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Discutindo a formação de professoras e de professores com Donald Schon *

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Discutindo a formação de professoras e de professores

com Donald Schon

*

Silmara de Campos12

Valda Inês Fontenele Pessoa13

a prática genealógica transforma a história, não mais vista como um julgamento sobre o passado em nome de uma verdade do presente e sim como uma 'contra-memória' que desafia nossos modos existentes de verdade e justiça, ajudando-nos a compreender e a mudar o presente, ao colocá-lo em uma nova realidade com o passado.

(Foucault. 1977, p. 160)

Os debates sobre a formação de professoras e professores, desenvolvidos hoje na universidade, (em revelado a preocupação com os efeitos insatisfatórios das práticas docentes perante a complexidade que enfrentamos. Os acontecimentos do cotidiano escolar denunciam forte- mente que os paradigmas14 hegemônicos orientadores dessas práticas não têm conseguido alcançar o

grau de satisfação prometido, ou melhor, nem a fundamentação científico-técnica e nem a cultural- humana vêm produzindo os efeitos previamente anunciados.

O contato empírico com o cotidiano escolar coloca sob suspeita as intenções desses paradigmas que pretendem dar respostas globais e totais para uma realidade que se mostra particular e contextual15. No essencial, uma e outra perspectiva (científico-técnica e cultural-humana)

pretendem ser um ponto de referência de uma prática educativa "correta", "verdadeira" e "absoluta", capaz de dar as respostas satisfatórias que a realidade apresenta, como se esta fosse fixa e acabada e não um processo contínuo de construção que se mantém numa relação estreita com o contexto econômico, social, político, textual e pessoal dos que nela estão envolvidos. É neste sentido que Pérez Gómez vem reafirmar a relevância da "complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores" (1992. p. 99) dos fenômenos educativos.

É no embale com a realidade escolar que as antigas certezas caem por terra e exigem cada vez mais a busca e o entrecruzamento de saberes. É nessa tensão que somos levados a compreender que os paradigmas hegemônicos não fornecem respostas para todas as incógnitas que o cotidiano apresenta, pois a realidade sempre apresentará novas e complexas dificuldades. Das certezas antigas, que procuravam a simplificação da prática pedagógica, surge em nós, com grande ênfase, a consciência dos nossos não saberes e, por consequência, muitas incertezas e dúvidas.

A certeza das prescrições técnicas e mecanizadas, as rotas lineares em que as professoras * Publicado em CARTOGRAFIAS DO TRABALHO DOCENTE. Campinas, UNICAMP, 1997.

2 Professora da Rede Municipal de Educação de São Paulo, trabalhando na Suplência l - Alfabetização de Adultos e mestranda no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp/SP. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada- GEPEC.

3 Professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e mestranda no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp/SP. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada- GEPEC. 4 Usamos o conceito de "paradigma" tal como é apresentado por Kuhn: "um paradigma é aquilo que o membro de

uma comunidade cientifica partilham" (In: Marcondes. 1995).

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e os professores devem enveredar para chegar a um lugar claramente definido estão aos poucos cedendo lugar a uma tensão que impulsiona a busca de novos saberes que, ao se cruzarem, podem emitir sinais para a melhor compreensão da escola e da prática nela realizada.

É em torno dessas preocupações que entramos no debate das possibilidades de formação de professoras e professores, subsidiadas pelas contribuições prestadas por Donald Schön, que se lança a partir das bases da teoria da indagação, herança do pensamento de John Dewey, e propõe uma formação de profissionais reflexivos, que foi inicialmente voltada para as áreas de Arquitetura, Desenho e Engenharia. Neste texto buscaremos enfocar a produção de Donald Schön e, especificamente, em que condições ela pode contribuir para o debate sobre formação de professoras e professores e as precauções que se fazem necessárias pelas limitações advindas de sua proposta. Num primeiro momento iremos abordar a trajetória acadêmica de Schön, tecendo comentários acerca da sua base teórica inspiradora. Em seguida explicitaremos os princípios c conceitos a que chegou para formular sua teoria, o que inclui a crítica formulada pelo autor sobre a racionalidade técnica, para, prosseguindo, tratar das críticas formuladas em torno de seu pensamento e a nossa posição perante elas.

Trajetória acadêmica de Donald Schön

Em 1951, pela Universidade de Yale, Schön licenciou-se em Filosofia, realizando em seguida os cursos de mestrado e doutorado16

na mesma área pela Universidade de Harvard. Realizou vários cursos pela Sorbonne e pelo Conservatório de Paris. Foi professor da Universidade de Queens e membro honorário do Real Instituto de Arquitetos Britânicos. Atualmente é professor de Estudos de Urbanismo e Educação do Massachusetts Institute of Technology/M.I.T., e também é participante ativo em numerosas organizações profissionais, alem de membro da Comissão para o ano 2000 da Academia Americana das Artes e das Ciências e da Comissão sobre Sistemas Socio-técnicos do Conselho Nacional de Investigação (Schön, 1992a).

