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HOSTÓRIA E IMPRENSA: A DIVISÃO DO ESTADO DO MATO GROSSO NA FOLHA DE S. PAULO

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HOSTÓRIA E IMPRENSA: A DIVISÃO DO ESTADO DO MATO GROSSO NA

FOLHA DE S. PAULO

LÍNIVE DE ALBUQUERQUE CORREA* Introdução:

A divisão do Estado do Mato Grosso, promulgada no ano de 1977, é um marco da coroação da luta separatista promovida por nortistas e sulistas em embates políticos, ideológicos e até mesmo físicos que perduraram por cerca de cem anos. Fatores socioeconômicos e políticos distintos aliados à força política e econômica dos fazendeiros do sul de Mato Grosso, contribuíram para o nascimento de ideias divisionistas, e colaboraram para a posterior separação das regiões Norte e Sul do Estado do Mato Grosso.

A imprensa fez parte do processo de divulgação do movimento na esfera local, regional e nacional através da cobertura promovida por jornais que circulam no Estado e órgãos de circulação nacional, possibilitando observar as relações dos meios de comunicação impressos com os interesses políticos e econômicos vigentes, em todos os âmbitos. O material jornalístico permite perceber a ação dos jornais na construção de representações sobre os fatos (BOURDIEU, 2000. p. 164; 170), assim a presente comunicação tem por objeto principal as representações jornalísticas sobre a divisão do Estado do Mato Grosso publicadas na Folha de S.

Paulo entre os anos de 1975 a 1977. Por objetivo central define-se pensar a contribuição dos impressos e a relação dos jornais na construção dos fatos, além da relação entre o fato publicado e interesses políticos e econômicos.

Alguns fatores foram determinantes para a escolha do jornal ‘Folha de S. Paulo’, por configurar uma fonte externa ao acontecido, apresentando-se como uma pretensa “voz imparcial”; a proximidade física de seu campo de atuação, além de ter, com as áreas envolvidas, interesses particulares a São Paulo; e sua condição de periódico de alcance nacional.

1. Os dois Mato Grosso

O processo de expansão lusitana no Brasil em direção ao oeste tem início durante a primeira metade do século XVIII, contemplando regiões como Mato Grosso e Goiás. Segundo

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Jovam Vilela da Silva, na segunda década do século XVIII encontrou-se ouro na região de Cuiabá às margens do córrego Coxipó-Mirim, possibilitando a ocupação efetiva da área por meio de expedições bandeirantes.

As notícias com proporções lendárias e fantasiosas a respeito da descoberta do ouro na região atraíram pessoas de todas as partes, porém foram maiores que a própria quantidade do metal precioso. O “ciclo do ouro cuiabano” entrou em decadência rapidamente, já na primeira metade do século XVIII Cuiabá sofreu com o êxodo populacional e passou a viver num isolamento após o encerramento de seu curto ciclo econômico. Alheia à mineração, a região sul do Estado constitui-se nesse período meramente um cenário do tráfego em direção a Cuiabá, sofrendo ainda pequenas infiltrações dos espanhóis e do Guaicuru.

Norte e sul receberam influências distintas já em sua colonização, o que acabou por gerar conflitos de interesses entre as duas regiões. Os migrantes que chegaram ao norte desde o período da descoberta do ouro em Cuiabá eram, em sua maioria, lavradores sem terra ou sitiantes que vendiam suas possessões para tornarem-se “pequenos fazendeiros” no Mato Grosso. Já os responsáveis pela ocupação do sul foram atraídos pelas terras férteis, baratas e pela quantidade de gado bravio dos campos de vacaria, aí encontrados abundantemente em detrimento da ausência do ouro. O sul do Mato Grosso despontava como uma economia disponível, substitutiva da antiga e devastada economia mineradora do norte de Mato Grosso. A despeito da crise econômica, Cuiabá permanece como centro político e administrativo estadual.

A importância sócio-econômica e política do Sul de Mato Grosso acentua-se, na medida em que ocorre a sistematização da criação do gado, a posse da terra e a formação de vilas e cidades, concomitante a esses fatores ocorre a instalação da Companhia Matte Larangeira e a ligação ferroviária entre o Sul de Mato Grosso e São Paulo. (SANTOS, 1995. p.22.)

