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BEM JURÍDICO E DIREITO PENAL ECONÔMICO

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Academic year: 2021

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BEM JURÍDICO E DIREITO PENAL ECONÔMICO    Helena Maria Ramos de Mendonça1    De acordo com o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007,p. 121), “bem é tudo que  possui valor, preço, dignidade, a qualquer título. Na verdade, bem é a palavra tradicional para  indicar o que, na linguagem moderna, se chama valor”. Acrescentando o adjetivo jurídico a tal  substantivo, obtém‐se que “bem jurídico” é tudo aquilo que é valioso para o direito, ou ainda,  aquilo  a  que  a  esfera  jurídica  atribui  valor.  Obviamente,  não  se  pretende,  no  breve  espaço  reservado  ao  desenvolvimento  deste  texto,  tratar  do  complexo  conceito  de  “valor”,  no  entanto é oportuno ressaltar que tal noção é histórica e, em certa medida, subjetiva, uma vez  que dirige o pensamento para uma “escolha ou preferência” (ABBAGNANO, 2007, p. 1176), ou  seja, a idéia “bem jurídico” permite a construção de uma definição (“aquilo que tem valor para  o  direito”),  o  problema  está  em  verificar  o  que  “cabe”  dentro  dela,  na  medida  em  que  a  variável “valor” representa seu elemento essencial.  

Apesar  de  se  aplicar  a  outras  circunstâncias,  esta  dificuldade  foi  bem  ilustrada  pelo  seguinte exemplo: 

 

“Se  tanta  incerteza  pode  surgir  nas  humildes  esferas  do  direito  privado,  quantas  mais não encontraremos nas grandes frases grandíloquas de uma Constituição, por  exemplo  nos  Quinto  e  Décimo‐Quarto  Aditamentos  à  Constituição  dos  Estados  Unidos,  quando  se  estatui  que  ninguém  será  ‘privado  da  vida,  liberdade  ou  propriedade  sem  a  observância  dos  trâmites  legais’?    Acerca  disto  disse  um  autor  que  o  verdadeiro  sentido  desta  frase  é  na  realidade  bastante  claro.  Significa  que  ‘nenhum w será x ou y sem z, sendo que w,x,y e z podem assumir quaisquer outros  valores dentro de um extenso conjunto’.” (March apud HART, 2007, p. 17) 

 

  Trazendo  para  a  discussão  alguns  dos  vários  conceitos  de  “bem  jurídico”  fornecidos  pela  doutrina,  é  possível  constatar  o  raciocínio  acima  desenvolvido:  “[Bens  jurídicos]  são  aqueles  pressupostos  valiosos  e  necessários  para  a  existência  humana”.  Ou  ainda:  são  “aqueles objetos dos quais o homem precisa para a sua própria livre auto‐realização” (Souza  apud  GUZELLA,  2010,  p.  06).  Nas  duas  assertivas,  o  conceito  fica  suspenso  pela  noção  de  “valor”  e,  portanto,  depende  de  uma  “escolha”  do  intérprete  e  de  uma  determinação  temporal ou histórica (critério da necessidade). Na realidade, as perspectivas que envolvem a 

1Doutora em Teoria e Dogmática do Direito pelo Programa de Pós‐ Graduação em Direito da Universidade Federal  de Pernambuco ‐ PPGD/UFPE. 

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noção de “valor” integram dois dos grandes vieses de tratamento das questões humanas, ou  seja,  a  perspectiva  que  privilegia  as  operações  mentais  realizadas  pelo  indivíduo  (“subjetivismo”) e a perspectiva que privilegia o social como área de compreensão e explicação  das experiências humanas. É certo que uma abordagem adequada de tais questões situa‐se em  algum ponto eqüidistante dos extremos acima mencionados, no entanto este equilíbrio não é  tarefa  simples  de  ser  resolvida.  Por  esta  razão,  este  texto  concentrará  sua  atenção  em  um  espaço mais próximo do “extremo social”, colocando em destaque elementos históricos com o  objetivo  de  demonstrar  que  a  incidência  da  proteção  jurídica  varia  na  medida  em  que  determinados valores sociais são destacados. 

