• Nenhum resultado encontrado

Gravidez em Portadoras de Cardiomiopatia Periparto. Estudo Prospectivo e Comparativo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Gravidez em Portadoras de Cardiomiopatia Periparto. Estudo Prospectivo e Comparativo"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

4 8 4 4 8 4 4 8 4 4 8 4 4 8 4

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

Correspondência: Walkiria Samuel Avila – InCor – Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 – 05403-000 – São Paulo, SP – E-mail: walkiria@incor.usp.br

Recebido para publicação em 13/8/01 Aceito em 7/11/01

Objetivo - Analisar a evolução de gestantes portado-ras de cardiomiopatia periparto e comparar à cardiomio-patia idiopática.

Métodos - Acompanhamos 26 gestantes (28,4±6,1 anos) com cardiomiopatia dilatada, sendo que 18 apresen-tavam cardiomiopatia periparto [11 com persistência da disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE%=45,2±2) e 7 com recuperação prévia da função ventricular (FE%= 62,3±3,6)] e, as 8 restantes, cardiomiopatia idiopática (FE%=43,5±4,1). Recomendou-se durante o pré-natal restrição das atividades físicas e dieta hipossódica e hos-pitalização quando da ocorrência de complicações.

Resultados - Das 26 pacientes, 11 (42,3%) alcança-ram o parto sem complicações; 9 (35,5%) com complica-ções cardíacas, 6 (22,2%) com complicacomplica-ções obstétricas. Ocorreram 2 (7,7%) óbitos. Houve 2 gestações pré-termo e 26 recém-nascidos saudáveis (2 gemelares); ocorreram 2 abortos espontâneos. A taxa de complicação cardíaca du-rante a gestação foi menor (p<0,009) no subgrupo cardio-miopatia periparto sem disfunção ventricular e maior (p=0,01) no subgrupo idiopática em comparação com pe-riparto com disfunção ventricular. Não foram identifi-cadas modificações significativas da fração de ejeção ventricular esquerda (p<0,05) do pós-parto, quando comparada a da gravidez, nos 3 subgrupos.

Conclusão - Gravidez em pacientes com cardiomio-patia dilatada está associada à morbidade materna. Função ventricular esquerda é determinante do prognós-tico e deve ser parâmetro no aconselhamento de nova gravidez em portadoras de cardiomiopatia periparto.

Palavras-chave: cardiomiopatia periparto, gravidez, com-plicação materna, comcom-plicação fetal

Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 5), 484-8, 2002

Walkiria Samuel Avila, Maria Elisa Carneiro de Carvalho, Cleide K. Tschaen, Eduardo Giusti Rossi, Max Grinberg, Charles Mady, José Antonio Franchini Ramires

São Paulo, SP

Gravidez em Portadoras de Cardiomiopatia Periparto.

Estudo Prospectivo e Comparativo

A cardiomiopatia periparto é uma doença rara, de etiolo-gia desconhecida, que acomete mulheres em idade reprodutiva e sua incidência está relacionada ao ciclo gravídico-puerperal. As hipóteses sobre sua causa concentram-se na interação fisiológica da gestação e do puerpério com fatores infla-matórios, infecciosos, genéticos, hormonais e metabólicos 1-3. Os critérios diagnósticos da cardiomiopatia periparto incluem a insuficiência cardíaca no último mês de gestação ou nos cinco meses imediatamente após o parto, na ausên-cia de causa determinante ou de doença cardíaca pré-exis-tente,4 e disfunção sistólica demonstrada por rebaixamento da fração de ejeção (FE) e/ou da fração de encurtamento do ventrículo esquerdo demonstradas pelos critérios ecocar-diográficos 5.

Os estudos 6-8 sobre a história natural da cardiomiopa-tia periparto estimam que pouco mais da metade dessas pacientes apresenta regressão da disfunção ventricular, enquanto que cerca de 25% evoluem para óbito em três me-ses por insuficiência cardíaca, arritmias ou tromboembolis-mo e, as demais, desenvolvem cardiomiopatia dilatada.