Antes de vincular-se ao M.I.T., Schön presidiu durante sete anos a Organização para Inovações Técnicas e Sociais (OSTI), organização sem fins lucrativos, com propósito maior de produzir conhecimentos novos nessa área. Paralelamente a esse trabalho, desempenhou muitas outras funções de caráter administrativo e consultivo, em agências governamentais e na indústria privada. Nessa trajetória, tanto como pesquisador quanto como assessor, Schön tem centrado suas preocupações nos problemas de aprendizagem, nas organizações e na eficácia profissional.

No início dos anos 70, o Massachusetts Institute of Technology/M.I.T. solicita a Schön o desenvolvimento de um estudo sobre a formação do arquiteto. Os resultados desse estudo abriram oportunidades para que ele participasse de uma série de debates sobre a situação atual e as perspectivas futuras para a formação dos profissionais, o que lhe tem rendido outras publicações, abordando sempre a mesma temática.

Os estudos sobre a formação de arquitetos, que é amplamente fundamentado na teoria da indagação de Dewey, estão concretizados em duas obras: O profissional reflexivo (1983) e Formação de profissionais reflexivos (1987).

O primeiro segue uma linha de argumentação a favor de uma nova epistemologia da prática, centrada no saber profissional, tomando como ponto de partida a reflexão na ação, que é produzida pelo profissional ao se defrontar com situações de incertezas, singularidade e conflito. É nessa obra que Schön coloca em questão a estrutura epistemológica da pesquisa universitária que, ao tomar a racionalidade técnica como paradigma, acredita que a competência profissional esteja na aplicação desses conhecimentos produzidos pela academia. O profissional competente seria aquele que, na prática, aplica seus conhecimentos científicos como uma atividade técnica.

No segundo estudo, Schön argumenta que os Centros Superiores de Formação de Profissionais deveriam tomar como referencial de preparação para a prática o que acontece no 6 Sua tese de doutorado versou sobre a teoria da Indagação de John Dewey.

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ensino de arte, desenho, música, dança e educação física, que tem em comum a formação tutorada e onde a aprendizagem se processa a partir da reflexão na ação.

A teoria da indagação de J. Dewey como base teórica de Donald Schön

Schön tornou-se conhecido internacionalmente a partir dos resultados obtidos em sua tese de doutorado sobre a formação dos profissionais da Arquitetura, cujo tema central fora a teoria da indagação de John Dewey.

John Dewey (1859-1952), filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano, influenciou de forma determinante o pensamento pedagógico contemporâneo. Suas obras foram fundamentais para que o movimento da Escola Nova tomasse impulso e se propagasse por quase todo o mundo.

Dewey foi um crítico renitente das práticas pedagógicas que cultivavam a obediência e a submissão, que até então predominavam nas escolas. Qualificava-as como os maiores obstáculos para o desenvolvimento da educação de crianças, jovens e adultos. Contrapondo-se a essas práticas, Dewey foi o pioneiro na formulação de um novo ideal pedagógico, ao defender o ensino pela ação e não pela instrução, como entendia o iluminista Herbart (1776-1841).

A educação, no entender de Dewey, está continuamente reconstruindo a experiência concreta, ativa e produtiva de cada um. O pensamento do autor enfatiza a necessidade de uma convivência democrática, embora não leve em consideração os determinantes estruturais da sociedade de classe em que vivemos. Por conta disso, alguns teóricos críticos brasileiros17

o têm como um liberal, argumentando que através dos princípios de iniciativa, originalidade e cooperação, que defendia, Dewey pretendia liberar as potencialidades do indivíduo rumo a uma ordem social que, em vez de ser mudada, deveria ser progressivamente aperfeiçoada.

Contrapondo esta posição, explicitaremos o contexto que Dewey vivenciava, quando assumiu a chefia do departamento de Filosofia. Psicologia e Pedagogia da Universidade de Chicago, em 1894, no qual tornou possível a abertura da escola-laboratório.

Em toda esta década e na seguinte. Chicago era um verdadeiro vulcão em erupção. Era uma metrópole de contrastes gritantes, que ia do acúmulo veloz de riquezas às favelas esquálidas dos imigrantes do Leste e Sul da Europa. Ao mesmo tempo em que a corrupção política era galopante, criavam-se agências municipais para reformas sociais. A Universidade de Chicago, embora muito nova, rapidamente tornou-se o centro da pesquisa na área social. Foi dentro deste ambiente que a ideia principal de Dewey sobre os problemas da educação se fortaleceu, ou seja: "coordenar os fatores psicológicos e sociais" (apud Kliebard, 1995, p. 54).

Kliebard (1995). ao assumir esta premissa, afirma que:

Por um lado tem-se o indivíduo, e a educação visa ao desenvolvimento mais pleno possível das potencialidades individuais. Por outro lado, existe o ambiente social no qual o indivíduo vive. e o ambiente social implica no falo de que as expressões das potencialidades individuais são de algum

modo coordenadas por uma finalidade social, (p. 5-4)18

Para Carr e Kemrnis (1988) “Dewey foi possivelmente o último 'dos grandes teorizado- res' no mundo da língua inglesa" (p.28-29) que, segundo estes autores, integra em suas proposições a "teorização de altura".19

Como já foi dito anteriormente, a teoria de Dewey influenciou de maneira efetiva o pensamento pedagógico contemporâneo americano, principalmente nas primeiras décadas deste 7 Podemos citar, dentre outros: Saviani (1991). Libâneo (1992). Luckesi (1993), Gadotti (1993).