A Companhia ervateira “Matte Larangeira”, fundada em 1891 por Thomaz Larangeira, com sede inicial em Concepción no Paraguai, exerce até 1930 a maior influência política e econômica do Estado do Mato Grosso, tendo alcançado seu apogeu por volta de

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1920. A Matte possibilitou o povoamento de uma extensa região, porém adquiriu tamanha visibilidade a ponto de “constituir um verdadeiro Estado no Estado.” (VALLE, 1996. p.19.). O campo de atuação da companhia era praticamente um “latifúndio correspondendo a área de vários países da Europa” (SILVA, 1996. p.20.), porém as terras não lhe pertenciam, eram terras devolutas pertencentes ao Estado e arrendadas à Matte. Em 1918, a empresa instalou-se no extremo sul do Mato Grosso na Fazenda Campanário, que se tornou sede da Companhia, posteriormente transferida para Porto Murtinho (também região sul), espraiando ainda mais seus domínios sobre o Estado.

No final do século XIX e início do XX levas de migrantes gaúchos começam a chegar ao sul do Mato Grosso, se estabelecem nos ervais da Companhia, aliando-se, inicialmente, a seus dirigentes, porém, com a chegada contínua dos migrantes, surgiram as primeiras divergências com os arrendatários da terra, “as complexas relações sócio-econômicas e políticas entre proprietários e não proprietários fortalecem, politicamente alguns grupos de famílias, dando origem à formação das oligarquias sulinas desvinculadas das já existentes no Norte.”( SANTOS, 1995. p.22.). À Matte Larangeira, nunca interessou a divisão do Estado, pois a porção sul praticamente já lhe pertencia e caso a divisão ocorresse a Companhia teria de partilhar com os posseiros as terras de seus ervais e o seu monopólio sobre a exploração da erva mate. Considerando-se a influência das migrações, sobretudo gaúchas e mineiras, surgem neste período ideais separatistas, os “coronéis guerreiros”, defendiam os ideais da divisão através da luta armada.

Para Marisa Bittar, “o regionalismo dos sulistas consiste na causa mais remota da divisão, [...] os sulistas transformaram o seu regionalismo em divisionismo” (BITTAR, 2009. p.24.), ainda segundo a autora, as ideias separatistas sugiram em 1892 nos confrontos armados entre coronéis sulistas e nortistas. A partir dos êxitos obtidos, sobretudo com a pecuária, as oligarquias sul-mato-grossenses se fizeram política e economicamente tão importantes ao desenvolvimento do Estado quanto às do norte. Em 1901, Barros Cassal e João Caetano Muzzi, líder do recém-criado Partido Autonomista – partido de oposição ao Partido Republicano local – levantaram a bandeira separatista. Nesta primeira fase do movimento, os

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interesses particulares das oligarquias dominantes confundiam-se com as disputas e objetivos políticos entre aqueles que pretendiam o poder estadual.

A construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1914 ligou “São Paulo a Corumbá, na fronteira com a Bolívia, [...] atravessando todo o Sul do Estado” (BRASIL, 1977. p.06.), Campo Grande gradativamente centralizou no sul do Mato Grosso as principais atividades políticas e econômicas de então, passando de entreposto comercial à condição de polo irradiador de ideias. A futura capital do Estado de Mato Grosso do Sul teve seu desenvolvimento facilitado por situar-se fora da área de controle da Matte Larangeira e ainda por sua localização que proporcionava à ferrovia o atendimento de seus objetivos econômicos e estratégicos, transformando-se na capital econômica do sul de Mato Grosso.

Esse trânsito de influências entre o sul do Mato Grosso e São Paulo gera, sobretudo nos anos de 1919-1925, prosperidade econômica para as cidades sul-mato-grossenses e proporciona a propagação do movimento divisionista também nos centros urbanos. Assim, a causa extrapola o limite dos ervais nos anos 20 e atinge as cidades criadoras de gado, com destaque para Campo Grande. Pode-se afirmar que a ideia divisionista esteve amplamente relacionada às diversas correntes migratórias que compõe o sul do Estado, à expansão pecuarista gerada a partir destes habitantes, ao regionalismo que marcou estes movimentos - resultando na formação das oligarquias- ao desenvolvimento das cidades, a interação entre sul-mato-grossenses e militares constantemente remanejados e a implantação da ferrovia. (BITTAR, 2009.).

