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4.º) A quem mais convém uma linguagem hermética?

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Academic year: 2021

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uma linguagem hermética?

Repare-se com atenção na Constituição da República Portuguesa e verifique-se como ela, no mais substancial, está dominada pela justifi-cação racional – um tanto medieval – do poder político. A proposição deste poder político têm uma pormenorização exaustiva de todas as suas regras, enquanto que, todos os capítulos dirigidos à instituição dos direitos sociais promocionais têm uma explanação que pouco mais é que um somatório de promessas, “daquilo que deve ser”, “daquilo que deverá fazer-se”, “do que irá promover-se” porém sem que os articula-dos respectivos tenham qualquer indicação precisa e rigorosa do modo como essas disposições constitucionais têm de ser executadas inclusive fiquem garantidas com uma firmeza indiscutível e inabalável.

A Constituição oferece e diz garantir direitos cuja concretização, como está escrito, compete ser efectivada pelo Estado, contudo, muito estranho, nada diz como será obrigatório fazê-lo e, muito importante, como pode e deve acontecer se os mesmos não forem cumpridos. E como conseguirá saber-se se, de facto, foram cumpridos? E como pode um qualquer cidadão, coisa importante, reclamar o seu não cu m-primento? Que garantias efectivas de que quaisquer não cumprimentos têm a resposta devida, por quem é dada e, importante, caso necessário, como são revertidas? Bastará que uma maioria parlamentar, repleta dos interesses mais insondáveis, seja capaz – tenha possibilidade – de uma resposta minimamente satisfatória? Em que instância constitucional podem pronunciar-se com significado político, os Cidadãos e as Cida-dãs? Será bastante votar-se de quatro em quatro anos? Quais e quantas perguntas sem resposta estão sempre a acontecer? Que e quantas maté-rias – sabem-se lá quais as razões – não estão completamente explícitas no texto fundamental!

Não serão as afirmações produzidas pelos juristas que, em tempos posteriores, aparecerão a explicar tudo quanto sucedeu que, com isso – tantas as flutuações interpretativas – darão mais e melhor satisfação à População.

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A Constituição da República, não é para ser privilégio da interpreta-ção hermética da linguagem dos juristas mas sim, como terá de ser, um texto bem e facilmente entendido pela generalidade dos Cidadãos.

A afirmação, devidamente comprovada, que não foi cumprido um qualquer dos direitos sociais constitucionais deveria ter uma sanção imediata, prevista e estipulada pela própria Constituição – as tais garan- tias – como, por exemplo, obrigar à queda do Governo algo que, como as coisas estão, só poderá acontecer no caso imensamente distante de, por circunstância difícil de verificar-se, aquele Governo não ter a seu lado a maioria parlamentar. Acrescente-se que a interpretação dos direitos promocionais tem uma leitura constitucional, no mínimo, ambivalente e, como tal, é possível concluir-se, por exemplo, pela desculpa, fácil de invocar-se, da impossibilidade orçamental de um cumprimento adequado, pela invocação de uma qualquer determinação chegada da ditadura de Bruxelas e escondida sob as roupagens do direito subsidiário ou, como já aconteceu, à luz de uma imposição repugnante, afinal, a obra de uma concorrente de má catadura, a ditadura “troikiana”.

Tal como está disposto na actual Constituição da República, no Par-lamento é que não e nunca será sabida qual a explicação para um qual-quer não cumprimento porquanto, nessa Assembleia, tem de haver uma maioria que suporta o Executivo e essa, por óbvio, não vai denunciar-se e condenar-se a si própria. Ser-se juiz em causa própria não pode ter vali-dade probatória, muito menos capacivali-dade para fazer justiça e, como demonstra a experiência histórica, só pode alicerçar uma ditadura.

Dizem os bonzos da política portuguesa que, na conformidade do sistema político em vigor, deverá saber-se do acerto de uma delibera-ção parlamentar, do seu erro ou do seu incumprimento pelo executivo, na consulta eleitoral seguinte, isto é, anos após a falta ter sido comet i-da, situação que parece ser completamente despropositada já que, para além do mais, será fazer exactamente o contrário da tão propalada celeridade da justiça.

