‘exclusive humanism’, e que traz uma nova noção de si próprio, um ‘buffered self’, ‘the self which is aware of the possibility of disengagement’16

, do cosmos e de Deus. Viragem crucial da era secular, o sujeito moderno passa a reconhecer alternativas para além de Deus, nas suas respostas a questões como ‘what makes our lives meaningful or fullfilling?’, ‘what underlies our own dignity?’ ou ‘what makes life worth living?’17

.

Dá-se o fim de um ‘naïve acknowledgement of the transcendent or of goals or claims which go beyond human flourishing’18

, buscando agora a sua fonte de poder espiritual não fora, mas dentro de si mesmo, no âmbito daquele humanismo exclusivo. Deixando de estar obrigatoriamente vulnerável a uma ordem cósmica superior19, o sujeito moderno dá sentido à sua existência imaginando-a. A mente torna-se o único locus de significados possíveis para os fins da vida humana: ‘thoughts, feelings, spiritual élan is what we call minds; the only minds in the cosmos are those of humans; (…) and minds are bounded, so that these thoughts, feelings, etc., are situated “within” them’20.

Por um lado, esta transformação coloca o ênfase numa libertação e autonomia face àquela ordem que, talvez como Dilthey afirma, se inspire no ‘avanço do espírito na história’, que ‘deve buscar posições mais livres perante a vida e o mundo – posições que não estejam vinculadas a tradições que dimanam de origens obscuras e duvidosas’21

. Por outro lado, desenvolveu-se uma ontologia moral, ‘visions of the good’ – ‘moral ideas, understandings of the human predicament, concepts of the self’22

- que seriam a tentativa consciente de articulação das práticas sociais, das experiências da vida, e que, segundo Taylor, terão adquirido uma força preponderante, ‘infiltrando-se’ no nosso imaginário social.

16

Op. cit., p. 42.

17 Charles Taylor, Sources of the Self, p. 4. 18

Charles Taylor, A Secular Age,p. 21.

19

Embora Taylor desenvolva que esta ‘velha ideia do cosmos’ se transforma num ‘universo neutral moderno’.

20 Op. cit., p. 20. 21

Wilhelm Dilthey, op. cit., p. 25.

22

(19)

A ideia de infiltração adequa-se à interpretação crítica que Taylor faz do processo de laicização e da própria cultura moderna, que não parece fazer justiça àquilo que Dilthey chama de ‘enigma da vida’. Com efeito, o caráter mutável das experiências da vida que, mesmo estruturado num todo ‘cheio de contradições, ao mesmo tempo vitalidade e lei, razão e arbitrariedade’23

, constituiria um aspeto essencial de compreensão de mundividências e seus significados numa época secular. Uma das condições de impossibilidade deste tipo de abordagem encontraria o seu ponto de partida numa certa grelha interpretativa da realidade das elites do século XVIII aliada ao prestígio da razão e da ciência.

Na época contemporânea, a descrença na religião é, segundo Taylor, normalmente interpretada como uma ultrapassagem da irracionalidade da crença, o que traz consigo uma consciência histórica a ela associada, ‘this perfect-tensed consciousness’24

. Por outro lado, toda tentativa de enquadramento de novas crenças ou descrenças tende a cair dentro do âmbito daquele humanismo exclusivo. O ponto de viragem dar-se-ia com o Deísmo, o que em geral ‘was not just the result of “reason” and “science”, but reflected a deep-seated moral distaste for the old religion that sees God as an agent in history’25. Baseava-se num novo sentido da história: ‘time is homogeneized’, e o universo passa a constituir-se por ‘universal causal laws’26 numa ordem impessoal.

As primeiras mudanças que estariam na base desta grelha interpretativa do deísmo moderno e que integrariam ‘the essential dimensions of our understanding of human life, but (…) excluded (…) altogether from our relation to God’ seriam: ‘the body, history, the place of individuals, contingency, and emotions’. Taylor parece assumir uma posição moral salientando aquilo que está em jogo, na constante iminência de se perder, agora como então, no seio desta ordem impessoal. Aí se dissolve o cosmos como fonte de autoridade divina pessoal, ‘no place at all for communion with God as a transforming relation’, sujeitando a uma espécie de arrumação toda a forma de

23

Wilhelm Dilthey, op. cit., p. 12.

24 Charles Taylor, A Secular Age, p. 269. 25

Op. cit., p. 274.

26

(20)

‘embodied feeling’, ‘no longer a medium in which we relate to what we recognize as rightly bearing na aura of the higher’27

.

Numa sociedade moderna, aquelas leis ou códigos acessíveis através da razão compreendem em si uma moralidade que une agora os cidadãos numa ordem igualitária, ‘in which we are all related in the same direct-acess way to the society, which itself must be understood also objectively, product of our coming together’28

. Neste contexto percebemos a relevância do papel das crenças e de uma moralidade na ordem política. Marcel Gauchet debruça-se sobre este mesmo fenómeno entrelaçado na ‘saída da religião’, o que constitui uma reabsorção pelo político da crença religiosa, ‘la transmutation de l’ancien élement religieux en autre chose que de la religion’29

. Na relação entre crença e política, será interessante contrapor Taylor a Gauchet pela formulação que fazem de uma noção de identidade (moderna). Importa para isso começar por distinguir o lugar que ocupa o campo político nas suas explicações sobre o processo de secularização.

Taylor preocupa-se, como já vimos, com as condições da própria experiência vivida da crença ou descrença, que inseridas na história, se articularão num ‘common space of understanding in which our current ideas of the self and the good have grown’. O campo político surge aqui como uma de entre as várias esferas da vida humana: ‘the modern identity arose because changes in the self-understandings connected with a wide range of practices – religious, political, economic, familial, intellectual, artistic – converged and reinforced each other to produce it’30.

