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AS CONSTRUÇÕES APOSITIVAS E A SUSTENTAÇÃO DO PONTO DE VISTA

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AS CONSTRUÇÕES APOSITIVAS E A SUSTENTAÇÃO DO PONTO DE VISTA

Nilza Barrozo Dias – UFF

Introdução

Este trabalho compreende uma abordagem funcionalista de construções apositivas que possam apresentar uma interrelação com o movimento argumentativo de sustentação do ponto de vista. Analisaremos somente as construções cujas unidades apositivas sejam realizadas por oração, orações ou períodos e, a seguir, destacaremos para este trabalho aquelas construções que podem também expressar sustentação do ponto de vista argumentativo.

Nosso corpus é constituído de dados da escrita e da fala. Os dados escritos foram colhidos das secções “Ponto de Vista” e “Em foco” da revista Veja no período entre 1998 e 2004. Tais textos abordam uma variedade de temas e foram escritos por autores diferentes, o que resulta num material bastante heterogêneo e rico. Já para a análise do português falado utilizamo-nos de uma amostra, mínima, do Projeto Norma Lingüística Urbana Culta- NURC (o corpus compartilhado do Projeto da Gramática do Português Falado) e de entrevistas do Projeto de Estudos do Uso da Língua –PEUL/RJ. Acrescentando a esses dados estão as audiências de conciliação da Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor de Juiz de Fora-MG- PROCON/JF, da UFJF, coordenado pela Profa. Dra. Sonia B. Silveira.

1. Aposição

A unidade apositiva expande, clarifica a unidade base, ou seja, promove um maior detalhamento da unidade base de referência (Halliday, 1985). Esta pode se realizar como um sintagma, uma oração ou mesmo um período. Já a unidade apositiva selecionada para análise é expressa por oração, orações e períodos. Cabe lembrar que, nestas condições, a unidade apositiva(B) estabelece uma relação de correferencialidade com a primeira unidade(A), mas do ponto de vista do locutor, já que ele vê algo em comum entre as unidades A e B.

As construções apositivas podem apresentar-se de dois modos:1) a unidade apositiva é introduzida por conectores oriundos de verbos- isto é, ou seja, quer dizer e vale dizer ( exemplo 1)- ou por conector com pendor argumentativo- por exemplo; e 2) a unidade apositiva é introduzida por conector Ø. Neste caso, a unidade A apresenta algumas características peculiares: (a) as construções mais recorrentes, com um SN na unidade A numa relação catafórica com a unidade apositiva (exemplos 2 e 3); (b) a unidade A acumula funções de “pequena cláusula”, cuja realização se dá, normalmente, como predicado nominal ou um simples SN. Esse tipo é uma construção híbrida, uma vez que a unidade A também conecta porções do discurso; 3) a construção é ambígua, por ser semelhante às orações paratáticas, ou seja, há uma relação sinonímica bastante acentuada entre as unidades o que nos leva a certa dificuldade em identificar se é aposição ou se é coordenação (exemplo 4).

Podemos observar os exemplos abaixo.

(1) Inf.: bom...visita MESmo... a gente visita TÃO POUco hoje em dia e ainda ainda domingo passado ainda li no jornal um ertigo...não sei se vo/ se vocês leram..., a respeito justamente de negócio de visita, né...e ah::...a gente se encontra sempre todos os MEses nesse janTAR...com os amigos...quer dizer que POUco fora disso a gente não se encontra..(NURC)

(2) A pergunta pode parecer extravagante, mas o tema se situa na confluência de duas tendências atuais: a afirmação da hegemonia dos Estados Unidos e a perda de autonomia da política econômica brasileira, na seqüência de um movimento que restringe a soberania das nações nos quatro cantos do mundo. (VEJA,03/07/01)

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(3) MARA: agora deixa eu perguntar uma coisa ( ) ela é estudante vai se formar esse ano entendeu? ( ) eu quero saber se eu posso quitar isso aí (0.8) mas continuar com o processo (3.0) isso para não crescer, entendeu e continuar com o processo o [processo] (PROCON/JF.

