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Cinema e Fotografia: identidade, foto e objeto 1

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VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

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Cinema e Fotografia: identidade, foto e objeto

1

Patrícia Francisco2

Resumo

O presente trabalho relaciona a fotografia com o cinema dentro do meu processo de realização. Tenho como proposta uma reflexão sobre o processo de criação nos filmes curta-metragem “A Inventariante” (2010) e “Retratos da Vó Ana” (2008). A memória e a identidade, com o uso da fotografia, de objetos pessoais, de performance e narrativas, aparecem na proposição de uma forma fílmica.

Palavras-chave

fotografia; cinema; memória; identidade; performance;

INTRODUÇÃO

O cinema é formado por 24 fotogramas, teoria já sabida por muitos, mas a ideia aqui é poetizar sobre essa imagem fixa que povoa os filmes desde sua formação, ou seja, na passagem dos vinte e quatro quadros por segundo, até a sua inserção de diversas formas na sequencia das imagens em movimento.

A fotografia é a morte por excelência, como afirma Roland Barthes, e os filmes poderiam ser a sua memória constante. A situação registrada não existe mais, está a disposição para ser vista, projetada. O fotograma pode ser melhor visualizado

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Trabalho apresentado no GT 2 - Políticas e Análise do Cinema e do Audiovisual do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro, outubro de 2013.

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Patrícia Francisco é natural de Porto Alegre/RS. Vive e trabalha em São Paulo/SP. É Cineasta e Artista Plástica. Mestre em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) com a tese: Um outro cinema – cinema documentário e memória. Trabalha entre as artes plásticas e o cinema. Seus filmes curta-metragem, Retratos da Vó Ana (2008), Eu, trilho (2008), A Inventariante (2010) e 40 Posts (2012), foram selecionados para vários festivais e mostras nacionais e internacionais. E-mail: francisco.patricia@gmail.com

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ali, nos primeiros anos de produção cinematográfica. A fotografia aparecia assim, um tanto rebatida, quase como um tableau vivant e silenciosa nas sessões de cinema.

Autores discutem algumas formações do primeiro cinema, como Arlindo Machado em “Pré-cinema & Pós-cinema” o autor diz que “o objetivo principal do dispositivo cinematográfico é produzir um efeito de continuidade sobre uma sequência de imagens descontínuas” . Machado completa escrevendo que o cinema vive paradoxalmente de sua negação e aponta indícios das relações fotográficas com o cinema. A fotografia, nesse primeiro cinema, pode aparecer pela persistência retiniana e o fenômeno phi, que vem da velocidade de projeção dos filmes em película. Essa velocidade aciona a percepção visual fotográfica do cinema. Anteriormente, às primeiras exibições de filmes, na última década do dezenove, pesquisadores como Marrey e Muibridge desenvolveram sistemas para o estudo do movimento. Estudo realizado com fotografias.

Desde a formação do cinema, a fotografia está presente, seja no estudo do movimento, no auxílio dos enquadramentos, na noção de espaço, contribuindo com sua técnica que já vinha se desenvolvendo desde o início do século dezenove e até mesmo servindo de tema ou objeto de cena dentro dos filmes. Assim, há uma relação estreita entre o cinema e a fotografia.

A partir disso, me aproximo do cinema contemporâneo. Hoje além de usar a fotografia dentro dos filmes, os cineastas vem usando câmeras fotográficas com excelência tecnológica na realização de filmes, o chamado cinema digital. Mais uma vez a fotografia “recompõe” o cinema e vice-versa. E alguns autores como Raymond Bellour, Jacques Aumount e Philippe Dubois estudaram e estudam essas questões relacionadas ao cinema e a fotografia.

É possível construir um histórico da passagem da fotografia pelo cinema desde o início da imagem em movimento cinematográfica até hoje, uma passagem de mais de cem anos, mas não é a intenção desse artigo, necessitaria um estudo mais aprofundado. Apenas fiz algumas citações referenciais pra situar o meu processo de criação que utiliza a fotografia no cinema.

