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PRÁTICA DOCENTE: O IMPACTO DO PROGRAMA INSTITUCIONAL EM UM COLÉGIO PRIVADO DE REDE DO SUBÚRBIO CARIOCA.

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PRÁTICA DOCENTE: O IMPACTO DO PROGRAMA INSTITUCIONAL EM UM COLÉGIO PRIVADO DE REDE DO SUBÚRBIO CARIOCA.

Angela Iório Isabel Lelis PUC-RIO - Departamento de Educação CAPES Os dados apresentados neste trabalho são fruto do recorte de uma pesquisa de mestrado concluída no ano de 2012 e que dizem respeito ao impacto do programa institucional na prática docente de oito professoras do primeiro segmento do ensino fundamental (1º ao 5º anos) que trabalham num colégio de rede privada de ensino localizado na zona norte do Rio de Janeiro e que atende a nova classe média1.

A investigação incide, particularmente, sobre as condições de trabalho das professoras, o impacto do programa institucional em suas práticas pedagógicas e na forma como se processa o desenvolvimento profissional.

A sala de professores do primeiro segmento do ensino fundamental foi o lócus privilegiado da pesquisa. A partir das observações realizadas neste espaço e de entrevistas realizadas com as professoras foi possível apreender dados da realidade investigada e compreender a dinâmica da relação entre pares neste espaço intramuros da escola, e sua influência na prática docente e, consequentemente, no processo de desenvolvimento profissional.

Quanto à escola investigada, foi fundada na década de noventa, embora a rede de ensino exista desde os anos 60. Possui uma ampla área construída, com três grandes prédios, onde funciona a educação básica e um prédio anexo de três andares onde foi criado um centro de excelência para os alunos do ensino médio com bom rendimento escolar.

A seleção dos sujeitos da pesquisa atendeu a alguns critérios, como: lecionar no turno da tarde, frequentar a sala de professores, se disponibilizar a participar da pesquisa.

Após dois meses de imersão no campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o objetivo de conhecer mais profundamente o perfil social das professoras, a escolha pela profissão, o ingresso na carreira docente, as relações com os pares e outros atores da comunidade escolar, a percepção sobre os colegas de profissão, e os projetos futuros.

Alguns autores destacam a importância do momento de entrada na profissão e o tipo de escola na qual se começa a trabalhar como elementos determinantes na construção das profissionalidades docentes (TARDIF, 2002; NÓVOA, 2009) e nos modos de socialização e

1 Segundo Amaury de Souza e Bolívar Lamounier (2010), a ampliação do mercado de trabalho e a elevação de renda do trabalhador brasileiro fez surgir uma “nova classe média”, da qual fazem parte os trabalhadores da antiga Classe C, pertencentes aos setores populares da sociedade. Para Jessé de Souza (2010), essa “classe batalhadora” “parece se definir como uma classe social com relativa pequena incorporação dos capitais impessoais mais importantes da sociedade moderna, capital econômico e capital cultural [...]. Essa nova classe social logrou ascender a novos patamares de consumo a custo de extraordinário esforço e sacrifício pessoal.” (Jornal Le Monde Diplomatique Brasil, Nov. 2010, p. 06-07)

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desenvolvimento profissional destes agentes (DUBET, 2002; DUBAR, 1997; JABOIN, 2003; SETTON, 2008; VAN ZANTEN, 2009).

Alguns autores serviram de interlocutores da pesquisa, dentre os principais destaco, Telmo Caria (2007) com a discussão acerca da cultura escolar, em diferentes espaços de interação, dentre eles a sala dos professores. Caria é o único autor que aborda alguns aspectos sobre esse espaço institucional. Dubar (1997), Dubet (2002), Setton (2008) na perspectiva da socialização profissional e profissionalidade docente; Canário (2001) e Nóvoa (2009) com os estudos sobre a escola e a prática docente; Tardif e Raymond (2000) nas análises sobre saberes, aprendizagens e formação profissionais, e os desafios do ofício docente na contemporaneidade; Dalila Oliveira e Ada Assunção (2009) que enfatizam a intensificação e precarização do trabalho docente.

A partir do mergulho nestes referenciais e das análises do material coletado, surgiram alguns eixos para pensar a profissão docente. De um lado, evidenciou-se a precarização do trabalho docente neste tipo de rede privada de ensino, em decorrência dos baixos salários, da intensificação do trabalho, da ausência de formação continuada das professoras, de uma estrutura que não favorece o partilhar dos saberes da profissão.