Sob esse aspecto, a evolução da gravidez subseqüen-te à cardiomiopatia periparto permanece controversa: a per-sistência da disfunção ventricular impõe elevado risco de complicações e morte materna; por outro lado, a recupera-ção da funrecupera-ção ventricular não assegura o bom prognóstico da futura gestação, além de haver hipóteses sobre a recorrên-cia da doença, descrita como rebaixamento de FE e mani-festação de insuficiência cardíaca, no período periparto 9,10.

Os objetivos deste trabalho foram estudar a evolução clínica e obstétrica da gestação em mulheres com diagnósti-co prévio de cardiomiopatia periparto, avaliar os fatores que se associam ao prognóstico e comparar com a evolução das portadoras de cardiomiopatia dilatada idiopática.

Métodos

No período de 1990 a 1998 foram acompanhadas 26 gestantes, portadoras de cardiomiopatia dilatada, durante o pré-natal no Instituto do Coração (InCor), 18 delas de etio-logia periparto (cardiomiopatia periparto) e oito idiopática

(2)

4 8 5 4 8 5 4 8 5 4 8 5 4 8 5 (cardiomiopatia idiopática). Entre as 18 pacientes com

car-diomiopatia periparto, 11 apresentavam persistência da disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE = 45,2±2%), enquanto que sete mostraram recuperação da função ven-tricular (FE= 62,3±3,6%), previamente à gestação em estudo. A média da FE no grupo de cardiomiopatia idiopática foi de 43,5±4,1%. O diagnóstico de cardiomiopatia e a classificação em periparto e idiopática seguiram os critérios adotados pelo Comitê da Organização Mundial de Saúde, definidos em 1980 e modificados em 1996 11, e foram realizados por exames clínico, ecocardiográfico, hemodinâmico e/ou his-tológico.

A média de idade das pacientes com cardiomiopatia periparto e disfunção ventricular foi 26±7 anos, das sem dis-função 26±6,1, e das com cardiomiopatia idiopática 29,5±6,2 (tab. I). Com exceção de duas pacientes, uma com car-diomiopatia periparto e outra com carcar-diomiopatia idio-pática, as demais iniciaram a gravidez em classe funcional I/ II ( NYHA) e todas tinham história de insuficiência cardíaca e rebaixamento da FE ao ecocardiograma.

Vinte pacientes apresentavam alterações eletrocardio-gráficas (distúrbio de condução de ramo direito, extra-sísto-les supraventriculares e ventriculares, sobrecarga de câma-ras esquerdas), distribuídas igualmente entre os grupos com disfunção ventricular (tab. I).

Nas pacientes com cardiomiopatia periparto, o tempo transcorrido entre a instalação da doença e a gestação em estudo foi, em média, 52,6 meses para aquelas que recupera-ram a função ventricular e 55,8 meses para as demais.

A assistência pré-natal incluiu: consultas periódicas integradas com cardiologista e obstetra, eletro e ecocardio-gramas de controle durante a gestação e três meses após o parto. Recomendamos restrição das atividades físicas e di-eta hipossódica a partir do 2º trimestre e hospitalização quan-do da ocorrência de complicações cardíacas ou obstétricas. Foram mantidos os fármacos de ação cardiovascular pres-critos anteriormente à gestação em estudo, como digital, diuréticos e antiarrítmicos, exceto os inibidores da enzima de conversão da angiotensina II e os dicumarínicos, substi-tuídos respectivamente por hidralazina e heparina, de acor-do com as Diretrizes de Cardiopatia e Gravidez da Socieda-de Brasileira Socieda-de Cardiologia 12.

Oito pacientes engravidaram usando captopril, sus-penso na primeira consulta pré-natal, na maioria dos casos

durante o 1º trimestre da gestação, e quatro mantiveram amiodarona durante a gestação, considerada essencial para o controle da arritmia.

