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O MOVIMENTO ABOLICIONISTA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

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XV ENCONTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA Universidade de Fortaleza

19 a 23 de outubro de 2015

O MOVIMENTO ABOLICIONISTA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Luana Silveira de Andrade 1* (PG); Beatriz Randal Pompeu Mota 2 (PG).

1. Mestrado em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza - CE. 2. Mestrado em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza - CE

luanasandrade@gmail.com

Palavras-chave: Movimento abolicionista. Pensamento constitucional brasileiro. Direito Constitucional.

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar os argumentos utilizados pelos antiescravistas durante o movimento abolicionista, de maneira a demonstrar a existência de originalidade no pensamento constitucional brasileiro. Através do estudo do contexto histórico e da análise dos debates políticos e jurídicos envolvendo a abolição, pretende-se evidenciar que as ideias de igualdade, de liberdade, de função social da propriedade e de consulta popular, que hoje são encontradas na Constituição Federal de 1888, começavam, nos séculos XVIII e XIX, a ser antecipadas por alguns pensadores. Além disso, com o intuito de fornecer uma compreensão mais profunda do cenário histórico, serão expostas as premissas utilizadas pela elite escravista em favor da manutenção da escravidão. Busca-se, ainda, por fim, delinear alguns aspectos do pensamento de José Bonifácio, os quais, contendo traços inovadores, serviram, cinquenta anos após a sua divulgação, como base da campanha em prol da emancipação dos escravos.

Introdução

Ainda que alguns argumentos, alicerces do movimento abolicionista, tenham tido suas primeiras aparições nos séculos XVII e XVIII, foi somente no século XIX que estes ganharam maior força e intensa repercussão social. O contexto histórico em que o movimento em defesa da abolição tomou lugar foi marcado por grandes mudanças no país, destacando-se, dentre estas, a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, e a proclamação da independência, em 1822.

No cenário de uma sociedade fortemente marcada pela conservadora elite escravista, fatores como o desenvolvimento urbano e o aumento do número de empresas e de profissionais liberais, de acordo com Costa (2007, p. 421), possibilitaram a formação de “uma camada menos comprometida com a escravidão e que irá servir de suporte para a ação abolicionista”. Neste contexto, no século XIX, as transformações ocorridas na economia cafeeira, o maior fluxo de imigração de estrangeiros e a melhoria nos sistemas de transportes, aliados à evolução da opinião pública, representaram condições decisivas para que o movimento abolicionista ganhasse maiores repercussão e receptividade.

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Dentre os antiescravistas, destacam-se as figuras de Maciel da Costa, de José Bonifácio e de Frederico Leopoldo Burlamaque, os quais, em linhas gerais, sustentavam que a escravidão constituía uma ameaça à liberdade e uma ofensa aos direitos da humanidade. Para eles, a inserção de melhoramentos no meio agrícola reduziria a necessidade de mão-de-obra e, sendo o trabalho livre mais produtivo, a emancipação dos negros deveria ocorrer gradualmente, de maneira a evitar que uma rápida mudança trouxesse consequências terríveis à sociedade e à economia.

Já os defensores do sistema escravista pregavam pela inferioridade racial do negro, não sendo raros aqueles que alegavam que a escravidão era uma situação bastante positiva, posto que aos escravos era oferecida uma vida tranquila, superior àquela dos trabalhadores livres de países europeus. Além disso, afirmavam que a escravidão era um mal necessário, não havendo outra alternativa de mão-de-obra para substituí-la. Assim sendo, acreditavam que a abolição levaria ao término da prosperidade nacional.

Metodologia

O estudo se deu, maiormente, por meio da análise bibliográfica de obras nacionais sobre o tema, focando em suas implicações jurídicas. Utilizou-se da leitura de livros, de revistas, de artigos e de publicações periódicas atinentes ao campo da História e do Direito, para fundamentar os argumentos expostos no trabalho. Realizou-se, ainda, uma análise crítico-construtiva sobre a formação do pensamento constitucional brasileiro, de maneira a identificar elementos originais contidos nas ideias defendidas pelos defensores da abolição da escravidão, os quais anteciparam muito do que está contido na Constituição de 1988. Portanto, diante do exposto, a pesquisa é de cunho qualitativo, realizada mediante análise doutrinária e histórica.