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O uso da fotografia existiu em ambos os trabalhos que apresento, porque instigava a memória. Em “A Inventariante”, para recompor explicitamente o movimento do cinema. O curta foi realizado com aproximadamente 500 fotografias. Não há nenhuma imagem filmada. Há uma vontade do movimento ficar nítido dado através da animação stop motion, para pensar o movimento e referenciar a velocidade de projeção das imagens em movimento do primeiro cinema.

Já em “Retratos da Vó Ana” há uma referência à fotografia, o conceito está presente, há apropriação de imagens, buscando um novo significado para elas. Faço uma reflexão sobre a lembrança, se estabelece uma série de tableau vivant. E assim a fotografia aparece de diversas formas no filme: nas mãos, fotos fixas na parede como um álbum ou mapa da memória, o som e a luz do projetor sobre a televisão ou no caminhar da performance diante a câmera surge uma fotografia pintada .

A ideia era iniciar uma produção de filmes que usassem a fotografia desde o tema até a formação da imagem fílmica. Começou com uma pesquisa associando a fotografia com a memória, já que eu estava buscando muitas imagens da minha memória familiar e trajetórias de vida de outras pessoas mais velhas. Como a fotografia representa aquilo que já foi, imediatamente ela se torna memória. A ideia de pensar a memória, de tentar criar uma imagem para a memória, que não fosse diretamente o filme e nem a fotografia em si, fez com que eu associasse a fotografia ao cinema. Fui em busca de construir uma narrativa que usasse imagens fixas e em movimento para compor um filme.

O PROCESSO DE CRIAÇÃO

É como se fosse retirada uma foto, a cada dia, de um álbum de fotografias desconhecido. Foi assim que iniciei o projeto de filmes curtos inspirado na minha memória familiar, focando na trajetória de minha avó Ana. Em seu ensaio sobre a memória e a fotografia, Philippe Dubois inicia o texto com uma síntese: “Em suma, é essa obsessão que faz de qualquer foto o equivalente visual exato da lembrança. Uma foto é sempre uma imagem mental. Ou, em outras palavras, nossa memória só é feita

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de fotografias”3. Ele associa as imagens fotográficas, por estarem formuladas na mente do fotógrafo, ou seja, uma supostamente já arquivada, à capacidade de armazenamento da memória.

Pego uma fotografia antiga e começo a observá-la. Algumas pessoas olham para a câmera, outras pessoas dispersam suas vistas para objetos presentes na foto ou para algo que lhes chamou a atenção fora do campo fotografado. Um registro de um momento, já passou, agora ela é inacessível. Dentro de uma imensidão de fotos de família que observo, tenho uma coleção de múltiplas imagens de minha avó Ana.

Fui selecionando algumas imagens em que houvessem a presença dela em diversos momentos de nossa vida, mas não só isso - que a contivessem, também em vários momentos de sua vida. Não que eu quisesse montar uma cronologia de fatos ou acontecimentos. Escolhi fotografias que resgatam momentos no meio social que ela vivia. Momentos que dessem conta, da história que queria contar.

Construo uma história com documentos reais que ativam a minha memória para mostrar histórias inventadas que se aproximam da história constituída em minha memória.

É como se você ativasse, com essas imagens, pontos acessíveis a essa memória familiar e as reativasse, relacionando umas com as outras. Imagens de outras pessoas, mas que se assemelham, ou pela ordem do trabalho, quer pela dinâmica familiar, à minha experiência pessoal.

Quando estamos representando para a câmera, construímos várias personagens. Ao ativar nossa memória em frente a ela, acabamos por preencher lacunas que supram os nossos esquecimentos. “Se tudo se inscreve na memória psíquica e ali permanece gravado intacto, nem tudo volta. O recalcamento é originário, e sempre haverá restos perdidos, parcelas inacessíveis à consciência”4. Por isso cada vez que trazemos uma lembrança à consciência, ela se modifica, podendo até, ao relembrar, incorporar falsas memórias.

