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Homossexuais católicos

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Academic year: 2021

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Texto

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Homossexuais

católicos

Como sair do impasse

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Claude Besson

Prefácio de Véronique Margron | Tradução de Nicolás Campanário

Homossexuais

católicos

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Edições Loyola Jesuítas Rua 1822, 341 – Ipiranga 04216-000 São Paulo, SP T 55 11 3385 8500 F 55 11 2063 4275 editorial@loyola.com.br vendas@loyola.com.br www.loyola.com.br

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN 978-85-15-04286-9

© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2015 Título original:

Homosexuel catholiques, sortir de l’impasse © Les Editions de l’Atelier, Ivry-sur-Seine, 2012 51-55 rue Hoche – 94200 Ivry-sur-Seine France ISBN 978-2-7082-4201-2

Preparação: Mônica Aparecida Guedes Capa: Viviane B. Jeronimo

Foto de © Gina Sanders/Fotolia Diagramação: Ronaldo Hideo Inoue Revisão técnica: Pe. Luís Corrêa Lima, SJ Revisão: Vero Verbo Serviços Editoriais

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Besson, Claude

Homossexuais católicos : como sair do impasse / Claude Besson ; prefácio de Véronique Margron ; tradução de Nicolás Campanário. -- São Paulo : Edições Loyola, 2015.

Título original: Homosexuel catholiques, sortir de l’impasse. Bibliografi a.

ISBN 978-85-15-04286-9

1. Católicos gays - França - Condições sociais 2. Gays - Vida religiosa - França 3. Homossexualidade - Aspectos religiosos - Igreja Católica 4. Trabalho da Igreja com gays - França I. Margron, Véronique. II. Título. 15-03439 CDD-261.835766 Índices para catálogo sistemático:

1. Homossexualidade na Igreja Católica :

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Sumário

Prefácio

... 11

Introdução

... 13

Capítulo 1

Homossexualidade ou homossexualidades?

... 19

Identidades múltiplas ... 19

Uma gênese ainda inexplicada ... 21

“É sua escolha” ... 22

A vontade de compreender ... 23

Capítulo 2

Reconhecer a si mesmo como homossexual

... 27

A falta de pontos de referência ... 27

O desejo de mudar ... 29

Impelido para a clandestinidade ... 30

A homofobia interiorizada ... 31

Acolher um fi lho homossexual ... 32

Espaços de diálogo para os adolescentes ... 34

O acolhimento dos adultos ... 35

Capítulo 3

A alteridade em questão

... 37

O necessário trabalho da alteridade ... 37

O outro, diferente de mim ... 38

Aceitar a alteridade como uma tensão ... 40

Capítulo 4

Homossexual e católico?

... 41

Uma realidade dolorosa e oculta ... 41

Questionamentos ... 46

Capítulo 5

A Igreja Católica adiante da homossexualidade

... 49

A expressão doutrinal da Igreja Católica ... 49

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Capítulo 6

O que a Bíblia diz ou, melhor, o que ela não diz

... 57

Uma necessária interpretação... 58

A abominação ... 59

O pecado de Sodoma: a violência e a falta de hospitalidade ... 61

Relações contra a natureza ... 63

Duas palavras controversas ... 65

A diferença entre os sexos ... 66

Conclusão ... 69

Capítulo 7

Bem viver

... 71

Viver uma fé adulta ... 71

Sentido e consciência ... 73

Viver uma relação de amor responsável ... 75

Fecundidades ... 76

Capítulo 8

Cuidar

... 81

Uma palavra em confronto com a realidade ... 82

Condenar os atos homofóbicos... 84

Abrir a refl exão sobre a relação entre dois seres ... 86

Pastoral esclarecida com pastores esclarecidos ... 88

Capítulo 9

Sair do impasse

... 89

Ousar falar sobre o assunto ... 89

Ocupar um lugar ... 90

Favorecer os locais de acolhimento e de escuta ... 94

Iniciativa sinodal ... 94 Iniciativas pastorais ... 95 Humanização e responsabilidade... 97

Conclusão

... 99

Anexos

... 101

Bibliografi a

... 107

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Agradecimentos

Meus agradecimentos se dirigem, em primeiro lugar, a todas as pessoas que aceitaram dar seus depoimentos, às vezes comoventes e revoltados, mas sempre humildes e autênticos. Tenho perfeita consciência de ter colhido o grito de suas vidas.

