A fé cristã entende que a revelação bíblica
trata de forma indissociável Criação e Aliança.
A Criação é o primeiro passo para entender a
Aliança de Deus com seu povo eleito.
Para além do conhecimento natural que todo
homem pode ter do Criador, Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da Criação.
Ele, que escolheu os patriarcas, que fez Israel
sair do Egito e que, ao escolher Israel, o criou e o formou, se revela como Aquele a quem
pertencem todos os povos da Terra, e a terra inteira, como o único que "fez o céu e a terra" (Sl 115,15; 124,8; 134,3).
Assim, o Catecismo da Igreja, nos números
287 e 288, resume a longa experiência de Israel desde a libertação do Egito, passando pelos profetas, para proclamar a fé no Deus criador
. É necessário, entretanto,
considerar que o povo de Israel recebeu influências de povos circunvizinhos na Antiguidade para elaborar sua compreensão sobre as origens do universo.
Mesmo que as versões de outros povos não tenham determinado a concepção do Gênesis, certamente há interessantes intercâmbios.
podemos citar o mito babilônico
de Enuma Elish, o relato
mesopotâmico da Atrahasis e a epopeia de Gilgamesh
o Deus criador é único, não há outros deuses, e
cria por total gratuidade, sem interesse ou necessidade;
Deus não tem adversários nem precisa dar
razões de suas obras;
o ser humano é desejado como uma obra por
excelência, não era um escravo ou um acidente da Criação;
há uma realidade unitária entre matéria e
espírito, entre o que é criado e a imagem e semelhança de Deus; e
o humano é criado para ser feliz e participar da
o Antigo Testamento quer referir-se àquela
ação criadora que é específica e unicamente de Deus, usa o verbo
bârah
, presente 48vezes. No fim de cada dia, o autor sagrado diz que o Criador “viu que era boa” a obra daquele dia, expressão que se repete sete vezes.
essas aparecem contidas em
Gn
1,1 – 2,4a. Relato da criação em sete dias O texto de
Gn
2,4b-3,24 Relato da criação homem e mulher Adão e
Gênesis 1 Característica Gênesis 2
Sacerdotal autor Javista
Século V aC data Século X aC
Babilônia local Palestina
Seis dias duração 1 jornada
Plantas, astros, animais ordem homem, plantas
Homem e mulher animais, mulher
Universal: humano centro cenário Regional: humano
do cosmos centro na família
Sóbrio: Deus arquiteto antropomorfismo audaz: Deus
Trabalhou jardineiro, alfaiate
Origina-se pelo confronto com as cosmogonias
ambientais daquele tempo que colocavam em risco a fé de Israel. O escritor sagrado usará um relato mítico
preexistente, limitando-se a corrigi-lo em alguns pontos, complementando-o com o contexto da História da
Salvação.
Pode-se dizer que esse relato é um mito?
Se entendermos que mito é uma narração cujas descrições
não se ajustam à realidade em todos os seus detalhes, então diremos que sim.
O mesmo se dirá se pensarmos nos elementos míticos
que se encontram na narração.
Contudo, para a História das religiões o sentido de mito é
diferente. Não se trata de informar sobre o passado, mas de iluminar o presente. A intenção hermenêutica explica uma das características do mito: sua falta de historicidade.
Podemos dizer, portanto, que o relato não é
um mito se considerarmos que:
não se pretende ser objetivo nos detalhes,
mas na afirmação de que tudo procede de Deus;
o material mítico se insere num contexto
histórico, pois rompe com o presente contínuo e o tempo circular do mito; e
na origem, o humano já fala do fim, a Criação
: dia e noite; céu; terra; plantas; Sol e Lua; peixes
e aves; animais e homens. Fez isso em seis dias e no sétimo descansou. Aqui o relato bíblico segue tradições babilônicas e mesopotâmicas sobre a criação do mundo:
“Deus disse: haja...” “Assim se fez...”
“Viu Deus que era bom...”
Em Gn 1, 4a, Deus declara boa somente a luz (e
não a treva).
Diferentemente do javista, surge primeiro o
o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, isto é, conforme a linguagem do mundo
oriental: como correspondência à vontade de Deus de que o homem torne-se responsável pelo bem da
Criação. Deus cria e cuida!
O homem e a mulher são criados por vontade
expressa de Deus.
A promessa de bênção é para animais e homens:
fecundidade e multiplicação.
No relato, é possível apreender a identidade existente entre o Deus que salva Israel, o Deus da Aliança e o Deus Criador do céu e da Terra. Consequentemente, há uma profissão no monoteísmo que dá
exclusividade à autoria da Criação ao Deus único e verdadeiro. Não há deuses, nem lutas, nem outros elementos disputando a Criação. Tudo vem de Deus.