Uma das razões destacadas por Van Zanten (2009) que impacta a prática profissional é a reduzida autonomia que dispõe o professor nas organizações escolares. Este aspecto ficou bastante evidenciado neste trabalho, em função dos dispositivos de regulação no cumprimento de prazos, e de controle da prática docente, uma prática extremamente vigiada, orientada por manuais pedagógicos e softwares educativos.

Durante o processo de imersão no campo pude perceber os efeitos perversos da mercantilização da educação. Esta rede privada de ensino tem sua estrutura pautada em dispositivos de controle e regulação, que subjugam o professor a um conjunto de instrumentos, técnicas, procedimentos que inibem a criatividade, a autonomia e obscurecem a individualidade e singularidade do docente.

Para Stephen Ball:

O mercado educacional tanto des-socializa, quanto re-socializa; cria novas identidades e destrói a sociabilidade, encorajando o individualismo competitivo e o instrumentalismo. Os espaços nos quais são possíveis a reflexão e o diálogo sobre os valores são eliminados. (2001, p. 107-108)

Neste tipo de rede privada de ensino a educação é balizada por indicadores de desempenho, tanto em termos de produção docente, como discente, de acordo com os rankings de desempenho no ENEM2, e não orientada para atender aos interesses e às necessidades de

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O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi um tipo de avaliação criada em 1998 pelo Ministério da Educação (MEC), utilizada como ferramenta para avaliar a qualidade geral do ensino médio no Brasil. Posteriormente, o exame começou a ser utilizado como exame de acesso ao ensino superior em universidades públicas brasileiras através do SiSU (Sistema de Seleção Unificada, e atualmente é utilizado por algumas instituições privadas.

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professores e alunos. À dinâmica desse processo subjaz um currículo oculto onde a natureza das relações sociais, em especial a relação entre pares, são desafiadas pelas forças e micropráticas do mercado.

Outro aspecto evidenciado nestas análises, e que também faz parte do currículo oculto da instituição, é o local destinado ao professor – a sala de professores. Esse espaço tem muito a dizer sobre a concepção de professor e sobre a importância deste profissional na escola para os gestores/proprietários da escola.

Segundo Caria (2000), a sala de professores deveria ser um lugar privilegiado de coletivização do trabalho dos professores, e também de informalização e internalização das atividades deste grupo, entretanto o que foi observado é um espaço destituído do seu papel, descaracterizado da sua função, des-propriado do seu público.

Na verdade, esse espaço, neste colégio, não se destina a promover o partilhar de saberes e experiências, tampouco oportuniza a integração social da profissão; também não se restringe só ao encontro dos docentes e nem é reservado para assuntos propriamente pedagógicos, pois nele circulam e permanecem vários outros profissionais que compõem o quadro da instituição, não necessariamente ligados à estrutura técnico-pedagógica.

Por essa perspectiva, quase podemos afirmar que, a sala dos professores é uma das expressões das condições de trabalho destes agentes, e, certamente, tem impacto na construção de suas trajetórias, ajudando a compor a lógica da instituição e do trabalho pedagógico nela realizado.

A rede privada de ensino: a teia que permeia essa engrenagem

A instituição investigada integra uma rede privada de ensino, composta por várias unidades de ensino, distribuídas geograficamente por toda a cidade do Rio de Janeiro. Esta rede iniciou suas atividades com um colégio na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, desde então se encontra em franca expansão e se mantém no mercado educacional brasileiro, atende a um público diferenciado com mais de dez mil alunos distribuídos por toda a rede, com duas escolas de atendimento social com, aproximadamente, mil alunos carentes.

Essa rede de ensino tem sua prática pedagógica orientada por grandes por grupos educacionais3 que oferecem todo tipo de materiais instrucionais, na forma de livros, apostilas e softwares, além de consultorias empresariais na área. Como afirma Oliveira (2009), essas são as facetas da mercantilização da educação, fruto da acentuada transformação no panorama educacional em escala mundial. A escola não é mais a única responsável pela produção do seu

3 Estes grupos educacionais surgem no início do século XXI, inicialmente com uma instituição de ensino superior Faculdade Xenofonte (nome fictício) e alavanca sua estrutura com a compra de diversas instituições de ensino que decretavam falência, ampliando assim sua atuação no mercado educacional e vendendo seu sistema de ensino para diversas instituições privadas. (Oliveira, R., 2009)

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material didático-pedagógico, mas conta com o apoio de empresas para produzir o seu conteúdo pedagógico e orientar a forma como este deve ser ensinado ao aluno. Cabe ao professor executar o programa e seguir as orientações dos “manuais pedagógicos”.