  Sendo assim, trabalhando o tema “a proteção dos novos riscos e o bem jurídico penal”,  Guzella (2010, pp. 06‐07) faz algumas relações entre períodos históricos, valores privilegiados  e  objetos  protegidos  pela  esfera  jurídica:  1)  Alta  Idade  Média:  Valorização  da  família  e  da  comunidade  –  forte  reação  diante  dos  delitos  de  traição;  2)  Baixa  Idade  Média:  Desenvolvimento  das  relações  mercantis  –  Defesa  dos  feirantes;  3)  Século  XIII:  Centralização  do  poder  nas  mãos  do  monarca  (o  direito  canônico  inicia  processo  de  transferência  do  ius 

puniendi à autoridade real) – Noção de crime como ofensa à comunidade nacional; 4) Século 

XVII: Jusnaturalismo laico – Direito natural e razão legitimando instituições públicas; 5) Século  XVIII: Predomínio do direito natural – Combate à arbitrariedade, proclamação dos direitos que  pertencem  a  todos  os  indivíduos.  Vale  salientar  que  é  no  Século  XVIII  que  “a  limitação  do  poder punitivo pela teoria do contrato social trouxe a afirmação do princípio da legalidade [...]  que  permite  a  elaboração  de  um  conceito  material  de  crime,  representando  o  embrião  do  conceito de bem jurídico penal” (Cunha apud GUZELLA, 2010, p. 07); 6) Século XIX: Concepção  positivista do bem jurídico (interesse concreto prévio à norma) – Listz reconhece a existência  de  bens  jurídicos  supra  individuais  e  Binding  reconhecia  como  bem  jurídico  tudo  aquilo  que,  “[...]  aos  olhos  do  legislador,  tivesse  valor  como  condição  para  uma  vida  saudável  dos  cidadãos”;  7)  Século  XX:  Grandes  conflitos  mundiais  /  Moderna  Sociedade  Industrial  (Globalização)  –  Direito  penal  do  risco  (tendência  a  transcender  o  individualismo  do  direito  penal clássico ‐ tutela de interesses penais difusos e coletivos). 

Segundo Luciano Nascimento Silva (2008),    

“A  globalização  como  novo  modelo  social  ou  poder  hegemônico  se  inicia  de  forma  incisiva  como  fenômeno econômico  de maximização  dos  mercados.  Num  primeiro  momento,  com  a  expansão  do  sistema  de  comunicação  funcionando  como  instrumento  de  dominação,  numa  sistemática  de  oferecimento  da  informação  e  notícia  como  os  principais  produtos  de  consumo  da  nova  era,  provocada  por  uma  conseqüência  inerente,  que  é  a  da  evolução  tecnológica.  E, 

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num segundo, de completude e materialidade, de forma a realizar o fechamento  do  poder  hegemônico,  o  surgimento  da  integração,  em  regime  de  blocos  econômicos  discutindo  a  livre  circulação  de  bens,  serviços  e  fatores  produtivos  entre  países  através,  entre  outros,  da  eliminação  dos  direitos  alfandegários,  restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida  de  efeito  equivalente.  É  a  existência  de  um  poder  hegemônico  centrado  e  planificado num espaço integrado e homogêneo.” 

 

Ou  seja,  após  a  experiência  de  destruição  proporcionada  pelas  duas  grandes  guerras  mundiais e vivendo um contexto de fronteiras cada vez mais fluidas, o direito compreende que  atuar  na  punição  dos  resultados  pode  ser  ineficiente  diante  de  prejuízos  irreversíveis.  Desta  maneira, o valor “segurança coletiva” passa a apresentar uma vulnerabilidade cada vez maior,  exigindo condutas que lhe ofereçam proteção eficiente. 