Já vem dos tempos quase imemoriais de E. Kant que «assim se a cons-tituição permite a rebelião terá de declarar tal direito publicamente e

dispor claramente sobre a respectiva aplicação». Na nossa, tudo quanto

são direitos sociais – tão importantes quanto o da rebelião – não têm esta condição claramente explanada e feita com a conveniência mais exigível. A ambivalência e o carácter aleatório do enunciado dos direitos sociais inscritos na Constituição têm de considerar-se incompatíveis com a

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dignidade de um texto constitucional e são uma forte viciação da prática democrática.

A leitura de uma Constituição política, quando feita por um cidadão comum, que não por um constitucionalista – e essa leitura é a que, na realidade, pode aduzir-lhe verdadeiro valor social e político – tem de ser vista, por força da justiça e, também, pela sua própria evidência, como uma consequência adaptada à altura e ao decorrer das conveniências estratégi-cas, polítiestratégi-cas, culturais, ecológicas e sociais do tempo histórico em que é escrita e vai ser usada tal como, por necessário, considerado o prazo pre-visto de uma sua eventual revisão. Nada deve e pode acontecer às regras constitucionais que seja à margem da obediência da vontade maioritária directa – repete-se, directa – do universo eleitoral da população e não, como tem sido, pela vontade final dos Constituintes. Todos os cidadãos têm o dever de considerar-se constituintes e, como assim, poderem apre-sentar quantos modelos constitucionais entenderem, contudo, a escolha de um deles, à semelhança quanto tem sido feito, com os programas eleitorais partidários, tem de ir a votos no universo eleitoral nacional.

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5.º) O 25 de Abril mais autêntico

fez-se nas ruas.

Plebiscitar uma qualquer Constituição – quantos, e quantos, projectos podem e devem ser admitidos – é coisa fundamental para depois, e só depois, com propriedade, poder falar-se de Democracia. A Constituição que, hoje em dia, rege os destinos nacionais ficou pela sua aprovação em ambiente constituinte e não teve a dignidade de querer descer à rua, à mesma rua que fez o verdadeiro 25 de Abril, para aí, num plebiscito nacional, conhecer a sua validade popular. O que devia ter-se feito, e feito com o arrojo que o 25 de Abril mostrou ao mundo, era querer saber--se qual a verdade democrática adoptada pela população portuguesa, mesmo reconhecendo-lhe poder sofrer – como sofreu – pressões dalgum carácter político de circunstância. Tinham-se acabado de destruir cin-quenta anos de uma ditadura e, afinal, a População portuguesa – nessa matéria não pode haver reticências – teve um comportamento político de uma exemplaridade de excepção que demonstrou ao Mundo – guarde-se essa magnifica recordação – saber estar à altura da sua nova situação.

A composição político-partidária da Assembleia Constituinte de 1975 produziu uma manta de retalhos em que aqueles relativos aos direitos sociais, como exemplo importante, não comportam qualquer compromis-so político bastante para, de facto, serem impositivos.

A obrigação primordial de uma nova Constituição será aquela de eli-minar os erros do antecedente, preservar tudo quanto vindo de trás seja vantajoso ou apreciável, porém, deverá obrigar-se a acrescentar-lhe tudo quanto for capaz de, por sua intermediação consistente, conseguir alcan-çar relações sociais de solidariedade alicerçadas numa forte participação política da População.

Os méritos de uma Democracia dos nossos dias podem medir-se pelo grau de desenvolvimento e de aperfeiçoamento dessa participação, esta mesma, a bastante e a suficiente, para assegurar o exercício constante, seja dos direitos, liberdades e garantias individuais como seja, por igual, dos direitos sociais.

A formação de maiorias deliberativas não pode ficar-se pela simplicida-de actual, salvo se os simplicida-decisores políticos, na sua pobreza intelectual,

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enten-derem que a própria sociedade humana – no caso a portuguesa – é despro-vida de uma evidentíssima complexidade política, económica, cultural e social que, por óbvio e antes doutra coisa mais, importa respeitar-se.

