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BRASILEIROS EM UMA COLÔNIA PARA IMIGRANTES: UM ESTUDO SOBRE ASSUNGUI, PROVÍNCIA DO PARANÁ

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BRASILEIROS EM UMA COLÔNIA PARA IMIGRANTES: UM ESTUDO SOBRE ASSUNGUI, PROVÍNCIA DO PARANÁ

Angela Caroline Szychowski (Mestrado em História - UFPR) Orientadora: Profª Drª Joseli Maria Nunes Mendonça

Palavras-chave: Colonização, Colônia Assungui, brasileiros.

Uma colônia para estrangeiros

Em meados do século XIX, devido principalmente a pressões externas, os discursos abolicionistas ganhavam cada vez mais força. Enquanto São Paulo sofria com a eminente abolição do trabalho escravo e com a falta de mão de obra para os latifúndios devido ao fim do trafico negreiro, no Paraná a preocupação das autoridades estava ligada a falta de mão de obra para o desenvolvimento da lavoura e à necessidade de ocupação de espaços agrícolas. Então, a imigração passa a figurar como a solução para essa carestia. Além da questão do desenvolvimento da lavoura e da ocupação dos espaços considerados vazios demográficos, as fontes nos permitiram caracterizar ainda outro tipo de imigração desejada na província paranaense e pouco trabalhada pela historiografia: aquela na qual os imigrantes viriam para cá para trabalhar na construção de estradas, tão caras ao desenvolvimento da província e também à fixação desses estrangeiros, que precisavam dos salários recebidos nesses trabalhos para construir suas vidas no novo país. O imigrante norte-americano Charles Mac Glyn nos dá um panorama dessa situação ao apresentar um requerimento ao Presidente da Província, ajudando-nos a perceber até mesmo que o objetivo primeiro a ser alcançado com vinda dos imigrantes seria a construção de estradas:

Charles Mc Glym, cidadão norte americano, tendo vindo para esta colônia a chamado do ilustríssimo Doutor Inocêncio Galvão de Queiros, inspetor do governo, afim de empregar-se na estrada da mesma e como tais serviços estão parados, vem o suplicante respeitosamente a V. exª se dignar admitir-lhe como

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colono, gozando de todos os favores do regulamento da colônia, visto o suplicante não ter meios aqui.1

Nesse contexto, as autoridades provinciais passaram a ver na vinda do imigrante laborioso e morigerado a oportunidade de desenvolvimento da província, por meio da construção de boas estradas e do crescimento das lavouras. Esse otimismo em relação ao imigrante é ainda fomentado pela imagem que os presidentes tinham da província paranaense. De acordo com seus relatórios, o Paraná seria o lugar mais adequado em todo o país para receber imigrantes, devido à semelhança do clima e da natureza, da salubridade da província e da hospitalidade do povo paranaense: “onde tudo floresce à força da natureza; onde o colono europeu depara com um clima análogo ao do seu país natal e onde, finalmente, a salubridade, que tanto o distingue, é título de mais para confiar do futuro que se antolha”.2 Dessa forma, como analisam Andreazza e Nadalin, estando instalado em um local muito semelhante àquele que deixou pra trás em seu país de origem, o imigrante europeu era encarado através de uma perspectiva romântica, sendo capaz de criar aqui no Brasil uma sociedade camponesa à maneira européia (Andreazza e Nadalin, 1994). Essa crença dos presidentes de que a província paranaense seria o lugar perfeito para o desenvolvimento da colonização européia, bem como a visão romantizada que tinham sob a figura do imigrante europeu foi caracterizada pelos autores como sendo ufanista e unilateral, sendo a imigração uma empresa que exigia significativos investimentos de uma província recém-emancipada que acabara de se formar (1994). Então, grande expectativa foi depositada sob os imigrantes e acreditava-se que a colonização, por meio da imigração, acreditava-seria a melhor e talvez a única maneira de levar a província ao progresso. Porém, o insucesso dos núcleos formados e a atitude de alguns colonos europeus fizeram com que a desilusão também passasse a figurar nos discursos oficiais.