As análises da incidência de eventos clínicos (insufi-ciência cardíaca, tromboembolismo, arritmia cardíaca e mor-te) e das modificações do eletrocardiograma e da FE antes e após o parto foram realizadas pelos cálculos dos valores mí-nimos, máximos, médios e desvios-padrão, para as variáveis quantitativas, e tabelas de freqüências absoluta e relativa, para as qualitativas. A análise comparativa considerou três subgrupos: cardiomiopatia periparto com disfunção ventri-cular, cardiomiopatia periparto sem disfunção ventricular e cardiomiopatia idiopática; foram utilizados os testes de χ2 Pearson para a análise da classe funcional, alteração ele-trocardiográfica, uso de medicação e complicação materno-fetal, o exato de Fisher e o t Student para as variáveis idade, fração de ejeção e óbitos materno e fetal. O valor da probabili-dade menor que 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

A evolução clínico-obstétrica encontra-se na tabela II. Entre as 26 pacientes, 11 (42,3%) alcançaram o parto sem nenhuma intercorrência; nove (35,5%) tiveram complica-ções cardíacas e seis (22,2%) complicacomplica-ções obstétricas. Entre as complicações cardíacas, oito foram por insuficiên-cia cardíaca, duas por taquicardia ventricular sustentada e uma por tromboembolismo. Houve duas mortes maternas: uma relacionada a abortamento retido, infecção e insuficiên-cia cardíaca em portadora de cardiomiopatia idiopática e outra relacionada à insuficiência cardíaca em cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular. As complicações obs-tétricas foram: dois abortos espontâneos, um caso de diabe-tes gestacional e três casos de infecção urinária. Houve 26 recém-nascidos vivos saudáveis, incluindo dois gemelares, sem malformação relacionada à cardiopatia materna ou ao tipo de terapêutica utilizada.

Durante a gestação sete pacientes não utilizaram nenhum medicamento de ação cardiovascular, enquanto 21 necessitaram de fármacos, como digital, hidralazina, hepari-na e/ou amiodarohepari-na para prevenção ou tratamento das complicações.

A análise comparativa entre os três subgrupos, quan-to a idade, paridade e classe funcional no início da gestação

Tabela I - Características das 26 gestantes portadoras de cardiomiopatia

Idade Paridade CF (NYHA) Alteração ECG

Etiologia (anos) ∆ T FE (%) 1 2 > 3 I II III IV Sim Não

CMP (11) 26 ± 70 55,8 45,2 ± 2 0 4 7 1 9 1 0 9 2

FE < 55%

CMP (7) 26 ± 6,1 52,6 62,3 ± 3,6 0 4 2 2 5 0 0 2 5

FE > 55%

CMI (8) 29,5 ± 6,2 36,6 43,5 ± 4,1 3 0 5 1 6 1 0 4 4

CMP- cardiomiopatia periparto; CMI- cardiomiopatia dilatada idiopática; DT- tempo transcorrido entre a doença e a gestação em estudo; FE - fração de ejeção ventricular esquerda; CF- classe funcional no início da gestação; NYHA- New York Heart Association; ECG- eletrocardiograma.

(3)

4 8 6 4 8 6 4 8 6 4 8 6 4 8 6

não foram diferentes (p<0,05). Entre os casos de cardiomio-patia periparto com disfunção ventricular e cardiomiocardiomio-patia idiopática não houve diferença quanto a idade (p=0,06), clas-se funcional no início de gestação (p=0,37), alterações no eletrocardiograma (p=0,38), FE (p=0,06), uso de captopril (p=1,0), uso do amiodarona ( p=0,59) e óbito fetal (p=0,59) (tab. II).