18 Esta é uma tradução livre, de responsabilidade das autoras.

19 Segundo Carr e Kemmis. a "teorização de altura" é aquela que no seu todo "apresenta a convicção da necessidade de situar a educação, como um processo de 'acesso ao saber' considerando uma teoria geral da sociedade por um lado e, por outro, a teoria da criança". (1988. p. 29)

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século. A formação do "homem completo" era preocupação principal da educação. Essa influência foi minimizada após a Segunda Guerra Mundial, com o lançamento, em 1957, do Sputnik. Esse episódio mobilizou a educação como um todo, objetivando intensificar as produções científicas capazes de assegurar sucesso na competição com os russos.

O pragmatismo de Dewey e de outros, como por exemplo o de C.S. Pierce, é reduzido à racionalidade técnica cujo foco é centrado na análise dos meios apropriados para atingir determinados fins, esquivando-se da "teorização de altura". Absorver esta dimensão, nessa nova perspectiva da formação humana dos americanos, com fins claramente definidos, significava uma forte ameaça ao que explicitamente estava evidenciado.

Para Peter McLaren (1997) as críticas dos teóricos progressistas conseguiram ir além das limitações de Dewey, mas desconsideraram alguns princípios do autor que poderiam estar contribuindo para melhor entender a dimensão humana no seu trabalho. McLaren afirma que:

Os teóricos críticos foram além dos limites da análise de Dewey e estão ganhando aceitação e reconhecimento entre alguns educadores Apesar de muitas de suas conclusões permanecerem intragáveis para os humanistas liberais e pragmatistas. os teóricos críticos fizeram avanços importantes na tentativa de entender e compensar a desigualdade educacional existente. Em suas análises sobre como os estudantes são subjugados pelo modelo industrial de acumulação de capital, no entanto, os teóricos críticos esquivaram-se da compreensão e do compromisso de Dewey com a reconstrução social. Eles curiosamente subestimaram as influências benéficas do trabalho de Dewey, principalmente sua compreensão da natureza humana baseada nas normas morais de interação associativa: (comunicação, mutualidade, respeito e uma visão positiva da potencialida- de humana). (idem. p 331)

A experiência concreta da vida, para Dewey, surge sempre ao nos depararmos com problemas, e a educação deve tomar para si essa condição, enfrentando-a com uma atitude ponderada, cuidadosa, persistente e ativa para garantir o melhor desenvolvimento do educando. Segundo ele, diante de algum problema há uma série de cinco estágios no ato de pensar. Assim, o problema enfrentado nos levaria a pensar sobre esses pontos:

1. uma necessidade sentida (problema); 2. a análise da dificuldade;

3. as alternativas de solução do problema;

4. a experimentação de várias soluções, até que o teste mental aprove uma delas; 5. a ação como prova final para a solução proposta, que deve ser verificada de maneira

científica.

Dessa forma, a educação enfocaria o processo de desenvolvimento e não mais o produto desse desenvolvimento, tendo como objetivo o próprio processo de reconstrução e reconstituição da experiência, caminhando sempre na direção da melhoria do processo permanente da eficiência individual. As finalidades da educação estariam centradas no processo de melhoria das experiências e se confundiria com o próprio viver. Trata-se de aumentar o rendimento do ser humano, seguindo os próprios interesses vitais dele.

Dewey argumenta que o processo de reflexão de professoras e professores se inicia no enfrentamento de dificuldades que, normalmente, o comportamento rotineiro da aula não dá conta de superar. A instabilidade gerada perante essas situações leva-os a analisar as experiências anteriores. Sendo uma análise reflexiva, envolverá a ponderação cuidadosa, persistente e ativa das suas crenças e práticas à luz da lógica da razão que a apoia. Nessa reflexão estarão envolvidas, com a mesma intensidade, a intuição, a emoção e a paixão. Podemos afirmar que este é o ponto de congruência com o pensamento de Schön. E com base nessas ideias que Schön desenvolve seus estudos.

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No livro Comment nous pensons (1925), Dewey distingue a ação rotineira da ação reflexiva. Nessa distinção ele define a ação rotineira como aquela que é orientada por impulso, tradição e autoridade. Argumenta que nas instituições escolares vai se formando um conjunto de definições e códigos acerca da realidade educacional que se constituem como verdades, sendo absorvidas pelo grupo. Enquanto essas verdades, no dia-a-dia, não entrarem em conflito, a realidade é encarada como uma realidade sem problemas. Essa visão leva os educadores ao imobilismo, impedindo-os de reconhecer e experimentar posições outras que não aquelas.

As professoras e os professores que se prendem somente nas suas ações práticas, sem uma reflexão mais rigorosa sobre elas, acomodam-se a essa única perspectiva e aceitam, sem críticas, o cotidiano de suas escolas, com ações rotineiras no enfrentamento dos problemas que ali acontecem, sem vislumbrar as inúmeras alternativas dentro de um "universo maior de possibilidades" (Zeichner e Liston, 1996, p. 9).