Novos investimentos foram propostos, além daqueles que favoreciam diretamente a colonização. Alguns presidentes acreditavam que investir em outras áreas seria mais válido à província, que acabara de se emancipar e ainda estava em formação. Tinha-se a concepção de que, ao se investir na área da infraestrutura, por exemplo,

1 Arquivo Público do Paraná. Documento: AP 427, Vol. 4, pag. 105, datado de 28 de Outubro de 1873. 2 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Presidente José Francisco Cardoso na

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melhoramentos diretos seriam trazidos, além de auxiliarem indiretamente e em longo prazo a colonização. Estando a província dotada de boas e organizadas estruturas, o imigrante viria espontaneamente, não havendo a necessidade de o governo investir na sua vinda. Vaz de Carvalhaes, em 1857, foi pragmático ao tratar dessa questão, afirmando que

Embora predomine hoje no país a idéia da introdução de colonos seja como for, e arrisque-se, portanto a esquisitice do que traja por figurino que não está em moda todo aquele que pensar de modo diverso, declaro a V. Ex. que nada procurei fazer por este lado [...] porque entendo que os dinheiros públicos despendidos com o sistema atualmente em voga, poderiam ser mais profícuos ao fim que se tem em vista, sendo aplicados à construção de boas estradas, à canalização dos nossos rios, à reorganização da administração da justiça, e à disseminação da instrução profissional.3

Esse insucesso apontado claramente por alguns presidentes faria com que a imagem romântica do imigrante europeu, laborioso e morigerado, fosse colocada em dúvida.

Os europeus migraram para o Brasil em um momento de ajustamento do sistema econômico capitalista, no qual a possibilidade de o pequeno produtor se auto sustentar se tornava limitada. Esses camponeses que para cá vieram, eram homens que não sabiam nada a respeito do país ao qual se dirigiam e traziam na bagagem apenas o sonho de se tornarem pequenos proprietários na nova pátria, reconstruindo, portanto, a base da sua existência. A província, então, vivenciou uma ampliação dos contatos interétnicos, gerando em alguns momentos situações sociais conflitivas (Doustdar, 1990), conforme verificado na colônia de Assunguy, objeto de nosso estudo:

É pouco lisonjeiro o estado desta colônia que, em vista das garantias de prosperidade que oferece o seu solo, o mais fértil da província, não tem progredido, como era de esperar. As dissensões dos colonos entre si e com os diretores constituem a causa principal de seu atraso. O que acabo de expender deve ser atribuído à diversidade de nacionalidades que ali se observa, e à existência de maus colonos imigrados de diferentes lugares [...] entendo que tal estado de coisas continuará enquanto existirem as mesmas causas, e sobretudo enquanto a colônia for composta de brasileiros e alemães.4

3 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná,Vice - Presidente José Antonio Vaz de

Carvalhaes na Assembléia provincial S/D. Typ. Paranaense, Curitiba, 1857.

4 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná,Vice - Presidente Agostinho Ermelino de Leão

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De acordo com o presidente Polidoro Cesar Burlamarque,

A maioria dos colonos alemães ali estabelecidos, completamente estranhos aos trabalhos na lavoura, que demandam o emprego da foice e do machado, vivem exclusivamente dos recursos que tiram, quando ocupados em serviço do governo. É por esse motivo que eles abandonam a colônia, procurando a capital, onde com facilidade encontram trabalhos que lhes são peculiares, e que nem sempre deparam naquele estabelecimento. Esta circunstância é a que com mais força concorre contra a prosperidade da colônia.5

O relatório de Araujo de Abranches, de 1874, também trouxe exemplos que permitem uma reavaliação da figura do imigrante enquanto laborioso e morigerado:

“Por ocasião da suspensão de alimentos aos imigrantes ingleses alojados no Bariguy tive necessidade de mandar aquartelar, por conta do ministério da guerra, 27 guardas nacionais para auxiliarem a manutenção da ordem pública, que corria perigo de ser perturbada, atenta a atitude provocadora dos mesmos imigrantes.”

