29
Quando se mede a BMR o indivíduo deve
estar em jejum há 10-18 h. Que acontece se
tiver acabado de comer?
A ingestão de alimentos provoca ↑ no consumo de O2
(e na produção de calor).
A despesa energética tem assim um 4º componente:
efeito termogénico dos nutrientes
(ou acção dinâmica específica = denominação a entrar em desuso).Aumento do consumo de ATP nos processos de armazenamento de glicose (síntese de glicogénio) e gorduras (síntese de triacilgliceróis).
Estimulação do SNSimpático com aumento do leak de H+
Causas mal
conhecidas mas
possivelmente
associadas a...
Aumento da actividade de oxigénases envolvidas na oxidação de AAs.30 Quando se estuda o equilíbrio energético, uma boa analogia para o ser vivo é uma lareira em que o calor produzido e o O2consumido correspondem à despesa energética. Tal como numa lareira o calor libertado é a diferença entre
as entalpias dos reagentes (compostos orgânicos que se oxidam e oxigénio que se reduz)
e as entalpias dos produtos (CO2+ H2O + compostos orgânicos incompletamente oxidados).
A despesa energética total = somatório de
(1) BMR (taxa metabólica basal)
a) associado estritamente a hidrólise/síntese de ATP
b) acção de oxídases e oxigénases e desacoplagem na fosforilação oxidativa
(2) despesa energética associada a actividade física (3) efeito termogénico dos nutrientes
(4) despesa energética associada à adaptação ao frio
31 Que acontece se um indivíduo não se alimentar durante algum tempo? A formação contínua de ADP mantém activos os processos oxidativos e o indivíduo vai oxidando os seus próprios lipídeos, glicídeos e proteínas. A quantidade total de calor libertado (ou O2consumido)
é a despesa energética.
Se a “lareira” não for alimentada com “lenha” acaba por apagar-se por falta de combustível...
Para manter a “lareira” acesa e com tamanho constante é
necessário adicionar-lhe os combustíveis que se vão queimando... Um indivíduo em
equilíbrio energético
(= balanço energético nulo) mantém constante a massa corporal porque toma do exteriorenergia metabolizável dos alimentos =
despesa energética.
32 A que é que corresponde a energia não metabolizável dos alimentos?
Ainda é possível (por combustão completa numa fornalha) obter energia
das fezes, da urina e dos gazes expirados
⇒ parte da energia dos alimentos não é metabolizada
A energia não metabolizável dos alimentos é variável e, num indivíduo sem
problemas gastro-intestinais, depende dos alimentos ingeridos e do seu
processamento:
1-As proteínas geram ureia (da urina) e não N2…
2- Os combustíveis perdidos nas excreções não representam energia metabolizável.
... a celulose e outras fibras da dieta não são absorvidas ... dependendo do grau de cozedura uma parte dos nutrientes
não é digerida nem absorvida... e perde-se nas fezes ... parte do alcool ingerido e dos corpos cetónicos formados perdem-se na urina e no ar expirado
33
Nota: é frequente na literatura médica usar-se a expressão Cal
como sinónimo de kcal.
Valores
médios...
em
kcal/g
Oxidação completa num calorímetro, lareira… Oxidação humana. Energia metabolizável dos alimentos absorvidos e das reservas energéticas Energia metabolizável dos alimentos ingeridos (ou valor calórico fisiológico)Glicídeos
4,1
4,1
4
(absorção incompleta)Proteínas
5,4
4,2
(ureia e não N2)4
(absorção incompleta)Lipídeos
9,3
9,3
9
(absorção incompleta)Etanol
7,1
7,1
7
(perdas na respiração eurina)
34
Se a energia metabolizável dos alimentos = despesa energética ⇒ o indivíduo tem balanço energético nulo.
Um balanço energético nulo não é sinónimo de alimentação saudável:
Se a energia metabolizável dos alimentos >despesa energética ⇒ balanço energético positivo...
diferença = energia de oxidação da matéria orgânica que se acumula no ser vivo...
Se a energia metabolizável dos alimentos
<
despesa energética ⇒ balanço energético negativo...diferença = energia de oxidação da matéria orgânica do ser vivo que se oxida e não é reposta... 35 pequeno almoço almoço lanche jantar a dormir Períodos de “ginástica”
Taxa da despesa energética total e ingestão calórica ao longo de um dia num indivíduo adulto sedentário
Quando falamos de balanço energético não é adequado pensar
em períodos curtos de tempo.
Se pensarmos no que se passa ao longo das horas de um dia não há nenhuma relação entre a (1) energia metabolizável dos nutrientes ingeridose a
(2) despesa energética.
A maior parte dos adultos tende a manter o peso mais ou menos estável durante largos períodos de tempo (meses ou anos) ⇒ existem mecanismos neuro-endócrinos que tendem a ajustar o valor calórico da dieta (apetite) ao da despesa energética.
Energia metabolizável dos alimentos ingeridos Despesa energética total 36
Nos mamíferos adultos saudáveis e com alimentos disponíveis (e “apetecíveis”) a energia metabolizável dos alimentos tende a equilibrar (ou a suplantar ligeiramente) a despesa energética (= balanço energético nulo ou ligeiramente +).