Escrita incessante, recolher e reunir fotografias, operando em sequências que

3 DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Campinas-SP: Papirus, 2003, p.314. 4 Idem DUBOIS, p. 325.

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eu criei, não sei se são as sequências verdadeiras ou cronológicas, mas essa ordenação vem da busca por construir uma memória baseada em alguns fatos reais que deixaram um rastro, um índice daquilo que aconteceu. Assim, “há alguns anos, todo o discurso teórico sobre a fotografia não cessou de repetir, sob todas as espécies de formulações, que ‘a fotografia’ é o traço” (a impressão luminosa, num determinado momento do tempo, de um objeto situado à distância”5

As invenções, tanto da fotografia como do cinema, vão formando as imagens do desejo de recordar, são pequenas manchas escuras, luz e sombra, preto e branco. Imagens esmaecidas, quase apagadas, mas que instigam a criação por seu apagamento, a aparente deterioração da película nas imagens de Lumière com movimentos mínimos na época da invenção do cinematógrafo em 1895.

Havia um certo desenvolvimento de uma série de pesquisas sobre a imagem, durante o século XIX, que culminaram no cinema. E são recorrentes em nossa memória histórica vários, podemos dizer, pesquisadores que se empenharam em desenvolver técnicas e objetos que permitissem a reprodução da nossa imagem em movimento, projetada, ou da nossa imagem fixa em uma superfície.

Os panoramas, os estudos do movimento, a fotografia, o espetáculo de feira e o cinema, em resumo, foram os principais caminhos percorridos para os desdobramentos do desenvolvimento e estudo da imagem.

“O panorama, na verdade, é bem mais importante na história de seu próprio dispositivo. ‘Panorama”, asseguram-nos, vem de duas raízes gregas que significam onividência; trata-se, é claro, de abraçar com o olhar uma vasta zona. (...) O panorama, gênero realista, exigente, praticamente implacável, requeria uma grande ciência dos efeitos de realidade: saber reproduzir as luzes, os reflexos, as carnes, os gestos. (...) O panorama já é espetáculo e quase cinema – sem considerar o movimento”6.

5

Idem DUBOIS, p.247.

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O cinema era apresentado em feiras ou em parques de diversões, tinha uma conotação de espetáculo diferente do que é o cinema hoje. Era consumido como atração. Os irmãos Louis e Auguste Lumière primeiramente estavam centrados na técnica fotográfica, depois é que vão em busca de uma máquina que geraria o movimento da imagem.

Assim, a situação da cidade crescendo rapidamente, a chegada das estradas de ferro e o trem7, o ápice do desenrolar das pesquisas sobre a imagem com a chegada do cinema começaram a se imbricar e se relacionar. Essas três situações foram se desenvolvendo e uma foi subsidiando a outra. A cidade que dá o movimento do cinema, o cinema que mostra a vista da janela do trem, o trem que, por sua vez, parece materializar conceitualmente aquilo que o cinema é: uma máquina do tempo. “Olho móvel, corpo imóvel: está tudo aí, e é por aí que o trem substitui o espectador ‘ecológico’ da pintura de paisagem, o simples andarilho que descobre o mundo que rodeia(...), mas, ao mesmo tempo, dotado de ubiqüidade e de onividência, que é o espectador de cinema”8.

Com essa contextualização histórica, constato uma espécie de admiração pela primeira imagem, um desejo de ver uma imagem gravada ou impressa. É como se ela caracterizasse o tipo de memória que estou buscando. É uma imagem que aparece, mas não está muito bem definida, uma imagem em processo. É a imagem do recorte fotográfico, totalmente diferenciada da pintura. É a imagem do primeiro movimento, do primeiro registro. É filmada e capturada para ser vista, para lembrarmos depois. E é também o registro daquilo que está mais perto de você, ou seja, do cotidiano, daquilo que vivenciamos e experimentamos, é pura visualidade, é “o tema do conhecimento pelas aparências, que é o tema do século XIX, e o do cinema”9.