Analisando o relato do presidente, percebemos os imigrantes ingleses passaram de morigerados à ameaça à ordem pública, algo muito significativo, afinal “o que sustentava a política provincial da imigração era a crença na laboriosidade e boa índole dos europeus” (Lamb, 1994) Através da análise dos relatórios, podemos concluir que havia uma “dualidade do caráter imigrante”, conforme classificou Lamb (1994). Ao mesmo tempo em que significavam o grande estímulo para o progresso, eram também sujeitos avessos ao trabalho e propensos a se envolverem em manifestações, que colocavam em risco não apenas a ordem pública, mas o próprio processo civilizador. Conclui-se, através dos discursos dos presidentes e das ponderações de Lamb, que a figura do imigrante adquiriu uma dupla face: “ou o imigrante era laborioso, respeitador da lei e, assim, um ‘bom’ imigrante; ou ele era indolente, agitador e descumpridor do compromisso assumido para com a nação que o recebeu, tendo se mostrado um ‘mau’ imigrante” (1994).

Enfim, sendo bom ou mau, o imigrante ainda representava a maior potência civilizadora, sendo o principal elemento da colonização, considerado o único capaz de trazer o progresso à província, através da sua laboriosidade e morigeração. Porém, analisando atentamente os relatórios, percebemos que não eram apenas os imigrantes

5 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Presidente Polidoro Cesar Burlamaque na

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europeus os agentes da colonização. Nesse contexto, também estavam inseridos outros elementos atuantes, apesar da crença na superioridade indiscutível do trabalhador europeu, principalmente daqueles cuja “raça” não era a mesma daqueles que haviam colonizado o país primeiramente (Santos, 1973).

O projeto de colonização imperial, que se caracterizava como uma espécie de “receita para o progresso”, como citam Andreazza e Nadalin, contava que com a introdução do imigrante branco, livre, pacífico e trabalhador, o contato dos nacionais com esses sujeitos seria inevitável, o que ocasionaria a eliminação daquilo que havia de ruim na sociedade brasileira, levando o elemento nacional a produzir (Andreazza e Nadalin, 1994). Percebemos que o nacional ocupava uma posição de coadjuvante nesse grande plano do governo em busca do progresso, já que consideravam o imigrante europeu o único capaz de realizar tal tarefa, através do desenvolvimento da agricultura nos núcleos coloniais. Porém, esse projeto passou a enfrentar várias dificuldades, como a péssima condição das estradas, a distância de alguns núcleos coloniais do oceano ou dos centros populacionais, o alto preço das passagens da Europa para o Brasil, o caráter duvidoso dos imigrantes, entre outras. Tais complicações faziam com que pouquíssimos resultados fossem obtidos das colônias, desiludindo muitos governantes e até mesmo transformando em prejuízo o grande investimento por eles feito. Diante desse insucesso do projeto colonial, do qual se acreditava depender o futuro da província, os brasileiros passaram a figurar como agentes importantes nesse cenário.

Em pesquisa realizada para a escrita de Trabalho de Conclusão de Curso (Szychowski, 2013), já pudemos perceber essa presença significativa de brasileiros nos núcleos coloniais paranaenses através dos quadros estatísticos apresentados pelos presidentes em seus relatórios. O Presidente Góes e Vasconcelos, no ano de 1854, relatou que os brasileiros já figuravam na primeira colônia surgida no território paranaense, em 1828, quando ainda não havia se emancipado de São Paulo: existiam 102 alemães e 351 nascidos no Brasil. 6 Relatou também a situação das duas colônias existentes naquele ano de 1854, Colônia Thereza e Colônia Superaguy, em que podemos notar mais uma vez a presença significativa dos nacionais: “Eis o que são

6PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos na

Assembléia provincial em 15 de Junho de 1854. Typ. Paranaense, Curitiba, 1854. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1854_a_p.pdf

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as duas colônias, que há na província, as quais chamei d’estrangeiros, porém que, em verdade, contem em seu seio muitos brasileiros”.

No relatório de 1856, o presidente Pires da Motta também mencionou a significativa presença de brasileiros na colônia Thereza, formada em 1847 e localizada nas margens do Rio Ivaí, a nove léguas de distancia da localização mais próxima, Guarapuava:

“(...) à proporção que os colonos daquela nacionalidade [franceses] abandonavam o estabelecimento, crescia o número de povoadores brasileiros, pela agregação de famílias habitantes dos municípios de Castro e Guarapuava. Hoje conta a colônia 171 brasileiros, e 19 franceses.”7

Também em Superaguy, outra colônia existente na província, o número de nacionais era significativo, como informou o vice-presidente Vaz de Carvalhaes, em 1857: “Constava o pessoal do estabelecimento de 88 famílias, compreendendo todas 403 indivíduos. Nesse pessoal entram 55 estrangeiros e 348 brasileiros”.8