Resultados e Discussão

Os valores de igualdade, de liberdade, de função social da propriedade e de consulta popular, contidos na Constituição Federal de 1988, remontam suas origens às ideias defendidas pelos antiescravistas, manifestadas, especialmente, no contexto do movimento abolicionista. A existência de tais propostas, já naquele período, revelam a originalidade encontrada no pensamento constitucional brasileiro, antecipando muito do que hoje se encontra no texto constitucional.

No século XVII, surgem argumentos que, anos depois, serviriam de base para o movimento abolicionista. Para alguns sacerdotes residentes no Brasil, ainda que aceitassem irrestritamente a escravidão, era necessário conceder tratamento mais humano para os negros tomados como escravos. Para Padre Antônio Vieira (1993, p. 316), senhores e escravos, reis e vassalos, nobres e pequenos, deveriam ser tratados como naturalmente iguais, de forma a recriminar a crueldade com que eram tratados os negros escravizados.

É imperioso destacar que, no auge do movimento abolicionista, os defensores da escravidão alegavam a superioridade dos brancos e a inferioridade da raça negra para justificar o sistema escravista. De acordo com Costa (2007, 413), até mesmo “indivíduos mais ilustrados [...] acreditavam na inferioridade racial do preto e chegavam a considerar benéfico o cativeiro, que assumia aos seus olhos aspecto civilizador.” Em oposição a estas ideias, Miguel Lemos alegava não ser possível se falar em raças superiores ou inferiores, pois estas, na verdade, seriam apenas diferentes, devido à preponderância da inteligência, da atividade ou da afetividade (COSTA, 2007, p. 435). Neste sentido, revela-se a concepção de

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igualdade como a temos hoje, baseada na compreensão da diversidade.

Invocando o caráter civilizador e cristianizador da escravidão, os anti-abolicionistas alegavam que o tráfico era positivo para os negros, visto que os salvaria das barbáries de seus países de origem e garantiria dignas condições de vida. Argumentava-se que os senhores, na verdade, ao prover boas condições aos escravos, estariam os salvando, pois, caso fossem libertados, não conseguiriam sobreviver por conta própria.

De acordo com Lima e Queiroz (2011, p. 719), contrapondo a alegação de que a vida em cativeiro era mais benéfica do que o trabalho livre, a Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, em 1883, emitiu um manifesto arguindo que a liberdade era um direito natural e, portanto, inerente aos homens e independente de sua cor ou de sua raça. Em 1821, José Bonifácio (1823, p. 22), em representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa já se posicionava neste mesmo sentido, argumentando que, “se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens, que não pode ser propriedade de ninguém”.

As ideias presentados por José Bonifácio, em 1821, anteciparam os principais argumentos carregados pelo movimento abolicionista, de forma que suas ideias, cinquenta anos depois, viriam a ser utilizadas por Joaquim Nabuco. De acordo com Dolhnikoff (1996, p. 132), na concepção de José Bonifácio, “para a construção de um Estado moderno era precondição, questão de princípio, o fim da escravidão, garantindo-se dessa forma a ordem interna, o desenvolvimento econômico, a capacidade para o exercício da cidadania e as condições materiais para a imposição do poder público”.

Imperioso destacar, nesta senda, que o negro era considerado como verdadeira propriedade dos seus senhores, de forma que, seria, para os proprietários, inconcebível a possibilidade de desapropriação sem que fosse acompanhada do pagamento de indenização. Todavia, inúmeros eram os escravos existentes no Brasil, de forma que se tornava inviável para o governo o pagamento aos senhores pela emancipação de cada um deles. Como ilustração desta situação, tem-se que, em 1868, quando da apresentação ao Conselho de Estado de um projeto de lei de libertação do ventre da escrava, Barros Cobra e barão do Bom Retiro, alegavam que a cria dos escravos, assim como os filhotes de animais e como os frutos de uma árvore, pertencia aos seus senhores, de maneira que a aprovação de tal projeto representaria “uma violação flagrante do direito de propriedade que a Constituição mandava respeitar em toda sua plenitude” (COSTA, 2007, p. 421).