Eu consigo acumular um grande número de imagens, que vão sendo

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O trem representava a máquina e o crescimento da industrialização. Dentro de um trem, poderiam ter a vista panorâmica de uma cidade pelo deslocamento do olhar. É famosa a aliança entre o trem e o cinema, para exemplificar temos os filmes Arrivée d’un train en gare à La Ciotat/ A chegada do trem à estação de Ciotat (1895) de Louis Lumière, The General/ A General (1926) de Buster Keaton e La roue/ A Roda (1922) de Abel Gance.

8 Idem AUMONT, p.54. 9 Idem AUMONT, p.51.

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sucessivamente utilizadas à medida que minha memória é provocada por uma foto ou lembrança de algum fato de minha infância. A situação de uma imagem projetada, é metaforicamente a situação no qual me encontro.

O que ficou, o que está na memória é o momento da costura. O som da máquina de costura de minha avó, uma máquina antiga, preta, com sua base de madeira e, abaixo, um grande pedal. Uma pequena almofada cravada de alfinetes e agulhas, sacos de retalhos guardados em um armário com portas de vidro. É um pouco disso que a minha memória traz à tona. Todo o resto são fotografias. Imagens que eu tento justapor e montar os momentos de esquecimento.

A fotografia é presença e ausência ao mesmo tempo. Você olha para uma foto e fala: o passado está aqui, nas minhas mãos ou na minha caixa, no meu álbum ou no meu porta-retrato. E é apenas isso que ela pode nos dar, a fixação e a distância de um passado registrado, a presentificação da morte. “Não há quem tenha se dedicado ao estudo da fotografia sem mencionar, mais ou menos enfaticamente, seu poder mortífero, sem notar sua afinidade com a morte. De fato, ambas estão ligadas de vários modos” 10. A recusa e a aceitação do luto também são experiências que passam pelos fotografados e pelo fotógrafo. Não existe fotografia que não fale da morte, segundo Roland Barthes. “O fotógrafo sabe isso muito bem e ele próprio receia (...) essa morte na qual o seu gesto me vai embalsamar”11. A partir do momento que interrompemos o curso do tempo, paralisando dada situação fotografada, “congelamos” aquele momento e a presença da imagem fotográfica se fortifica, representando a morte.

Estou voltada ao conceito de Barthes e Benjamin, fundamentado ainda em Dubois e Sontag. Para os autores que mencionei e apóio os meus argumentos sobre a conceituação da fotografia, reafirmo que na fotografia há uma ligação entre o passado e o presente. A idéia da morte está presente no referente, naquilo que foi registrado. A fotografia é indicial e a noção aurática instaurada por Benjamin vem somar à idéia de

10 SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfriedp. Imagem – cognição, semiótica, mídia. São Paulo:Iluminuras, 2005. p.133.

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morte proposta por Barthes, “assim que descubro no produto desta operação, aquilo que vejo é que me tornei Todo-Imagem, ou seja, a Morte em pessoa”12.

Para Philippe Dubois podemos pensar “a imagem fotográfica como impensável fora do próprio ato que a faz ser (...) espécie de imagem-ato absoluta, inseparável de sua situação referencial”13. O passado está impresso no presente. Ele foi, mas a fotografia sempre está. “Revelação da representação do referente em um tempo e em um lugar qualquer, a fotografia consola o observador pela substituição da ausência do que se foi, pela presença do que foi no passado, fixo no presente. Imortalizado, o instantâneo fotográfico vira eterna presença”14.

“A imagem deve existir na mente do fotógrafo”15. A fotografia já está presente antes de apertarmos o disparador, para que o diafragma, na abertura correta, deixe fluir a passagem da luz.

“Se fotos são mensagens, a mensagem é, a um só tempo, transparente e misteriosa. ‘Uma foto é um segredo sobre um segredo’. Apesar da ilusão de oferecer compreensão, ver por meio de fotos desperta em nós, na verdade, uma relação aquisitiva com o mundo, que alimenta a consciência estética e fomenta o distanciamento emocional”16.