A taxa de complicação cardíaca durante a gestação foi menor (p<0,009) no subgrupo cardiomiopatia periparto sem disfunção ventricular e maior no subgrupo cardiomiopatia idiopática, quando comparada à cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular (p=0,01). A análise comparativa de 17 registros nos primeiros três meses pós-parto mostrou que não houve modificações significativas entre o eletro-cardiograma (p>0,05) e a FE (p>0,05) do pós-parto quando comparada aos registros da gravidez, nos três subgrupos (tab. III).

Discussão

A diversidade da evolução clínica da cardiomiopatia periparto determina incertezas na recomendação a futuras gestações, uma vez que os fatores de seu prognóstico a longo prazo ainda não estão estabelecidos.

O presente estudo, prospectivo, mostrou inicialmente, a evolução da gestação em pacientes que apresentaram cardiomiopatia periparto decorrida em gravidez anterior, com e sem recuperação da função ventricular, e comparou com a

evolução de portadoras de cardiomiopatia idiopática, obser-vando-se semelhanças quanto a idade, capacidade funcio-nal, alteração eletrocardiográfica e FE no ecocardiograma.

Os resultados demonstram que a evolução clínica da gestação em pacientes com cardiomiopatia periparto, que re-cuperaram a função ventricular, foram favoráveis e sem com-plicações relacionadas à cardiopatia. Adicionalmente, ve-rificou-se que houve manutenção da FE nos três primeiros meses pós-parto, em relação à verificada na gravidez.

Tabela II - Evolução clínica e obstétrica de 26 gestantes portadoras de cardiomiopatia

Idade Etiologia FE (%) Complicação materna Peso RN FE (%) PP

1 28 CMI 29 Aborto retido/óbito/ICC 24

2 26 CMPNL 58 Diabetes 3090 54 3 31 CMI 32 ICC 3380 32 4 35 CMPNL 75 Síncope/arritmia 3580 67 5 16 CMPDV 43 3870 45 6 36 CMPDV 41 3150 75 7 26 CMPDV 51 2220 8 25 CMPDV 41 3060 31 9 26 CMPNL 69 3520 10 19 CMI 54 ITU 2900/2910 55 11 38 CMI 33 Aborto 34 12 24 CMPNL 59 3680 13 23 CMPDV 48 ITU 2860 41 14 27 CMPDV 44 ITU/óbito/ICC 3260 56 15 23 CMPNL 56 3110 16 28 CMI 35 ICC 2150 46 17 15 CMPNL 60 3920 18 30 CMPDV 50 ICC 2950 19 29 CMPNL 59 3520 20 41 CMPDV 44 3149 21 31 CMI 57 ICC 3140 66 22 23 CMPDV 53 2230 73 23 23 CMPDV 38 ICC 3500 24 36 CMI 50 ICC 3140 40 25 38 CMI 33 ICC 2950 47 26 33 CMPDV 44 ICC/TEP 2300/2500 44

FE - fração de ejeção ventricular esquerda na gestação; FE PP - fração de ejeção ventricular esquerda no pós-parto; CMI- cardiomiopatia idiopática; CMPNL- cardiomiopatia periparto sem disfunção ventricular; CMPDV- cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular; ITU- infecção do trato genitourinário; ICC- insuficiência cardíaca congestiva; TEP- tromboembolismo pulmonar.

Tabela III - Resultados comparativos entre os três subgrupos de cardiomiopatia

Cardiomiopatia Cardiomiopatia Valor de p periparto idiopática

Subgrupos Com Disfunção Sem Disfunção

Idade (anos) 26 ± 7 26 ± 6,1 29,5 ± 6 NS FE% pré-gestação 45,2 ± 2* 62,3 ± 3,6 43,5 ± 4,1* NS* Complicação 3(27,3%)** 1(14,2%) 5(62,5%)** p=0,01** cardíaca Morte materna 1 ( 9,1%) - 1 (14,2%) NS FE pós-gestação 47,1± 2,1*** 65,4± 4,3*** 42,4± 4,5*** NS***