A partir de 1930 o movimento divisionista tornou-se mais organizado com a participação de outros grupos sociais que se aliaram aos políticos sulinos exercendo pressão sobre o governo federal, tendo ainda o respaldo de grupos econômicos não ligados à Matte Larangeira. Em julho de 1932 eclode, em São Paulo, a chamada Revolução Constitucionalista, além das fronteiras paulistas, o sul do Mato Grosso foi o único a aderir o movimento revolucionário e, evidenciando mais uma vez o distanciamento das regiões, o norte permaneceu legalista alinhando-se ao poder central.

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...Mato Grosso é um prolongamento de São Paulo. As nossas principais e mais antigas famílias vieram da brava gente paulista, dos bandeirantes que fizeram os limites do Brasil. Foram os paulistas que levantaram as nossas principais cidades. Fomos uma parte de São Paulo. (SILVA, 1996. p.153.)

As forças revolucionárias situadas no sul do Estado e as estabelecidas em São Paulo foram, porém, vencidas pelo Governo da União. O movimento não alcançou seus objetivos, entretanto os esforços dos revoltosos não foram em vão, criou-se em fins de 1932 a Liga Sul-mato-grossense que auxiliaria os divisionistas na organização e planejamento de atividades em prol da causa separatista. A este tempo Cuiabá também manifestava-se procurando abafar as movimentações e estratégias da Liga Sul-mato-grossense, para tanto as autoridades centristas passaram a taxar como subversivas as aspirações sulistas pela separação e as delegacias de Cuiabá passaram a receber ordens de se exercer rigorosa vigilância contra os movimentos divisionistas. No entanto, durante o chamado “Estado Novo” (1937-1945), a luta divisionista atraiu a simpatia de diversos políticos, alguns até mesmo ligados ao governo de Getúlio.

Com o fim da ditadura Varguista, a eleição de Vespasiano Martins ao senado pelo Sul e a instalação da nova Assembleia Constituinte em 1945, a causa ganhou novo ânimo. Segundo Valle, na década de 40, não houve, com relação à divisão do Mato Grosso, “nenhum movimento de monta, e o movimento dividisionista somente viria à tona com maior intensidade na década de 50” (VALLE, 1996. p.178.), acompanhado por significativas mudanças como a chegada da rodovia ao Estado.

A partir de 1952 na Escola Superior de Guerra do Estado Maior das Forças Armadas, o ideal divisionista obteve importantes adesões como as dos generais Ernesto Geisel e Golbery de Couto e Silva. No final da década, o movimento voltou a se intensificar e tomou novo fôlego com a candidatura de Jânio Quadros, nascido em Campo Grande1, à presidência da República. Eleito, Jânio declarou, para o desapontamento dos separatistas, “que, depois de

1 Há controvérsias quanto à cidade de origem do ex-presidente, em seu livro “Pedro Pedrossian, o Pescador de

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seu Governo, ninguém mais iria pensar em Dividir o Estado.” (VALLE, 1996. p.36.). Dos anos seguintes até 1963, a Liga Sul-mato-grossense fundou comitês pró-divisão por todas as cidades sulistas, procurando divulgar e promover a separação das regiões e a criação do Estado do Mato Grosso do Sul. (VALLE, 1996. p.36.).

O grande marco da década de 60, porém, foi o Golpe Militar de 31 de março de 1964, com a ação, os separatistas novamente se recolheram, porém, a chama é reacesa com a chegada a Cuiabá dos coronéis Ernesto Geisel e Golbery de Couto e Silva, destacados para tratar de assuntos referentes à redivisão do Estado. No contexto da ditadura o governo promovia a ocupação de “espaços vazios” em prol da segurança nacional, aliando seu projeto de “Brasil Potência” aos interesses da elite agrária sul-mato-grossense.

Com base em estudos realizados, com vistas à divisão do Estado desde a década de 60 pelos já mencionados generais, foi entregue, em meados de 1974, ao Governo Federal o prospecto do plano de divisão. Por conta das eleições ocorridas no mesmo ano, planos foram alterados e num pronunciamento em outubro, o ministro Rangel Reis, transferia a divisão para o ano seguinte. Em 1975 surge a primeira manifestação pública e oficial das elites a respeito da divisão, “as Associações de Diplomados da Escola Superior de Guerra – que desde 1952 já vinham debatendo o problema, resolveram publicar dois relatórios e divulgá-los simultaneamente em Cuiabá e Campo Grande” (VALLE, 1996. p.183.), reacendendo as polêmicas entre as regiões do Estado.