Podemos ainda complementar esses conceitos sobre a fotografia com outro argumento de Dubois que diz que a distância é inerente ao dispositivo fotográfico, podendo funcionar muito bem no espaço como no tempo. “No espaço: ao mesmo tempo que é, por sua gênese, um signo unido às coisas, a imagem fotográfica tampouco deixa de estar, como signo, separada espacialmente do que representa (...) Em nenhum momento no índice fotográfico, o signo é a coisa”17.

“O que é realmente a aura? Uma peculiar fantasia de espaço e tempo: a 12 Idem BARTHES, p. 22-23. 13 Idem DUBOIS, p.79. 14 Idem KOURY. p.73. 15 Idem SONTAG, p.133. 16 Idem SONTAG, p.127. 17 Idem DUBOIS, p.88 e 89.

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aparição única de algo distante, por mais próximo que possa estar”18. A definição de aura criada por Benjamin nos textos “Pequena história da fotografia” e “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” afirma o efeito de aproximação e distância que o conteúdo da imagem fotográfica representa, a presença inefável do conteúdo da imagem-foto. Dubois afirma que a “principal qualidade de uma imagem que serve ao culto é ser inacessível”19. “O culto do futuro (de uma visão cada vez mais rápida) alterna com o desejo de voltar a um passado mais puro e mais artesanal – quando as imagens ainda tinham um atributo de manufatura, uma aura” 20.

Fiz retratos de mim baseada em retratos de minha avó. Criei gestos que eu imaginei. Em seus retratos, há um que sempre chamou muita atenção. É uma fotografia à moda de uma época, em que as pessoas encomendavam um retrato pessoal ou da família para um fotógrafo. É uma espécie de junção de uma fotografia com a pintura, uma foto pintada, de forma oval, pintada à mão por algum fotógrafo. A imagem sempre me atraiu pela estranheza que ela proporciona, um pouco pelos olhares das pessoas na imagem e um pouco pela técnica que foi feita a imagem.

O retrato estava em uma moldura, dependurada na parede da casa de minha avó. Nesse retrato, temos Ana em primeiro plano e suas duas filhas em segundo plano, uma delas é a minha mãe. A roupa de Ana é cinza e as roupas de suas duas filhas são brancas. O fundo da imagem é um azul cinzento, esmaecido pelo tempo. As duas meninas usam uma corrente com uma pequena medalha e estão sorrindo. Ana sobressalta da imagem, não apenas por estar em primeiro plano, mas pelo seu olhar forte, sisudo, à distância, centrado em algum pensamento a que não temos acesso. Só imaginamos.

Ainda Philippe Dubois, “daí, desse desaparecimento pela distância, o caráter ‘aurífico’ (espectral, de fantasma) de certas fotografias, e particularmente do tipo de fotografias chamado retratos”21.

18 Idem BENJAMIN, p.228. 19 Idem DUBOIS, p.311. 20 Idem SONTAG, p.141. 21 Idem DUBOIS, p. 248.

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Reinvenção da mesma fotografia, apenas uma foto é geradora de outras fotos. No filme de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin, “Carta para Jane”22 (1972), em um contexto político completamente diferente do contexto abordado nos meus trabalhos, os diretores fizeram o filme apenas com uma foto que é reenquadrada diversas vezes ao som de um texto em voz over que resiginifica a fotografia,

“O curta-metragem (...) redunda em uma espécie de contralegenda para uma foto – uma crítica mordaz a uma foto de Jane Fonda, tirada durante uma visita ao Vietnã do Norte. O filme é também uma lição exemplar de como ler qualquer foto, como decifrar a natureza não inocente do enquadramento, do ângulo, do foco de uma foto”23.