Na regulação homeostática da ingestão de alimentos estão envolvidas hormonas libertadas no tubo digestivo, no pâncreas e no tecido adiposo. O hipotálamo é o local do cérebro mais importante na regulação do apetite.
Por exemplo:
1) A leptina é uma hormona sintetizada no tecido adiposo a uma velocidade proporcional à sua massa.
A leptina tem receptores em núcleos hipotalâmicos que quando estimulados pela leptina inibem o apetite.
2) A colescistocinina é libertada no intestino quando uma refeição contém lipídeos; estimula o nervo vago induzindo saciação.
37
Os mecanismos homeostáticos neuro-endócrinos tendem a manter a energia metabolizável dos alimentos igual à despesa energética mas ... os hábitos dietéticos e a baixa actividade física na civilização ocidental moderna
⇒ aumento de peso médio de cerca de 10 kg entre os 25 e os 40 anos de idade. Qual o valor da diferença entre a energia metabolizável dos alimentos e a despesa energética que explica este aumento de peso?
8 000g * 9,3 kcal/g = 74 400 kcal 400g * 4,2 kcal/g = 1 680 kcal 76 080 kcal 76 080 kcal / (365 dias *15 anos) = excesso médio de 13,8 kcal por dia
Considerando uma despesa energética média de 2400 kcal/dia
... para engordar 10 kg em 15 anos basta ter um balanço energético positivo de + 0,58 %.
O único método de avaliação do balanço energético é a comparação da massa corporal (eventualmente complementada com a avaliação da sua composição) em dois momentos temporais
(intervalo > 1 mês, por exemplo).
“Antes que apodreçam, o sítio mais seguro para guardar os alimentos em excesso é no próprio tecido adiposo.”
38
A variação no tempo da massa dos diferentes compartimentos do organismo (massa gorda e massa isenta de gordura) pode servir para saber se existe balanço energéticopositivo, nulo ou negativo e para quantificar o seu valor.
Déficit calórico admitindo que:
(1) variação de reservas de glicídeos = 0 (2) 20 % da massa isenta de gordura = proteína
14 500 g Lip * 9,3 kcal/g = 134 900 kcal 2 020 g Pro * 4,2 kcal/g = 8 500 kcal 143 400 kcal
balanço negativo = 1 510 kcal/dia
Valor calórico da dieta diária foi estimada = 5 070 kcal/dia
A despesa energética diária foi estimada pela técnica da “água duplamente marcada” em dois períodos de 15 dias cada = 6 524 kcal/dia
balanço negativo = (6 524
–
5 070) = 1 454 kcal/dia
Aceitando os pressupostos, os dois valores (1510 e 1454 kcal/dia) deveriam ser iguais; a pequena diferença resulta do erro experimental.
Exemplo de um estudo que incluiu uma viagem à Antártida durante 95 dias [Straud et al. (1994) Clin Sci 87 supp: 54]
39
O Quociente Respiratório (Respiratory Exchange Ratio) e varia com o tipo de
nutriente que está a ser oxidado.
QR =
CO
2/
O
2 O QR é 1 quando se oxidam glicídeos e 0,7 quando se oxidam lipídeos. O QR das proteínas tem, em média, um valor intermédio ≈ 0,8.O calorímetro indirecto mede as
velocidades de consumo de O2e a
produção de CO2 permitindo calcular a
despesa energética e o Quociente Respiratório (QR)
QR = moles ou volume CO2excretado /
moles ou volume de O2consumido.
glicose (C6H12O6) + 6 O2 → 6 CO2+ 6 H2O 6/6= 1 palmitato (C16H32O2) + 23 O2 → 16 CO2+ 16 H2O 16/23= 0,7 glutamina (C5H10O3N2) + 4,5 O2 → 4 CO2+ 3 H2O + 1 ureia 4/4,5= 0,9 leucina (C6H13O2N) + 7,5 O2 → 5,5 CO2+ 5,5 H2O + 0,5 ureia 5,5/7,5= 0,73 40 Em jejum
a insulina está baixa ⇒
(1) inibição das enzimas e transportadores que promovem a oxidação da glicose
(2) estimulação a lipólise e (3) estimulação da cartinina-palmitil-transférase 1 (que promove a oxidação dos ácidos gordos).
Durante o período absortivo de uma refeição que contenha glicídeos,
a insulina está alta
⇒
(1) estimulação das enzimas (glicocínase e cínase da frutose-6-P hepáticas, desidrogénase do piruvato) e dos
transportadores (GLUT 4 no músculo) que promovem a oxidação da glicose e
(2) inibição a lipólise (= hidrólise de triacilgliceróis) e
(3) inibição da
cartinina-palmitil-transférase 1 (o que implica inibição da oxidação dos ácidos gordos).
⇒ QR ≈ 0,95
⇒ QR ≈ 0,75
O QR aumenta, aproximando-se de 1, quando oxidamos glicídeos
e baixa, aproximando-se de 0,7, quando oxidamos lipídeos.