Nóvoa (1999) considera que a pobreza atual das práticas pedagógicas, que estão fechadas numa concepção curricular rígida e pautadas por livros e materiais escolares produzidos e concebidos por grandes empresas, num modelo estritamente comercial, é uma das faces perversas dos discursos científicos e pedagógicas produzidos nas comunidades acadêmicas e nas instituições de ensino superior que acabam por desapossar o professor dos saberes docentes.

Estratégias Metodológicas: As observações

As observações foram feitas, principalmente, na sala de professores, especialmente antes do início das aulas, momento em que as professoras se reuniam para almoçar; no horário do recreio, embora o recreio tivesse horário diferenciado para cada turma, mas era um momento de interação entre a pesquisadora e a professora; e no horário de saída das professoras, quando se reuniam para receber algum informe da coordenação e/ou pegar seus pertencentes.

A partir das observações diretas foi possível apreender a realidade estudada e compreender a forma como as relações se estabeleciam no campo investigado, a dinâmica dessas relações e traçar uma análise dos fatores organizacionais da escola, o que possibilitou uma análise densa dos efeitos do clima escolar no desenvolvimento pessoal e profissional das professoras.

As entrevistas: desvelando os sujeitos

As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro semiestruturado, abordando os seguintes aspectos: caracterização da entrevistada (nome, idade, tempo de experiência profissional, tempo de trabalho na escola); a formação (inicial, continuada e em serviço); o trabalho docente (motivo de escolha pela profissão, as facilidades e dificuldades cotidianas, o sentimento em relação ao trabalho, etc.); as parcerias e isolamentos (o apoio dos pares, o clima escolar, a integração entre os professores, projetos futuros).

Todas as entrevistas foram feitas no colégio, em horários acordados com as professoras, geralmente no horário do recreio ou nos tempos livres, durante as aulas extras dos alunos – inglês e educação física. A maioria das entrevistas foi realizada na sala de aula da professora e duraram, em média, quarenta minutos. As professoras pareciam estar confortáveis durante a entrevista e animadas com a possibilidade de falar sobre a profissão.

Quanto à análise das entrevistas, privilegiei o discurso das entrevistadas. Para atingir este objetivo todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. As transcrições foram lidas e relidas, a fim de estabelecer uma familiaridade maior com os dados. Na

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perspectiva de Michelat (1987), uma análise interpretativa bem feita só é possível se mantivermos a lógica do entrevistado, ou seja, o sistema de relações por ele estabelecido.

O grupo pesquisado é constituído de oito professoras, na faixa etária que varia entre 27 e 39 anos de idade.

No que se refere ao tempo de experiência docente, sete professoras possuem nove ou mais anos de magistério, com exceção de uma professora com apenas três anos, fruto de uma nova escolha profissional. Das oito professoras investigadas, sete professoras trabalham apenas nesta rede privada de ensino, duas em dois turnos nesta mesma unidade e uma em dois turnos, pela manhã em outro colégio desta mesma rede na zona oeste da cidade. A professora de inglês é concursada e leciona também num colégio estadual do Rio de Janeiro.

O magistério ocupa a vida dessas professoras, que, majoritariamente, aderiram à docência como seu único meio de trabalho.

Quanto à renda salarial bruta, sete professoras exercem seu ofício apenas nesta rede de ensino, quatro delas trabalhando em dois turnos (manhã e tarde), o que garante uma renda mensal em torno de quatro a cinco salários mínimo e lecionam, em média, de vinte a quarenta horas semanais.

Em relação aos salários, elas consideram que recebem de acordo com a média salarial dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental e todas declararam estar satisfeitas com a profissão. Também pretendem investir na carreira docente fazendo cursos de pós-graduação. No momento reclamam da falta de tempo para investir na formação continuada e da falta de apoio da escola.

O salário bruto das professoras nesta rede privada de ensino era de R$ 919,004 (novecentos e dezenove reais), um pouco acima do piso salarial para a carga horária de 4 horas e 30 minutos de trabalho.

Apesar de reconhecerem que os rendimentos recebidos estão na média do mercado, é notória a insatisfação com o salário recebido. Em vários momentos, as professoras verbalizavam a impotência de realizar alguns de seus projetos em função do baixo salário docente. Geralmente, nas discussões sobre a nova temporada de shows na cidade, ou sobre um novo tratamento estético, ou ainda, no planejamento da viagem de férias, eram frequentes os argumentos “não posso porque não ganho para isso” ou “professora, não pode!”.