  Surge assim o que Ulrich Beck chamou de “sociedade de risco”, influenciando o Direito  Penal  a  antecipar  a  proteção  penal  a  esferas  anteriores  ao  dano  e  criando  conceitos  como  “crimes  de  perigo  abstrato”  (atribuindo  punição  a  condutas  potencialmente  perigosas  sem  a  necessária  concretização  do  resultado)  e  “delitos  de  acumulação”,  na  expressão  de  Lothar  Kuhlen,  representando  condutas  que  individualmente  não  provocam  risco  ao  bem  jurídico,  mas  se  praticadas  por  um  conjunto  de  pessoas  devem  atrair  a  tutela  penal.  Ao  admitir  tais  conceitos, o direito penal do risco cria os requisitos essenciais para o que se chama “expansão  do direito penal”, uma vez que cria condições para que a esfera penal interfira em áreas que  lhe eram alheias, mas que passaram a reivindicar sua avaliação.    

  Os  parágrafos  desenvolvidos  expressam  um  reduzidíssimo  diagnóstico  do  moderno  direito penal. Desta forma, de acordo com o tema proposto para este texto (“Bem jurídico e  direito  penal  econômico”),  resta  estabelecer  uma  relação  entre  tal  realidade  e  o  que  se  constata  como  uma  das  faces  da  expansão  do  direito  penal,  ou  seja,  o  direito  penal  econômico. 

  Pedindo  perdão  pelas  repetições,  faz‐se  necessário  afirmar  que  a  problemática  da  relação  entre  bem  jurídico  penal  e  bem  jurídico  penal‐econômico  passa,  fundamentalmente,  pela  questão  acima  sinalizada  da  “expansão  do  direito  penal”.  Ora,  “expansão”,  como  a  palavra sugere, é dilatação, desenvolvimento, movimento para fora, ou seja, é uma ação que  ultrapassa os limites originais, o que expõe o espaço raiz a elementos estranhos e, por vezes,  incompatíveis.  Ao  expandir‐se,  o  direito  penal  abre  seu  espaço  a  novas  realidades  e  precisa  realizar adaptações. 

  Segundo Silva (2010),    

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“Quatro  são  os  princípios  que  possibilitam  a  identificação  de  quais  bens  jurídicos  devam  ser  tutelados  pelo  Direito  Penal.  O  primeiro  é  o  princípio  da  lesividade,  segundo  o  qual  é  indispensável  para  a  tutela  penal  de  um  bem  jurídico  a  comprovação da lesão efetivamente sofrida por este, sem a qual não será possível a  aplicação de qualquer sanção pelo Estado ao seu ofensor. O segundo é o princípio  da intervenção mínima, pelo qual o Direito Penal somente deverá atuar na proteção  de  bens  jurídicos  imprescindíveis  à  coexistência  pacífica  dos  homens  e  que  não  possam ser eficazmente tutelados por outros ramos do direito. O terceiro princípio  é o da fragmentaridade, segundo o qual somente agressões e ataques socialmente  intoleráveis  a  bens  jurídicos  de  extrema  relevância  os  sujeitam  a  tutela  penal.  O  quarto e último princípio é o da subsidiaridade, pelo qual o Direito Penal é remédio  extremo,  somente  utilizável  quando  a  atuação  de  qualquer  outro  dos  ramos  do  direito,  como  o  Direito  Civil  ou  Administrativo,  se  quedar  insuficiente.”  (Grifo  do  autor) 

 

Este é o espaço do direito penal clássico, original. 

Apesar  da  dificuldade  de  formular  definições,  é  preciso  criar  um  núcleo  mínimo  à  noção de bem jurídico penal econômico para dar continuidade à discussão. Desta forma, tem‐ se que o direito penal econômico elege como bem jurídico “algum aspecto da ordem pública  econômica  concreta  estabelecida  em  determinado  país,  em  certa  época”  (BALDAN,  2005,  p.  65)  tutelando  interesses  difusos2,  ou  seja,  "interesses  indivisíveis  de  grupos  menos  determinados  de  pessoas,  entre  as  quais  inexiste  vínculo  jurídico  ou  fático  muito  preciso"  (Mazzilli  apud  SILVA,  2010).  Esta  é  a  primeira  incompatibilidade  entre  o  espaço  original  do  direito penal e o espaço de expansão que atinge o direito penal econômico: conciliar a tutela  de interesses difusos e o princípio da lesividade, uma vez que a determinação da lesão torna‐ se  difícil  de  ser  identificada  diante  da  fluidez  do  grupo  de  pessoas  atingido.  Por  outro  lado,  tanto  o  princípio  da  intervenção  mínima  quanto  o  princípio  da  subsidiariedade  sugerem  controvérsias, questionando uma possível administrativização do direito penal, de acordo com  o argumento de que tal ramo jurídico, ao pretender tutelar a esfera econômica, passaria a ser  instrumento  de  políticas  públicas;  assim  como  questiona‐se  a  desconsideração  das  sanções  administrativas, ou seja, ao apelar‐se imediatamente à esfera penal, o critério de ultima ratio  estaria comprometido.   