Gauchet desenvolve uma história política da religião considerando a ordem política como a base de coesão das comunidades humanas. As religiões, as crenças religiosas e a religiosidade ‘sont une instituition secondaire, une instituition dérivée, une manière de mettre en forme cette condition politique primordiale’31. Por esse aspeto, a ‘saída da

religião’, (de ‘sortie de la réligion’ conforme Gauchet a usa), ‘fait génerateur des

27 Op. cit., p. 288. 28

Op. cit., p. 281.

29

Marcel Gauchet, La religion dans la démocratie: parcours de la laïcité, Éditions Gallimard, Paris, 1998, p. 17.

30 Charles Taylor, Sources of the Self, p. 206. 31

Marcel Gauchet in ‘Du religieux, de sa permanence et de la possibilité d’en sortir: Régis Debray, Marcel Gauchet: un échange’, Le Débat, 127, Éditions Gallimard, Paris, Nov-Dec, 2003, p.5.

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societés contemporaines’, é um processo histórico em que crença religiosa e crença política ‘ramasse en elle l’essentiel du mouvement des societés et du mouvement des esprits depuis deux siècles’32

.

Este movimento encontra um ponto de passagem crucial que Gauchet considera ter ocorrido na Europa entre 1750 e 1850, focando-se essencialmente no caso francês. Do mundo da heteronomia ao mundo da autonomia assim ocorre a transição. O poder supremo da religião, ‘les revolutions modernes - la révolution anglaise, puis la révolution américaine, puis la révolution française - le ramènent sur terre, à hauteur d'homme. (…) elles vont le constituer par un acte exprès de la volonté des citoyens’33

. Do ponto de vista da formação das crenças encontra-se aqui o momento em que as sociedades autónomas, unidas pela cidadania, orientam a produção de si mesmas para o futuro: ‘autant le pouvoir primait et dominait à l’âge religieux de l’exteriorité et de l’anteriorité du fondement (…) autant à l’âge de l’histoire (de l’histoire comme vecteur de l’autonomie), c’est la societé qui va primer’34

. Aqui o mundo da autonomia é também mundo histórico e é neste contexto que a ideologia se torna discurso produzido pela sociedade na explicação racional do seu passado e presente, reencontrando a crença na sua viragem para o futuro: ‘il y a un invisible terrestre qui appelle tout autant la spéculation et la foi que l’invisible céleste’35

.

Nesta perspectiva, a história apresenta-se como uma necessidade transcendente, ‘opérateur d’une restauration’, ‘une révélation dont nous avons aujourd’hui le dernier mot parce que nous sommes à la fin de l’histoire et que le parcours se récapitule dans l’advenue de l’esprit au savoir de soi. (…) L’histoire, au travers du dénouement cataclysmique qui se dessine dans le présent, va vers son Autre; elle est promesse de son contraire’36

.

Ora, em La réligion dans la démocratie, Gauchet procura interpretar o que considera de reorientação antropológica ‘se não mesmo o surgimento de uma humanidade inédita’

32

Marcel Gauchet, ‘Croyances religieuses, croyances politiques’, Le Débat, 115, Éditions Gallimard, Paris, Mai-Août, 2001, p. 3.

33

Marcel Gauchet, La réligion dans la démocratie, p. 15.

34 Marcel Gauchet, ‘Croyances religieuses, croyances politiques’, p. 5. Ênfase do autor. 35

Op. cit., p. 6.

36

(22)

através da transformação da crença nomeadamente com a vaga liberal a partir dos anos 70. Estaria em causa uma mudança fundamental do sentido da política, analisando as transformações da sociedade civil como ‘foyer de sens’ num contexto de redefinição democrática que coincide com a perda de confiança na acção política e na coisa pública, assim como uma ‘décomposition de l’esprit revolutionnaire et du ralliement aux formes et aux règles du regime représentatif’37

.

Considera que o problema laico, de direito público, não permite normalmente perceber como entre o espírito da religião e da política tem ocorrido um ‘désencadrement de la societé civile qui précipite sa dissociation définitive d’avec l’État’. Trata-se de uma mudança do ‘estatuto público da crença privada’, na qual o sentido da vida coletiva derivaria apenas de ‘interpretações privadas de fins públicos’. Numa relativização da cidadania e da própria heteronomia religiosa ‘c’est la disparition de l’alchimie qui était supposée se dérouler dans la societé politique qui a porté au premier plan et fait apparaître en pleine lumière la societé civile dans sa diversité’38.

‘Changement d’optique’, ‘renouvellement du regard’, ‘modification de la lumière’, as palavras e os princípios são os mesmos, ‘mais le grammaire est autre’. ‘Le message très different’. Segundo Gauchet, este ressurgimento de diversidade leva a reconsiderar a natureza e as vias ‘du rapport de représentation entre les composants de cette sphère civile radicalement autonomisée et la sphère politique’39

.

Central para este regime de crença seria uma noção de identidade que se opõe a uma ‘ideia de subjetividade associada à figura do cidadão desde o século XVIII’. A identidade que se forma neste exercício de cidadania compreende uma participação na universalidade da esfera pública que implica um distanciamento das particularidades de cada um. A transformação da crença em ‘identidades’ implica o contrário: ‘l’appropriation des caractéristiques collectives reçus est le vecteur d’une singularisation personelle’40 . 37 Op. cit., p. 96. 38 Op. cit., 108-109. 39 Op. cit., p. 110. 40 Op. cit., p. 124-125.