E a fotografia remonta histórias na minha memória, a qual contesta o que passou, o que ficou gravado. Ela se faz presente como registro de uma dada realidade, “pois é da natureza de uma foto não poder nunca transcender completamente seu tema, como pode uma pintura”24. A proximidade do real que contém numa fotografia, sob qualquer tema, no caso dessa pesquisa, de registros sociais de uma família, acrescenta uma parte da história que não lembro ou que desperta algum momento marcante, pois “a fotografia é vista habitualmente como um instrumento para conhecer as coisas”25.

Nas minhas imagens gravadas existe uma busca de um acender e apagar a luz. O registro da luz até o escurecer, como um corte, o que eu posso também afirmar como o meu interesse em explicitar a passagem do tempo e da memória, através da

22 Letter to Jane (An investigation about a still) / Carta para Jane, direção Jean-Luc Godard e Jean- Pierre Gorin (cor/ 16mm/ 52 min/ 1972). Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin fazem comentários em voz over analisando a fotografia de John Kraft que apareceu na revista L’Express (31 de julho – 6 de agosto de 1972) mostrando Jane Fonda em sua viagem ao Vietnã do Norte. O filme reflete sobre o status da imagem e o papel do intelectual de forma minimalista e critica ironicamente a iconografia e o star system hollywoodiano (...) soa mesmo como um alerta ao que o sistema estaria fazendo aos movimentos revolucionários, simplificando e “fagocitando” as idéias em nome de si mesmo.(...)Trata-se de uma reflexão sobre a repremesmo.(...)Trata-sentação na mídia contemporânea. ALMEIDA, Jane (org). Grupo Dziga Vertov. São Paulo: witz edições, 2005. p.114 e 115.

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Idem SONTAG, p.124. 24 Idem SONTAG, p.111. 25 Idem SONTAG, p. 109.

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luz. Mas não é apenas um registro, tem um interesse na luz que incide nas pessoas e objetos, nas casas e nas fotografias. E essas imagens gravadas são, muitas vezes, manipuladas, aumentando e diminuindo a intensidade da luz, a opacidade da imagem, o formato das coisas, modificando a forma, recortando as fotografias, tornando algumas imagens nebulosas com ausência de foco, transformando-as em manchas. Há muito contraste de luz, locais muito escuros e locais claros, sobrepondo, justapondo e montando as imagens.

Há um filme 8mm que tenho como registro familiar, com imagens de minha avó, é a única imagem em movimento que tenho dela. Imagem que evoca múltiplas imagens e criações na minha memória. Minha avó é vista de lado, num plano médio, está em pé, sorrindo, balança um pouco para frente e para trás e bate palmas sucessivamente. Atrás dela está o meu avô, imóvel. O que dá à imagem, do meu ponto de vista, um caráter fotográfico. Meu olhar se fixa naquele movimento mínimo, eu reconheço o penteado usualmente feito por minha avó, outras imagens são evocadas a partir desse movimento. E é a partir dela que começo a trabalhar na montagem das imagens que eu capturei e das imagens fotográficas que eu me apropriei para esse projeto.

A luz emitida do projetor dá a sensação de um ascender e apagar a luz, a imagem tremula, o que faz as evocações da memória parecerem maiores, a cada ascender e apagar, novas imagens vão surgindo, imagens já registradas, novas imagens, todas elas juntas. As imagens aparecem, entram e saem do meu pensamento como uma sucessão de várias fotos que vão sendo projetadas uma a uma, uma sobre a outra, uma imagem relembra a outra ou também uma imagem apaga a outra. Novas associações e cadeias de pensamentos vão sendo feitas apenas por um fragmento de lembrança.

A memória se constitui em situações que ficaram gravadas com um sentido ou significado. Nunca guardamos uma situação inteira, porém um detalhe, algo que ficou marcado por algum motivo de uma experiência vivida. Não há um controle do que podemos recordar no sentido do encontro com esse referencial que possa suscitar a nossa memória. “Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na

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esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes de depois”.26 O que tenho de lembrança de minha avó é pouco, pois convivemos por nove anos.