Já na ação reflexiva, a lógica da razão e a da emoção estão atreladas entre si e caracterizam-se pela visão ampla de perceber os problemas. As professoras e os professores com ações reflexivas não ficam presos a uma só perspectiva, examinam criteriosamente as alternativas que a eles se apresentam como viáveis, como também aquelas que lhes parecem mais distantes da solução, com o mesmo rigor, seriedade e persistência.

Dewey integra na ação reflexiva três atitudes: abertura de mente, responsabilidade e dedicação.20

vejamos cada uma delas.

Abertura de mente: A pessoa com a mente aberta está sempre com a disposição de observar e atuar ativamente sobre vários pontos de vista e permanece alerta para as possibilidades de erro até mesmo sobre aquelas posições que lhe pareçam mais simpáticas e coerentes com o contexto que está vivenciando. Permanece, exaustivamente, examinando a racionalidade subjacente ao que se apresenta como natural e certo e está sempre se questionando sobre os porquês de estar realizando determinada ação. As finalidades permeiam todo o processo de reflexão.

Responsabilidade: O sentido da atitude responsável vai além do utilitarismo imediato das questões estreitas dos objetivos e finalidades alcançados pelo educando. Envolve três questiona- mentos: O quê? Como? e Para quem? Qualquer ação que se venha a realizar, se houver o comprometimento responsável, estará permeada por essas preocupações. Dewey diz que a atitude responsável leva a pensar sobre três tipos de consequências na educação de uma pessoa:

a) Consequências pessoais; b) Consequências acadêmicas; c) Consequências políticas e sociais.

Esses três pontos envolvem, respectivamente, os conceitos e autoconceitos, o desenvo- lvimento intelectual e a mudança de vida dos alunos.

Uma das várias sinalizações para detectar a atitude reflexiva do professor é verificar se ao avaliar o seu próprio trabalho ele se submete a questionamentos mais amplos como "os resultados são bons, para quem e de que maneira" e não simplesmente restringir-se a "os meus objetivos foram atingidos" (Zeichner e Liston, 1996, p. 11).

Dedicação: Dedicação numa ação reflexiva implica uma atitude deliberada na qual acontece o contínuo exame dos próprios conceitos, crenças e os efeitos das ações que foram realizadas, com cuidado criterioso e persistente, aproximando esses resultados a situações novas, com uma visualização aberta para outras posições.

Essas três atitudes, juntamente com a formulação de questionamentos e habilidades na observação e análise, constituem para Dewey um professor reflexivo. É oportuno aqui salientar que, embora as atitudes do professor se constituam em práticas reflexivas, nem sempre essas atitudes se revestirão em resultados bem-sucedidos. As probabilidades positivas serão maiores, mas não significa a infalibilidade dos seus efeitos. O professor reflexivo é falível. Quando as suas reflexões apontam 20 Para esclarecimentos sobre a concepção de "ação reflexiva" abordada por Dewey, ver também Zeichner e Liston

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caminhos e nesses caminhos as coisas não se dão como o esperado, eles não ficam em situação constrangedora em relação a eles mesmos. A disposição constante de abertura, de responsabilidade e dedicação os leva a um exame crítico da própria situação, na perspectiva de encontrar novos patamares para as respostas que procuram.

A nosso ver, apesar de Dewey pouco ter considerado as condições sociais e políticas que afetam a ação docente, ele lançou as bases teóricas para o ensino reflexivo, suas proposições constituem uma parte importante para a nossa compreensão sobre o ensino reflexivo.

É nossa intenção estar discutindo as contribuições de Schön para a formação de professores com base nos desdobramentos de sua pesquisa sobre a formação de profissionais reflexivos, levando em consideração sua fundamentação em Dewey.

Contribuições de Schön para a formação de professoras e professores

No início da década de 90, o pensamento de Donald Schön começa a ser discutido no meio acadêmico como mais uma contribuição para a formação de professores no Brasil. Foi com base no livro coordenado por António Nóvoa (1992) que recebemos o artigo de Schön "Formar professores como profissionais reflexivos". Para Nóvoa, Schön é "um dos autores mais conhecidos internacionalmente e os seus trabalhos sobre a formação de profissionais (práticos) constituem uma referência obrigatória" (p. 11).

Nóvoa aponta que "neste texto, o autor produz uma síntese genérica, aplicando as suas teorias à formação de professores" (1992, p. 11), que, em nosso entender, precisam ser revistas para melhor compreensão do processo de formação de professoras e professores.