(23)

‘Je suis ce que je crois’, parece ser um enorme fardo para um só indivíduo ou para um só grupo que agora radicalmente se torna objeto da sua própria escolha. Mas Gauchet especifica: ‘son enjeu n’est pas du côté de la vérité du message auquel je me ralie, mais du côté de la définition subjective qu’il [le choix] me procure. (…) L’accent est d’autant plus porté sur les formes extérieures ou sur les modes de vie (…) l’implication personelle (…) elle est forte au contraire (…) elle n’est pas prioritairement tournée vers l’au delà. Son resort primordial est l’identification de soi ici-bas’41

.

Por um lado, esta ‘identitarização’ levaria a um pluralismo radical, quer dizer ‘chacun admet la liberté de l’autre, mais n’en maintient pas moins pour son compte un style de conviction excluant la considération que d’autres convictions sont possibles’42, por outro, tende a projetar-se na esfera pública através de uma ‘política de reconhecimento das crenças’ o que significa, para Gauchet, uma relação de representação entre sociedade civil e sociedade política ‘redéfinie dans sa justification par le principe de coexistence’43

.

Será relevante trazer a noção de identidade moderna de Taylor que reforça aspetos identitários fundamentalmente diferentes deste novo regime. Para Taylor existem condições já de si transcendentais para a formação de uma identidade. Tratam-se de enquadramentos ou ‘frameworks’, ‘a background, explicit or implicit for our moral judgements, intuitions or reactions’44

aos quais não podemos escapar, porque constituem a nossa base para tomarmos posições de valor, do que é o bem, o que é admirável ou significativo. Se perdermos esta identificação ou orientação, deixaríamos de perceber o significado que têm as coisas das vida para nós próprios. O que acontece em alguns casos no que se chama uma ‘crise de identidade’ que Taylor afirma ser uma experiência dolorosa e assustadora.

Coloca a questão ‘Who are we?’ em termos de uma orientação moral por duas razões. Primeiro, porque nem sempre o fizemos historicamente: ‘underlying our modern talk of identity is the notion that questions of moral orientation cannot be all solved in

41 Op. cit., p. 131-132. 42 Op. cit., p. 129. 43 Op. cit., p. 142. 44

(24)

simply universal terms’45

. O que seria então de valores como o respeito pela vida do outro, ou noções gerais sobre o que representa uma vida digna? ‘We are all framed by what we see as universally valid commitments, (…) and also by what we understand as particular identifications’46

. Por outro lado, coloca a questão em termos de ‘Who?’ porque nos posiciona como interlocutores capazes de responder por nós próprios perante uma comunidade o que implica uma orientação fundamental em termos de ‘who we are’.

Assim, o ‘desaparecimento da alquimia’ entre Estado e sociedade civil parece corresponder a uma relação transformada entre fins universais e particularismos, na qual se torna consensual o ‘fim das ideologias’, ou da legitimidade de qualquer concepção totalizante da sociedade pelo Estado. Uma e outra coisa resultariam em grande probabilidade no tipo de horrores que marcaram o século XX.

As transições democráticas que se desenrolaram por todo o mundo até ao fim deste século vieram solidificar ideias que têm sido enquadradas no chamado neoliberalismo, que aparece como um vetor crucial na veiculação de uma lógica de ultrapassagem da ‘irracionalidade da crença’, em virtude da pluralidade moral e da liberdade seculares. Neste sentido, o que parece distinguir as democracias liberais de hoje do período das revoluções modernas do final do século XVIII, é o ênfase extraordinário que hoje se coloca sobre o esvaziamento de qualquer moral coletiva.

Naquele caso, a economia do século XVIII estava ligada a um ‘self-understanding of polite civilization as grounded in a commercial society’, à apreciação da vida humana ‘designed to produce mutual benefit’. Tomando uma posição central no espaço social, o comércio e a actividade económica seriam cada vez mais ‘the path to peace and orderly existence. «Le doux commerce» is contrasted to the wild destructiveness of the aristocratic search for military glory’. Entre os homens, ‘the ethic of civic humanism’ poderia rivalizar ‘the ethos of commerical society’47

, mas ambos constituíam espaços de uma ordem moral moderna que se procurava como ideal.

45 Op. cit., p. 28. 46

Op. cit., p. 29.

47

(25)

Nos últimos vinte e cinco anos a premissa liberal sobre o bem comum tem assentado sobre o seu caráter ‘implausível’ e ‘potencialmente perigoso’48

, para que daí não se possa identificar através da razão ‘a set of common human purposes’, mas, pelo contrário se possa racionalmente identificar as condições de agência e autonomia para a busca de preferências subjetivas. ‘The economy as a morally free zone’, é-o, nesta perspetiva, na medida em que não se encontra restringida por fins públicos, mas apenas por procedimentos. Em tal sociedade, ‘the framework of law’ constitui a sua base de legitimidade. ‘The right before the good’ não deixa de considerar uma noção de bem, mas que é ‘procedure’49

.

Perante uma conceção moral minimalista de liberdade (liberdade resume-se à ausência de coerção, resistindo à ideia de que ‘liberty involves ability, resources and opportunities, and that freedom has something to do with a specific set of human virtues’), tender-se-ia, segundo Plant, a uma desvalorização dos instrumentos democráticos de diálogo e debate na procura de consensos sobre distribuição de recursos e necessidades básicas comuns em favor de uma economia livre em que o mercado ‘is best seen as a kind of institutional embodiment of the subjectivity of value and individual preference’50

. O consenso pode ser também, afirma Plant partindo de Rawls, o resultado de uma doutrina política que, dado o pluralismo moral das sociedades, se elevaria num quadro de bem comum pela neutralidade, ‘not rich, substantive or first order’, ‘misconceived if it is understood to have a universalist or metaphysical message to impart’51

.