Os dados de 1858 também apontam para essa tendência: diz o presidente, sobre a colônia Superaguy: “Declarou-me (o diretor Carlos Perret Gentil) que a colônia conta 450 indivíduos que formam 100 famílias das quais 20 francesas e 80 brasileiras”. Sobre a colônia Thereza, disse ele: “Conta mais de 200 indivíduos, sendo 22 franceses e os mais nacionais”.9

Os números informados em 1870 sobre a população da Colônia Thereza indicam que os nacionais continuavam dominando o cenário populacional daquele núcleo colonial: “Quanto à nacionalidade, são 341 brasileiros, 9 franceses, 1 português e 2 alemães.”, dizia o Vice - presidente Agostinho Ermelino de Leão.10

7 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Presidente Vicente Pires da Motta na

Assembléia provincial em 23 de Setembro de 1856. Typ. Paranaense, Curitiba, 1856. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1856_c_p.pdf

8 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná,Vice - Presidente José Antonio Vaz de

Carvalhaes na Assembléia provincial S/D. Typ. Paranaense, Curitiba, 1857. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1857_c_2v.pdf

9 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Presidente Francisco Liberato de Mattos na

Assembléia provincial em 7 de Janeiro de 1858. Typ. Paranaense, Curitiba, 1858. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1858_p.pdf

10 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Vice - Presidente Agostinho Ermelino de

Leão na Assembléia provincial em 24 de Dezembro de 1870. Typ. Paranaense, Curitiba, 1870. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1870_b_v.pdf

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Enfim, apesar de os imigrantes europeus serem vistos como mais capacitados para implementar os projetos colonizatórios, os dados estatísticos apontavam para outra realidade: a presença majoritária de nacionais em relação aos europeus. Mesmo assim, a consideração originada no XIX persistiu: a de que os imigrantes, bons ou maus, eram o “único meio de chegarmos mais cedo aos postos avançados em que as lutas generosas do trabalho, da industria e da inteligência nos esperam”11. Esta consideração persistiu também na historiografia, que acabou negligenciando os nacionais, transformando imigração e colonização em fenômenos muito similares, quase sinônimos. Porém, os dados estatísticos nos mostraram que essa sinonímia precisa ser problematizada. Então, estamos ampliando a pesquisa, agora a nível de mestrado, onde pretendemos analisar de que maneira se deu essa inserção de brasileiros, quem eles eram, de onde vinham, qual o seu relacionamento com os imigrantes e de que forma as autoridades imperiais e provinciais encararam essa inserção. Para tal, optamos por analisar exclusivamente o núcleo colonial do Assungui, colônia oficial criada para receber imigrantes das mais variadas origens, mas que também era habitada por grande número de brasileiros. Esse núcleo foi criado em 1860, sendo de iniciativa e financiamento do Governo Imperial e administrado pelo Governo Provincial. De acordo com as fontes, a distância entre Curitiba e a colônia era de cerca de 70 milhas, estando a mil pés acima do nível do mar. Seu clima era quente e saudável e seu solo variava em qualidade, sendo boa parte extremamente fértil. O núcleo da colônia contava com a residência privada do diretor e seus escritórios, cozinha para os colonos, armazéns, uma capela Católica Romana, um hospital e uma olaria; um poço, serraria, casas pequenas, ocupadas por artesões, comerciantes e pelos agrimensores que ali estavam a serviço do governo. Sua emancipação ocorreu em 1882, quando deixou de contar com a tutela e direção do governo.12

Nacionais em uma colônia para estrangeiros

11 PARANÁ. Relatório do Presidente de Província do Paraná, Presidente Jose Cardoso de Araujo

Abranches na Assembléia provincial em 15 de Fevereiro de 1875. Typ. Paranaense, Curitiba, 1875. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1875_a_p.pdf

