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Convulsões Neonatais - Qual a etiologia?

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Convulsões Neonatais - Qual a etiologia?

Alzira Sarmento1, Paula Soares2

1 Interna Complementar de Pediatria 2 Assistente Graduada de Pediatria

RESUMO

Introdução: as convulsões

repre-sentam uma disfunção do SNC e carac-terizam-se por uma alteração súbita das funções neurológicas.

Nos recém nascidos (RNs) a sua incidência estima-se entre 0,15 a 3,5%. Neste grupo etário, a maioria das convul-sões não correspondem a verdadeiros quadros epilépticos, mas a crises oca-sionais resultantes de distúrbios fun-cionais, metabólicos ou orgânicos.

Objectivos: rever os casos de

convulsões internados na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) da Maternidade Júlio Dinis (MJD) e determinar as respectivas etiologias.

Material e Métodos: procedeu-se

à análise retrospectiva dos processos clínicos dos RNs internados com convul-sões, durante os anos de 2000 e 2001. Em cada caso foram colhidos dados referentes à anamnese, exame objectivo ao nascimento, semiologia das convul-sões, exames auxiliares de diagnóstico, tipo de tratamento e evolução clínica.

Resultados: analisaram-se 25

casos, o que correspondeu a uma inci-dência de 3,3 casos por 1000 nados vivos na MJD e a 3 % dos internamentos no período referido.

As etiologias encontradas incluíram: encefalopatia hipoxico-isquémica (EHI) (52 %), hipocalcemia (12 %), hemorragia intracraniana (4%), meningite (4%), enfarte cerebral (4%) e malformação cerebral (4%).

O início das convulsões teve relação com as causas subjacentes: nas 1as horas os casos de EHI e no fim da 1ª semana o caso de infecção do SNC.

O tratamento baseado na correcção de alterações metabólicas transitórias permitiu o controle em dois casos de hipocalcemia.

O anticonvulsivante de primeira linha foi o fenobarbital.

A mortalidade foi de 28 % e a morbilidade, entre os 12 e os 24 meses, de 24 %.

Conclusões: salientamos a

impor-tância de esclarecer a etiologia das con-vulsões neste grupo etário. Na maioria das vezes é encontrada uma causa específica que permite um tratamento dirigido, com vista ao controlo dos episódios convulsivos e à interrupção do mecanismo de lesão cerebral subjacente.

Palavras-chave: convulsões,

recém-nascido, etiologia.

Nascer e Crescer 2004; 13 (2): 106-112

INTRODUÇÃO

As convulsões no período neonatal constituem, por excelência, expressão clínica de disfunção do Sistema Nervoso Central (SNC)(1).

Caracterizam-se por uma alteração súbita das funções neurológicas, a nível motor, comportamental ou da função autónoma(1).

A sua incidência estima-se entre 0,15 a 3,5% dos recém-nascidos (RNs)(2).

Este tipo de manifestação neuroló-gica apresenta particularidades no grupo etário em questão. A clínica é pouco definida, com padrões pouco organiza-dos e por vezes difíceis de reconhecer. Em vez de crises generalizadas, há predomínio de movimentos oculares, bucais, pausas apneicas e movimentos peculiares dos membros. Observa-se com frequência dissociação

electro-clínica, ou seja, convulsões clinicamente visíveis sem tradução no EEG ou vice versa. Neste grupo etário a susceptibili-dade a fenómenos potencialmente convulsivos é maior, sobretudo nos prematuros(3,4). Os aspectos referidos

estão relacionados com o grau de desen-volvimento neuroanatómico e neurofisio-lógico desta idade. Os processos de sinaptogénese, ramificação axonal e dendrítica e mielinização são incom-pletos, dificultando a transmissão susten-tada e generalizada dos impulsos eléc-tricos através das estruturas eferentes, assim como a sua detecção nos eléctro-dos de superfície.1,3 As estruturas

lím-bicas e suas conexões com o tronco cerebral e diencéfalo apresentam um estadio de desenvolvimento avançado em comparação com as estruturas do proencéfalo(1,3,4). Por outro lado

constata--se escassez de actividade de neuro-transmissores inibitórios, assim como do número de receptores gabaérgicos (35 a 40% do cérebro adulto)(3,4).