Levando em conta a herança do pensamento de Dewey, Schön propõe uma formação tutorada e uma aprendizagem na ação para a formação de profissionais reflexivos em áreas como Arquitetura, Desenho e Engenharia, por considerar que o ensino derivado destas áreas possui um tipo particular de aprender-fazendo que deve ser mediado pelo diálogo entre tutor e estudante. Nesse diálogo, a atitude de dizer e demonstrar do tutor se combina com a atitude de escutar e imitar do estudante e, neste sentido, uma reflexão na ação de ambos, o que implica aprender a prática de um prático, praticando. Neste processo se efetiva a aprendizagem, o que Schön chama de um "círculo vicioso de aprendizagem", pois:

O tutor deve aprender formas de mostrar e dizer que se ajustem às características peculiares do aluno que tem diante de si, aprender a interpretar quais são suas dificuldades e capacidades a partir dos esforços que leva a cabo durante a execução da tarefa, e a descobrir e comprovar o que retira de suas próprias intervenções como tutor. O estudante deve aprender a escutar de um modo operativo, a imitar reflexivamente, a refletir sobre seu próprio conhecimento na ação. e a interpretar os significados do

tutor. (1992a, p. 114)21

As contribuições de Schön são resgatadas em "meio de um dos processos cíclicos de reforma educativa", no início da década de 90 nos Estados Unidos, que buscava uma reorientação do modelo de formação de professoras e professores, considerado inadequado, uma vez que atribuía a causa da ineficiência às "escolas e aos professores, o que equivale a culpar as vítimas" (Schön, 1992, p. 79). Em meio a estas reformas, a crítica formulada por Schön acerca da racionalidade técnica reflete-se na composição do pensamento de outros teóricos, dentre eles podemos citar K. Zeichner.22

Dessa forma, é importante enfatizar que a produção teórica do autor não se refere especificamente à formação de professoras e professores, mas à formação de profissionais de áreas 21 A citação é uma tradução livre de responsabilidade das autoras deste artigo.

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com características diferentes das encontradas nos meios escolares.23

E que, além disso, suas contribuições são resgatadas para a docência escolar num momento histórico educacional peculiar, ou seja, no momento em que ocorre a reforma educacional americana, que vai possibilitar "a aplicação de suas teorias à formação de professores", tal como nos afirma Nóvoa (1992, p. 11).

E relevante uma leitura criteriosa sobre sua teoria, a fim de toma-la como mais uma contribuição para a formação de professoras e professores como sujeitos pesquisadores para a realidade brasileira, mantendo-nos sob a vigilância necessária para não cairmos em mais uma tentação dos modismos pedagógicos. Nosso desejo maior é o de levantar dúvidas no intuito de esclarecer as possibilidades de contribuições das proposições de Schön. Neste sentido, percebemos proximidades com a nossa disposição, na condição de educadoras e professoras que somos, de encontrar soluções, mesmo que provisórias, que contribuam na formação de professoras e professores, considerando a peculiaridade do trabalho docente da sociedade americana, de onde Schön propõe a formação do practicum reflexivo e os condicionantes do trabalho docente de nossa sociedade. Daí nossa preocupação e cautela.

Para tanto, compete-nos propor uma análise e discussão acerca da teoria, tal como vem explicitada no artigo "Formar professores como profissionais reflexivos" (Nóvoa, 1992).24

Vejamos: Schön centra sua concepção de desenvolvimento de uma prática reflexiva em três ideias centrais: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.

O conhecimento na ação, segundo ele, traz consigo um saber. Este saber está presente nas ações profissionais que, por sua vez, vêm carregadas de um "saber escolar". Saber escolar é entendido "como certo, significando uma profunda e quase mística crença em respostas exactas" (1992, p. 81). Quer dizer que na formação profissional há uma "noção de saber escolar [...] um tipo de conhecimento que os professores são supostos possuir e transmitir aos alunos. É uma visão dos saberes como factos e teorias aceites" (idem, ibidem). É com esse "saber escolar" que o profissional transitará, a priori. É um conhecimento que o possibilita agir, um "conhecimento na ação".

Todavia, o conhecimento na ação não está carregado apenas de um certo "saber escolar", mas também está colado a um certo modo de enfrentamento das situações do cotidiano e revelam um conhecimento "espontâneo, intuitivo, experimental" (idem, p. 82). O conhecimento, portanto, está na ação em si e o revelamos por meio de ações espontâneas e habilidades. Esta ação não exige o uso de uma explicação verbal ou de uma descrição ou mesmo de um pensamento sistematizado.25

Se, de outra forma, observarmos e refletirmos sobre nossas ações, podemos descrever um conhecimento que está implícito nessas ações. Então, mediante a observação e a reflexão, podemos descrever essas ações e, para descrevê-las, para explicitá-las, posicionamo-nos diante do que desejamos observar este movimento, dinâmico em si, requer determinados procedimentos, regras e estratégias, alem de um sistema linguístico que possa interpretá-lo. Portanto, a reflexão na ação pode ser vista como um momento que gera mudanças, ou seja, com base nesta reflexão podemos encontrar novas pistas para soluções de problemas da aprendizagem.

Para Schön, a reflexão na ação está em relação direta com a ação presente, ou seja, o conhecimento na ação. Significa produzir uma pausa - para refletir - em meio à ação presente, um momento em que paramos para pensar, para reorganizar o que estamos fazendo, refletindo sobre a ação presente.