12 MONUMENTA. Relatório sobre a Colônia Assungui – 1875. Organizado por Magnus Roberto de Mello

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Com a pesquisa ainda em andamento, já podemos apresentar alguns resultados bastante significativos concernentes às questões por nós propostas. Os livros de matrículas da colônia disponíveis no Arquivo Público do Paraná, evidenciam que, mesmo se considerarmos apenas os patriarcas das famílias, entre 1859 e 1880, num total de 324 colonos, temos 24 registrados sem nacionalidade especificada, 36 alemães, 1 austríaco, 3 espanhóis, 26 franceses, 37 ingleses, 9 italianos, 3 suecos, 18 suíços e 168 brasileiros; ou seja, aproximadamente 52% deles eram brasileiros. Os registros de matrículas mostram também que, apesar da grande variedade de nacionalidades, as famílias eram compostas na grande maioria por cônjuges de mesma nação. Nestes anos, apenas três casamentos foram interétnicos, sendo um deles de um brasileiro com uma francesa e outro de um inglês com uma brasileira. Ou seja, podemos concluir que os colonos brasileiros, assim como os estrangeiros, costumavam casar com mulheres de sua nacionalidade. As tabelas de matrículas ainda nos ajudarão a perceber a partir de que ano a inserção dos brasileiros teve início, se eram casados, se tinham filhos e quantos tinham, o sexo dos filhos, enfim, nos ajudará a entender melhor quem eram esses sujeitos.

Analisando outros documentos do Arquivo, como ofícios, requerimentos e telegramas, já conseguimos reunir informações essenciais para responder nossas questões de pesquisa, indo além da quantificação. No que diz respeito ao posicionamento do governo diante da inserção dos nacionais na colônia, alguns documentos nos mostram uma postura favorável aos brasileiros. Já no ano de 1861, um ano após a criação de Assungui, o Delegado de Terras Joaquim Corrêa escreve para o Presidente Antônio Barbosa:

Já tendo na colônia do Assungui algumas famílias brasileiras que se querem estabelecer como colonos. Peço a Vossa Excelência autorização para mandar medir os prazos para os mesmos se estabelecerem desde já, independente de requererem, e sim como se fez aos colonos alemães.13

Percebemos então, que as autoridades expressam uma percepção positiva em relação aos brasileiros. É o que fez o diretor da colônia Pedro de Assunção Buarque, quando registrou em seu relatório ao presidente Abranches que:

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O colono inglês Luis Renaudin Rouville no incluso requerimento dirigido a v. Exª pede que se lhe conceda além do quarto de seção que já recebeu, mais um quarto de seção (nº125) do segundo território. Informando sobre a petição do dito colono, cumpre-me dizer a v. Exª que é exato o que ele assegura e que não há inconvenientes em lhe passar o título, mas sim vantagens, visto que vai casar-se com uma brasileira, Drª Marcelina Rodrigues de Mattos, a qual é filha de um bom lavrador desse distrito.14

Percebemos que o diretor da colônia vê como vantagem o casamento do colono inglês com uma colona brasileira. Dizendo que o pai da moça era “deste distrito”, o diretor referia-se ao fato de ser ele natural da terra – brasileiro, portanto. De fato, todos os colonos com sobrenome “Rodrigues de Mattos” eram registrados como brasileiros nas matrículas. Enfatizando ser ele “bom lavrador”, o diretor da colônia certamente considerava que o casamento facilitaria a fixação do inglês na colônia, o que era uma vantagem do ponto de vista da autoridade, dado o grande número de deserções que ocorriam.

O diretor também nos ajuda a compreender a valorização recebida pelos colonos nacionais quanto se reporta ao presidente novamente para tratar da subdivisão de lotes coloniais, alertando sobre a importância de

serem ali o quanto antes subdivididos os lotes concedidos alguns por meus antecessores e por mim a cento e tantos colonos brasileiros e sobretudo por terem, como consta, apossado-se muitos de terrenos ali sem autorização desta diretoria. Julgo por isso que V. Exª providenciará neste sentido, não só para poder ser convenientemente regularizado o serviço, como também para evitar dúvidas futuras que possam suscitar-se entre os moradores vizinhos que povoam o Primeiro Território.

Ou seja, os brasileiros que se instalaram espontaneamente ou foram designados pelos diretores a lotes puderam contar com o auxílio do governo na demarcação correta desses terrenos, na tentativa de evitar futuros desentendimentos quanto aos limites. Ainda no que diz respeito à posse de terras na colônia, citamos o Ofício do Inspetor Sebastião José Cavalcante ao presidente Araújo Abranches, no qual encontramos dois colonos tendo seus títulos de terra restituídos:

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“Tenho a honra de restituir a V. Exª os dois títulos de compras de terras de João Thimoteo Rodrigues [brasileiro de acordo com as tabelas de matrícula] e Guilherme Straub, afim de que sejam lançados no livro do tombo da colônia Assungui, depois de pagos os respectivos direitos.