Em 2008, iniciei o projeto de filmes-retratos. Foi um trabalho em processo no qual a idéia central era fazer um filme composto de pequenas unidades. Para isso, eles foram denominados de filmes-retratos. Cada filme-retrato, existia separadamente. Ao juntá-los através de uma montagem ganharam o formato de um filme com o título

Retratos da Vó Ana (2008).

O trabalho consiste numa performance diante da câmera representando os gestos de minha avó Ana. A partir de poucas fotos e objetos, o trabalho mostra uma memória ora baseada em lembranças, ora recriada sobre as lembranças. O filme foi editado na somatória de vários flash da memória, representados por pequenos esquetes, como se fossem retratos, onde busquei uma aproximação entre a minha memória e as fotografias de minha avó.

Já em A Inventariante (2010), posicionada diante de uma câmera fotográfica. É apresentada a personagem, a inventariante, para designar a escolha de objetos do cotidiano da avó na intenção de fazer um inventário fictício. A ideia central é uma valorização da memória desses objetos pessoais.

O filme apresenta duas partes, uma parte dedicada à escolha dos objetos, cada objeto ganha uma importância, sendo mostrado em grande formato no quadro do filme. A segunda parte, mostra a leitura do pedido de inventário no qual vemos várias partes do documento, ao final, temos uma certa ironia poética ao afirmar que esse pedido de inventário está baseado na memória involuntária do escritor Marcel Proust em sua obra literária “Em Busca do Tempo Perdido”.

A partir desses trabalhos, foi feito um estudo sobre a fotografia e sua inserção nos filmes. Raymond Bellour escreve “entre foto e vídeo, existe o cinema, essa arte um pouco antiga, cada vez mais trabalhada pela foto, que a reconduz como que para

26

BENJAMIN, Walter. 1997. A imagem de Proust in Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura – obras escolhidas v.1. São Paulo: Brasiliense. P. 37.

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aquém de si mesma, já que o vídeo tomou conta dela”27. Os trabalhos realizados com imagem digital em vídeo e fotografia remetem diretamente ao texto do autor, uma reiteração de como a imagem fixa, a fotografia, se situa na imagem em movimento.

Conceitualmente a fotografia é a morte. É o principal mote da fotografia. A morte e o inventário estão presentes nos filmes trabalhados. Em Retratos, a manipulação das fotografias recorre a construção de uma identidade e, em A

Inventariante, a escolha de objetos a inventariar cria um local para a memória só

existente no filme.

still Retratos da Vó Ana (2008), direção Patrícia Francisco

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still A Inventariante (2010), direção Patrícia Francisco

Referências Bibliográficas

AUMONT, Jacques. 2004. O Olho Interminável [cinema e pintura]. São Paulo:Cosac & Naify.

BARTHES, Roland. 2006. A Câmara Clara. Lisboa: Edições 70.

BELLOUR, Raymond. 1997. Entre-imagens – foto, cinema, video. Campinas: Papirus.

BENJAMIN, Walter. 1997. A imagem de Proust in Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura – obras escolhidas v.1. São Paulo: Brasiliense.

DUBOIS, Philippe. 2003. O Ato Fotográfico. Campinas-SP: Papirus.

_______________. 2004. Cinema, Video, Godard. São Paulo: Cosac Naify.

FRANCISCO, Patrícia. 2008. Um outro cinema – cinema documentário e memória. Dissertação de Mestrado em Artes – Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes. São Paulo.

MACHADO, Arlindo. 2011. Pré-cinemas & Pós-cinemas. São Paulo: Papirus. SONTAG, Susan. 2004. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.

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SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfriedp. Imagem – cognição, semiótica, mídia. São Paulo:Iluminuras, 2005. p.133.

Referencias Audiovisuais

A Inventariante, FRANCISCO, Patrícia. Brasil: 2010. 7 minutos.

https://vimeo.com/30635854

Retratos da Vó Ana, FRANCISCO, Patrícia. Brasil: 2008. 5 minutos.

Referências

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