Agradeço também a todas as pessoas que me ajudaram a reler, a defi nir melhor meu pensamento por meio de suas refl exões estimulantes. Meu obrigado também a todas as pessoas que

me incentivaram amistosamente a prosseguir e a terminar este trabalho. Sem vocês, este livro teria sido publicado?

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Foi-te dado a conhecer, ó homem, o que é bom, o que o Senhor exige de ti; nada mais que praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente com teu Deus.

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Prefácio

O medo é mau conselheiro, lembra Claude Besson na conclusão deste livro. E como! Sim, o humano é complexo, e embora certamente não seja necessário ter de tudo para constituir um mundo – as barbáries de todos os tipos estão aí todos os dias para desmentir esse adágio –, é preciso ao menos que se reconheça que não podemos dominar o mistério de um ser único. É necessário, após tantos testemu-nhos apresentados por nosso autor, acreditar que cada pessoa está na palma da mão de Deus, rumo à sua semelhança.

Talvez seja preciso enfatizar, nestas poucas linhas, que a santidade não pode ser avaliada tendo-se como padrão de medida nossa imagem da pureza.

Essa conversão foi um longo combate bíblico: estabelecer a distinção entre o puro e o santo. Realmente foi preciso esperar pelo Novo Testamento e o que nos foi relatado das palavras de Jesus para separar essas duas noções. A primeira delas se encontra nas profundezas de todas as culturas, mas a segunda é um signo do nome de Deus. Nos evangelhos é pois a “pureza de coração” que diz onde está o caminho da santidade. Recordemos a controvérsia que opõe Jesus e os fariseus em Marcos 7,1-23. A questão central é “qual é a verdadeira oferenda?”. Jesus, que tomará a multidão como testemunha, opõe o interior ao exterior, pois o lugar determinante é o coração. Desse modo, a pureza autêntica não é ritual, mas sim ética, na atitude justa, afastada das cobiças e da maldade. Não é na fronteira que é preciso fazer guar-da, mas no interior para que o coração não se endureça. Outro trecho diz muito a esse respeito. Trata-se, em Marcos 5,25-34, do encontro com uma mulher impura quase que de nascença, uma vez que seus sangramentos ocorrem há muito tempo; ela está quase morrendo. Ela infringiu as regras de pureza legal, ao tocar Jesus e eis que ela foi engendrada: “thugater”, “minha fi lha”. Agora ela é da família de Jesus: aqueles que ouvem sua palavra e a colocam em prática1.

Propusemos esse rodeio pois ele está no âmago da questão cristã. O que cons-titui a discriminação não é a orientação da sexualidade, ou qualquer outra

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12 | Homossexuais católicos — Como sair do impasse

rística de uma personalidade. O essencial está no caminho de santidade que cada um segue e que reconhece no outro.

Cabe aos católicos confi ar, tanto em nosso Deus como naqueles e naquelas que chamam a si mesmos de cristãos. Não escreveremos a arte de viver, de amar, de crer, de ter esperança, uns sem os outros. Pior ainda, censurando alguns de nós, que não teriam lugar em nossa Igreja, a não ser que se contentassem com um lugar secundário e efêmero.

A Igreja não poderia viver sem uma bússola. Mas ela escruta o seu rumo junto de seu Senhor, na fi delidade a seu evangelho de fogo, aquele que queima apenas como o fogo do amor. Claude Besson não procura dar um sermão a quem quer que seja. Tampouco procura escrever novas normas regendo o funcionamento da comunidade de fi éis do Filho do Homem. Trata-se de uma abordagem humilde: oferecer elementos de refl exão a todo leitor de boa vontade para que ele possa forjar, talvez junto com outros, seu juízo, seu próprio pensamento. E ao mesmo tempo deixando às autoridades legítimas o cuidado de determinar o estilo de vida conveniente, na própria medida em que todos, atentos ao que o Espírito diz às Igre-jas, se deixem tocar pela verdade dos comportamentos que procuram a verdade.

Esperamos que chegue o dia em que não seja mais necessário reivindicar nada. Em que cada pessoa, homem ou mulher, não tenha mais necessidade de querer um pouco mais de reconhecimento eclesial. Aqui é necessária uma conversão de todos, tanto daqueles que julgam estar dentro como daqueles que vivem como estando fora: passar da busca ansiosa de aprovação pelo olhar de outrem para manter-se em pé devido ao reconhecimento confi ante de que o olhar do Pai, que enxerga no segredo dos corações, já nos justifi cou, para que sejamos seres vivos e porções dos frutos. Cada pessoa, quem quer que seja, precisa desfazerse da pretensão de justifi -car a si mesma para reconhecer a única palavra que nos justifi ca. “Ter a coragem de aceitar-se como aceito, a despeito do fato de ser inaceitável”2, palavra que se dirige a toda pessoa, qualquer que seja a orientação de sua sexualidade.