Nesta idade a maioria dos episódios convulsivos não correspondem a verda-deiros quadros epilépticos, mas sim, a crises ocasionais resultantes de distúr-bios funcionais, metabólicos ou orgâni-cos(3,4,5).

Vários são os factores etiológicos descritos: encefalopatia hipoxico-isqué-mia perinatal, hemorragia intracraniana, malformações cerebrais, infecções, doenças metabólicas, entre outras (Qua-dro I)(1,3,4,5,6).

Classificação

Volpe propôs uma classificação das convulsões neonatais, amplamente aceite e com base em critérios clínicos (Quadro II)(4,5).

(2)

Quadro I

Causas de convulsões neonatais

Encefalopatia hipóxico-isquémica (pré-natal 90% e pós-natal 10%) Hemorragia Intracraniana (intraparenquimatosa, subaracnóideia e subdural) Infecções: meningoencefalites (congénitas e pós-natais) e sepsis

D. Vascular (enfartes cerebrais)

Alteração metabólica (distúrbios metabólicos benignos e Erros inatos do metabolismo) Malformações cerebrais (disgenesias cerebrais, alt. de migração, incluindo aquelas associadas com cromossomopatias)

Traumatismos

Síndrome de privação (mães consumidoras de cocaína, heroína, metadona…) Idiopáticas

Síndromes epilépticos do RN

Quadro II

Classificação das formas de apresentação das convulsões neonatais

TIPO Convulsões subtis Convulsões clónicas Convulsões Mioclónicas Convulsões Tónicas Manifestações Clínicas

Fenómenos oculares: desvio horizontal do olhar c/ ou s/ nistagmo,

abertura sustentada dos olhos com fixação do olhar.

Movimentos da boca e língua: movimentos de sucção, deglutição,

mastigação e bocejos.

Movimentos peculiares dos membros - pedalagem, natação, "boxing".

Apneias - que raramente se acompanham de bradicardia, numa fase inicial. Flutuações rítmicas dos sinais vitais e grau de oxigenação em crianças sedadas ou curarizadas (necessidade de comprovação pelo EEG). Movimentos rítmicos e lentos (1-3/seg).

Focais - Envolvem face, extremidades superiores e/ou inferiores e estruturas

axiais (pescoço e tronco) de um dos lados do corpo.

Associam-se a lesão de natureza focal (enfarte cerebral), mas também ocorrem em contexto de doença metabólica.

Sem atingimernto marcado do estado de consciência.

Mulfifocais - Várias partes do corpo envolvidas.

Carácter migratório (marcha não-Jacksoniana).

Os movimentos mioclónicos distinguem-se dos clónicos particularmente porque são mais rápidos e c/ predilecção pelo grupo dos músculos flexores.

Focais - Envolvimento frequente dos músculos flexores das extremidades

superiores.

Generalizadas - Espasmos em flexão dos membros superiores e inferiores,

semelhante aos espasmos infantis do Síndrome de West.

EEG-padrão de supressão ou ondas focais agudas e transitórias, que podem evoluir para hipsarritmia.

Multifocais

Focais - Postura sustentada de um membro ou postura assimétrica do

tronco ou pescoço.

Diagnóstico diferencial com hemiplegia alternante da infância.

Generalizadas - Aumento simétrico sustentado e bilateral do tónus de

músculos extensores ou flexores, mimetizam postura de descerebração ou descorticação respectivamente. Associação com alterações no EEG Variável + + -+ -+

A incidência de cada uma delas é muito variável nos diferentes estudos. As mais frequentes são as crises subtis, sendo também as mais difíceis de identi-ficar(4,5,6).