FE - percentual da fração de ejeção ventricular esquerda; *p>0,05- análise comparativa entre FE da cardiomiopatia periparto com disfunção e cardio-miopatia idiopática; **p<0,05- análise comparativa quanto a incidência de complicação cardíaca materna da cardiomiopatia periparto com disfunção e cardiomiopatia idiopática; ***p>0,05- análise comparativa entre FE pré e pós-gestação nos 3 subgrupos

(4)

4 8 7 4 8 7 4 8 7 4 8 7 4 8 7 Esses dados estão em concordância com os estudos

de Albanesi Filho e cols. 13 e Sutton e cols. 14 que mostraram em análise prospectiva, boa evolução, ausência de mortali-dade ou recorrência da cardiomiopatia periparto em 11 gesta-ções de mulheres que haviam recuperado a função ventri-cular, após o diagnóstico de cardiomiopatia periparto.

Em contrapartida, nossos resultados estão em desa-cordo com os de Elkayam e cols. 9 que verificaram redução de 8% da FE no pós-parto de mulheres com cardiomiopatia periparto, admitidas como recuperadas da função ventricu-lar, e que iniciaram a gestação com FE média de 56±7%. Além disso, não permitem compartilhar a linha de pensamento considerada pelos autores, sobre a recorrência da cardio-miopatia periparto em gestação subsequente, com base no rebaixamento da FE no pós-parto. É provável que os viézes na seleção da casuística retrospectiva, nos critérios de diag-nóstico da doença e de disfunção ventricular, justifiquem a não superposição desses resultados.

Entretanto, é oportuno destacar o estudo de Lampert e co1s. 15,que mostrou prejuízo da reserva contrátil do mio-cárdio, avaliada pelo estresse com infusão de dobutamina, a despeito do retorno do coração ao tamanho normal em sete pacientes com cardiomiopatia periparto. Esses dados e as controvérsias existentes na literatura suscitam a necessida-de necessida-de revisão dos critérios atuais necessida-de recuperação da função ventricular na cardiomiopatia periparto. Talvez os parâme-tros atuais, baseados na análise ecocardiográfica conven-cional, não sejam suficientes para assegurar o diagnóstico de função ventricular normal em mulheres com anteceden-tes de cardiomiopatia periparto.

Por outro lado, o seguimento clínico durante o período médio de 8,6 anos de 42 mulheres com cardiomiopatia peri-parto mostrou que as 75% que recuperaram a função ventri-cular não apresentaram nenhuma limitação da capacidade funcional e tiveram boa qualidade de vida 16.

Outro aspecto importante na história natural da cardio-miopatia periparto é a expectativa de melhor prognóstico de-corrente dos avanços da terapêutica da insuficiência car-díaca nas últimas décadas. De fato, o índice de 50% de recu-peração da função ventricular, publicado na década de 70 3, está aquém dos 75% das publicações recentes 16. Além disso, a taxa de mortalidade entre as pacientes que permane-ceram com cardiomiopatia dilatada também diminuiu de 85 para 30% em decorrência dos benefícios do transplante car-díaco 17 e das estratégias da terapêutica farmacológica para esse grupo de pacientes 18.

Desta forma, a melhor expectativa de vida a curto e lon-go prazos e a boa evolução de gestação subseqüente 13-15, não justificam a contra-indicação da gravidez em mulheres, que apresentaram cardiomiopatia periparto em gestação an-terior, mas que recuperaram a função ventricular. Estudos prospectivos, com maior casuística e avaliação da função ventricular, se fazem necessários para definir o mais adequa-do aconselhamento nessas mulheres.

Por outro lado, nosso estudo mostrou que a taxa de complicações cardíacas em portadoras de cardiomiopatia periparto com persistência da disfunção ventricular,

in-cluindo um óbito materno, expressam o alto risco desse sub-grupo de pacientes. Contudo, não houve indícios de agra-vamento da disfunção ventricular, estimado pela FE no pós-parto, ou de recorrência da doença, mesmo nos dois casos de gemelaridade, reconhecido fator de predisposição à cardiomiopatia periparto 3.