(4) L2 não vá dizer muito manos agora porque com a criação do Bom preço uma cadeia de supermercado da qual você é assessor

L1 ((riu))

L2 eu vou dizer também vou fazer minha propaganda

L1 não não é questão de propaganda não ( D2 REC-05 – Recife)

Das unidades introduzidas por conector discursivo, somente algumas unidades apositivas com “por exemplo” podem apresentar-se como sustentação do ponto de vista. Das unidades introduzidas por conector Ø, aquelas que apresentam movimento argumentativo são: as construções como SN “o seguinte” na matriz e “a pequena cláusula”1, que é uma unidade A que acumula funções peculiares das unidades apositivas introduzidas por “quer dizer”. Para este trabalho, selecionamos algumas unidades apositivas introduzidas por “por exemplo” e a unidade híbrida “pequena cláusula”.

Meyer (1999) não considera a correferência como o único tipo de relação semântica entre as unidades da aposição. Ele cita outras relações semânticas referenciais: parte/todo, catafórica, sinonímica, hiponímica e atribuição; além das classes semânticas: identificação, exemplificação, particularização, paráfrase e autocorreção. Nogueira (1999) considera as classes semânticas como funções textual-discursivas. Dias (no prelo1) e (no prelo2) e Nogueira (1999) acrescentam a avaliação na aposição.

De acordo com White (2001), sentenças avaliativas são aquelas em que o posicionamento atitudinal do locutor indicará que alguma pessoa, coisa, situação, ação, evento ou estado de coisas é para ser visto e avaliado positivamente ou negativamente. A expressão da atitude do locutor pode ser marcada pela interação de múltiplos elementos, podendo se manifestar de forma implícita (a partir de pressuposições) ou explícita (a partir de marcas lingüísticas), o que poderá ocorrer através de várias pistas lingüísticas diluídas pelo texto.

Ainda segundo White (2001), o posicionamento atitudinal pode manifestar-se de três modos: o afeto(a avaliação da emoção do escritor ou falante em relação a pessoas, fatos, acontecimentos ou estado de coisas), o julgamento(o autor considera a avaliação do comportamento humano em relação a normas éticas ou regras e convenções de comportamento, tendo como ponto de referência o sistema de normas sociais) e a apreciação(a avaliação da forma, aparência, composição e impacto dos artefatos humanos, bem como do próprio indivíduo).

2. A Sustentação do Ponto de Vista Argumentativo

Com base na proposta de Vieira (2002), definimos, neste trabalho, argumentação como um processo dinâmico e interativo, mediante o qual são negociadas posições expressas ou inferidas. Esse processo que é constituído de movimentos argumentativos, realizados em unidades de construção de turno (UCT), fundamenta-se no trabalho de Schiffrin (1987:17-20). Vieira coloca como componentes da argumentação: a posição (“ponto de vista), a disputa e a sustentação do ponto de vista. Para efeito de análise, Vieira seleciona como objeto de estudo as seqüências argumentativas entendidas como os segmentos conversacionais em que um participante propõe uma posição e outro desafia a referida posição, podendo haver (ou não) movimentos de apoio neste jogo interacional.

No modelo argumentativo, temos a tese ou ponto de vista a ser defendido pelo falante, sendo composta por uma idéia (informações descritivas de situações, estados, eventos e ações

1

O nome “pequena cláusula” deve-se ao tamanho da unidade: geralmente, ela é uma estrutura com predicado nominal ou é apenas um nome, mas ambas expressam avaliação.

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no mundo) e pelo compromisso (alinhamento/postura/adesão) do falante com aquela “idéia”. A disputa refere-se a um desacordo em relação a uma posição ou a sua sustentação. E, finalmente, a sustentação é o componente destinado a apoiar as posições em disputa. Na sustentação do ponto de vista, temos a justificação, a explicação e a evidência empírica. Cada um desses atos de fala fornece informações através das quais o falante induz o ouvinte a tirar uma conclusão a respeito da aceitabilidade ou legitimidade da posição.