No mesmo doente pode observar-se mais que um tipo de convulsões, por exemplo combinação de crises subtis e tónicas ou clónicas focais e multifocias.4,5

O reconhecimento das convulsões neonatais baseia-se sobretudo na obser-vação clínica detalhada e no registo electroencefalográfico. O EEG é útil na confirmação de episódios convulsivos, mas não é definitivo para o seu diagnós-tico. Nem sempre a actividade convulsiva se faz acompanhar de alterações no EEG e o contrário também acontece (64,8% dos episódios convulsivos no EEG não se acompanham de clínica)(2,4).

Apesar de se tratar de um procedimento não-invasivo, a sua interpretação nesta idade é difícil e exige profissionais experientes. Raramente é útil na identifi-cação de uma etiologia específica, mas tem sobretudo valor prognóstico quando detectadas anomalias interictais(1,2,3).

Outros movimentos próprios desta idade, de natureza não convulsiva, podem ser confundidos com convulsões, como paroxismos, reflexos posturais, mioclonias benignas do sono e o Jitte-riness (4,5,7(.

Alguns aspectos poderão facilitar o diagnóstico diferencial entre o Jitteriness e verdadeiras convulsões, aspectos estes, também válidos para os outros movimentos não epileptiformes (Quadro III) (4,5,7).

OBJECTIVOS

1. Rever os casos de convulsões internados na UCIN da MJD;

2. Determinar a etiologia das convul-sões e;

3. Analisar a terapêutica instituída e respectiva evolução clínica.

POPULAÇÃO E MÉTODOS

Procedeu-se a um estudo retrospec-tivo, com base na análise dos processos clínicos relativos aos RN internados com o diagnóstico de convulsões na UCIN da MJD, durante os anos de 2000 e 2001.

Quadro III

Diagnóstico diferencial Jitterines / verdadeiros episódios convulsivos

Achados clínicos Fenómenos oculares Sensibilidade a estímulos Movimentos predominantes

Cessação dos mov. com flexão passiva suave Alterações do sistema autónomo

Jitteriness

0 +

Trémulo (mov. alternantes rítmicos com frequência e amplitude) + 0 Convulsão + 0

"Clonic jerking" (mov. com componente rápida e lenta) 0

(3)

Em cada caso foram colhidos dados relativos aos antecedentes familiares e intercorrências durante a gravidez, tipo de parto, sexo, idade gestacional, peso ao nascimento, Índice de Apgar (IA) ao 1º e 5º minuto, exame neurológico ao nascimento, idade em que ocorreram as convulsões e respectivo padrão.

Atendeu-se aos exames auxiliares de natureza laboratorial, imagiológica, electrofisiológicos ou genética molecular, efectuados no sentido de esclarecer oa etiologia subjacente.

Analisou-se o tipo de tratamento instituído, resposta e evolução clínica, nomeadamente, persistência de convul-sões, atraso de desenvolvimento psico-motor (ADPM), existência de défices motores ou evolução normal sem se-quelas.

RESULTADOS

No período de tempo referido anali-saram-se 25 casos, o que corresponde a uma incidência de 3,3 casos por 1000 nados vivos na MJD (25/7594) e a 3 % (25 / 811) do total de internamentos na UCIN.

Os diagnósticos etiológicos encon-trados foram variados e incluíram: ence-falopatia hipoxico-isquémica, hipocalce-mia, hemorragia intracraniana, menin-gite, enfarte cerebral e malformação cere-bral.

Encefalopatia hipóxico isquémica (EHI)

Em 13 casos as convulsões ocorre-ram em contexto de EHI (52% do total), 11 dos quais (84,6%) correspondiam a RN de termo.

Em todos os RN de termo documen-taram-se sinais de sofrimento fetal: alte-rações no CTG (bradicardia e desace-leração tipo II) e / ou presença de mecónio no líquido amniótico.

Os dois restantes casos de EHI, que ocorreram em RN prétermo, corres-ponderam a uma situação de placenta prévia e a um RN filho de mãe em morte cerebral, com funções cardiorrespira-tórias mantidas até ao seu nascimento. A idade gestacional destes RNs foi de 34 e 29 semanas respectivamente.