A afirmação da professora Leandra expressa sua insatisfação com o salário e com o desprestígio da profissão:

O que nos assusta é a falta de valorização que a profissão vem recebendo por parte da sociedade caótica que temos vivido, os baixos salários, a falta de prestígio [...]. Creio que muita coisa deve ser repensada, mudada, para que a instituição escolar saia dessa passividade.

4 Ano base: 2011.

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A professora Margareth também afirma a sua insatisfação com o baixo salário:

[...] Eu amo o que eu faço, eu gosto, se não gostasse eu já teria saído há muito tempo, porque pelo salário eu não estaria aqui.

E a professora Doralice reforça:

[...] É um grupo que luta com esperança em prol da nossa profissão, apesar dos baixos

salários.

A insatisfação dos docentes com os baixos salários é histórica. Vicentini e Lugli (2009) apresentam no livro sobre a história da profissão docente no Brasil, diversos períodos em que os professores mostraram indignação com o salário recebido, em manifestações da categoria, como os movimentos grevistas por melhores salários, o que vem desencadeando há algumas décadas, a reduzida adesão à profissão docente e a baixa procura pelos cursos de formação de professores. É preciso considerar que a remuneração recebida pelo exercício do magistério expressa, historicamente, o valor da docência, inclusive, em termos de reconhecimento simbólico.

A pesquisa realizada por Lelis, Iório e Mesquita (2011), em instituições privadas destinadas aos setores populares da sociedade, evidenciou o distanciamento existente entre os professores que trabalham neste tipo de estabelecimento de ensino e os professores da rede pública, que prestaram concurso para o ingresso na carreira, e daqueles docentes que estão imersos nas escolas destinadas às camadas mais privilegiadas da sociedade. Em comparação a esses docentes, as professoras deste Colégio representariam a precarização e intensificação do trabalho docente se pensarmos na falta de condições favoráveis de trabalho – baixos salários, dispositivos de regulação e controle, programas prescritos, métodos de instrução minuciosamente programados, ausência de formação continuada.

A precariedade na formação dos professores é um dos elementos responsáveis pela perda de prestígio da profissão. Logo, iniciativas de formação continuada dos professores em exercício são alternativas de valorização do magistério e determinantes no desenvolvimento profissional docente.

Nenhuma das professoras investigadas possui pós-graduação e nem curso de atualização ou especialização. Elas alegam não ter tempo para realização de cursos de formação continuada fora da instituição em que trabalham. O colégio oferece, em média semestralmente, alguns cursos com a finalidade de viabilizar a melhor aplicação do manual pedagógico fornecido pela rede privada de ensino, na sede central da instituição. As professoras consideram esses cursos como atividades de formação.

A formação é dos elementos constitutivos do desenvolvimento profissional que interfere no crescimento dos professores, em sua prática pedagógica e em sua função como docente.

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Devemos considerar que, esse processo de formação docente é permanente e agrega uma série de elementos que colaboram para a definição da identidade profissional.

Como afirma Cunha:

Estas reflexões têm motivado pensar que a formação de professores, de uma forma muito mais ampla, constitui-se num processo de desenvolvimento profissional emancipatório e autônomo que incorpora a ideia de percurso profissional, não como uma trajetória linear, mas, como evolução, como continuidade de experiências, marcada por fases e momentos nos quais diferentes fatores (sociais, políticos, pessoais, familiares) atuam. (2010, p. 135)

São professoras que abraçaram a profissão, segundo elas, por vocação. A maioria planeja continuar lecionando enquanto tiver vitalidade, outras até a aposentadoria. A escolha pelo magistério foi a única opção dessas professoras, que, em sua maioria, não pretendem mudar a opção profissional. O magistério ainda se mantém como projeto futuro.

O impacto do Programa Institucional

O ambiente de trabalho neste colégio se assemelha mais a um estabelecimento empresarial, que precisa dar lucro, com estratégias operacionais muito bem demarcadas para atender às exigências do mercado. No próprio discurso do seu criador, diretor geral da rede, a terminologia utilizada é específica do mercado empresarial.

Nós somos o maior grupo com o maior segmento da educação infantil até o ensino médio. Prá você ter uma ideia da minha ousadia, eu chamo de ousadia porque eu

ganhei (...) na escola. (Grifos da autora)

Esse modelo empresarial do estabelecimento de ensino, no ‘molde’ do neoliberalismo, põe fim ao plano de carreira, à estabilidade, à organização sindical, ao trabalho coletivo, e coloca em evidência a competitividade, a fragmentação das relações pessoais, a organicidade da produção e o estímulo ao individualismo e ao mérito pessoal.