3. Aposição e Sustentação do Ponto de Vista: algumas análises

O conector discursivo por exemplo constitui um grupo à parte dos conectores, por ter origem no substantivo “exemplo”, no sentido de ser modelo de virtude (COSTA, 2008). A relação semântica estabelecida todo- parte é a mais comum, podendo ocorrer ainda as relações geral- específico e usual- incomum (COSTA, 2008). Embora reconheçamos as diferenças, optamos pela denominação todo- parte.

Dentre as funções semânticas encontradas, a exemplificação é a mais geral. As funções semântico-textuais identificadas na análise dos dados foram especificação, retomada, detalhamento e introdução de avaliação da situação anterior.

Além destas relações semânticas, observamos ainda o por exemplo funcionando como focalizador, quer como introdutor de aposição, quer em fronteiras de constituintes (Tarallo et al. 1996) em que haja ou não relação apositiva entre as unidades. O conector/ marcador discursivo “ por exemplo” pode ocorrer nas posições inicial e medial, quando introduz unidade apositiva; e nas fronteiras entre sujeito-verbo, verbo e complemento, e fronteira final dentro de uma oração, podendo, muito raramente, ocorrer relação apositiva. Na posição medial e nas fronteiras de constituintes, o “por exemplo” acumula a função textual- discursiva de focalizador. O exemplo abaixo representa uma ocorrência não-apositiva, em que “por exemplo” ocorre como focalizador em fronteiras de constituintes numa função catafórica.

(5) M: É? Não, eu costumo botar assim: para duas xícaras, por exemplo, de arroz, eu ponho uma xícara de água, por exemplo,

E: Você tem hábito d fazer comida pra você?, (PEUL/RJ)

No exemplo (5), o primeiro conector discursivo “por exemplo” está na posição medial. Podemos observar que toda a unidade depois de dois pontos funciona como uma explicação do SAdverbial assim, portanto, toda o elemento em negrito é uma unidade apositiva. O deslocamento de por exemplo da posição inicial ( antes de “para duas xícaras”) para a posição medial mostra que o locutor está querendo enfatizar a importância da medida na execução da receita. O mesmo acontece com o segundo por exemplo, que ocorre no final da fala do locutor, para destacar também a medida da receita e, ao mesmo tempo, não deixar o interlocutor se esquecer de que o tipo de medida é importante na referida receita.

O conector discursivo por exemplo apresenta uma certa mobilidade na sua posição na unidade apositiva: inicial e medial2, após um sintagma introdutor da unidade apositiva (posição mais comum nos dados, sobretudo escritos). Pode ainda ocorrer de a unidade introduzida por

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Assim sendo, de uns tempos para cá, começaram a proliferar as alegações de que tal produto de determinado país deve ser gravado por uma sobretaxa por ter sido mediante degradação do meio ambiente ou fabricado conforme “padrões trabalhistas”, ou de saúde pública, inferiores aos aceitáveis. A celulose brasileira, por exemplo, pode não obter um “selo ambiental” emitido por uma ONG financiada por produtores americanos. (Revista Veja)

No exemplo acima encontramos, no primeiro período, as considerações acerca de produtos oriundos de países em desenvolvimento, que têm problemas com a degradação do meio ambiente.No segundo período, temos o por exemplo na posição medial, após o SN a celulose brasileira, que faz parte, do ponto de vista textual- discursivo do primeiro período, mas que foi “deslocado”para o segundo período, por ser uma parte do todo exemplificado, cuja característica deve ser focalizada pelo conector por exemplo.

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“por exemplo” realizar-se como um período independente( na terminologia tradicional), mas com uma estreita relação semântica com a unidade anterior.