Em 92,3 % (12/13) dos casos o parto foi distócico: três nasceram por forceps, quatro por ventosa e cinco por cesariana.

Figura 1 - Tipo de convulsões apresentadas nos casos de EHI.

46% 15% 8% 8% 23% Tónicas Clónicas Mioclónicas Subtis

Mais que um tipo

Figura 2 - Terapêutica efectuada nos casos de convulsões por EHI.

38%

31%

31% Fenobarbital/Fenitoina/Clonazepam

Fenobarbital Fenobarbital/Fenitoina

Todos apresentaram ao nasci-mento um IA ≤ 6 ao 5 e necessidade de reanimação. Em 10 casos foi possível documentar acidose metabólica grave na 1ª hora de vida (ph < 7.1).

Apenas uma das crianças era leve para a idade gestacional, todas as outras tinham antropometria adequada ao tempo de gestação.

Seis (46,1%) evoluíram para EHI grau III (classificação de Sarnat e Sarnat). Em todos os casos as convulsões ocorreram nas 1as 48 horas de vida, 92 % dos quais logo nas 1as 24 horas.

A maioria das convulsões foi do tipo tónico (Figura 1).

Em sete crianças foram detectadas alterações metabólicas transitórias como hipoglicemia (2 casos) e hipocalcemia (5 casos) e em seis observaram-se altera-ções da função hepática e renal.

O estudo metabólico realizado em oito das crianças com EHI demonstrou erros inatos do metabolismo.

Todas as crianças realizaram Eco-grafia cerebral transfontanelar (Eco TF) nas 1as 48 horas e posteriormente, de

forma seriada. Em relação aos resultados deste exame verificaram-se alterações transitórias ou persistentes, conforme a gravidade da encefalopatia.

Foi realizado EEG em três crianças que apresentaram convulsões de difícil controlo e atingimento neurológico grave. As alterações encontradas incluíram actividade eléctrica de base de voltagem diminuída e alterações paroxísticas generalizadas.

Em cinco casos (38%) houve dificul-dade de controlar os episódios convul-sivos e necessidade de recorrer a três fármacos anticonvulsivantes (Figura 2). Neste grupo de crianças a mortali-dade foi de 38,4 % (5/13). Dos sobrevi-ventes e no período de seguimento entre 12 e 24 meses, seis apresentaram um desenvolvimento normal, um evoluiu com ADPM e outro com epilepsia e sequelas neuromotoras graves.

Hipocalcemia

Em três crianças o factor etiológico associado ao aparecimento de convul-sões foi a presença de hipocalcemia,

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Quadro IV

Casos em que a etiologia das convulsões foi hipocalcemia

IG/ PN 39S 38S 39S* IA 8/9 7/8 7/10 Início D1 D2 D4 Tipo tónicas generalizadas tónicas generalizadas clónicas multifocais Ionograma [Ca ++] -0,6 mmol/L [Ca ++] -0,4 mmol/L [Ca ++] -0,6 mmol/L Outros exames Eco TF - calcificações

dos núcleos da base bilateralmente;

RNM - calcificações

dos núcleos da base bilateralmente Serologis TORCH e Coxsackie (-); Estudo metabólico -normal. Eco TF - normal; Estudo metabólico -normal Eco TF - normal; Estudo metabólico -normal; Cariótipo - 46, XY; Delecção Crom. 22 -Sdr de Digeorge. Tratamento Fenobarbital e Suplemento de cálcio Suplemento de cálcio Suplemento de cálcio Evolução Normal Normal Ligeiro ADPM

Todas as crianças com antecedentes familiares irrelevantes * Criança com dismorfia

com valores médios de cálcio ionizado de 0,5 mmol/l.

Nenhum RN apresentava critérios de asfixia perinatal.

O Quadro IV esquematiza os aspec-tos clínicos, exames efectuados e resul-tados encontrados dos casos referidos. Em apenas um caso foi necessário recorrer a anti-convulsivante e em todos se verificou um prognóstico favorável.