O problema que surge desta neutralização dos universais da esfera pública num contexto de transformação democrática é a própria confusão dos enunciados. Reduzido a mecanismos e procedimentos, o neoliberalismo apresentam-se como um sistema separado da sua própria universalidade. Essa parece ser, aliás, a sua marca,

48

Raymond Plant, Politics, Theology and History, Cambridge University Press, Cambridge, 2004, p. 197.

49 Op. cit., p. 200-212; ênfases do autor. 50

Op. cit., p. 205.

51

(26)

desconsiderando que num processo em aberto ‘every politics involves the (re)production of a vision, a mythos, of community’52.

Numa analogia mais ou menos distante, o neoliberalismo está para os universais como o pós-modernismo está para o século XX, que, segundo Jacques Rancière, ‘in a sense, was simply the name under whose guise certain artists and thinkers realized what modernism had been: a desperate attempt to establish a ‘distinctive feature of art’ by linking it to a simple teleology of historical evolution and rupture. There was not really a need (…) to make this late recognition of a fundamental fact of the aesthetic regime of the arts into an actual temporal break, the real end of a historical period’53.

Importa para isso reconhecer a universalidade de um regime político-económico e sua articulação com contextos particulares históricos. O mundo das transições democráticas tornou-se também num mundo de convergência, da ‘longue paix’ internacional, da ‘relativisation de l’Occident et le rejet des nationalismes agressifs’54

. A era dos imperialismos teria consagrado a corrida das nações pela apropriação exclusiva da universalidade: ‘Les nationalismes au nom de la civilisation (…), contre la civilisation, (…) la civilisation victime des nations qui pretendent la capter à leur profit’, o que resultaria também numa rejeição do termo em virtude do seu plural: ‘les civilisations’. Para Gauchet é importante considerar a civilização na sua singularidade substancial para compreender o momento presente formulado num simétrico inverso, isto é, ‘la civilisation sans les nations, (…) le dépassement des nations au profit de la civilisation’55

.

O princípio da civilização é retomado a partir de baixo ‘sous son aspect le plus humble, le plus prosaïque, mais aussi le moins sujet à discussion: l’aspect matériel de l’industrie, de la technique, des échanges, du calcul économique’, mas o que é preciso saber reconhecer nestes dados é a ‘versão concreta da universalidade científica’, assim

52 Daniel M. Bell Jr., ‘State and Civil Society’, in (ed.) Peter Scott, William T. Cavanaugh, The Blackwell

Companion to Political Theology, Blackwell Publishing, Malden, 2004, p. 423.

53

Jacques Rancière, The Politics of Aesthetics: The Distribution of the Sensible, Continuum, London, 2004, p. 28.

54 Marcel Gauchet, ‘Le problème européen’, Le Débat, 129, Éditions Gallimard, Paris, mars-avril, 2004, p.

58.

55

(27)

como do ‘universalisme du droit et de l’État de droit’56

. À luz da crítica do etnocentrismo podemos olhar para o Ocidente moderno através daquilo que o ultrapassa: ‘une manière de penser et de faire’ e ‘une manière collective de se constituer et de fonctioner’. Este é o universal não próprio da Europa, mas um universal ‘tout court à part et indépendement des acteurs particuliers qui contribuent à son actualisation’57. O dilema desta convergência torna-se saliente pela sua especificidade, que não tem resultado, através da apropriação dos vetores universais da civilização, em entidades propriamente políticas. A sua validade universal é, contudo, bastante evidente.

Neste contexto, reconhecer a universalidade de um regime como o neoliberalismo implica, pois, perceber as suas fontes de legitimidade. Uma das consequências imediatas da lógica de subtração da moral coletiva58 não é o seu desaparecimento por inteiro, mas uma mudança de posição que ela ocupa no imaginário social. O regime confunde-se com os procedimentos que adota, como se ultrapassasse a visão que lhe está subjacente. Para Taylor, característica central da sociedade moderna é a sua organização em termos instrumentais: ‘what this organization is instrumental to concerns the basic conditions of existence as free agents, rather than the excellence of virtue’59. O autor mostra-nos como ao longo de quatro séculos uma ordem moral moderna se foi desenrolando numa ‘longa marcha’, sublinhando processos de mutação através de três eixos que demonstramos agora.

Uma ordem moral ou política é mais do que um conjunto de normas. É antes ‘an identification of features of the world or divine action or human life that make certain norms both right and (…) realizable’60

. Esta identificação tem por base um imaginário social (‘ways ordinary people ‘imagine’ their social surroundings’), que foi sendo transformado por ideias que pertenciam de início a uma elite minoritária, mas que se alargaram com o tempo a cada vez mais nichos da sociedade.

As ideias e o imaginário social constituem dois desses eixos, e eles influenciam-se mutuamente. São exemplos dessa relação as Revoluções Francesa e Americana em que:

56

Op. cit., p. 58-59.

57

Op. cit., p. 60-62.

58 Por analogia à lógica de ‘subtração da religião’ numa era de laicidade, proposta por Taylor. 59

Charles Taylor, Modern Social Imaginaries, p. 13.

60

(28)

‘there was some awareness of the historical primacy of theory, which is central to the modern idea of a revolution, whereby we set out to remake our political life according to agreed principles. This constructivism has become a central feature of modern political culture’61

.