Após o 25 de Abril, as grandes alterações políticas, culturais, eco-nómicas e sociais produzidas face ao tempo acabado de ser ultrapassado tinham de ter tradução constitucional já que era, e é, de justiça e de direito, serem devidas aos Cidadãos e às Cidadãs. Uma delas tinha de ser a de querer ver garantida, com clareza explícita e simples, a efect i-vidade inquestionável dos direitos sociais promocionais que, se são apontados na Constituição em uso, estão redigidos sem condicionali s-mos susceptíveis de impedir, em qualquer ocasião, ao sabor das conv e-niências parlamentares maioritárias, serem-lhes cerceadas quaisquer das suas dimensões e isso, exactamente, pela própria imprecisão com que são expressas na letra constitucional aprovada. Mas mais, quantas con-veniências da ditadura burocrática de Bruxelas, “troika” inclusive, tiveram e têm a sua efectividade facilitada pela debilidade da letra cons -titucional do nosso País?

As redacções das disposições constitucionais quanto a direitos sociais têm de ser feitas de tal modo que, de facto, sejam regras inquestionáveis quanto à obrigatoriedade do seu cumprimento e, também, não interpretá-veis, tudo ao invés das actuais que, a respeito de direitos sociais, outra coisa mais não são que meras recomendações. Há, de verdade, uma diferença indisfarçável face ao modo como estão prescritos os direitos e deveres fundamentais. Que instituição, muito próxima dos Cidadãos e por determinação da letra constitucional, tem o direito de, em directo e a todo o momento, poder intervir e dizer da sua justiça? Alguém conhece?

Outro dos erros cometidos pela Constituição actual e há um que brada aos céus – a mais elementar lisura democrática é obrigada a condená-lo – é o da manutenção das funções fundamentais do poder do Estado sem a sua separação efectiva, rigorosa e inquestionável, de tal modo qualquer mínima promiscuidade não possa ser possível. Essa promiscuidade nas funções do poder do Estado é totalmente indesejável e, hoje em dia, é uma prática política corrente. A Assembleia da República e a Presidência da República, ambas, na diversidade das suas modalidades de actuação, ditam grande parte da organização de cúpula da Justiça e, assim, não só asseguram ter controlo bastante sobre a função Judicial do Poder como, também, passam um atestado de menoridade à população portuguesa ao negar-lhe o direito a uma intervenção muito directa na entronização das

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estruturas superiores da Justiça desde que, imprescindível, praticada com toda a mais desejável e necessária independência.

A Justiça, para poder falar-se de Democracia, tem de estar ao inteiro serviço e à ordem da vontade eleitoral da população e os seus quadros superiores têm de ser sancionados, o mais directamente possível, pela vontade eleitoral nacional.

Todos os Orgãos da Soberania têm de emanar directamente da vonta-de geral. Tal como o Orgão da Governação tem dimanado – mau grado indirectamente – da vontade eleitoral da população, o Conselho Superior da Magistratura terá de resultar da vontade directa de uma Assembleia Judicial da República inteiramente votada, em momento próprio, pela população eleitoral nacional.

Tem de reconhecer-se uma feição recuada e hipócrita à filosofia que preside à Constituição da República Portuguesa. Veja-se que, no seu “Preâmbulo” vem expresso que “A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português… de assegurar” – entre outras variadas afir-mações de fé, senão mesmo de pura hipocrisia – “o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português”. É impossível deixar passar em branco dois aspectos difíceis de aceitar sem ter de fazer-se-lhes reparos. O primeiro será dirigido para a afirmação do “primado do Estado de Direito democrático” o que, sem querer negar-lhe a autenticidade do princípio e da sua inquestionável necessidade, tal não significa poder ficar a conhecer-se-lhe o seu significado real mais autêntico. Para tanto e para tal, importa saber-se ao serviço de que Justiça estará esse Direito e, dessa Justiça – aquela de que a população precisa – a Constituição não se ocupa por não dar as garantias mais imprescindíveis. O segundo reparo que deve fazer-se tem de dirigir-se ao propósito constitucional “de abrir caminho para a sociedade socialista” o que, por evidência, exigia estarem formulados os passos imperiosos de toda a política necessária em seu deliberado favor que, bem sabido, ao arrepio da prédica populista consti-tucional culminou num insucesso – o famoso socialismo na gaveta – coisa que, aliás, digam o que disserem, foi intenção premeditada e que só pode ficar na História como um exemplo edificante da mais pura hipocri-sia ética e política.