Hemorragia Intracraniana (HIC)

O caso de HIC ocorreu num RN de 30 semanas, com IA ao nascimento de 8/ 9 e que às 48 horas de vida iniciou crises tónicas generalizadas. Tinha um rastreio séptico negativo e não apresentava alte-rações metabólicas. A Eco TF revelou hemorragia intraventricular grau IV com evolução para quisto porencefálico volu-moso à esquerda e concomitantemente lesões sugestivas de leucomalácia peri-ventricular.

A terapêutica instituída foi o feno-barbital.

Actualmente apresenta hemipa-résia direita e diplegia espástica.

Infeccão do SNC

Um caso de convulsões por menin-gite, com isolamento de E.coli no LCR e sangue. Tratava-se de um RN de termo

com IA ao nascimento de 8 / 9 e que ao 7º dia de vida recorreu ao Serviço de Urgência por apresentar crises tónicas generalizadas.

A Eco TF mostrou inicialmente ima-gens sugestivas de ventriculite com evolução posterior para abcesso da fossa posterior e hidrocefalia. Para controlo das convulsões necessitou de terapêu-tica tripla (fenobarbital, fenitoina e clona-zepam).

Actualmente apresenta sequelas neurológicas graves com ADPM grave.

Malformação Cerebral

O diagnóstico de malformação cerebral ocorreu num RN de termo, com IA ao nascimento de 5 / 7, que iniciou crises mioclónicas generalizadas no 1º dia de vida.

A mãe apresentava epilepsia grave, medicada com hidantina durante toda a gestação.

O RN apresentava microcefalia e estigmas dismórficos, incluindo fenda do palato secundário.

A Eco TF revelou uma dilatação do 3º e 4º ventrículos e a Ressonância Magnética Cerebral mostrou tratar-se de uma lissencefalia com atrofia cerebral. O estudo metabólico e cariótipo foram normais. Foram excluídos, através de estudos de citogenética, os Síndromes

de Williams, Miller-Diecker e Smith-Lemli-Opitz.

O diagnóstico final foi de um Sín-drome fetal da Hidantina.

O controle das crises conseguiu-se através de terapêutica com fenobarbital e clonazepam. Esta criança faleceu com uma semana de vida.

Enfarte Cerebral

Num RN de 32 semanas, com IA 6/ 7, que iniciou ao 3º dia de vida crises clónicas focais, a Eco TF mostrou lesões sugestivas de enfarte isquémico do território da cerebral média esquerda, com evolução posterior para quisto porencefálico volumoso.

Apresentava rastreio séptico nega-tivo, bioquímica e estudo metabólico normais.

A terapêutica instituída foi o fenobar-bital.

Actualmente apresenta hemipa-résia direita.

Etiologia não esclarecida

Em quatro crianças (16% do total dos 25 casos estudados) não foi possível esclarecer a causa dos episódios convul-sivos.

Um destes correspondeu a um RN de termo, com IA de 7/9, que iniciou convulsões no 3º dia após o nascimento. Esta criança apresentava como ante-cedentes familiares de relevância a mãe e os irmãos também com convulsões durante o 1º ano de vida, com evolução favorável. O estudo metabólico e os estudos de imagem cerebral efectuados foram normais. A partir dos três meses de idade não repetiu convulsões e apresentava aos 24 meses um DPM adequado. Estes aspectos poderão corresponder a um caso de Convulsões Neonatais Familiares Benignas.

Outro caso foi respeitante a um RN também de termo, com IA de 7/9, que iniciou convulsões ao 2º dia de vida, de difícil controlo, apesar da terapêutica com fenobarbital, fenitoina e clonazepam. Os antecedentes familiares eram irrele-vantes. A Eco TF e RNM Cerebral revela-ram imagens de calcificações cerebrais

(5)

O Quadro V esquematiza vários aspectos dos quatro casos referidos.

Etiologia Multifactorial

Um dos casos estudados apresen-tava mais que um factor etiológico: critérios de EHI, neurosífilis e mãe toxico-dependente (heroína).

Tratava-se de um RN de 34 se-manas com crises mioclónicas ao 4º dia de vida, que cederam após terapêutica com fenobarbital e fenitoina.