Existe, contudo, outro eixo de expansão ou transformação da ordem moral moderna que não se finaliza num imaginário nem numa teoria, mas constitui-se como uma ‘hermenêutica de legitimidade’ oferecendo pistas interpretativas para a compreensão da realidade: ‘Sometimes a conception of moral order does not carry with it a real expectation of its integral fulfillment. This does not mean no expectation at all (…). It will be seen as something to strive for, and it will be realized by some, but the general sense may be that only a minority will really succeed in following it, at least under present conditions’62.

O núcleo duro da universalidade civilizacional de que fala Gauchet parece adequar-se às características deste terceiro eixo. Se assim assumirmos a ligação, direito e razão não serão apenas condições de apropriação de uma universalidade material, mas constituirão também pistas interpretativas de um dever ser a realizar intuitivamente, mesmo que aquelas condições materiais não se realizem inteiramente de imediato.

Podemos considerar, como o faz Gauchet, que estas prescrições não definem uma ‘maneira de ser total’: ‘La science, le calcul, les règles de l’action rationnelle ne dictent pas le tout des façons de penser et des façons de faire. Les droits de l’homme ne commandent pas le tout des rapports entre les êtres et du fonctionnement des institutions politiques’. E aqui encontramos os particularismos necessários. ‘Plus l’universalité civilisationnelle progresse, plus l’arpentage cosmopolite de la variété des contextes où elle prend sens s’impose comme un impératif’63

.

O impasse entre universais e particularidades históricas mostra como a produção de significado e a compreensão da nossa existência não se tem feito unilateralmente.

61

Op. cit., p. 29.

62 Op. cit., p. 6; por contraste, ‘the king’s two bodies’ corresponde a uma conceção medieval de

realização de uma ordem moral ‘aqui e agora’.

63

(29)

‘Images of moral order, although they make sense of some of our actions, are by no means necessarily tilted toward the status quo’64. Este impasse realça, como Dilthey, que todo o trabalho conceptual metafísico ‘não deu um passo em frente em direção a um sistema unitário’. Reforça como a esfera pública moderna, constituída pelo tempo secular da mente humana, se reencontra com o invisível religioso, através da imaginação. O invisível que apela ‘[à] la spéculation et la foi’ entrelaça-se num ‘repertório de acções coletivas’65

que legitimam uma determinada compreensão da realidade, num processo em aberto, nunca totalmente finalizado.

No entanto, ‘pluralisation de l’universel n’implique pas le relativisme’66

como entendem os pluralistas radicais. O dualismo entre ‘thin interpretations’, um ‘set of universal principles adapted (thickly) to these or those historical circumstances’, será um elemento central de qualquer moral: ‘Morality is thick from the beginning, culturally integrated, freely resonant, and it reveals itself thinly only on special occasions, when moral language is turned to specific purposes’67. Permanece uma ideia de valores comuns quando pessoas se encontram em situações de crise moral, em que ‘often brought on by defects in the moral particularism of their own societies (Nazism would be an exemple) invoke a sense of common humanity to justify what they do in standing against the impact of that particularism’68

.

O tempo da mente alargou-se ao mundo inteiro. Dá-se o fim de um ‘naïve acknowledgment’ de uma excecionalidade europeia. É sobre aquelas variadas leituras, ou ‘arpentage cosmopolite’, que partimos para uma tentativa de interpretação do secularismo no contexto pós-colonial, não sem antes proceder a um enquadramento.

Bruce Robbins coloca a questão: ‘Is the Postcolonial Also Postsecular?’69

. Com isso, elabora uma reflexão à crítica feita ao secularismo, por exemplo, de Gil Anidjar70, que refere ‘if Orientalism teaches us anything, it is that Orientalism is secularism’. Robbins

64 Charles Taylor, Modern Social Imaginaries, p. 28. 65

Op. cit., p. 25.

66

Marcel Gauchet, idem.

67

M. Walzer citado in Raymond Plant, Politics, Theology and History, p. 354.

68 Raymond Plant, op. cit., p. 357. 69

Bruce Robbins, ‘Is the Postcolonial Also Postsecular?’, boundary 2, Spring 2013, pp. 246-262.

70

(30)

considera esta equivalência demasiado redutora, colocando a responsabilidade, ou culpa ‘for all the ills of the world (…) located in one collective subject’, como o Ocidente, derivando do que chama de ‘theological thinking’, ou nas palavras de Saïd, ‘uncritical religiosity’.71

Perante os ‘erros do passado’, Robbins com Saïd, reponde àquela questão a partir de uma tomada de posição ‘on how to think about the past’72

. Essencialmente, define secularismo como a capacidade para ‘self-scrutiny’ que envolve ‘this secularizing of the secular’, ‘critical of humanism in the name of humanism’, ‘anti-antimodern’, um secularismo com dois sentidos que reconhece a preservação assim como a transformação de elementos religiosos.73

Deste modo, Robbins refere que a versão de secularismo de Saïd se restringe ao domínio da história, ‘which he undestood as “open” in a polemical sense. (…) the secular notion that the historical world is made by men and women, and not by God, and that it can be understood rationally’.74

Esta ideia de ‘abertura’ indica por analogia à ‘immanent frame’ de Taylor, que construções de identidade como a ocidental, nacional, racial, étnica e religiosa ficam expostas a outras formações da era secular que podem transformar os pontos de referência dominantes de identidade individual75. A questão pertinente que Balibar coloca é: como? O capítulo que se segue incide sobre esta preocupação.

71

Bruce Robbins, op. cit., p. 256.