O sentido do repouso semanal indica
realização, isto é, iniciado e concluído, porém deve ser aperfeiçoado (criação continuada). Para isso será preciso manter a Aliança entre Criador e criatura. Ao dizer que Deus
descansou, o texto usa um antropomorfismo para indicar que o termo final da Criação está em Deus. O destino da Criação é Deus. Aqui se revela a perspectiva escatológica das
A situação inicial não é o caos das águas,
como no Capítulo 1, mas o caos desértico. A Terra é descrita como sendo seca e vazia. A ordem da Criação não segue o relato
sacerdotal, pois a primeira criatura que
aparece é o ser humano. Após a criação dos animais e das plantas, aparece, por fim, a
criação da mulher que é descrita com a mesma dignidade daquela do homem,
O homem é chamado Adão. No original
hebraico, o texto revela um jogo de palavras requintado: do solo –
adamah
é retirado um ser denominadoAdam
, homem. Por isso, o humano deve cultivar a terra e voltar a ser terra (pó) no fim de sua vida. Assim, o nomeAdão
,Adam
, não designa necessariamente onome do primeiro humano, mas a sua condição.
Gn 2, 4b-6 – condições da Criação antes de ser criado o homem;
Gn 2,5 – não havia o cultivo;
Gn 2,7 – o homem é feito da terra cultivável; nele é insuflado o nefesh, o sopro vital;
Gn 2,19 – também os animais são feitos de terra
cultivável;
mas não são parceiros para o homem;
e não é bom que o homem esteja só;
é preciso Ezer, uma ajuda; e
tirada da sela do homem (não da costela), elemento
de construção, tábua, viga. Feita de carne e osso (Gn 2,21-24).
não há um modelo paralelo em outras tradições
orientais que tratem da “mulher como ato da Criação divina”.
Enquanto é “ajuda” para o homem, não significa
prestação de serviços e sim como em 2,18 – ajuda para sair da miséria e da solidão.
A ação criadora de Deus é muito mais
antropomórfica, e o centro da descrição é a
queda do ser humano por meio do pecado. Esse consiste no fato de o ser humano desejar
colocar-se no centro de tudo, rompendo a
harmonia com Deus, com as demais criaturas e consigo mesmo.
Ambos os textos insinuam que a Criação é
uma novidade feita do nada. Também
expressam a transcendência de Deus em
relação às criaturas. Destacam a dependência e a relação especial do ser humano com
Deus. O humano é terra, mas é imagem de Deus, dotado de um espírito que Deus lhe soprou. Enfim, sublinha que a Criação não um ato isolado, pois é o início da História da salvação. A criação aponta para a Aliança, e essa culmina em Jesus Cristo.
revela a boa ordem da Criação de Deus;
ensina que a desordem foi causada pela ação
humana;
não dá resposta sobre a origem do mal;
espera o resgate de um dado original que estabeleça
a ordem; e
no fundo, quem mantém sua Criação é o próprio
Deus.
Os relatos da Criação contidos no Livro do Gênesis têm caráter religioso que não contradiz a ciência, pois têm outra perspectiva. Não seria possível,
portanto, deduzir do texto bíblico alguma teoria de ordem biológica ou científica sobre a origem do
no centro da Criação não está o ser humano nem o povo de Israel, mas Jesus Cristo e seus discípulos (At
4, 24-30 e 1Pe 4, 19); nesse sentido, acrescenta-se a esperança de um novo céu e nova Terra, cuja meta é a nova Jerusalém que tem como lâmpada o Cordeiro (Ap 21, 1-8); e
desenvolve-se a função de Cristo na Criação: ele é o princípio dinâmico da Criação e da recriação. Ele é o princípio e o fim de tudo. A meta final da Criação não é o ser humano, mas a recapitulação em Cristo para a glória da Trindade Santa. A pessoa humana é
compreendida como imagem do Filho, somos filhos no Filho, de tal forma que o ser humano só se
compreenderá a partir do mistério de Cristo (GS 22;
O mundo não é o produto de uma
necessidade qualquer, de um destino cego ou do acaso. Cremos que o mundo procede da
vontade livre de Deus
, que quis fazer comque as criaturas participassem de seu ser, de sua sabedoria e de sua bondade.
Deus não precisa de nada preexistente nem de
nenhuma ajuda para criar. A Criação também não é uma emanação necessária da substância divina. Deus cria livremente do nada. A fé na Criação a partir "do nada" é atestada na Escritura como
uma verdade cheia de promessa e de esperança. Assim, a mãe dos sete filhos os encoraja ao
martírio: “Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma.” (2Mc 7,22-23.28).