O ideal da divisão perdurou através dos tempos, e os anseios divisionistas somente foram atendidos quase um século após o primeiro brado separatista, a Lei Complementar nº31, promulgada em 11 de outubro de 1977, em Brasília, criou o Estado de Mato Grosso do Sul, constituído de 55 municípios agrupados e 07 microrregiões homogêneas.

Nenhuma das populações envolvidas foi consultada a respeito da divisão e somente tomaram parte dos planos do Governo Federal para a região depois da exposição de motivos, e da conclusão da lei complementar, “... não houve manifestações populares que antecedessem e apoiassem a sua criação, também não houve manifestações que a ela se

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opusessem. [...]. Em síntese: as duas regiões aceitaram o ato consumado” (BITTAR, 2009. p.432.). Alguns interpretam a separação como uma consequência lógica da configuração geográfica do Estado do Mato Grosso, outros a classificam como “uma decisão pessoal, um ato de arbítrio do presidente Geisel” (VALLE, 1996. p.56.), há ainda quem creia numa ação a serviço do Governo Federal para multiplicar espaço político através da criação de novas Unidades da Federação. O fato é que, “... nas bases, o que realmente motivou essa decisão, assim como motivará outras, ‘é que esta foi a que melhor serviu, no caso, aos mais altos interesses nacionais! ’” (SILVA, 1996. p.194.), resta saber há que interesses e a quem eles contemplam.

2. A Folha de S. Paulo

Criada em 1921, a Folha da Noite nasceu da iniciativa de um grupo de profissionais advindos do jornal “O Estado de S. Paulo (OESP)”.

Segundo depoimentos de Pedro Cunha, um de seus fundadores, e de Paulo Duarte, um de seus colaboradores de primeira hora, a causa imediata do surgimento da

Folha da Noite, em 1921, foi a extinção, logo após o término da Primeira Guerra, do jornal conhecido como Estadinho, editado como vespertino pelos proprietários de O

Estado de S. Paulo. (MOTA e CAPELATO, 1981. p.36).

Desta forma, a lacuna deixada pelo Estadinho2, foi ambicionada e preenchida por

esses colaboradores. Surge assim a Folha da Noite que buscava atuar junto a um leitorado não atingido pelo OESP, sendo por isso definido por seus dirigentes como um “jornal popular” que buscava representar e dirigir-se as classes médias urbanas, ambicionando também “uma suposta penetração na classe operária”. Como evidência do êxito obtido pelo periódico já firmado no mercado, surge em 1925 a “Folha da Manhã” que se constituía como um jornal matutino e representava um complemento das funções do primeiro periódic, distribuído no período da tarde e que por isso não tinha tempo de dar algumas notícias.

2 Cabe ressaltar que o Estadinho era apenas um caderno publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo durante a

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O ano de 1929 se estabeleceu como marco de uma grande modificação na linha do jornal que iniciou a sua trajetória numa postura crítica à política dominante, buscando aproximação com as classes populares e encerrou a década de 20 tornando-se inteiramente governista. Outra característica do período digna de destaque é o fato de que passam a protagonizar nos jornais os interesses de São Paulo em detrimento das chamadas “aspirações populares”. “Há uma exacerbação do regionalismo. Tudo se explica e justifica em nome da “grandeza de São Paulo.” (MOTA e CAPELATO, 1981.p.48.).

A “segunda fase” da história do jornal tem início com a chamada “Revolução de 1930”, quando, após serem empasteladas e deixarem de circular, as Folhas da Noite e da

Manhã tiveram seus despojos vendidos ao grupo de Octaviano Alves de Lima (fazendeiro e comerciante do café), os jornais só voltaram a circular no ano de 1931, com um caráter marcadamente rural. As Folhas caracterizaram-se no período como “jornais da lavoura”, nesta “segunda fase” alcançou-se ainda a emancipação financeira e uma fisionomia empresarial, não era o lucro o principal interesse do grupo de proprietários, era o café a maior preocupação do jornal, fomentando, por isso, o preconceito aos industriais. Para os idealizadores do “novo” jornal, a causa da lavoura deveria “ser considerada como a causa de S. Paulo e do Brasil.” (TASCHNER, 1992. p.52.). Porém, a luta e o empenho de Alves de Lima não foram suficientes e quinze anos depois da compra este vendeu o periódico e abandonou a carreira jornalística.