72 Op. cit., p. 251. 73 Op. cit., p. 250. 74 Op. cit. 75

Étienne Balibar, ‘The Nation Form: History and Ideology’ in Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein,

(31)

Capítulo 2. –O secularismo no contexto pós-colonial

Ao analisarmos as entrevistas realizadas para esta investigação deparámo-nos com referências que coincidiam com conceitos trabalhados por Bruce Robbins em Perpetual

War: Cosmopolitanism from the Viewpoint of Violence. Referimo-nos ao distanciamento e à comparação. O conceito de neutralização apoia-se, como se

perceberá, numa análise de Charles Taylor em A Secular Age. A razão para escolher tais conceitos não é apenas por se enquadrarem numa visão secular do mundo, mas porque parecem constituir ferramentas de análise interpretativa intermédias para orientarmos a nossa investigação.

Pretendemos assim chegar à visão secular dos informantes. Achamos que o conteúdo das citações se entrelaça implicitamente com os três eixos de transformação de uma ordem moral moderna que Taylor enuncia em Modern Social Imaginaries. A relembrar, a influência das ideias ou teorias e sua relação com o imaginário social, assim como o terceiro eixo de expansão que o autor define como ‘hermenêutica de legitimidade’. Foram tidos em consideração também os contributos de Clifford Geertz76

sobre a interpretação de significados no que diz respeito à ‘relação significativa’ entre o que ‘é’ e o que ‘deve ser’77

inserido nos discursos dos informantes, produzindo o que pensamos ser uma moralidade de qualidade simbólica.

2.1. Distanciamento

Todos os entrevistados optaram, em algum momento da sua vida, por viver no estrangeiro. ‘Expor-se ao mundo’ apresenta-se como um ato simbólico que concede legitimidade a um estilo de vida, reunindo práticas e expectativas significativas para a vida de quem o procura. Uma dessas práticas é a de distanciamento. Ela sugere uma sensibilidade cosmopolita de distanciamento da nação que se parece com um imperativo moral abstrato78. Podendo-o ser, o autor prefere, no entanto, uma abordagem história de cosmopolitismo e de distanciamento, isto é: ‘ethical obligations to strangers (…)

76 Clifford Geertz, The Interpretation of Cultures, Basic Books, Inc. New York, 1973. 77

Op. cit., p. 126.

78

(32)

proportionate to historically developing technologies of communication and transportation’, o que implica assumir que ‘it is impossible to know in advance how far cosmopolitanism’s normative impulse can or should extend’ e por ultimo que ‘cosmopolitanism at the planetary scale cannot properly be accused of evading domestic political responsabilities’79. Vejamos quais são as referências de distanciamento dos nossos informantes, se são mais abstratas ou mais ‘históricas’. Em primeiro lugar, segue-se uma exposição das citações com uma breve apresentação para cada.

Viver fora do país pode representar uma busca de uma orientação moral que transcenda as particularidades históricas do meio onde cresceram e viveram até então, que em todos os casos se concentra nas zonas urbanas nigerianas:

‘Learn about life in different concepts, perspective (…) wanting to be part of the world as a global entity, and not just being a Nigerian, for me being a Nigerian seemed local’. (K)

O distanciamento de que se falou acima, pode-se construir como ato de rejeição das condições de vida locais, às dificuldades em encontrar e pertencer a uma estrutura que leve a cabo os projetos de cada um, na esperança de desenvolver uma solução em interação com outros contextos:

‘The idea of being part of the society (…) to get out of my immediate environment (…) I don’t belong anymore in Lagos, anywhere else, which means I have to keep moving to a different society, to a different reality, trying to understand what are the issues people face in different realities, and trying to compare with my own experience’. (F)

Neste contexto, a experiência da distância pode ser encarada como vantagem comparativa adquirida nos períodos de vida fora da Nigéria. Ela traduz-se em modos de

79

(33)

modos de fazer e de pensar de uma universalidade civilizacional, nos termos a que ela se refere Gauchet, que constituem uma variedade de contextos em que ela é apropriada:

‘A desire for a different perspective to life, a different way of seeing things, being able to not just seeing things from one point of view, having a totally different world view, (…) you have experienced you have exposure, it gives you an edge (…) It’s not just being conscious about the present, it’s also being very very conscious about the future, as individuals, apart from the nation, it should open up your mind, (…) the changes would have been influences by experiences [sic] gotten outside of Nigeria (…) I went outside of the country and found out I had a voice, that I could contribute to a debate, to an issue, to my society’. (T)

Procurando interpretar as citações apresentadas, começamos por salientar como, partindo de experiências divergentes, os informantes revelam nas suas práticas de distanciamento um significado comum que parece paradoxal. Distanciam-se no sentido geográfico e laico, isto é, afastando-se das suas afiliações identitárias, para ‘fazer parte de uma sociedade’, ‘fazer parte do mundo’, para ‘descobrir que se tem uma voz’. Pertencer a uma entidade global abstrata, que se eleva acima dos particularismos não parece condizer com o significado de enraizamento, de ligação à terra e ao passado, que engloba a prática de pertencer.

Se uma visão secular, a partir de Edward Saïd, nos coloca a uma distância crítica de âmbitos nacionalistas, então ela parece constituir uma ‘força histórica’80 compatível com formações culturais cosmopolitas: ‘The dense fabric of secular life (…) is what can’t be herded under the rubric of national identity or can’t be made entirely to respond to this phony idea of a paranoid frontier separating ‘us’ from ‘them’’81

.

80

Bruce Robbins, Perpetual War: Cosmopolitanism from the Viewpoint of Violence, Duke University Press, Durham, 2012, p. 18.

81

Edward Said in Bruce Robbins ‘Secularism, Elitism, Progress, and Other Transgressions: On Edward Said’s ‘Voyage In’’, Social Text, No. 40, (Autumn, 1994), p. 27.