23 Em obra publicada em 1991, Donald Schön expõe os trabalhos realizados por 14 pesquisadores de diferentes áreas e que produziram estudos sobre suas práticas. Para Schön, os estudos de caso realizados vêm confirmar sua

proposição de que é na reflexão, a partir dos problemas que surgem na prática cotidiana destes profissionais, que se produz uma base epistemológica. Neste sentido, assumimos está proposição sem deixarmos de considerar as condições de trabalho que favorecem ou não esta atitude entre as professoras e os professores brasileiros. 24 Tomamos esta obra prioritariamente por ser a mais conhecida e divulgada no Brasil.

25 Em seu livro La formación de profesionales reflexivos (1992a, p. 48), Schön coloca sob suspeita o conhecimento na ação que caracteriza os práticos competentes em um campo profissional com o conhecimento profissional que se ensina nas escolas de formação. Em nota de rodapé, Schön afirma que "o conhecimento na ação mais usual pode ser uma aplicação do conhecimento profissional científico que se ensina nas escolas, pode coincidir parcialmente com ele ou pode não ter nada a ver" (tradução livre, de responsabilidade das autoras).

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Esta reflexão na ação só se desencadeia porque não encontramos respostas às situações inesperadas. Ao não encontrar respostas às surpresas que emergem da ação presente, posicionamos- nos criticamente perante este problema e questionamos as estruturas de suposição do conhecimento na ação. Pensamos de maneira crítica sobre o pensamento que nos levou a esta situação surpresa e, durante o processo, podemos re-estruturar estratégias de ação: pela compreensão do fenômeno ou pela maneira de formular o problema. Segundo Schön, "é impossível aprender sem ficar confuso" (idem, p. 85).

Este distanciamento da ação presente para refletirmos é um movimento que pode ser desencadeado sem gerar necessariamente uma explicação verbal, uma sistematização teórica. Todavia, ao produzirmos uma descrição verbal, isto é, uma reflexão sobre nossa reflexão da ação passada, podemos influir diretamente em ações futuras, colocando em prova uma nova compreensão do problema. Este momento é designado por Schön como o da reflexão sobre a reflexão na ação.

Este momento de reflexão é evidenciado pela intenção de se refletir sobre a reflexão na ação, de maneira que se consiga produzir uma descrição verbal da reflexão na ação. É necessário ainda a capacidade de se refletir acerca da descrição resultante, podendo-se gerar modificações em ações futuras, ou seja: quando se reflete sobre a reflexão na ação, julgando e compreendendo o problema, podemos imaginar uma solução.

Tendo exposto as três dimensões que constituem as ações de um prático reflexivo, cabe ressaltar as contribuições de seus estudos para a reforma educacional americana.

Esta reforma faz convergir sobre si diferentes e variados estudos, de diferentes e variadas áreas do conhecimento. Schön traz suas contribuições, partindo do paradigma da formação artística por considerar que "as tradições 'desviantes' da formação artística, bem como do treino físico e da aprendizagem profissional" explicitam melhor as características de um practicum reflexivo. Implicam um tipo de "aprender fazendo" e ainda, ao aprender fazendo, vivenciam "um mundo virtual que representa o mundo da prática". Este mundo virtual é, para Schön, "qualquer cenário que representa um mundo real - um mundo da prática - e que nos permite fazer experiências, cometer erros, tomar consciência dos nossos erros, e tentar de novo, de outra maneira" (1992, p. 89).

Tomando a perspectiva artística como modelo para a formação de um profissional reflexivo, pressupondo uma aprendizagem no "aprender-fazendo" ancorado nas concepções teóricas de John Dewey, acrescentando o papel do tutor como alguém que, por ser mais experiente que o estudante, é capaz de indicar-lhe caminhos, perceber erros e dar-lhe orientações, Donald Schön propõe-nos a formação de um profissional reflexivo, a partir destas premissas (aprender fazendo e tutoria). Aponta para este modelo de formação, em contraposição à formação pautada nos princípios da racionalidade técnica, concepção teórica que teve forte influência na composição do currículo americano nas últimas décadas e de cuja tradição até hoje percebemos traços.

É sobre a concepção epistemológica da prática, de tradição positivista e que fundamenta os princípios da racionalidade técnica, que Schön assenta sua crítica. Para ele, os centros universitários concedem um status privilegiado "ao conhecimento sistemático, preferivelmente de caráter científico". Segundo Schön: "A racionalidade técnica, epistemologia da prática que prevalece neste tipo de centros, considera a competência profissional como a aplicação do conhecimento privilegiado aos problemas instrumentais da prática" (1992a, pp. 9-10),

As limitações impostas pela aplicação do conhecimento científico aos problemas da prática impõem-nos uma reformulação de sua base epistemológica. Para tanto, Schön propõe-nos uma epistemologia assentada na reflexão na ação, ou seja, a superação da racionalidade técnica requer uma outra base epistemológica e, esta só pode estar assentada na reflexão na ação, pois, ao refletir na ação, encontramos soluções para o problema que se apresenta no contexto do cotidiano, e não a aplicação de uma solução estabelecida anteriormente, criada fora do contexto.