A resposta à sobrecarga hemodinâmica após o 1º tri-mestre da gestação, demonstrada pelos aumentos de 10% do volume diastólico final do ventrículo esquerdo e de 45% do débito cardíaco 19, piora a função sistólica do ventrículo esquerdo, que habitualmente, reverte após o parto.

Contudo, parece-nos que esta resposta circulatória é disfunção ventricular- dependente e não causa-dependen-te. Por isso, a questão ainda discutível, é se cardiomiopatia periparto com persistência da disfunção ventricular tem uma história natural semelhante a outras etiologias de car-diomiopatia dilatada, incluindo o desenvolvimento de gravidez 20.

Neste aspecto, os nossos resultados vieram corrobo-rar estudos anteriores, que demostcorrobo-raram a semelhança de comportamento, quanto às evoluções obstétrica e cardioló-gica entre as cardiomiopatias: periparto e idiopática. É opor-tuno comentar que entre as variáveis clínicas, ecocardiográ-ficas e hemodinâmicas, demonstradas anteriormente 20,21, o achado histológico de miocardite na biópsia endomiocár-dica foi controverso 22,23 sendo em algumas séries, significa-tivamente maior na cardiomiopatia periparto 24.

Um fator adicional à morbidade materno-fetal é a ade-quação da terapêutica durante a gestação em pacientes que apresentam cardiomiopatia dilatada. A restrição de sal e de atividades físicas associada a fármacos, como digoxina e fu-rosemida, ambos sem contra-indicação durante esse perío-do, auxiliaram no controle da insuficiência cardíaca na gra-videz. Contudo, o uso dos inibidores da enzima conversora de angiotensina II está associado a efeitos colaterais, como oligoidrâmnio, retardo de crescimento intra-uterino, prematuridade, insuficiência renal do concepto, malforma-ções ósseas e morte neonatal 25. Em nosso estudo, não fo-ram identificados tais efeitos prejudiciais em oito pacientes que engravidaram utilizando o captopril, porém este fárma-co foi substituído no 1º trimestre, tão logo a fárma-confirmação do diagnóstico de gravidez.

A escolha da hidralazina, associada ou não a nitratos, como alternativa ao inibidor da enzima de conversão da an-giotensina II fundamentou-se nos resultados do estudo V-HeFT-II 26 que demonstraram melhora da capacidade funcio-nal, do consumo de oxigênio e da FE% no período de 12 meses, equivalente ao ciclo gravídico-puerperal. Acresce que a experiência com a hidralazina no tratamento da doen-ça hipertensiva específica da gravidez mostra que não há contra-indicação obstétrica e fetal ao seu uso, durante qual-quer fase da gestação 27.

No que diz respeito às arritmias ventriculares, habitual-mente são complexas e relacionadas à morte em pacientes com cardiomiopatia dilatada, exigindo controle efetivo com antiarrítmicos, tais como a amiodarona. Contudo, admite-se que esta droga apresente um potencial tóxico para a mãe e

(5)

4 8 8 4 8 8 4 8 8 4 8 8 4 8 8

para o concepto, em particular hipotireoidismo e retardo de crescimento, com risco de morte perinatal 28.Em nosso estu-do, mantivemos amiodarona em dose reduzida (até 200mg/ dia) em quatro pacientes que já a utilizavam previamente, por ter sido considerada terapêutica essencial no controle da arritmia ventricular complexa, não tendo sido observados efeitos colaterais no concepto.

O tromboembolismo sistêmico ou pulmonar é outra complicação freqüente, descrita em mais da metade dos ca-sos da história natural de cardiomiopatia periparto com dis-função ventricular. Acresce que na gravidez e no puerpério, o estado de hipercoagulabilidade, incluindo a ativação dos fatores de coagulação, aumento do fibrinogênio plasmático e da adesividade plaquetária, elevam o risco de trombose que se agrava pela eventual necessidade de repouso pro-longado decorrente da insuficiência cardíaca congestiva. Por isso, portadoras de cardiomiopatia dilatada com disfun-ção ventricular devem ser anticoaguladas recomendando-se, nesses casos, a heparina em dose profilática, pois este fármaco não ultrapassa a barreira placentária.