Assim, em 1945, juntamente com o início do período de redemocratização pós-ditadura Vargas, tendo como bandeira de luta a consolidação da democracia, José Nabantino Ramos dá início à “terceira fase” da história do jornal, “o novo diretor das Folhas representava a renovação do capitalismo e trazia uma nova mentalidade à empresa.” (MOTA e CAPELATO, 1981. p.101.). Até por volta de 1950, porém, o jornal ainda passará a representar firmemente os ideais dos capitalistas agrários, após este período, no entanto, há um retorno a ênfase urbana e se estabelece também um viés industrialista.

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Nabantino Ramos é apontado como o grande responsável pelas mudanças ocorridas no período de 1945 a 1962, quando modernizou o jornal, reestruturou a administração e racionalizou o trabalho colocando-os em termos de empresa. A visão progressista instaurada por Nabantino foi influenciada por acontecimentos no campo político, econômico, social e cultural. Em fins da década de 40 (1946/48), as Folhas, se tornaram porta-voz da ideologia das classes médias urbanas do Estado de São Paulo, “um jornal da classe média para a classe média” (MOTA e CAPELATO, 1981.p.71.), afirmava Ramos.

Em julho de 1949 é criada a Folha da Tarde, um jornal matutino e mais popular com o propósito de substituir a Folha da Noite, que vinha paulatinamente perdendo sua importância. Em janeiro de 1960 ocorreu a unificação dos jornais que passaram a chamar-se

“Folha de S. Paulo” mantendo três edições diárias. A construção dos “novos periódicos” deu-se através de uma diversificação de assuntos, na busca por novos públicos atestando cada vez mais o seu caráter empresarial. Porém, com dificuldades financeiras e administrativas, além de problemas internos, Ramos retirou-se da Folha em agosto 1962, dando início a “quarta fase” da história dos jornais, agora sob a tutela de Octávio Frias de Oliveira, ligado ao capital financeiro, e Carlos Caldeira Filho, do setor da construção civil, a estrutura empresarial que havia sido previamente montada por Nabantino Ramos, seria levada a cabo pelo grupo Frias-Caldeira.

Conforme Mota e Capelato, a reformulação da empresa realizou-se em três etapas: 1º – reorganização financeiro-administrativa e tecnológica (1962-1967), 2º - a “revolução” tecnológica (1968-1974) e 3º - definição de um projeto político cultural (1974-1981). Ainda segundo os autores, “em 1963 a Folha tornara-se o jornal de maior circulação paga do Brasil” (MOTA e CAPELATO, 1981.p.192.). No campo político a Folha do grupo Frias-Caldeira, buscou um posicionamento de neutralidade e, entusiasta da ideologia legalista, assumiu o papel de defensora da ordem, sendo capaz de, em nome desta, apoiar o Golpe de 1964, assim como a maior parte da grande imprensa. Na prática política, o neutralismo apregoado não se efetivou, a Folha aproximou-se da UDN e, assumindo o seu papel de formadora de opinião,

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contribuiu com “a preparação ideológica de seus leitores para a aceitação do Movimento Militar de 1964.” (MOTA e CAPELATO, 1981.p.179.).

Para Dias, a estratégia política do jornal deu certo na medida em que o apoio ao Golpe de 1964 rendeu à Folha um grande crescimento econômico observável também no período pós-golpe. Diferentemente de outros jornais, durante a ditadura militar a Folha não possuía censores em sua redação, “só recebia a relação ou indicações de temas proibidos por telefone da Polícia Federal” ((MOTA e CAPELATO, 1981.p.207), praticando a autocensura. No período denominado como “revolução tecnológica” (1968-1974), a Folha de S. Paulo revelou-se uma empresa inovadora através de seus investimentos em maquinários importados e grandes tecnologias de prensa. Tais alterações projetaram-se no aumento do público, fazendo com que em 1969, segundo pesquisa do IBOPE (MOTA e CAPELATO, 1981. p.203.), a Folha figurasse como o jornal mais lido do interior do Estado de São Paulo, superando o OESP.