Em recente pesquisa realizada com professoras de química em escola pública de Campinas, Maldaner (1997) assume a premissa proposta por Schön:

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como saída para a atuação profissional diante de situações problemáticas, na qual a racionalidade técnica não consegue dar conta. Segundo Schön, a epistemologia da prática está implícita nos processos artísticos e intuitivos, e ela se torna presente na ação de situações complexas do mundo da vida ou da vivência das pessoas. Ao agir nessa complexidade, os profissionais mais hábeis e mais bem-sucedidos refletem sobre os procedimentos e conhecimentos de que já dispõem e decidem sobre o melhor procedimento a ser adotado. Schön chama isto de reflexão na ação e a propõe como alternativa para superar o modelo da racionalidade técnica. Na reflexão na ação certos profissionais conseguem lidar com situações singulares em toda a sua complexidade, com incertezas e instabilidades inerentes a elas, sem recorrer a padrões de procedimentos próprios do modelo da racionalidade técnica. (1997. p. 110 Grifos do autor)

Desta forma, não há como se pensar na formação de um profissional reflexivo, partindo da tradição positivista que fundamenta o princípio da racionalidade técnica, uma vez que está desfavorece uma aproximação ou uma conduta reflexiva destes profissionais diante das situações de conflito e de indagações que vão surgindo ao longo do desenvolvimento profissional. Esse modelo contraria a máxima proposta por Schön, que é a reflexão na ação, esta sim, fundamentando a epistemologia da prática defendida por Schön, propicia uma reflexão e uma ação eficaz, isto é, estes profissionais "devem enfrentar os problemas concretos que encontram na prática, aplicando princípios gerais e conhecimentos científicos derivados da investigação" (Pérez Gómez, 1992, p. 96). Ao defender que um profissional reflexivo estará "pensando no que faz" ao se encontrar em situações de incertezas e de conflitos, ou seja, investigando a sua própria ação, Schön vem nos afirmar que a investigação realizada por este profissional produz um conhecimento prático que é validado pela própria prática, não se limitando à investigação produzida pela academia. Para Schön, a tradição da investigação universitária concebe que a competência profissional está ligada estrita- mente à aplicação do conhecimento científico aos problemas da prática, por considerar uma questão estritamente de aplicação de técnicas.

Esta é a ideia dominante do conhecimento profissional fundamentado na racionalidade técnica, epistemologicamente positivista, que compõe o currículo normativo da formação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento e que, distanciando-se da prática, não permite que o profissional reflita sobre a sua própria prática. Para Schön, somente uma nova epistemologia da prática, fundamentada na reflexão do profissional sobre a sua prática, é que pode orientar uma possível mudança para a formação de um profissional reflexivo, capaz de encontrar respostas aos dilemas que o exercício profissional diário destes profissionais lhes impõem e que somente a aplicação de teorias e de técnicas não soluciona.

Para tanto, impõe-nos o reconhecimento de que no enfrentamento dos problemas que vão surgindo na prática o modelo imposto pela racionalidade técnica não dá conta da sua complexidade. Precisamos reconhecer que não se pode tratar os problemas da prática como se fossem meramente instrumentais, mas considerá-los dentro de uma dimensão maior que, geralmente, são situações de conflitos (e esta não é uma tarefa somente técnica).26

Críticas às contribuições teóricas de Donald Schön

Algumas críticas às contribuições teóricas de Donald Schon são apontadas por K. Zeichner e D. Liston (1996).

26 No livro Frame reflection toward the resoluction of intractable policy controversies (1994), de Donald Schön e Martin Rein, os autores vêm discutir os paradigmas das pesquisas no campo da política e da eucação apontado para o conceito de design rationality, traduzido provisoriamente por nós como "racionalidade elaborada" Os estudos acerca desta obra estão sendo realizados e por esta razão não serão objeto de análise nesta publicação.

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Primeiramente, os autores chamam a nossa atenção para a relação dialógica que a atividade reflexiva exige e que é tratada por Schön como um processo solitário, quando o professor mantém-se em comunicação apenas com a sua situação e não com outros profissionais. Zeichner e Liston vêm apontar para a reflexão como prática social e, como uma prática social, a exigência inerente a ela de se refletir junto com outros profissionais. Para estes autores. há que se levar em conta as contribuições já apontadas por Dewey, no que diz respeito à responsabilidade e à dedicação, além da disposição intelectual de abrir-se para a reflexão, propiciada por um ambiente onde a colaboração e a cooperação estejam sendo partilhadas com confiança entre aqueles que dela participam.

Os autores apontam também para o estreitamento da reflexão proposta por Schön

centrada apenas na atividade em si, deixando de considerar a dimensão contextual a que estas atividades estão ligadas. Eles entendem que há de se considerar as condições institucionais e os papéis que cada professor assume na sua prática. Quer dizer que uma prática do professor, embora momentaneamente individual, estará sempre carregada das condições político-sociais e institucionais, e a compreensão do contexto, numa visão mais ampla e alargada, deve estar presente na reflexão sobre a sua prática. Portanto, além dos esforços objetivando uma mudança de sua prática individual apenas, a mudança de suas situações profissionais se faz necessária.

Nós assumimos as críticas feitas por Zeichner e Liston e gostaríamos de estar chamando a atenção dos educadores que veem em Schön uma perspectiva promissora para a formação de professoras e professores.