Notamos que, nesse caso, houve um tratamento igual para o colono inglês e para o colono brasileiro por parte das autoridades. Ainda sob esse aspecto, notamos que brasileiros e europeus eram igualmente considerados em outras instâncias, como por exemplo na religião e na saúde. No âmbito religioso, temos ofício do Vigário da colônia Assungui, Eduardo [ileg], para o pres. Venâncio José de Oliveira Lisboa, no qual relata:

A missa foi muito concorrida, à segunda assistiram cerca de trezentas pessoas. Preguei em alemão depois da missa, e sucessivamente pregarei nos domingos subsequentes em inglês, francês e português. Espero que influirá tudo isso para o bom desenvolvimento da colônia e futura prosperidade. A preocupação do padre evidencia não somente que os brasileiros estavam presentes na colônia, mas também que eles eram significativos, a ponto de o religioso se preocupar em falar também a língua deles em sua pregação, além das diversas línguas estrangeiras.

Na questão da saúde e auxílio médico, trazemos o exemplo da assistência dada pelo governo colonial a dois colonos, um italiano e outro brasileiro:

Conformando-me com o parecer do médico desta colônia, conforme o ofício que tenho a honra de remeter a V. Exª por cópia, faço nesta data seguir para a capital os doentes alienados de nomes Luiz Marcelinno - brasileiro - e Jacome Jacomer, italiano - para o fim de V. Exª ordenar o que melhor entender, e julgar mais conveniente, os doentes seguem socorridos pelo hospital por quatro dias de viagem.15

Mais uma vez notamos que não houve diferenciação de tratamento com o colono brasileiro.

Além dessas questões que nos ajudam a entender quem eram os nacionais e de que forma se deu a sua introdução no núcleo colonial, podemos também entender como se dava a convivência cotidiana desses com os imigrantes. Por exemplo, um

15 Arquivo Público do Paraná. Documento: AP 502, Vol. 21, pag. 198, datado de 18 de Novembro de

1876. Ofício do ajudante do Diretor da colônia, Gabriel Saturnino Martinz para o Presidente Adolpho Lamenha Lins.

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assinado no qual os colonos requerem ao Presidente da Província uma linha de correios evidencia que, pelo menos em determinadas situações, em que interesses comuns estavam em pauta, nacionais e imigrantes podiam se aliar:

Os abaixo-assinados moradores na Freguesia do Assungui de Cima [ileg] do interesse real que o Governo liga ao adiantamento daquela esperançosa parte da Província vem perante V. Exª pedir uma medida que sendo um pouco onerosa aos cofres públicos traz uma vantagem imediata ao serviço público, aos interesses em geral de todos os particulares, ao comércio e a lavoura e por consequência ao progresso daquela localidade [...] Para um presidente ilustrado e cheio de boas intenções como V. Exª bastam estas simples considerações para levar à evidência a justa reclamação dos abaixo assinados que exprimem o fiel pensamento de todos os habitantes dessa Freguesia.16

Comparando os nomes constantes no documento com as tabelas de matrículas, vemos que tanto europeus quanto brasileiros assinaram a petição. O mesmo ocorre no abaixo-assinado em que os colonos pedem o retorno de uma professora à escola da colônia: encontramos diversos nomes de brasileiros, inclusive mulheres.17 Um terceiro abaixo-assinado representa de forma ainda mais clara essa convivência, quando os colonos pedem melhorias em uma ponte construída:

Nós abaixo-assinados colonos ingleses e brasileiros, estabelecidos no 2º território do Assungui [...] não tendo franca comunicação com o centro da colônia por falta da conclusão do caminho geral de Jaguatirica, de alguns caminhos vicinais e uma ponte sob o rio da Ponta Grossa, qual rio na ocasião de enchentes, não dá passagem, venhamos respeitosamente pedir a V. Exª se digne ordenar: [entre outros] Abertura de alguns caminhos vicinais, picadões para os terrenos dos suplicantes nacionais.18

Percebemos que, além de melhorias gerais, nacionais e imigrantes, ao assinarem o documento, pedem por melhorias específicas para os brasileiros. O diretor da colônia, Pedro d’Alcântara também dá seu parecer nesse documento, afirmando que

16Arquivo Público do Paraná. Documento: AP 348, Vol. 3, pag. 34, datado de 11 de Outubro de 1870. 17 Arquivo Público do Paraná. Documento: AP 397, Vol. 4, pag. 138, Sem data. Abaixo assinado de

moradores da colônia Assungui.