A Eco TF realizada nas primeiras 24 horas de vida demostrou hipereco-genicidade periventricular bilateral e focos hiperecogénicos nos núcleos da base. Esta criança veio a falecer ao 6 º dia de vida.

O quadro VI apresenta a lista das várias etiologias encontradas.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Neste estudo obtivemos uma inci-dência de convulsões de 0,33 % do total de RNs da MJD, no período analisado. Estes valores são concordantes com os da literatura, entre 0,15 e 3,5 % (2,7,8).

A EHI foi a causa mais frequen-temente encontrada (52 %), o que também está de acordo com o descrito (4,7,8,9,10).

Em três casos a causa das convul-sões foi atribuída a situações de hipocal-cemia. De referir que a hipocalcemia precoce (1os três dias de vida) como causa isolada de convulsões é rara, sendo mais frequentemente associada a outras situações, como EHI e HIC. No entanto, uma boa resposta à terapêutica com cálcio I.V. é o principal aspecto que relaciona este factor com a etiologia das convulsões (3,11,12). Isso verificou-se em

pelo menos dois dos casos referidos, nos quais não houve necessidade de recorrer a terapêutica anti-convulsivante. Na maioria das convulsões, no período neonatal, é possível encontrar um factor etiológico, o que permite o início rápido de terapêutica específica e apropriada (8,10,12). No nosso estudo em

16 % dos casos, não se encontraram factores etiológicos específicos valor que na literatura varia entre 3 e 25% (6,9).

Quadro V

Casos de etiologia não esclarecida

IG 40S 37S 36S 41S IA 7/9 7/9 5/10 7/10 Início D3 D2 D10 D4 Tipo clónicas e subtis tónicas generalizadas e mioclonicas clónicas multifocais subtis Eco TF/ RNM normal calcificações vasos perf. da cerebral média normal normal Outros exames Estudo metabólico - normal Serologia TORCH e Coxsackie (-); Estudo metabólico - normal; EEG - alterações paroxísticas generalizadas e plurifocais, prova piridoxina (-). Estudo metabólico - normal; EEG - Normal. Estudo metabólico - Normal; Cariótipo - 47, xxx (triplo X) Tratamento fenobarbital fenobarbital, fenitoina e clonazepam fenobarbital fenobarbital Evolução Normal, sem convulsões desde os 3 meses. Deterioração neurológica grave; mantém crises apesar de medicado com fenitoina e vigabatrina. Normal Falecido por Insuf. card. grave Quadro VI

Lista das etiologias encontradas Causas etiológicas Encefalopatia Hipoxico-isquémica Hipocalcemia Hemorragia intracraniana Infecção do SNC Enfarte cerebral Malformação cerebral Mais que uma Desconhecida RN Prematuros 2 1 1 1 1 RN de Termo 11 3 1 1 3 Total 13 (52%) 3 (12%) 1 (4%) 1 (4%) 1 (4%) 1 (4%) 1 (4%) 4 (16%)

nos núcleos da base. O EEG mostrou alterações paroxísticas generalizadas e plurifocais e a prova terapêutica com piridoxina foi negativa. Foram excluídas infecções do grupo TORCH e coxsackie vírus. Actualmente esta criança mantém crises apesar da terapêutica com feni-toina e vigabatrina e apresenta uma deterioração neurológica grave. Este caso poderá corresponder a uma

Quadro VII

Síndromes Epilépticos do Período Neonatal Epilepsias neonatais idiopáticas benignas

• Convulsões neonatais idiopáticas benignas • Convulsões neonatais familiares benignas Encefalopatias epilépticas do RN

• Encefalopatia mioclónicas neonatal (Sdr de Aicardi) • Encefalopatia epiléptica infantil precoce (Sdr de Ohtahara) Estado de mal convulsivo neonatal

• Estado de mal convulsivo focal

• Estado de mal convulsivo idiopático severo

situação de Encefalopatia Epiléptica com início no período neonatal.