Logo depois, no início do articulado constitucional, no seu Artigo 1.º, começa por afirmar-se que Portugal é uma República soberana “empe-nhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, uma

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linguagem alternativa consequente a ter havido, anos sobre anos, uma reclamação por parte das correntes mais reaccionárias para não aceitar-se que houvesse menção ao que chamam de ideologia e, também, nunca, uma qualquer feição constitucional que classificam de programática. Então o solidarismo não é uma corrente tão politicamente comprometida como o é o socialismo ou o capitalismo?

A obra política do francês Charles Gide – a solidariedade e o solida-rismo – que tanto satisfez todos os oportunistas dos anos vinte e trinta do século XX não foi outra coisa mais do que uma fuga táctica ao medo inspirado pelo socialismo.

A Constituição de 1976 – dalgum modo uma consequência lógica de uma alteração profunda da vida dos portugueses – por força do seu conteú-do de sabor socialista era acusada de ser programática mas, agora, como o solidarismo não assusta o capitalismo, já não é acusada do defeito que antes lhe vislumbravam. E o cooperativismo não será, por igual, um alicer-ce programático e uma intenção deliberadamente ideológica? Como não mete medo aos reaccionários tem autorização para figurar na Constituição! Um pouco mais adiante, na Constituição da República, no número 2 do seu Artigo 7.º, aquele que trata das “Relações Internacionais” está afirmado “ipsis verbis” que “Portugal preconiza a abolição do imperia-lismo, do colonialismo e de outras quaisquer formas de agressão, domí-nio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-milita-res …”. Alguém já reparou no cumprimento deste preceito constitucio-nal? Para que consta na Constituição?

É mais outra forma de hipocrisia política ínsita na Constituição, reve-ladora do baixo estofo moral dos Constituintes e, sobretudo, de quantos, ao longo dos anos, têm tido a responsabilidade das várias revisões consti-tucionais. Nunca, por nunca, qualquer força política, exigiu o cumpri-mento escrupuloso daquela disposição constitucional.

Portugal não se declara, com a frontalidade mais exigível, adverso do imperialismo, do colonialismo etc., etc. mas, tão-somente, “preconiza” a sua abolição, isto mesmo – tremenda incongruência – depois de ter sido um actor activo e decidido da descolonização dos seus antigos territórios coloniais! O que era um erro político português – a sua prática colonialista e o seu sentido imperialista – foi sujeito, e muito bem, a uma condenação decisiva, peremptória e indiscutível – a descolonização – contudo, discre-pância flagrante, quando esses desmandos são cometido por outros estados

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indubitavelmente imperialistas, colonialistas, agressores, dominadores e exploradores, então, no pensar acéfalo dos Constituintes portugueses do pós 25 de Abril, a esses, basta, tão-somente, que lhe seja preconizada – preconizada – a abolição desses seus comportamentos verdadeiramente inapropriados. Homens de grande estofo ético e uma notável coragem polí-tica, esses Constituintes!

Embora a independência de Portugal esteja formalmente referida na letra da sua Constituição – veja-se o número 1 do Artigo 7.º e a alínea a) do Artigo 9.º – nenhuma das suas disposições é taxativa na recusa frontal,

sine qua non, de quaisquer formas de submissão política, económica e

militar imposta a Portugal, por quem quer que seja.

Portugal, a Constituição da sua República, contenta-se em só preconi-zar – nada mais que isso – a abolição do imperialismo e, também, de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos. Tem muito de recuado e é suficientemente hipócrita.