Como na luta de Jacó com seu Deus (Gn 32,23-32), chega um momento na aurora em que a única coisa que realmente conta é deixar-se abençoar por Ele, sem combater mais, sabendo que toda pessoa retoma o caminho mancando, diferente de como chegou.

Véronique Margron, OP julho de 2012

2 Citação de Paul TILICH, reproduzida por M. Demaison in Xavier LACROIX (org.), L’Amour du semblable, Paris, Le Cerf, 2001.

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Introdução

Robert, Véronique, Marie, Olivier, Yvon, Luc e Sylvie, Héloïse, Jean… A lista po-deria se estender por várias páginas. Esses nomes representam rostos conhecidos, pessoas que encontrei em meu caminho e que confi aram a mim suas alegrias, suas esperanças, mas também suas difi culdades. Todas elas são homossexuais, ou pais e mães de fi lhos homossexuais, e cristãs. E qualquer que seja seu estado (solteiras, padres, religiosas, pais e mães de família, casal homossexual…), todas essas pes-soas procuram, dentro do que são, construir uma existência portadora de sentido e coerência, que lhes proporcione uma vida feliz.

Este livro é marcado por testemunhos singulares. Todos os nomes foram modi-fi cados para preservar a identidade das pessoas. Esses testemunhos não podem subs-tituir o debate e nunca constituem, por si sós, a “verdade”. Eles não estão aqui para justifi car um pensamento. Entretanto, precisamos ouvi-los para confrontar as ideias com a realidade através do fi ltro de suas experiências. Eles revelam rostos humanos, pessoas que não podem ser encerradas em um aspecto de suas identidades. Algumas delas conquistaram uma vida harmoniosa e assumem sua homossexualidade com felicidade, enquanto outras, oscilando entre culpa e liberação, ainda se debatem nos meandros de suas vidas. Os pais dessas pessoas, por sua vez, frequentemente fi cam desorientados, isolados, ao descobrir que um de seus fi lhos é homossexual.

Apesar dos consideráveis avanços ocorridos nos últimos trinta anos, especial-mente com a instauração, na França, do PACS (Pacto Civil de Solidariedade) em 1999, a homofobia ainda persiste e não ajuda a pessoa homossexual a desenvolver autoestima.

Em certos meios católicos, o PACS revelou essa homofobia latente por meio da publicação de libelos violentos, chamando manifestações onde eram repetidos alguns slogans, como “queimem os pederastas!”, que causaram revolta na cons-ciên cia dos cristãos.

Como reação de uma quantidade importante de católicos a esse olhar negativo e excludente – para dizer o mínimo – em relação às pessoas homossexuais, criamos

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em 2000, junto com um amigo padre e algumas outras pessoas, o grupo “Réfl exion et Partage” (Refl exão e Partilha). Esse grupo se tornou uma associação, enquadrada na Lei 1.901 francesa, e seu objetivo é contribuir para a refl exão das comunidades cristãs para auxiliá-las a se abrirem e a acolherem as pessoas homossexuais, permitindo-lhes ser o que são. Elas estão inseridas em um movimento ou em um serviço da Igreja, participando da vida das paróquias, de modo que esse novo olhar da comunidade lhes permita viver a fé de modo mais sereno e assumir um lugar dentro da comunidade.

Para tornar conhecida nossa associação e sua refl exão, reunimos em uma peque-na coletânea, em abril de 2000, treze textos redigidos por cristãos homossexuais e pais e mães. As reações foram positivas, especialmente a de um teólogo da diocese de Nantes: “Me senti tocado pela verdade que surge dos depoimentos, pela dignidade encontrada ou conquistada, frequentemente ao preço de sofrimento, dignidade que possui a cor da vida, da Ressurreição, sobre a qual os textos não falam apenas com esperança, mas já com experiência […]”. Com efeito – e os textos provam isso –, é possível ser homossexual e viver a fé cristã em verdade.