Feita
no
e por meiodo
Verbo eterno,"imagem do Deus invisível" (
Cl
1,15), aCriação está destinada, dirigida ao homem, imagem de Deus, chamado a uma
relação
pessoal com Ele.
Nossa inteligência, queparticipa da luz do intelecto divino, pode
entender o que Deus nos diz por meio de sua Criação, sem dúvida não sem grande esforço e com um espírito de humildade e de respeito diante do Criador e de sua obra.
Deus é infinitamente maior
que todas as suasobras. Mas, por ser o criador soberano e livre, causa primeira de tudo o que existe, Ele está presente no mais íntimo das suas criaturas: "Nele vivemos, nos movemos e existimos." (
At
17,28). Segundo as palavras de Santo Agostinho, Ele é "superiorsummo meo
etinterior
intimo meo
”. [Maior do que o que há de maior em mim e mais íntimo do que o que há de mais íntimo em mim.] "No princípio, Deus criou o céu e a Terra" (
Gn
1,1). Três coisas são afirmadas nessas
primeiras palavras da Escritura: o Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele. Só ele é Criador (o verbo
cria
r, em hebraico,bara
, sempre tem como sujeito Deus). Tudo que existe (expresso pela fórmula "o céu e a Terra") depende daquele que lhe dá o ser. "No princípio era o Verbo... e o Verbo era
Deus... Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito" (
Jo
1,1-3). O Novo Testamentorevela que Deus criou tudo por meio do
Verbo Eterno, seu Filho bem-amado. “Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra... tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste." (
Cl
1,16-17). A fé da Igreja afirma, outrossim, a ação criadora
do Espírito Santo: Ele é o "doador de vida", "o Espírito Criador" (Veni, Creator Spiritus).
Insinuada no Antigo Testamento, revela, na Nova
Aliança, a ação criadora do Filho e do Espírito, inseparavelmente una com o Pai e é claramente afirmada pela regra de fé da Igreja: Só existe um Deus...: ele é o Pai, e Deus é Criador, é o Autor, é o Ordenador. O Filho e o Espírito Santo são como que as duas mãos do Pai que tocam o ser
, não precisa completar-se e nem redimir sua
solidão. Deus cria simplesmente por amor e gratuidade. As criaturas participam
misteriosamente do jogo de comunicação de vida e amor trinitário. A meta da Criação é a
trinitarização, isto é, a comunhão plena das
criaturas com a trindade criadora. A Criação não se tornará Deus, nem Deus absorverá a obra
criada, mas pela distinção existente entre Criador e Criatura, entrarão numa comunhão perfeita,
quando Deus-Trindade será tudo em todos (1Cor
Problema:a ação criadora não é pontual. O mundo
não foi criado pronto e em estado definitivo. A criatura depende sempre do Criador e deve
sempre passar do não ser ao ser. “Deus atua
sempre naquele que Ele criou” ( Santo Agostinho)
Conservação manutenção: a contingência exige
que o mundo se mantenha numa ação conservadora: ação de sustento
Concurso Natural : conservação ativa: “Meu Pai
trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17). Criação permanente. Ele cria e sustenta tudo. A criatura participa desse ato criador de forma
criatural. Sinergia:ação conjunta de Deus e da criatura.
Problema: por que Deus criou o mundo? Qual
a finalidade? ( teleologia e escatologia)
A felicidade da criatura
Para partilhar seus bens com as criaturas Para comunicar sua bondade
Porque o amor é saída de si
"O mundo foi criado para a glória de Deus",
diz o Concílio Vaticano I. Deus criou todas as coisas. Explica São Boaventura: “
Non propter
gloriam augendam, sed propter gloriam
manifestandam et propter gloriam suam
communicandam.”
[Não para aumentar aglória, mas para manifestar a glória e para comunicar a sua glória.] Deus não tem outra razão para criar a não ser seu amor e sua
A glória de Deus consiste em que se realize
essa manifestação de sua bondade em vista da qual o mundo foi criado. Fazer de nós
"Filhos adotivos por Jesus Cristo: conforme o beneplácito de sua vontade para louvor à
glória da sua graça" (
Ef
1,5-6): "Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus." 1. o mundo não tem fim em si mesmo senão
em Deus
2. o fim último do mundo é o bem da criatura 3. Deus não se beneficia em nada da criação,
nem busca nada nela
4. o fim da criação está no cristocentrismo 5. a criação inteira é autocomunicação de