Outro foi referente a uma criança com cromossomopatia, falecida aos 3 meses de idade na sequência de uma cardiopatia complexa.

O 4º caso foi relativo a um RN cujos exames efectuados não revelaram alte-rações de relevo e que apresentou aos 24 meses uma evolução clínica favo-rável.

(6)

Relativamente a estes, há a a possibili-dade de um deles corresponder a um quadro de Convulsões Neonatais Beni-gnas Familiares e o outro a encefalopatia epiléptica com início no período neonatal.

4,6,7,9 Efectivamente, alguns casos de

convulsões idiopáticas neste grupo etário correspondem a Síndromes Epilépticos do Período Neonatal (Quadro VII) (4,6,7,9).

Salientamos que 92 % (12/13) dos RNs com EHI iniciaram sintomatologia

Quadro VIII

Atitudes e Exames Complementares de 1ª linha

História clínica detalhada, valoriar:

*Antecedentes familiares;

*Informação sobre a gravidez e parto (excluir doença uteroplacentária, infecções congénitas, sofrimento fetal, traumatismo, entre outros factores de risco materno), idade gestacional e antropometria ao nascimento;

*Período neonatal imediato - índice de apgar, exame neurológico ao nascimento, presença de alterações multiorgânicas;

*Particularidades sobre as convulsões (tipo, data de início);

Exame físico completo; Exames complementares:

Hemogramas e Proteína C reactiva;

Glicose, sódio, potássio, cálcio, magnésio, fósforo; EAB, função hepática e renal;

Citoquímica de LCR;

Cultura de sangue, LCR, urina… Pesq. de Atg capsulares na urina; Pesquisa de substâncias na urina; Eco TF;

EEG.

Quadro IX

Exames Complementares de 2ª e 3ª linhas Doseamento de aminoácidos na urina, sangue e LCR; Doseamento da amónia, lactato e piruvato no sangue; Ácidos orgânicos e sulfitest na urina;

Prova terapêutica com piridoxina

(resposta após administração de 10 a 100 mg/kg, com melhoria clínica e no EEG);

Serologia do grupo TORCH, VIH e sífilis; TAC / RNM / Eco Doppler;

Vídeo-EEG;

Estudo da actividade da biotinidase no sangue; Doseamento dos ácidos gordos de cadeia muito longa; Níveis de cobre e ceruloplasmina;

Estudo do metabolismo das purinas; Oxidação de substractos nos linfócitos; Avaliação da função do GLUT-1 nos GR; Cariótipo;

Estudos moleculares; Biópsia de pele e músculo.

nas primeiras 24 horas de vida, enquanto que para as restantes etiologias (à excepção de um caso de hipocalcémia e de outro de malformação cerebral) a sintomatologia teve início a partir do 2º dia de vida. De sublinhar o exemplo do RN com meningoencefalite por E. coli que iniciou crises no fim da primeira semana de vida (3,6,9).

Em todos os casos foi necessário recorrer a uma abordagem sistematizada

no estudo das crianças com convulsões. Esta incluiu dados relativos aos antece-dentes familiares e pessoais, tipo e idade de início das convulsões e resultados dos vários exames auxiliares de diagnós-tico, pedidos de forma seriada e organi-zada - após conhecimento de exames feitos anteriormente.

No Quadro VIII apresenta-se de uma forma simplificada a primeira abor-dagem no sentido de esclarecer a causa das convulsões (4,6,9,11).

Dos meios auxiliares de diagnóstico salienta-se o papel da Eco TF. Trata-se de um exame não invasivo e muito acessível numa UCIN. Permite numa 1ª abordagem excluir algumas patologias do SNC como: malformações, hemorra-gias, enfartes e lesões sugestivas de anóxia (6,7,8,10,14). A sua realização seriada

é importante no esclarecimento quer da etiologia, quer do prognóstico da situa-ção (6,7,8,14).

Como referido anteriormente, neste grupo etário o EEG é de díficil interpre-tação e o valor em relação à determinação da etiologia é limitado (4,6,7,13).