Podemos hipotetizar que a unidade apositiva introduzida por por exemplo possui uma função próxima à da sustentação de um ponto de vista defendido por um locutor ou jornalista, levando-se em consideração a adaptação dos movimentos argumentativos de Schiffrin (1994) e Vieira (2002). Na sustentação do ponto de vista, temos a justificação, a explicação e a evidência empírica. O que nos parece relevante destacar, na análise dos dados, é a evidência empírica que, na tradição dos estudos da argumentação, apresenta-se sob as formas de exemplificação, dados estatísticos e testemunhos. A evidência das provas tem sido considerada relevante na argumentação. O quadro I é uma adaptação da proposta de Costa (2008) e faz parte de Dias (no prelo2).

Quadro I: Movimentos argumentativos nas construções apositivas introduzidas por “por exemplo”

Construção apositiva Movimentos argumentativos

Unidade matriz “ponto de vista”

Unidade apositiva Sustentação:

a) Evidência empírica (dados e exemplos); b) Evidência narrativa; e

c) Evidência avaliativa. Observemos o exemplo abaixo.

(6)Davi: Não, não. Eu acampo adoidado. Aonde eu achar melhor e não for proibido a área, eu estou chegando. Negócio de camping eu não gosto muito não, por que tem muita formalidade assim não dá. Por exemplo, diz que tem um regulamento que dá hora da noite, todo mundo tem que ir descansar.

(PEUL)

No exemplo (6) temos o uso do conector discursivo por exemplo, introduzindo uma unidade apositiva separada por ponto. Notamos que há uma relação semântica “todo-parte” entre a unidade A (sublinhada) e a unidade apositiva (em negrito). Na primeira, o locutor fala da formalidade existente em campings de maneira geral e, na segunda, ele especifica o que seria essa formalidade, explicitando com apenas um exemplo: o regulamento. Ele, de fato, se posiciona contra o excesso de formalidade num camping. Para sustentar a defesa de sua idéia, ele aponta o regulamento que determina a hora de fazer silêncio para descansar.

(7) Mas as práticas tupiniquins também não passam de modelos importados-como, aliás, acontece em todas as partes. Por exemplo: os europeus copiam a pós-graduação americana.

No exemplo acima, temos uma relação semântica todo-parte: na unidade A, temos a importação de modelos; na unidade B, temos um exemplo que é a importação que os europeus fazem do modelo americano. A unidade introduzida por “por exemplo” vem como uma unidade separada, para que a informação particularizada fique “focalizada” . Nos termos de Lambrecht (1996), a unidade apositiva aponta para uma informação nova no nível textual- discursivo.

Paralelamente, podemos considerar que a unidade A constitui a idéia defendida pelo escritor, com um certo tom de deboche (tupiniquins) e a unidade apositiva em negrito constitui a sustentação da idéia defendida.

O segundo tipo selecionado é a “pequena cláusula”. Ela funciona como unidade A na construção apositiva e também apresenta características de uma unidade apositiva introduzida por conector discursivo oriundo de verbo, especialmente ou seja e quer dizer. Isto é, ela é

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híbrida, por ser unidade A, que acumula algumas funções de conector discursivo, especialmente a função textual- discursiva de avaliação.

Dias (no prelo1) e (no prelo2) identifica as seguintes características das “pequenas cláusulas”:

(i) a unidade apositiva poderá constituir-se de uma continuação da avaliação projetada na unidade matriz ; e

(ii) a unidade apositiva poderá constituir-se de uma série de argumentos que servem para convencer o interlocutor a participar da avaliação explicitada pelo locutor na “pequena cláusula”.

A “pequena cláusula” funciona como a centralizadora do processo de avaliação. O locutor poderá manifestar a sua atitude através do julgamento e da apreciação, que poderão antecedê-la e, mais raramente, sucedê-la. Mas a “pequena cláusula” funciona como um elemento conectivo, por ter comportamento semelhante aos conectores discursivos “quer dizer” e “ou seja”. Isto é, elas apresentam também função conectiva por juntarem a porção de informação que as antecede com a porção de informação que as sucede.