(34)

Num contexto pós-colonial, e em especial no caso nigeriano, ‘the relative indeterminacy of the process of constitution and development of the nation form’82, remete-nos para formas de Estado que rivalizam com a nação e que podem questionar o lugar desta destinado ‘to be perpetuated for ever’83. Os impérios são e foram uma dessas formas cujos elementos secularizantes contribuíram, em primeiro lugar, a partir de um centro europeu, para a expansão imperialista assim como para a elaboração de uma resistência.

A importância do secularismo parece surgir aqui na mediação entre cultura e ‘sistema’, (do ‘sistema-mundo’ de Wallerstein84

). É relevante reconhecer que o imperialismo envolve ‘ideas, (…) forms, (…) images and imaginings’85

ou uma ‘influência cultural’ que se exerce no presente e é determinante para compreender ‘the pastness or not of the past, and this urgency (…) carried over into perceptions of the present and the future’86

.

De um imperialismo que, ao nível mais básico, ‘means thinking about, settling on, controlling land that you do not possess, that is distant, (…) For all kinds of reasons, it attracts some people and often involves untold misery for others’87

, transporta-se para o presente uma influência que se revela em julgamentos, ‘blame and praise’, numa relação não unilateral entre teoria, ideias e o imaginário social, e que sugere uma ‘crença no poder das palavras’. Por sua vez, ‘rhetoric (…) is a sign of belonging’, afirma Robbins. A questão aqui será evitar ‘a zero-sum game’ entre essa crença e a ‘crença no poder do sistema’88

. Esta ideia parece-me essencial para perceber o que significa ‘pertencer ao mundo’ para os informantes.

Aceitemos o grau de frustração e descrença nas políticas do Estado nigeriano, tal como vários informantes o demonstram, e como isso os pôde ter conduzido a uma busca de soluções para os seus projetos individuais para além das fronteiras do seu

82

Étienne Balibar, ‘The Nation Form: History and Ideology’, in Étienne Balibar, Immanuel Wallerstein,

Race, Nation, Class, Ambiguous Identities, Verso, London, 1991, p. 91.

83

Op. cit.

84

The Modern World-System, vol. I, II e III, 1974, 1980, 1989, respectivamente.

85

Edward Said, Culture and Imperialism, Vintage Books, New York, 1993, p. 7.

86 Op. cit. 87

Op. Cit.

88

(35)

nação. Do mesmo modo, mas numa ‘visão sintética’89 do continente africano, James Ferguson sugere que hoje, em África, ‘many (…) seem to have lost faith in any redemption at the national level’. Em vez disso, ‘they ‘jump scales’’90

Uma tendência como esta contrariaria, pelo menos parcialmente, ‘the Fanonist remedy for the problem of colonial inequality’, isto é ‘national independence’91. Entre expectativas falhadas e a possibilidade de distanciamento, registam-se referências às vantagens comparativas adquiridas com a experiência internacional no regresso à Nigéria. Fazemos referência a uma transferência de capital cultural do ‘centro’ para a ‘periferia’. Mas não só.

Uma grande parte dos informantes reside atualmente entre a Europa e os Estados Unidos, mas são significativas as referências que fazem a outros países africanos, ou até ao Médio Oriente, o que deriva de percursos de vida muitos diferenciados, um pouco por todo mundo. Pertencer a este ‘mundo’ aparece como uma escolha. Sugere uma crença no poder do sistema, e simultaneamente uma crença no poder de se reinventar no mundo. Podíamos dizer que são laicos, nos termos de Saïd, apenas parcialmente. O seu distanciamento crítico às afiliações identitárias é um ponto de partida. Colocando-se numa definição de pertença que não se reduz à nação, à raça ou ao grupo étnico e à comunidade religiosa, a sua referência principal está no poder de transformação desse ‘mundo’.

2.2. Comparação

Neste contexto, o conceito de comparação remete-nos para o Orientalismo, isto é, para uma tradição académica, ‘a style of thought’, ‘a system of knowledge’ ‘based upon an ontological and epistemological distinction made between ‘the Orient’ and (most of the time) ‘the Occident’92

.

Segundo Saïd, o Orientalismo não teria surgido sem um vocabulário secular, um repertório concetual e técnicas específicas, ‘for this is what, from the end of 18th

89

James Ferguson, Global Shadows: Africa in the Neoliberal World Order’, Duke University Press, Durham, 2006, p. 4.

90 Op. cit., p. 174. 91

Op. cit.

92

(36)

century on, Orientalism did and what Orientalism was’.93 Apresenta-nos quatro elementos secularizantes da cultura europeia daquele período: ‘expansion, historical confrontation, sympathy, classification’94

.

A combinação destes elementos traduzia-se numa mudança de pontos de referência para a expansão imperialista que não era mais o Cristianismo e o Judaísmo e refletia uma capacidade para lidar historicamente com ‘non-Europeans and non-Judeo-Christian cultures’. ‘To understand Europe properly meant also understanding the objective relations between Europe and its own previously unreachable temporal and cultural frontiers’.

Esta mudança teve implicações profundas ao nível de ‘self and identity’ que significava que ‘the notions of human association and of human possibility acquired a very wide general – as opposed to parochial – legitimacy’. Por último, ‘the classifications of mankind were systematically multiplied as the possibilities of designation and derivation were refined beyond the categories of (…) gentile and sacred nations, race, color, origin, temperament, character, and types overwhelmed the distinction between Christians and everyone else’. 95

Estes são os elementos secularizantes de uma prática de distinção e comparação baseada numa hierarquia e superioridade europeias. A tarefa a que nos propomos agora é a de analisar as referências para as comparações que encontrámos nos discursos dos informantes. Seguimos a mesma ordem de análise

Em primeiro lugar, expomos a comparação como um ponto de vista necessário para a transformação do imaginário social através de uma discussão crítica de exemplos positivos ocorridos em outros países:

‘Before I left Nigeria that was the phase of my life I was very used to a very traditional way of thinking, the things I knew that parents taught me, that I learnt in church, things that I read in books, and things I learnt from my peers, my friends and classmates and 93 Op. cit., p. 121. 94 Op. cit. 95 Op. cit., p. 120.