Um aspecto importante a ser observado nesta teoria e que merece algumas ponderações e cuidados para que não tornemos a incidir nas práticas repetidoras dos discípulos diante de seus mestres, hoje muito repudiada no meio educacional brasileiro. Estamos falando do ensino tutorado, quando Schön preconiza que o papel do professor como tutor estaria centrado em "apreciar o que o aluno compreende, quais são suas dificuldades mais peculiares, o que sabe fazer etc." (1992a, p. 100) num diálogo constante e permeado pela produção dos alunos, pelos sinais e pelos gestos, tanto por parte do tutor quanto por parte do aluno, objetivando uma comunicação efetiva e consequente entre os envolvidos.

Fica claro para nós que a sua intenção está longe da perspectiva repetidora ou tradicional, ou ainda, por outro lado, que venha fortalecer a retórica neoliberal.27 Sua proposta vai ao

encontro de uma interação comunicativa, de forma que o que seja dito pelo aluno e pelo tutor seja compreendido da mesma forma como a intenção pretendida e aconteça uma convergência real dos significados, o que não é comum no ensino, estando presente muito mais o que o adágio popular diz: "entendimento de alho por bugalho".

Embora tenhamos essa compreensão, que foi fortalecida pela leitura da obra La formación de profisionales reflexivos (1992a), em outro texto incluso na obra Os professores e a sua formação (1992), coordenado por António Nóvoa, o qual acreditamos ter tido uma maior penetração no Brasil, Schön remete à ideia do ensino tutorado muito sinteticamente e, como o faz, deixa uma margem grande para que entendamos de forma diferente. Senão vejamos:

Num praticum reflexivo, os alunos praticam na presença de um tutor que os envolve num diálogo de palavras e desenhos. Num atelier de arquitetura, por exemplo, as mensagens que os alunos remetem para o seu monitor, não são apenas palavras, mas também desenhos. À medida que o monitor olha para os desenhos de um aluno, pode ver, por exemplo: Ah. Isto foi o que ela fez a partir do que eu disse! O desempenho do aluno transmite informação muito mais fiável do que as suas próprias palavras do mesmo modo. um tutor pode demonstrar através do seu desempenho, e convidar os alunos a imitá-lo 27 Vale abrir um parêntese para enfatizarmos a possibilidade da teoria de Schön, principalmente no que concerne ao

ensino tutorado, vir contribuir com a perspectiva da gerência da qualidade total, recriando e transformando o seu campo semântico, inversamente ao que Schön propõe. Sobre essa discussão, ver Silva e Gentili(1996)

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(1992. p 89)

Como vemos, o que vem aludido neste trecho, sem uma leitura mais atenta e aprofundada, pode estar contribuindo com a proposição contrária a que Schön apregoa, ou melhor, com a formação de profissionais reflexivos, tendo como ponto de partida o pensamento da própria prática, onde, num processo contínuo, seja possível agir, errar e pensar sobre os erros e acertos e as circunstâncias que contribuíram para tais resultados.

Ao imitar o que o tutor demonstra, o estudante volta-se para o que faz e, com base em suas próprias reflexões, produz uma forma peculiar de fazer novamente. Podemos dizer que a imitação incorporada por Schön à sua proposta seria, muito mais do que uma repetição automatizada, uma repetição pensada e analisada.

Vale a pena repetirmos que a proposta inicial de Schön, de formação tutorada, está voltada para profissionais da área da Arquitetura, e que as características do trabalho deste profissional diferem das características do trabalho de professoras e professores. Ao partir dessas bases, Schön e seus seguidores desconsideram a singularidade da prática docente, que é muito bem assinalada por Paulo Freire em sua última obra Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (1997):

Lido com gente e não com coisas. E porque lido com gente, não posso, por mais que, inclusive, me dê prazer entregar-me à reflexão teórica e crítica em torno da própria prática docente e discente, recusar a minha atenção dedicada e amorosa à problemática mais pessoal deste ou daquele aluno ou aluna. (Idem. p. 163)

Aliás, Paulo Freire chama nossa atenção para as discussões em torno da formação de professoras e de professores-pesquisadores e afirma que "não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino" (idem, p. 32). Em nota de rodapé, Freire explicita sua posição:

Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescenta à de ensinar. Faz porte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador. (Idem, p. 32)

Para Freire, a prática docente crítica envolve "o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer" porque os sujeitos envolvidos nesta prática são "epistemologicamente curiosos" e por estarem "pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática" (idem, pp. 43-44).

Como vimos, as contribuições trazidas por Schön para se pensar a formação de professoras e professores merecem um olhar crítico e rigoroso para que não nos deixemos seduzir pelo novo nem tampouco rejeitá-lo por desconhecimento.

As discussões em torno deste tema não se encerram neste artigo, mas foi nosso objetivo trazer as contribuições teóricas de Donald Schön às discussões que vêm permeando a formação de professoras e professores.

Encerramos este artigo com a mesma certeza apontada por Paulo Freire (1997, p. 153): "Me sinto seguro porque não há razão para me envergonhar por desconhecer algo". Referências bibliográficas

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Referências

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