Se no Artigo 7.º da Constituição todos os seus números não passam de pura retórica que, em concreto, a nada obriga, o Artigo 8.ª, no seu número quatro – o Artigo da subserviência ao exterior – é taxativo na aplicação, entre nós, de disposições e de normas exógenas quando reza que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emana-das emana-das suas instituições, no exercício emana-das suas competências, são aplicá-veis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União…”. Do Artigo 7.º para o 8.º os constituintes ganharam fôlego para serem imposi-tivos sem importar-lhes de, no Artigo 8.º, aceitarem amesquinhar Portu-gal, enquanto Estado soberano. No Artigo 7.º, só recomendações para, como convêm, nada definir e nada ser impositivo não vá, desse modo, perturbar-se a vontade dos potentados do exterior, no caso, muito em particular a dos ianques; no Artigo 8.º toda a imposição para tudo aceitar, no caso, a dos potentados francês e germânico que, pura evidência, do-minam a União Europeia. O prato das lentilhas pode muito!

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De facto, porquanto não pode haver margem para dúvidas, a dependência político-económica do país é uma realidade indubitável e o seu problema político mais influente, contudo, na letra da actual Constituição da Repú-blica, ao contrário do que devia ser, não é formal, convincente e decidi-damente condenada e, também, em nenhuma das suas disposições há uma qualquer formulação, taxativa quanto baste, da determinação inquestio-nável de tudo dever fazer-se para o seu completo impedimento. No seu Artigo 9.º está escrito que são tarefas fundamentais do Estado, entre várias outras, a de “garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam”. Desde logo garantir é muito diferente de estar obrigado e, depois, criar as condições nada diz sobre a imposição estrita de criá-las e, por igual, de criá-las em que prazo e, sobretudo, com que dimensão. E quais destas condições e dos seus resultados, tantos anos passados, já foram vistos ser implemen-tadas e, também, como muito interessa, se foram implemenimplemen-tadas com carácter absoluto e irreversível?

Como é fácil observar-se, a Constituição da República Portuguesa contempla tanto os direitos formais como, também, aposta – e aposta com muita ênfase – na enunciação dos direitos sociais promocionais. Se, por um lado, não pode aceitar-se – e muito bem – que a perenidade e a garan-tia dos primeiros possa sofrer quaisquer restrições, antes pelo inverso, em quaisquer condições, até deverão de ser objecto de todos os reforços e de possíveis ampliações, por outro lado, os direitos sociais promocionais, ao contrário dos formais, não estão total e inequivocamente assegurados e, a avaliar por quanto é dedutível do texto da actual Constituição portuguesa, ao contrário do mais desejável, acontece-lhes ficarem entregues ao sabor das conveniências estratégicas e tácticas das maiorias parlamentares, isto para não falar do poder decisivo – o alvedrio – que faz sentir-se das inge-rências alienígenas. A incongruência é evidente e a bastante para classifi-car mal o regime político em que temos de viver. Democrático é que, de verdade, não pode chamar-se-lhe.

Esta circunstância inaceitável só pode demonstrar que não foi atingido o objectivo constantemente anunciado de viver-se em Democracia. Em

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primeiro lugar, por não ser possível que, de facto, os primeiros direitos possam considerar-se como realizados quando os segundos não tenham conquistado todas as posições e garantias que a civilização democrática actual tem de exigir. Em segundo lugar porque os segundos daqueles direitos só podem ter a sua concretização plena e efectiva quando os primeiros forem uma realidade e, na verdade, nestes últimos, há aspectos muito importantes em que o não são. Por exemplo, quem é eleitor não pode ser eleito caso não pertença ou tenha o favor de um partido político, isto é, de quem nele manda, de quem, em última análise, de fora tudo nele decide. Outro exemplo, aliás já atrás referido, é o da inexistência de círculos eleitorais uninominais, uma circunstância que é mais outro con-dicionalismo a funcionar como uma amputação – uma castração – da livre iniciativa política dos Cidadãos, enquanto individualidades. A este propósito deve citar-se uma autoridade na matéria como é o Professor Bernardino Bravo Lira, da Universidade do Chile que escreveu “E – o