Anos antes, antevendo a utilização deste argumento pelos defensores da escravidão, José Bonifácio agasalha o pensamento de que a propriedade deveria ser utilizada de maneira a gerar o bem comum, levantando a “possibilidade de se questionar a distribuição e a utilização das terras como forma alternativa de se equilibrar as razões econômicas apontadas como óbice à abolição” (LIMA; QUEIROZ, 2011, p. 723). Nas palavras de José Bonifácio (1823, p. 12),

Mas direis talvez que se favorecerdes a liberdade dos escravos será atacar a propriedade. Não vos iludais, Senhores, a propriedade foi sancionada para bem de todos, e qual é o bem que tira o escravo de perder todos os direitos naturais, e se tornar de pessoa a coisa, na frase dos jurisconsultos? Não é pois o direito da força, pois que o homem, não podendo ser coisa, não pode ser objeto de propriedade.

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escravidão revelava-se ser um problema de cunho econômico, de forma que as posições mais extremadas deveriam ser evitadas. Assim sendo, uma consulta, de uso imediato, sobre a reforma deveria ser feita ao povo, posto que aquela decisão, considerando a sua gravidade, não caberia ao Parlamento (COSTA, 2007, p. 431). A grande inovação trazida por Pereira Barreto se encontra no fato de haver proposto uma consulta imediata para o caso concreto, distanciando-se das proposições teóricas e abstratas já defendidas por outros pensadores.

Com o passar do tempo, há o amadurecimento das ideias em prol da abolição, de maneira que, com a evolução da opinião pública, o movimento abolicionista adquire maior força e aceitação. A emancipação gradual se torna bem vista, sendo considerada, pela aristocracia, como uma opção menos danosa, quando comparada à hipótese de perda de todos os escravos. Neste contexto, a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885), embora inicialmente hajam sido ineficazes, demonstram os primeiros avanços na legislação caminhando para a abolição da escravidão dos negros.

De acordo com Costa (2007, p. 418), Alencar Araripe afirmava que a conveniência da escravidão já era reconhecida por todos, de forma que “a dificuldade estava em fazer desaparecer o escravo no Brasil, sem quebra do direito de propriedade, nem abalo da riqueza pública”. Neste contexto, é inegável que a Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871, e a Lei dos Sexagenários, promulgada em 28 de setembro de 1885, ainda que não fossem eficazes, representaram os primeiros avanços da legislação, caminhando esta no sentido da abolição da escravidão dos negros, ocorrida em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Áurea.

Conclusão

Com o fim da apreciação dos elementos norteadores da pesquisa, é possível afirmar que o movimento abolicionista foi, em grande parte, alicerçado em argumentos marcados por originalidade no âmbito do pensamento constitucional brasileiro. Neste contexto, como previamente estabelecido, destacam-se as ideias de liberdade, de igualdade, de função social da propriedade e de consulta popular, que representaram avanços para o pensamento da época, antecipando o que hoje se encontra disposto na Constituição brasileira.

Conclui-se por dizer que o pensamento constitucional brasileiro não representa uma cópia de ordenamentos estrangeiros, mas, na verdade, possui suas raízes na própria história do desenvolvimento nacional, como bem ilustra o período de luta pela abolição da escravidão. Diversas ideias, como as de José Bonifácio, apresentam-se a frente do seu tempo, voltando a ganhar força em momentos posteriores, quando em harmonia com as condições sociais.

Referências

ANDRADE E SILVA, José Bonifácio de. Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa

do Império do Brasil sobre a Escravatura. Paris: Tipografia de Firmin Didot, 1823.

COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. 4.ed. São Paulo: Unesp, 2007.

DOLHNIKOFF, Miriam. O Projeto Nacional de José Bonifácio. Novos Estudos, São Paulo, v. 46, n. 6, p.121-141, nov. 1996.

LIMA, Martônio Mont'alverne Barreto; QUEIROZ, Paulo Roberto Clementino. Um debate abolicionista brasileiro: Emília Viotti da Costa e o discurso de igualdade. Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p.705-729,

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jul./dez. 2011.

MENEZES, Marcelo Bueno. A formação do pensamento político-constitucional brasileiro: do

pluralismo das ideias europeias ao processo de ideologização misoneísta no Brasil (1808-1824). 2008. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina,

Santa Catarina, 2008.

PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: Colônia e Império. 21. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

VIEIRA, Antônio. Segundo Sermão: Sermões do Rosário. In: Obras completas de Padre Antônio Vieira. Porto: Lello, 1993, v. 10, p. 17-25.

Agradecimentos

Agradecemos à Universidade de Fortaleza, em especial ao Programa de Pós-graduação em Direito, pelo constante incentivo à pesquisa e à produção científica.

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