41 Jeukendrup (2002) ANYAS 967: 217-35. Em jejum (e em repouso ou com exercícios de baixa intensidade) o consumo de glicose é baixo e o de lipídeos alto ⇒ QO≈0,75.
No entanto, quando (mesmo em jejum) se aumenta a
intensidade do exercício o consumo de glicose e de
glicogénio muscular aumenta muito mais que o de gorduras ⇒ o QR sobe e aproxima-se de 1 porque...
1- O Ca2+estimula a cínase da fosforílase do glicogénio ⇒ fosforólise do glicogénio ↑.
2- Mobilização de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática independente da insulina (via AMPK).
3- Diminuição da oxidação em beta; talvez por inibição da carnitina-palmitil transférase I causada por descida do pH.
kcal k g -1 min -1 0.3 0.2 0.1 0 glicogénio muscular glicose plasmática triacilgliceróis do musculo
ácidos gordos livres plasmáticos
42
Numa refeição normal (ver exemplo abaixo) a massa de:
1) glicídeos pode ser cerca de 10 vezes maior que a glicose livre 2) lipídeos pode ser 30-40 vezes maior que o triacilgliceróis plasmáticos
3) e cerca de 30% dos aminoácidos livres do organismo…
Refeição com 1000 kcal: 48% glicídeos, 36% de lipídeos e 16% de proteínas (% em valor calórico) Massa de glicose, triacilgliceróis e aminoácidos livres (não proteicos).
70 kg
de peso
…no entanto, porque fazemos “reservas”, as variações na glicemia, nos TAG plasmáticos e nos AAs livres são relativamente modestas.
43
70 kg
de peso
As nossas reservas energéticas glicídicas são muito modestas: usado como único nutriente o glicogénio do organismo esgotar-se-ia em menos de 1 dia:
450 g x 4,1 kcal/g ≈ 1850 kcal
< 2400 kcal(despesa energética diária num indivíduo sedentário)
Usados como único nutriente os triacilgliceróis das reservas poderiam sustentar a despesa energética durante meses.
15 000 g x 9,3 kcal/g ≈ 140 000 kcal 14 000 kcal / 2400 kcal/dia ≈58 dias
Usado como único nutriente, em teoria, as proteínas poderiam sustentar-nos durante mais de 20 dias… mas as proteínas não são uma verdadeira reserva energética. As proteínas têm sempre outros papeis funcionais ou estruturais. Em jejum proteico-calórico total perdem-se cerca de 50-75 g de proteína /dia: nestas condições, um individuo normal (de 70 kg) dura cerca de 2 meses. A morte costuma surgir quando a perda de massa proteica é de cerca de 4 kg [Elia M. (2000) Clin Nut 19:379].
A capacidade de armazenar glicogénio é muito limitada ⇒ quando, no adulto, o balanço energético é positivo armazenamos o excesso calórico na forma de tecido adiposo (que inclui fundamentalmente triacilgliceróis mas também proteínas).
44
Num indivíduo em balanço energético nulo em que a composição corporal também não varia, o seu QR médio = “QR” da dieta (food RQ).
30 dias com despesa de 2400 kcal/dia = 72000 kcal e igual valor
de energia metabolizável na dieta
Dieta:
X g de glicídeos + Y g de lipídeos + Z g de proteínasO
2 X g de glicídeos oxidados + Y g de lipídeos oxidados + Z g de proteínas oxidadas70 kg de
peso
70 kg de
peso
Quando estamos a emagrecer (balanço energético negativo) oxidamos toda a dieta + triacilgliceróis endógenos ⇒ QR < “QR” da dieta
Quando estamos a engordar (balanço energético positivo) oxidamos todos os glicídeos da dieta, mas parte dos ácidos gordos da dieta são armazenados ⇒ QR > “QR” da dieta
45
Se se está em jejum total (excepto água) prolongado (um mês por exemplo) o
glicogénio hepático e musculardesaparece ao fim de poucos dias e
oxidamos as nossas gorduras e proteínas. Ao longo do jejum prolongado a
BMR vai baixando (porque as hormonas tiroideias baixam), a actividade física reduz-se a quase zero… Admitamos que no dia 20 de jejum total… ∆ gordura = 106 g / dia ∆ proteína = 50 g / dia BMR = 106 x 9,3 + 50 x 4,2 = 1200 kcal/ dia
Qual o QR?
L de CO2= 106 g/dia x 1,39 L/g + 50 g/dia x 0,75 L/g = 185 L / dia L de O2 = 106 g/dia x 1,96 L/g + 50 g/dia x 0,94 L/g = 256 L / dia QR= 185 L CO2 / 256 L O2=0,73
No jejum total a única fonte de glicose é a gliconeogénese. O glicerol dos triacilgliceróis e os aminoácidos das proteínas fornecem substrato para a síntese de glicose.
1 g de TAG (glicerol)→ ≈0,1 g de glicose; 1 g de aminoácidos → ≈0,6 g de glicose. 106 g x 0,1 + 50 g x 0,6 = 41 g de glicose; …seria insuficiente para nutrir o cérebro se, no jejum total, não estivesse activada a cetogénese…
46 Bibliografia consultada:
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