As professoras precisam cumprir rigorosamente todas as datas determinadas pelo colégio para realização das atividades presenciais e online; seguir os manuais pedagógicos que são utilizados em toda a rede; corrigir atividades dos alunos online e presenciais; utilizar o portal de acesso aos projetos educativos produzidos em parcerias com grupos educacionais diariamente, e são premiados por isso.

As anotações do meu diário de campo registram:

A premiação pelo número de acessos ao portal5 é descriminada num pôster, preso no quadro de avisos da sala de professores, com a foto da professora e um número que indica a quantidade de vezes que ela acessou o portal naquele mês, onde se lê a frase “Campeã de acessos ao Portal no mês de setembro – 3.000 acessos”. Logo abaixo, o

ranking com a classificação das demais professoras, em ordem decrescente, certamente,

vistas como menos competentes e compromissadas. (Diário de Campo: 01 ago. 2011)

5 Neste portal, na internet, a professora acessa todos os projetos que deverão ser desenvolvidos pelos alunos durante o mês. A professora precisa acompanhar e avaliar a participação dos alunos diariamente. O número de acessos ao Portal define o comprometimento da professora com o projeto.

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Esse processo de regulação do trabalho, que se expressa sob a forma de julgamentos, comparações, controle é denominado por Ball (2004; 2005) de tecnologia da performatividade. Esse método de medição de desempenho profissional, individual ou coletivo, serve como um parâmetro para medir a produtividade e a qualidade do trabalho, além de ser uma forma de concessão de promoção por mérito, pois avalia, de forma comparativa, o desempenho profissional e o valor de cada indivíduo na instituição.

A intensificação do trabalho docente (HARGREAVES, 1998; MAROY, 2006; OLIVEIRA & ASSUNÇÃO, 2009), fruto do rigor e das constantes cobranças da gestão provoca a degradação do trabalho não só em termos da qualidade da atividade docente, mas também em relação à qualidade do serviço que é produzido. “Confrontados com a falta de tempo, os trabalhadores limitam a atividade em suas dimensões centrais, que seriam manter o controle da turma e responder aos dispositivos regulatórios.” (Oliveira e Assunção, 2009, p. 366).

À guisa da conclusão

Partindo desta perspectiva, as professoras perpetuam e mantêm a cultura institucional deste estabelecimento de ensino. Talvez, essa adaptação oculte um dispositivo de defesa, na tentativa de minimizar conflitos e indisposições coletivas.

O percurso profissional dessas professoras não otimiza espaços de autonomia e criação, ao contrário, impõe rotinas, controle e regulação, numa prática vigiada e subordinada a uma metodologia prescritiva, apoiada no uso dos manuais pedagógicos. Nesse processo fica evidenciado o desprestígio e desvalorização institucional do professor. Um profissional que está desconectado dos saberes da profissão, de suas certezas, excluído das decisões sobre seu trabalho e destituído da possibilidade de reflexão sobre suas práticas.

Um profissional, certamente, fragmentado. Essa cultura institucional performática afeta profundamente a percepção que o indivíduo tem de si mesmo e do próprio valor, e altera a forma como as relações se estabelecem no interior da instituição, estimulando o individualismo e a competitividade.

Essas professoras estão tão imbricadas nesta engrenagem que não conseguem se distanciar do contexto para ter uma visão da situação, de uma forma mais complexa e abrangente, nem dispõem de outros elementos para traçar novas linhas de ação para transformar a cultura escolar da instituição na qual estão submetidas, o que impacta, sem dúvida, a prática e o desenvolvimento profissional das professoras.

Como afirmam Tardif e Raymond, “compreender os saberes dos professores é compreender, portanto, sua evolução e suas transformações e sedimentações sucessivas ao longo da história de vida e de uma carreira; história e carreira que remetem a várias camadas de socialização e de recomeços.” (2000, p. 237)

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Essas professoras, neste estabelecimento de ensino, não estão construindo uma carreira, o colégio não oportuniza este desenvolvimento profissional, elas se limitam a exercer o ofício, um trabalho que responde às exigências e imposições contratuais.

Contrariando o pressuposto desses autores, a trajetória dessas professoras é marcada por um processo de permanente submissão às regras e aos dispositivos institucionais, e constrangimentos que as impedem de desenvolver um trabalho mais criativo e autônomo. Um custo muito alto, que elas arcam, pela necessidade de sobrevivência e pelo restrito campo de possibilidades profissionais que experimentam como docentes.

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Referências

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