(37)

everything, and then I was very satisfied I’d never seen other countries so I was like Nigeria is not good, education is bad but then what can we do about it? Nothing! There was nothing to compare with’. (YE)

O esforço de comparação realiza-se através da experimentação e apropriação diferenciada de outros valores, modos de vida e modelos de conhecimento:

‘My dream was not just to be in one frame, in one system, my dream was also to learn outside my convenience, learn other techniques [related to dance], learn another language’. (P)

Na sua qualidade imaginativa, a comparação não se define apenas pela experiência vivida de migração, mas ela parece trazer um tom de validação dos pontos de vista que aí se adquirem, um tom de verdade:

‘My knowledge of what I’ve seen in the West and what I know back home has always been there even before I travelled out, I didn’t have to travel out of Nigeria to see that we were losing it in the beginning, it was good to now travel and see my thoughts were actually true, my knowledge has come to reality’. (I)

A diversidade cultural da Nigéria faz da exposição a essas diferenças uma experiência comparável a outras vivências de contraste fora do país de origem:

‘Spent my life in different cities [in Nigeria], because of the nature of my dad’s job, getting used to different cultures while growing up, when in nursery school apart from English you hear different ethnic languages in the southeast (…) experience of diversity’. (G)

(38)

‘I travelled a lot within Nigeria and then outside Nigeria. It’s not just the cultural shock from other countries but even within the country itself, ‘cause the perspectives of the people are different, (…) open to learn from other people’. (A)

Pensar globalmente permite, através da comparação, reorientar expectativas quanto à influência externa (ocidental) sobre um determinado contexto, assim como obter uma visão de um todo antes de tomar decisões:

‘Nigeria is a country that I kind of feel that we are under a lot of foreign influence, to be very honest, like maybe not the government, but a lot of young people, you see young people the way we dress, there is so much Western influence and I think that a global mindset in Nigeria is not just about copying and pasting but to see what are the best case practices so the young people have heard and they see the way things are done or to give young people exposure…it will kind of shift their mentality in general’. (YE)

‘I’m less judgmental now and I listen with intent, so before I come to conclusion about a particular thing I would have analyzed it from different angles’. (YE)

O que estas citações nos indicam sobre a prática da comparação é que ela realiza-se sobre um pano de fundo diferenciado. Por outras palavras, a experiência de vida que os informantes obtiveram e mantêm no estrangeiro serve de ponto de comparação sobre os diferentes níveis e standards de vida entre a Nigéria e o resto do mundo. Neste sentido, ela revela disparidades mas também uma vontade de convergência global.

Por um lado, ela enquadra-se na prática de inclusão cosmopolita de colocar a diferença frente a frente, numa visão de um todo que, como Saïd explica, teve um papel preponderante na produção de representações orientalistas. Por outro lado, Robbins refere como ela é seletiva e parte de um standard que é importante identificar.

Quando um dos informantes, um bailarino, nos expressa a sua vontade de aprender novas técnicas de dança em mais do que um sistema, e aprender ‘outside my convenience’, sugere um relativo desprendimento face às dinâmicas de poder do seu

(39)

meio profissional na Nigéria. O sonho será o de juntar dois continentes, África e Europa, nos quais vê semelhanças mas ainda dificuldades na abordagem europeia sobre aquela. Ainda há ‘desconfiança’, e medos que afastam mais do que aproximam os estrangeiros.

A comparação e o padrão de referência que a acompanha revela-se até implicitamente sem ser preciso sair do país e do continente. Ferguson explica que isso só é possível devido a uma ‘acute awareness of a privileged “1st class world”, together with an increasing social and economic disconnection from it’96, como se já fizesse parte desta ‘fundamental relationality of the position in the world that is “Africa”’97

. O nosso informante constata isso mesmo: ‘I didn’t have to travel out of Nigeria to see that we were losing it’.

‘A perder’ face ao resto do mundo, com referência ao ‘Ocidente’, não é por isso uma imagem que possamos apenas inscrever numa visão cosmopolita do mundo, mas o que ela tem se secularizante é o cerne desta comparação, pois ela legitima uma posição de convergência com a economia global.

O nosso grupo de informantes, sendo todos anglófonos e de zonas urbanas nigerianas, não representa uma fatia importante da população africana e nigeriana. Desde cedo conviveram também com literatura anglófona, programas de TV americanos e britânicos, o que indica um relativo acesso a uma cultura globalizada. É de salientar, contudo, o peso da crítica à ‘influência estrangeira’ entre os jovens, ‘the way we dress…’, ‘so much Western influence’. A crítica à indústria musical, à imitação americanizada, a uma espécie de ‘escuridão’, que contrasta com uma perspetiva global, cujo método ‘is not just about copying and pasting’. Os discursos sugerem uma necessidade de convergência global que não é necessariamente eurocêntrica, ou americanizada. ‘Global perspective’ não equivale a ‘Western influence’.

Parece significar, por isso, uma comparabilidade: ‘a cultural convergence with an imagined global standard [that] can mark not simply mental colonization or capitulation to cultural imperialism, but an aspiration to overcome categorical subordination’98.

96 James Ferguson, Global Shadows, p. 166. 97

Op. cit., p. 17.

98

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