O EEG está sobretudo indicado: em crianças com encefalopatia, sedadas e curarizadas; quando há dúvidas em relação à clínica; se as convulsões são recorrentes, de díficil controle e a etio-logia é pouco definida; e em situações de encefalopatia grave, (face ao valor prognóstico das alterações intercrí-ticas) (2,4,6,7,13).

Das crianças que participaram no estudo, apenas cinco efectuaram EEG, por apresentarem convulsões de difícil controlo e se tratar de situações de ence-falopatia grave.

Se os exames anteriores, apresen-tados no Quadro VIII, não forem suficien-tes para esclarecer o diagnóstico poderá haver necessidade de recorrer a outros estudos, nomeadamente de imagiologia cerebral, estudos moleculares e de citogenética. Estes terão como principal objectivo a exclusão de causas menos frequentes, como doenças metabólica e genéticas mais raras (Quadro IX).

No que diz respeito à evolução há a referir o impacto deste tipo de manifes-tações. A mortalidade de 28 % e a evo-lução com sequelas em 24 % dos

(7)

sobreviventes é marcante. As sequelas apresentadas incluíram défices motores, ADPM grave e epilepsia. No cálculo da mortalidade não se incluiu um dos casos de convulsões, de causa não esclarecida, cuja a morte se deveu a insuficiência cardíaca grave.

Os resultados apontados estão de acordo com os da literatura, na qual se encontra uma mortalidade de 30 %, evolução com atraso de desenvolvimento psicomotor em 39% dos casos e com sequelas em 20%. A epilepsia, descrita em 8 a 20% dos casos, ocorreu em 12 % dos casos apresentados. 3,4,5,6,7,15

No nosso estudo é notória a evo-lução desfavorável observada nas crianças com EHI, Malformação Cerebral e Infecção do SNC. De acordo com a literatura verificamos que o prognóstico depende fundamentalmente da etiolo-gia.1,3,4,5,11

No sentido de proporcionar um melhor prognóstico em termos neuroló-gicos, salientamos a necessidade de identificar a etiologia das convulsões e de iniciar o tratamento o mais precoce e eficazmente possível.

NEONATAL SEIZURES - WHICH ETIO-LOGY?

ABSTRACT

Introduction: seizures represent a

dysfunction of the nervous system and are characterized for a sudden alteration of the neurological functions.

Neonatal seizures occur in 0,15 to 3,5% of all newborns. In this age group, the majority of the seizures result of functional, metabolic or organic distur-bance.

Objectives: to review the cases of

seizures admitted in neonatal intensive care unit of the Júlio Dinis‘ Maternity and to determine the respective etiologies.

Population and methods: we

made a retrospective analysis of admitted newborns with the diagnosis of seizures in the Júlio Dinis‘ Maternity, between 2000 and 2001. Some of variables collec-ted were: dates relative to gestation and delivery, physical examination, types of

seizures, diagnostic testing, treatment and clinical evolution.

Results: we analyzed 25 cases,

that correspond to an incidence of 3,3 cases for 1000 live births in the Júlio Dinis‘ Maternity and 3 % of the intern-ments in the cited period. The following etiologies were identified: hipoxic ische-mic encephalopathy (HIE) (52%), hypo-calcaemia (12%), intracranial hemorrha-ge (4%), meningitis (4%), cerebral infarct (4%) and cerebral malformation (4%).

The beginning of the convulsions was related to the underlying causes: in the first 48 hours of life the HIE cases and in the end of the first week of life, the case of infection of the nervous system.

The treatment based on the correc-tions of transitory metabolic alteracorrec-tions allowed the control in two cases of hypocalcaemia.

The anticonvulsant agent of first line was phenobarbital.

Mortality was 28% and morbidity 24% (between 12 and 24 months).

Conclusions: we emphasize the

need to clarify the etiology of the seizures in the neonatal period. In the majority of cases it is possible to identify a specific cause. This allows an adquate tratment in order to control convulsive episodes and to avoid further cerebral damage.

Key-words: seizures; newborn;

etiology.

Nascer e Crescer 2004; 13 (2): 106-112

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