A doutrina tem elaborado diversas teorias reconhecendo, em maior ou menor grau, as  arestas  geradas  pela  “sociedade  de  risco”  (GUZELLA,  2010,  pp.  10‐13):  1)  Teoria  monista‐  pessoal  dos  bens  jurídicos  ou  teoria  antropocêntrica:  defendida  por  alguns  integrantes  da 

2 A perspectiva que privilegia a tutela de interesses difusos pelo direito penal econômico vem da característica de  “conflituosidade”  atribuída  a  tais  interesses,  considerando‐se  a  criminalidade  econômica,  predominantemente,  como criminalidade dos poderosos.  

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Escola de Frankfurt ( Hassemer, Naucke, Albrecht), afirma que o direito penal não é o espaço  adequado  ao  tratamento  das  questões  geradas  pela  moderna  “sociedade  de  risco”,  ou  seja,  conduzir  tais  questões  ao  âmbito  penal  seria  ineficiente,  além  de  ameaçar  características  essenciais de tal área do direito, como “os limites de aferição de responsabilidade, que devem  ser  individualizados”;  2)  Teoria  pessoal  dualista  dos  bens  jurídicos  ou  teoria personalista  dos  bens jurídicos supra‐individuais: defende a criação de bens jurídicos com novas características,  aptos  a  atenderem  as  demandas  surgidas  pela  “sociedade  de  risco”,  desde  que  dotados  de  referência  pessoal;  3)  Teoria  dos  bens  jurídicos  meio  ou  instrumentais:  esta  teoria  busca  legitimar  a  antecipação  da  proteção  penal,  entendendo  que  tal  antecipação,  nos  casos  de  crimes de perigo abstrato, por exemplo, são bens jurídicos meio à bens jurídicos fins; 4) Teoria  dos bens jurídicos coletivos: reconhecimento  do bem jurídico coletivo com a  “capacidade  de  exercer  o  padrão  crítico  de  incriminação”;  5)  Proposta  de  abandono  do  paradigma  de  bem  jurídico: defesa de uma “tutela direta de relações ou contextos de vida.”  Diante dos dois extremos esboçados, este texto defende a permanência do paradigma  do bem jurídico, aproximando‐se do entendimento privilegiado pela Escola de Frankfurt.                                           

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Referências Bibliográficas:   

‐ABBAGNANO, Nicola. Bem. In: Dicionário de Filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.   

‐BALDAN,  Édson  Luis.  Direito  Penal  Econômico.  Disponível  em 

http://books.google.com.br/books. Acessado em 11 de Maio de 2010.   

‐ GUZELLA, Tathiana Laís. A Expansão do direito penal e a sociedade de risco. Disponível em  http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/brasilia/13_357.pdf.  Acessado  em  11  de  Maio de 2010. 

 

‐HART, Herbert. O Conceito de direito. 5ª Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2007.   

‐ SILVA, Luciano Nascimento. O moderno direito penal econômico. A ciência criminal entre o  econômico  e  o  social.  Disponível  em  http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4840.  Acessado em 11 de Maio de 2010. 

 

‐  SILVA,  Rosana  Ribeiro  da.  Tutela  Penal  dos  interesses  difusos.  Disponível  em  http://www.ambito‐

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=848. Acessado em 11  de Maio de 2010. 

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