18 Arquivo Público do Paraná. Documento: AP: 483, Vol. 2, págs 182-187, datado de 11 de Janeiro de

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[...] Os sítios dos peticionários brasileiros, situados nas cabeceiras do Ribeirão da Peroba, Lageado, Barra Bonita, não têm caminho direto para a colônia, e tem de fazer por veredas muito pequenas e muito volteadas; no rumo para a Jaguatirica, que está ao rumo mais direto para a colônia, existe apenas uma picada intransitável [...] Em vista disso, acho de direito dado o que os suplicantes pedem e conveniente para o interesse geral, concluir os restantes trabalhos principiados e abrir picadão para os terrenos dos suplicantes nacionais.

Através dessas considerações do diretor, mais uma vez percebemos a posição favorável das autoridades diante da presença de nacionais em uma colônia criada especificamente para receber imigrantes, sob tutela e patrocínio do Governo Imperial.

Como vimos com os resultados já encontramos durante nossa pesquisa, muitas são as evidências que demonstram a presença efetiva de colonos nacionais no principal projeto de colonização do governo da Província do Paraná, indo além da quantificação por si só. Algumas delas tornam insustentável a ideia da sinonímia criada entre colonização e imigração, não só pelos governantes da época, mas também pela própria historiografia, como por exemplo o Oficio do inspetor Sebastião José Cavalcante ao presidente Adolpho Lamenha Lins, escrito em 1875: “Qualquer indivíduo nacional ou estrangeiro, que quiser estabelecer-se como colono no Assungui, tem direito aos mesmos favores que se há dispensado aos imigrantes remetidos pelo governo com destino àquela colônia.”19

Conclusões iniciais

Com os resultados até aqui alcançados, podemos concluir que apesar da valorização dos imigrantes no projeto de colonização, tanto por parte daqueles que o colocaram em prática, quanto por aqueles que o estudam, outros sujeitos também fizeram parte e contribuíram para sua realização. Sabemos agora que os brasileiros também estavam presentes nesse contexto de forma significativa, convivendo diretamente com os imigrantes nos núcleos coloniais. Porém, acabaram sendo esquecidos pela historiografia dedicada às temáticas ligadas à colonização e à imigração. A percepção desse fato, através do estudo das fontes, tem nos permitido repensar essa tendência criada no século XIX e mantida pela historiografia, que aproxima os termos Colonização e Imigração de tal forma, que acabam se transformando em praticamente sinônimos. A problematização dessa questão está sendo mais bem desenvolvida e

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ao final da pesquisa pretendemos apresentar dados ainda mais completos, que evidenciem a inclusão desses nacionais no próprio projeto do governo, que os acaba considerando como potenciais colonos, com benefícios muito semelhantes aos dados aos imigrantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDREAZZA, Maria Luiza. NADALIN, Sergio Odilon. O cenário da colonização no Brasil Meridional e a família imigrante, 1994. Disponível em:

http://www.rebep.org.br/index.php/revista/article/view/482/pdf_457 Acesso: 02 de Maio de 2015.

DOUSTDAR, Neda Montadi. Imigração Polonesa: Origens de um preconceito, Curitiba, 1990.

LAMB, Roberto Edgar. Uma jornada civilizadora: Imigração, Conflito Social e Segurança Pública na Província do Paraná – 1867 a 1882. Curitiba, 1994.

SANTOS, Silvio Coelho dos. Índios e Brancos no Sul do Brasil: A dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis, Edeme: 1973.

SZYCHOWSKI, Angela Caroline. Imigração e colonização no Paraná Provincial (1856 – 1876). Trabalho de Conclusão de Curso, Departamento de História – UFPR. Curitiba, PR, 2013. Disponível em:

http://www.humanas.ufpr.br/portal/historia/files/2013/03/angela_caroline_szychowski.p df Acesso em: 02 de Maio de 2015.

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