O presente livro é um auxílio suplementar a essa refl exão. Seu objetivo é duplo: ele almeja ajudar as pessoas a viverem sua homossexualidade dentro da fé cristã e contribuir para a criação de uma pastoral voltada para as pessoas homossexuais. Já em 1977, monsenhor L’Heureux, bispo de Perpignan, ao abordar a questão da homossexua-lidade em um artigo do jornal La Croix, defi niu nestes termos a missão da Igreja:

É absolutamente necessário que cheguemos a certa defi nição, se me permitem dizer, de uma pastoral que possa ajudar os homossexuais a ter um acesso mais livre aos sacramen-tos, a se impregnarem mais profundamente com a Palavra de Deus, a se encontrarem em grupo, seja entre si, seja com outros, para refl etir sobre as necessidades da vida cristã e, por fi m, também a não se culpabilizarem pelos atos que eles seriam levados a cometer e que nos pareceriam anormais frente à tradição cristã1.

Do mesmo modo, o padre Xavier Thévenot, teólogo moralista, também salien-tava a urgência do tema há mais de 20 anos:

É preciso saber que a prova dessa condição psíquica e social, ao lado de grandes riscos, também comporta a chance de um encontro autêntico com Deus. Sem cair no viés de conselhos incoerentes por sua diversidade, nos esforçaremos pois para ajudar esses cristãos a encontrar ou a reencontrar uma boa imagem de si mesmos, um sentido verdadeiro de Deus, uma solidariedade eclesial2.

1 La Croix, 19 de outubro de 1977.

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Introdução | 15

Muitos preconceitos ainda estão ancorados em nossas representações mentais, frequentemente por falta de conhecimento e informação sobre a vivência das pes-soas. O discurso do Magistério da Igreja Católica permanece estagnado há muitos anos em afi rmações que não levam em consideração as pesquisas contemporâneas no domínio das ciências humanas nem os avanços exegéticos e ainda menos as múltiplas proposições dos mais diversos teólogos moralistas. A Igreja tem um de-ver a cumprir nesse domínio. “Sua missão é acolher e guiar com responsabilidade moral pessoas que devem viver sua homossexualidade.”3

Em um primeiro momento, abordaremos a questão da homossexualidade de um ponto de vista antropológico para procurar compreender melhor essa realidade: gêne-se, identidades, escolhas, recusas, alteridade. Em um segundo momento, a partir da vivência dos homossexuais católicos, procuraremos mostrar que o discurso magisterial da Igreja Católica, longe de acolhê-los e de guiá-los, faz parte do sofrimento dessas pes-soas, encerrando-as em um confl ito interior e obrigando-as a calar o que são. Por fi m, evocaremos todas as pistas possíveis no domínio pastoral para sair desse impasse.

A Igreja tem uma grande responsabilidade. Devemos permitir que as pessoas falem sobre tudo. Ora, pede-se a pessoas que não escolheram sua diferença que se considerem, logo de saída, pecadoras. Na melhor das hipóteses, quando se leva em consideração o que elas são, pede-se que elas se abstenham de toda relação física, privando-as do direito elementar ao desenvolvimento completo de sua personalidade. Aceitar certas realidades e acompanhá-las com uma palavra ética são, para mim, os únicos meios que permitem sair desse impasse4.

Entre a reivindicação militante, na qual certo número de pessoas homosse-xuais não deseja entrar, e o silêncio pesado da culpa e da vergonha, do qual algu-mas procuram sair, felizmente é possível abrir caminhos para ajudar cada mulher e cada homem a viver de modo digno, acolhendo e respeitando esse mistério único que cada pessoa é. “A glória de Deus é o homem vivo.”5

Sou cristã, homossexual e feliz

Minha vocação para o amor é diferente, mas não inferior. Antes de conseguir dizer isso com serenidade, tive de percorrer um caminho difícil e tortuoso que chegou

3 Francis DENIAU, Un évêque en toute bonne foi, Paris, Fayard, 2011, 120.

4 Padre BENNETEAU in Frédéric MARTEL (org.), Le Rose et le Noir. Les homosexuels en France depuis 1968, Paris, Le Seuil, 1996, 291.

5 SAINT IRÉNÉEDE LYON, Contre les hérésies (188). Dénonciation et réfutation de la gnose au nom menteur, Paris, Le Cerf, 1965, livro IV.