No chamado período de “definição de um projeto político cultural (1974-1981)”, a

Folha que anteriormente defendera o Golpe, agora se distanciava dele. Dentre os motivos deste afastamento se destacam uma “decepção” com os rumos do regime em 1965, distanciando-se ainda mais com o agravamento da violência em 1968. Em meados da década de 70, sob o risco de perder os leitores que esboçavam descontentamento com o governo, a empresa assumiu uma posição mais crítica. Em 1975 com a chamada “Distensão Política” do esquema Geisel-Golbery, o jornal teve uma autonomia maior, e em busca de uma imagem mais definida, aliou-se a outros segmentos da sociedade civil na defesa de bandeiras como a redemocratização do país, a liberdade de imprensa e os direitos humanos.

A principal mudança da empresa Folha de S. Paulo no período Frias-Caldeira, porém, dá-se na medida em que esta se transforma em um conglomerado da indústria cultural. Tal conquista deu-se com a aquisição de títulos como “Última Hora” e “Notícias

Populares”, ambos de São Paulo. O grupo assumiu também em 1968 o controle da Fundação Cásper Líbero, o que fez com que ao longo da década de 60 tivessem controle sobre cerca de

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50% do mercado de leitores no que se refere à venda avulsa na grande São Paulo (TASCHNER, 1992. p.151.). Frias e Caldeiras transformaram algumas empresas em crise e até mesmo em ruínas, num “império jornalístico”.

3. A Folha de S. Paulo e a Divisão do Estado do Mato Grosso

Em pesquisa realizada no “Acervo Folha”, optou-se por utilizar as expressões “Mato Grosso” e “Mato Grosso do Sul” como termo de busca, gerando um montante inicial de 1370 páginas, muitas, porém, não relacionadas ao objeto abordado na pesquisa. Após verificação inicial do material, 180 notícias foram selecionadas para redação do trabalho, por abordarem: a) a divisão do Mato Grosso; b) a criação do Mato Grosso do Sul e c) os desdobramentos da questão divisionista. A Folha mencionou a possibilidade da divisão pela primeira vez já em 15 de junho de 1965, em nota presente na página 6 do primeiro caderno, sob o título:

“Elementos do Codigo Penal no ginasio”, a próxima notícia relacionada à divisão dá-se somente seis meses depois: “AL discutirá divisão de Mato Grosso”.

Ainda em abril de 1968, no caderno denominado “Suplemento Especial”, a Folha trouxe um conjunto de reportagens sob o título “Mato Grosso: muita terra e pouca gente”, parte da “Série Realidade Brasileira: Centro-Oeste”. No decorrer de 23 páginas o tema foi dividido em outros seis subtítulos: “1. Tão grande quanto rico; 2. Pecuária, escalada do

progresso; 3. A rodovia e o desenvolvimento de Mato Grosso; 4. Tamanho é problema?

(Divisão do Estado: solução que muitos defendem); 5. Conflito entre passado e o futuro e 6.

Um Estado com três Capitais.”. A Folha de S. Paulo deixa transparecer, já na introdução das reportagens, o seu posicionamento com relação à divisão do Estado do Mato Grosso, o jornal faz declarações com relação à “superioridade” do Sul do Estado em detrimento do Norte.

A Folha apresenta a região Sul de Mato Grosso como tendo a sua ocupação populacional mais bem distribuída, padrão de desenvolvimento econômico mais elevado e uma economia dinâmica, “em franco processo de consolidação, com a industrialização rompendo a hegemonia agropecuária” (FOLHA DE S. PAULO, 1968. p.19-42.), fatos que se devem, segundo o periódico, à “benéfica” influência de São Paulo e Minas Gerais sobre a

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região. O suplemento ainda apresenta a cidade de Campo Grande como “centro de irradiação do progresso em vasta área de Mato Grosso” (FOLHA DE S. PAULO, 1968. p.19-42.). Enquanto ao Norte coube a alcunha de “incorporado ao vazio amazônico” constituindo-se “num desafio ao pioneirismo”. A posição da Folha de S. Paulo nos embates do divisionismo apresenta-se de forma latente, sendo ainda corroborada por dados de períodos seguintes.