Em resumo, a cardiomiopatia periparto tem sido referi-da como uma entireferi-dade distinta de outras cardiomiopatias dilatadas devido à sua relação com o período periparto e as

peculiaridades da sua história natural. A evolução da gravi-dez em portadoras de cardiomiopatia periparto com disfun-ção ventricular não foi diferente, quando comparada à do grupo de cardiomiopatia idiopática, mas esteve isenta de complicação em pacientes que recuperaram a função ventri-cular, à semelhança da mulher admitida como saudável. O presente estudo apresenta as limitações inerentes a casuís-tica pequena e aos métodos convencionais de avaliação da função ventricular. Contudo, por se tratar de uma doença rara, esta análise prospectiva contribui para acrescentar dados a um assunto muito controverso.

Os nossos resultados permitem concluir que a função ventricular esquerda é o fator determinante do prognóstico da gravidez subseqüente ao diagnóstico de cardiomiopatia periparto. Em nosso entender, o desaconselhamento de nova gestação deve ser reservado às portadoras de cardio-miopatia periparto que apresentem disfunção ventricular.

Agradecimentos

À Dra. Maeve de Barros Correia pelas valiosas suges-tões na revisão do texto.

1. Pearson GD, Veille JC, Rahimtoola S, et al. Peripartum cardiomyopathy. JAMA-Brazil 2000; 283: 1183-8.

2. Veille J, Zaccaro D. Peripartum cardiomyopathy: summary of international survey on peripartum cardiomyopathy. Am J Obstet Gynecol 1999; 181: 315-9. 3. Homans DC. Peripartum cardiomyopathy. N Eng J Med 1985; 312: 1432-6. 4. Demakis JG, Rahimtoola SH. Peripartum cardiomyopathy. Circulation 1971; 44:

964-8.

5. Lampert MB, Lange RM. Peripartum cardiomyopathy. Am Heart J 1995; 130: 860-70. 6. Demakis JG, Rahimtoola SH, Sutton GC, et al. Natural course of peripartum

car-diomyopathy. Circulation 1971; 44: 1053-61.

7. Veille J. Peripartum cardiomyopathies: a review. Am J Obstet Gynecol 1984; 148: 805-17.

8. Souza JL, Carvalho FC, Nastari L, Mady CC. Left ventricular function after new pregnancy in patients with peripartum cardiomyopathy. J Card Fail 2001; 7: 30-5. 9. Elkayam U, Tummala PP, Rao K, et al. Maternal and fetal outcomes of subsequent pregnancies in women with peripartum cardiomyopathy. N Engl J Med 2001; 344: 1567-71.

10. Ceci O, Berardesca C, Caradonna F, et al. Recurrent peripartum cardiomyopathy. Eur J Obstet Gynecol and Reprod Biol 1998; 76: 29-30.

11. Richardson P, McKenna W, Bristow MR, et al. Report of the 1995 World Health Or-ganization/International Society an Federation of Cardiology Task Force on the definition and classification of cardiomyopathies. Circulation 1996; 93: 841-2. 12. Consenso do Departamento de Cardiopatia e Gravidez da Sociedade Brasileira

de Cardiologia. Arq Bras Cardiol, 1999; 72(supl III): 8.

13. Albanesi Fo FM, Silva TT. O comportamento das gestações subseqüentes na

cardiomiopatia periparto. Arq Bras Cardiol 1999; 73: 47-52.