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à felicidade apenas aos 46 anos de idade. Nascida nos anos 1950, aprendi que a ternura de Deus era infi nita e fi quei deslumbrada com o Evangelho e com a vida que Cristo nos propunha. Mas aprendi paralelamente que a sexualidade era um pecado. E a homossexualidade? Ela não existia! E se falassem dela sem citar o seu nome, de qualquer maneira, “ela não estava nos planos de Deus”. Com essa bagagem e muito jovem, apaixonei-me pelo serviço aos outros: trabalho de guia, peregrinações, acampamentos com defi cientes, serviços paroquiais e de caridade e profi ssão de enfermeira. Amar a Deus e amar os outros eram meus valores supre-mos, e ao mesmo tempo eu reprimia inconscientemente qualquer ideia de sexua-lidade. Levantei um verdadeiro muro mental diante de minha homossexualidade, de tanto que eu desejava estar “no plano de amor” de Deus.

Minha falta de atração pelos rapazes era interpretada por mim como rejeição pela sexualidade em geral. Ano após ano, apaixonar-me por minhas amigas torna-va-se cada vez mais doloroso e eu não conseguia compreender esse sofrimento de amor inacabado. Eu julgava ter a “vocação da amizade”. Todas as minhas amigas, minhas irmãs, minhas colegas eram casadas, mães, avós. E eu? Qual era a minha vocação? Tendo me convencido de que ela estava no serviço prestado aos outros e no amor por todos, dediquei-me durante dez anos a atender as pessoas em domicí-lio, não levando em conta nem meu tempo nem meu sacrifício nem minha saúde para cuidar e reconfortar os doentes e suas famílias. Eu? Eu não era importante. Meu corpo? Importava apenas que ele permanecesse forte para trabalhar! Mas não se pode negligenciar o corpo impunemente e a tradução fl agrante da repressão e da negação é a doença. Tornei-me obesa e doente, esgotada, inexistente.

Aos 38 anos de idade, não aguentando mais a solidão, sofrendo com carên-cias e faltas (é terrível amar durante toda a vida sem poder tocar o ser amado), des-conhecedora de minha realidade e de minha verdade, deixei-me seduzir por um homem que me escreveu “Eu te amo”. Ele foi o único a me dirigir essas palavras. Casei-me com um cristão muito gentil. Mas na perfeita aliança homem-mulher-Deus, vivi uma espécie de desolação. Foi um casamento terrível, uma relação con-tra minha natureza, que me deixou gravemente doente. Esse casamento estava me destruindo. Tentei o suicídio várias vezes. Como eu era incapaz de amar, seria melhor morrer para amar na eternidade. Eu estava muito mal e ainda não tinha entendido que meu amor não estava “no lugar certo”. Apesar do meu desespero, permaneci casada durante cinco anos por fi delidade ao meu compromisso.

Um dia fui ajudada por uma mulher. Ela me fez falar, compreender e discer-nir. Ela me amou e ousou me beijar. Foi aí que consegui entender tudo. Até que enfi m pude “fazer a ponte” entre o amor intocável de todas as mulheres que eu amara e o amor palpável e realizável de duas mulheres que se amam. Era essa então a minha verdade! Eu jamais serei feliz com um homem e nunca farei um homem feliz. Depois disso, tudo andou muito rápido. Consegui me libertar desse casamento mortal (o que também foi uma libertação para o meu marido, que no fi m não tinha culpa de nada).

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Introdução | 17

Encontrei outras mulheres católicas e homossexuais que me disseram pa-lavras justas para que eu me sentisse em harmonia com Deus: “Assim você foi feita à imagem de Deus e desse modo Deus se regozija infi nitamente com você. Deixe-o abençoá-la tal como você é. Viva na verdade, em sua verdade. Você não é nem uma ‘semimulher’, nem uma semicristã”. Depois desses encontros, vivo feliz, com boa saúde física, moral e espiritual. Por fi m associei minha fé cristã e minha sexualidade, meu espírito e meu corpo. É a divisão que deixa doente. Aos 46 anos encontrei a mulher de minha vida e vivemos como um casal desde então, felizes, desabrochamos e estamos completamente vivas. Minha vocação de amor é diferente, não inferior. Minha felicidade e minha saúde provêm do fato de que compreendi, aceitei e realizei. Diante de Deus, meu primeiro amor, recolhi meus pedaços espalhados, tornei-me fi nalmente o que sou, sem culpa, em paz e aben-çoada. Cada pessoa batizada é chamada a amar, e a dar.

Aurélie,

enfermeira, que vive com sua companheira há mais de dez anos

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