O exemplo abaixo, retirado de Dias (2008), reflete avaliação conclusiva na unidade apositiva introduzida por “quer dizer”, sendo que marcas lingüísticas da avaliação podem ser evidentes no decorrer da fala do locutor.

(8)Ah, mas até chegar no dia dessa cesária, esses quinze dias me parece que passou assim- parecia que era um século que nunca acabava de passar aquilo. E aquilo ali eu sofria com aquilo, não é? Porque eu vinha para o trabalho e ficava preocupado: Ela vai levantar da cama, ela não pode andar e tomando dezoito ampola de umas injeções lá que- que a doutora passou, porque era para a criança não ter problema respiratório porque ia sair antes do tempo. Então, foi um tratamento assim uma coisa! A doutora é muito boa, não é, a doutora Janete. Mas um tratamento assim, eu tinha que- seis hora da manhã, injeção, meia-noite, injeção, meio-dia tinha que ir um cara ir aplicar a injeção. Quer dizer, eu ficava doido... (PEUL/RJ.Dav)

Temos a função textual avaliativa expressa na cláusula apositiva em posição final – que ainda comparece desgarrada3, em relação a toda a informação textual-discursiva que a antecede. Além da avaliação, podemos considerar a conclusão da informação veiculada. O posicionamento atitudinal negativo pode ser observadas nas marcas lingüísticas manifestas através de verbo de emoção (sofria) e de qualificadores (preocupado e doido) que colaboram para o julgamento negativo do tratamento médico ( White, 2001).

Aplicando a proposta de Traugott & Darhen(2002), podemos considerar na análise tanto de “por exemplo” quanto das “pequenas cláusulas” mecanismos internos de mudança sintática: reanálise e extensão (CAMPBELL & HARRIS (1995) e de mecanismos de mudança semântica: metonímia conceptual e metáfora

Observemos o quadro abaixo constante em Dias (no prelo1) e (no prelo2).

Quadro II: “Pequena cláusula” e movimentos argumentativos Construção apositiva Movimentos argumentativos

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Unidade matriz- “pequena cláusula”

“ponto de vista”

Unidade apositiva Sustentação

a) Evidência empírica (evidências/dados estatísticos); e

b) Evidência avaliação (julgamento/ apreciação) Se considerarmos a proposta de conectores textuais abaixo

(...) expressões que funcionam em bloco, como expressões já ( total ou parcialmente ) lexicalizadas. São expressões que balizam o discurso, que orientam na interpretação, salientando, retomando, explicando determinados conteúdos ou apelando para a atenção do interlocutor para que o contato não se perca.(...) Eles podem estabelecer a ligação entre segmentos maiores ou menores. (KOCH & VILELLA, 2002),

poderemos observar que as “pequenas cláusulas” poderão ser reanalisadas como um elemento conector, tal como ocorrer com “quer dizer” e “ ou seja”, se elas expressarem a avaliação do falante. Como decorrência da analogia que se estabelece entre a avaliação dos conectores discursivos oriundos de verbo e as “pequenas cláusulas”, o falante/escritor considerará, por extensão, a função conectiva nas “pequenas cláusulas”.Temos um caso de significado que emerge pragmaticamente(TRAUGOTT (2006) e que desencadeia uma nova função para um tipo específico de unidade A nas construções apositivas introduzidas por conector Ø.

O exemplo (9) ilustra este tipo de ocorrência.