14. Sutton MSJ, Cole P, Plappert M, et al. Effects of subsequent pregnancy on left ventricular function in peripartum cardiomyopathy. Am Heart J 1991; 121; 1776-8. 15. Lampert MB, Weinert L, Hisbbard J, et al. Contractile reserve in patients with peripartum cardiomyopathy and recovered left ventricular function. Am J Obstet Gynecol 1997; 176: 189-95.

Referências

16. Felker GM, Jaeger CJ, Klodas E, et al. Myocarditis and long-term survival in peripartum cardiomyopathy. Am Heart J 2000; 140: 785-91.

17. Carvalho AG, Almeida D, Cohen M, et al. Successful pregnancy, delivery and puerperium in a heart transplant patient with previous peripartum cardiomyopa-thy. Eur Heart J 1992; 13: 1589-91.

18. The SOLVD Investigators. SOLVD treatment study. Am J Cardiol 1990; 66: 315-22. 19. Robson SC, Hunter S, Boys RJ, Dunlop W. Serial study of factors influencing changes in cardiac output during human pregnancy. Am J Physiol 1989; 226: H1060-5.

20. Felker GM, Hu W, Hare JM, et al. The spectrum of dilated cardiomyopathy: the Johns Hopkins Experience with 1,278 patients. Medicine 1999; 78: 270-83. 21. Chan L, Hill D. Echocardiography for peripartum cardiomyopathy. Am J Em Med

1999; 17: 578-80.

22. Rizeq MN, Rickenbacher PR, Fowler MB, et al. Incidence of myocarditis in peri-partum cardiomyopathy. Am J Cardiol 1994; 74: 474-7.

23. Mady C, Barretto ACP, Belotti G, et al. Biópsia endomiocárdica em pacientes por-tadoras de miocardiopatia periparto. Arq Bras Cardiol 1986; 47: 403-5. 24. O’Connell JB, Constanzo O, Nordin MR, et al. Peripartum cardiomyopathy:

Cli-nical, hemodynamic, histologic and prognostic characteristics. J Am Coll Car-diol 1986; 8: 52-6.

25. Pryde PG, Thorpe SS, Lamont CA. Angiotensin-converting enzyme inhibitor fetopathy. J Am Soc Nephrol 1993; 3: 1575-82.

26. Chon JN, Johnson G, Zeische S, et al. A comparison of enalapril with hydralazi-ne-isosorbide dinitrate in the treatment of chronic congestive heart failure. N Engl J Med 1991; 325: 303-10.

27. Paterson-Brown S, Robson SC, Redfern N, Walkinshaw SA, Swiet M. Hydrala-zine boluses for the treatment of severe hypertension in preeclampsia. Br J Obstet Gynaecol 1994; 101: 409-15.

28. De Wolf D, De Schepper J, Verhaaren H, et al. Congenital hypothyroid goiter and amiodarone. Acta Paediatr Scand 1988; 77: 616-8.

Referências

Documentos relacionados

Na população estudada, demonstramos uma mortalidade pós-transplante de longo prazo significativamente menor em pacientes transplantadas por CMPP, com uma taxa similar de

Não esqueça que os melhores resumos de casos clínicos são os que apresentam um número reduzido de aprendizagens (pode até ser apenas uma), mas que o fazem de forma clara e

China is the largest GHG emitter and energy consumer in the world; the voluntary pledge to reduce its GHG emissions in 40–45% by 2020 is insufficient to meet the global quest

The film containing the highest concentration of depigmented jambu’s extract and macela’s essential oil obtained an anesthesia time of 83.6 (±28.5) min longer when compared with

Foi neste sentido, que a Global Reporting Initiativa desenvolveu um sistema normativo e publicou as Sustainability Reporting Guidelines para que as empresas possam relatar

Os dados incluem os elementos necessários para pensar de forma adequada e profunda acerca dos aspectos da vida que pretendemos explorar” (Bogdan &amp; Biklen, 1994: 150).

A obesidade e o excesso de peso estão fortemente relacionados com o desenvolvimento de diabetes tipo 2 e são apontados como um fator relevante na ocorrência