que é a chave do sistema – o eleitor depende do eleito. Como sabemos

deve-lhe uma submissão incondicional, ainda que tenha votado por

outro ou que nem sequertenha votado” e, logo em seguida, cita que “na

expressão deDuverger só se pede aos cidadãos que repartam as cartas e

designem os jogadores, ao mesmo tempo que são excluídos do jogo”. Se os artigos da Constituição atinentes à organização do poder político e, muito em especial, aqueles que dizem respeito aos Órgãos de Sobera-nia tivessem sido redigidos com a imprecisão que sobressai da leitura daqueles outros destinados à salvaguarda dos direitos e deveres económi-cos, dos direitos e deveres sociais e, também, dos direitos e deveres culturais ver-se-ia como era impossível a organização do Estado. Se, à semelhança com quanto consta para esses direitos e deveres promocio-nais, para aqueles outros referentes aos Órgãos de Soberania, os termos das suas definição, eleição, elegibilidade, candidatura, data da eleição, competências, etc., etc., tivessem sido contemplados com, apenas, o mesmo cuidado oferecido àqueles direitos promocionais, então, como funcionaria o estado? Estaria escrito, por exemplo, que o Estado Portu-guês tem o direito de ter um Presidente da República, que deve ter uma Assembleia Legislativa, que é preconizada a existência de um Governo, ou que, mais outra hipótese, é promovida a existência de Tribunais, em suma, direitos que deverão – apenas, deverão – ser assegurados pelo Estado ao qual incumbe a sua promoção – apenas a sua promoção! Que razão haverá para que todos os direitos sociais, em última análise,

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este-jam dependentes da vontade programática mais ou menos interveniente do Legislativo e do Executivo Nacionais e só aqueles outros dos direitos de primeira geração estejam submetidos – e muito bem – ao rigor e à precisão quase milimétrica de um lote imenso de artigos constitucio-nais? Se os limites determinados pelas maiorias parlamentares, ou pelos Governos, para o direito à assumpção dos benefícios da Educação, da Saúde, do Trabalho, da Segurança Social, da Justiça, da Cultura e da Habitação, entre nós, podem ser objecto circunstancial de avaliação, redução ou aumento, então, por exemplo, aqueles de liberdade de opi-nião, de reunião ou de associação – para citar só uns – também poderiam estar sujeitos a condicionantes idênticas e, desta maneira, qualquer maioria legislativa determinar a sua redução ou aumento, mesmo à revelia de uma declaração prévia dos estados de sitio ou de emergência. Que razões haverá para tantas contradições? Onde está a equidade? “O que parece esgotado não é o Estado, naturalmente, mas sim as suas formas constitucionais que o mantêm enclausurado segundo esquemas

mentais do século XVIII”, como, assim, foi escrito pelo Professor

B. Bravo Lira e vem inserto na «Teoria do Estado Contemporâneo», de Fevereiro de 2003.

No caso de uma maioria parlamentar absoluta constituída à custa de um só partido, o que, no caso português, como regra, não será mais que um facto meramente circunstancial e excepcional, seja como for, não devia poder autorizar-se que prosseguisse com efeitos políticos durante quatro anos sucessivos sem ser sujeita a verificações intercalares, por si, capazes de poderem aferi-la. Na situação de ditadura – não pode dar-se--lhe outro nome – de uma maioria absoluta formada à custa de um só partido político, a Presidência da República, na ausência de qualquer aferição eleitoral intercalar e para, pelo menos, protecção dos seus pró-prios eleitores, deveria vetar a promulgação de “qualquer decreto” para além daqueles já previstos no número 3 do Artigo 136.º, “bem como dos que respeitem” às suas alíneas a), b) e c) para saber da possibilidade, ou não, de, na circunstância, mercê dalgum acordo parlamentar negociado, poder vir a verificar-se uma nova aprovação, agora, tornada realmente válida por ser a deliberação de uma maioria de dois terços dos deputados parlamentares que não, pelo poder discricionário de uma maioria dos deputados de um só partido, esses mesmo, como regra, coagidos a votar em uníssono pela força da disciplina partidária imposta pelo “chefe”.

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