(9) O racismo é uma falha moral. É uma atitude consciente de menosprezo racial e intelectual. O ponto moral é simples: negros foram trazidos para o Brasil e aqui mantidos à força, por mais de três séculos. (VEJA-03/12/03)

No exemplo acima, a unidade A retoma toda a porção de informação que a antecede, expressando uma avaliação feita pelo escritor, que faz um julgamento do lado moral do racismo. A unidade apositiva dá sustentação à avaliação do escritor, expressa na unidade A. Este modo de introjetar-se no texto, explorando uma avaliação/julgamento constitui um mecanismo muito usado pelos falantes nas estruturas apositivas com conectores discursivos oriundos de verbos. Notamos que há um julgamento porque o locutor faz uma avaliação do racismo considerando os aspectos morais que estão ligados a ele , ou melhor, a falha moral - os negros foram obrigados a permanecer no Brasil. Além disso, “O ponto moral é simples” funciona também como um conector por juntar a informação que a antecede com aquela que a sucede, centralizando e corporificando a fala do escritor.

O exemplo (10) representa mais um caso de “pequena cláusula”.

(10) Essa situação é absurda, mas inevitável quando se tem um déficit fiscal, como ainda temos, e um longo histórico de responsabilidade nesse domínio. Assim sendo, a regra de ouro para reduzir os juros é simples: aumentar o superávit primário. Ou seja, trata-se de usar o produto da “economia” gerada pela redução dos juros para abater dívida pública, em vez de usar o produto da mesma maneira que se fazia com o dinheiro das privatizações.

Conclusão: passadas a estabilização e as crises externas, e observado que a esquerda no Brasil não tem nada de revolucionária, os juros, agora sim, têm muito espaço para baixo, uma vez obedecida a regra de ouro acima explicada.(VEJA, 11/12/2003)

A “pequena cláusula” sublinhada constitui a unidade A, funcionando como elemento base de referência. A unidade apositiva em negrito detalha, torna mais clara qual é a conclusão. Ainda a “pequena cláusula” funciona como uma construção híbrida porque, embora seja uma unidade A, cuja unidade B é iniciada por conector Æ, aquela também apresenta características de uma unidade apositiva introduzida por conector discursivo oriundo de verbo- quer dizer. Ela conecta as informações que a antecedem com aquelas que a sucedem. Já a unidade apositiva

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constitui uma justificativa que sustenta a informação contida na unidade A, “conclusão”, expressando a opinião do autor a respeito da situação do Brasil por ele comentada anteriormente.

Algumas Considerações Finais

As construções apositivas expressam “a correferência do ponto de vista do locutor”, por considerarmos que há um ponto em comum entre as unidades constituídas por orações e períodos. Além disso, compartilham, de certo modo, relações e classes semânticas, embora reconheçamos que algumas relações são peculiares de um certo subtipo de aposição, enquanto as classes semânticas podem ser mais diluídas.

A função textual-discursiva “avaliação(conclusiva)” tem ocorrido em alguns tipos de construção apositiva, especialmente naquelas iniciadas por “quer dizer” e “ou seja” (mais raramente “isto é”). Encontramos também a avaliação nas “pequenas cláusulas”, que, por serem híbridas, funcionam como unidade A e acumulam a função conectiva peculiar dos conectores discursivos oriundos de verbos.

A sustentação do ponto de vista argumentativo pode ser observada nas unidades apositivas em negrito, enquanto o ponto de vista defendido pelo locutor é coincidente com a unidade A. Mas a sustentação, diferente de Vieira (2002), poderá ocorrer através de evidências empírica e avaliativa nas unidades introduzidas por “por exemplo” e na “pequena cláusula” e como evidência narrativa apenas na unidade apositiva introduzida por “por exemplo”.

Referências

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DECAT, Maria Beatriz N. Por uma abordagem da (in)dependência de cláusulas à luz da noção de “unidade informacional”. In: Scripta. Belo Horizonte. Volume 2, no. 4, p.23-28.1999. DIAS, Nilza Barrozo.Cláusulas apositivas “desgarradas”em português: estatuto sintático- discursivo. In: Conexão de orações. Revista Veredas, vol. 8, números 1 e 2. Editora da UFJF, p. 63-78, 2005.

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