Definiu-se como recorte temporal para amostragem do material divulgado pelo jornal, o ano de 1975 em que ocorre, a primeira manifestação pública e oficial das elites a respeito da divisão do Mato Grosso e tem como data final o último mês do ano em que foi homologado o decreto de criação do Mato Grosso do Sul (1977).

Por não conter um dispositivo de desambiguação, muitas informações, apareceram relacionando Mato Grosso a situações de ordens diversas, fazendo com que o número aparentemente grande de notícias fosse bastante reduzido. Assim, os dados considerados para elaboração do presente artigo advêm da leitura e análise de 100 notícias publicadas pelo jornal

Folha de S. Paulo no período de 01 de janeiro de 1975 a 31 de dezembro de 1977.

Tânia de Luca chama atenção para a importância de se “atentar para o destaque conferido ao acontecimento, assim como para o local em que se deu a publicação” (LUCA, 2005. p.140), havendo também uma hierarquia de seções. Ainda segundo a autora, os procedimentos tipográficos e as ilustrações também conferem significado ao discurso e “a ênfase em certos temas, linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público que o jornal [...] pretende atingir” (LUCA, 2005. p.140).

Manchetes podem ser definidas como “o principal ponto de atração de uma notícia, juntamente com a foto. [...] têm as funções de resumir a notícia, impactar e atrair o leitor de forma a persuadi-lo a ler o texto por inteiro.” (FERNANDES e ANDRADE, 2013. p.07). A primeira manchete localizada sobre a temática divisionista data de 01 de maio de 1975,

“Senador apoia divisão de Mato Grosso” e em 12 de fevereiro de 1976 lê-se na primeira página que a “Divisão de Mato Grosso sairia logo”. Outras quatro manchetes de períodos distintos também merecem destaque, são elas: “Em janeiro de 79, Mato Grosso do Sul e do

Norte” (22.03.77); “Garcia Neto desconhece divisão” (23.03.77); “Anunciada divisão de

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notícias através das manchetes deixa transparecer, nos exemplos citados, a posição da Folha que endossava a divisão antecipando-se a ela (nos cinco primeiros exemplos) e corroborando-a (no último), vcorroborando-alendo-se dcorroborando-a máximcorroborando-a de que “corroborando-a visão do leitor sobre determincorroborando-ado fcorroborando-ato pode ser construída a partir de uma única frase.” (FERNANDES e ANDRADE, 2013. p.07). Assim temos que o destaque conferido a uma notícia marca também um posicionamento, as notícias estão sempre a “serviço de”, cabendo ao leitor e ao pesquisador investigar a quem ela serve. Compreendemos, portanto, que a análise deve ser ainda mais abrangente, entendendo a mídia como integrante do jogo político e da construção do acontecimento histórico (SOTANA, 2010. p.22-23.). A imprensa é ora moldada pela realidade político social na qual se insere, ora artífice desta.

A Folha de S. Paulo noticiou a sequencia de fatos relacionados à criação do Mato Grosso do Sul, publicou e produziu séries de reportagens, artigos de opinião e charge, materiais que quando analisados revelam um posicionamento da empresa explicável através de uma reconstituição histórica. Como “o grande jornal da classe média brasileira” (MOTA e CAPELATO, 1981. p.234.), e como baluarte da defesa de São Paulo, é em nome destes e de sua relação com o sul do Mato Grosso que a Folha define e explicita o seu posicionamento favorável à divisão.

A Folha de S. Paulo, no período pesquisado, demonstrou nitidamente ser impossível ignorar “a posição política dos jornais e, principalmente, as relações sociais construídas ao longo das suas trajetórias” (SOTANA, 2008. p.6.), ao analisar o posicionamento dos meios de comunicação diante de acontecimentos históricos. Ainda que se pretenda imparcial e objetiva, a imprensa nunca se limita a meramente transmitir informações, não só informa como também forma e deve, por isso, ser compreendida como agente do campo político. Segundo Luiz Antônio Dias, “[...] os jornais sempre buscam atrair seus leitores para uma causa, quer seja ela política ou econômica.” (DIAS, 1993. p. 32.).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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