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PARÁBOLA DOS FARÓIS Walter Paulo Sabella*

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Academic year: 2021

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PARÁBOLA DOS FARÓIS

Walter Paulo Sabella*

Ali estava, diante dos meus olhos, o velho farol de Stratford Point, construído sobre a base cilíndrica de ferro fundido, vestida de branco e circundada por uma faixa em vermelho vivo, numa nesga de terra de quatro acres, coberta de grama verdejante e cercada de balaústres de meia altura.

Sentinela solitária, enraizada no solo arenoso do condado de Fairfield desde 1822, isolada do acesso de curiosos pela placa de advertência pendurada nas madeiras do pequeno portão. Na parte externa do cercado, abaixo do nome Stratford Point Lighthouse, a indicação de ser mantido e operado pela Guarda Costeira dos Estados Unidos.

Há quase dois séculos plantado naquele ponto de Cannecticut, com seus olhos de devassar trevas a trinta e cinco pés do chão, o antigo guardião das navegações cumpre a missão de dar rumos às embarcações, no grande estuário de Long Island, que recebe, dentre outras, as águas do rio Housatonic.

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Meu encontro com o velho farol se deu nos primeiros dias do outono, quando as folhas das árvores, no Hemisfério Norte, começam a ganhar tonalidades novas de amarelo, laranja, vermelho, dourado e marrom, em mágico espetáculo policrômico de beleza terminal que precede sua queda.

Naquele entardecer, em que a silhueta ligeiramente cônica da centenária sentinela se contrapunha ao fundo azul do céu sem nuvens, vinha da imensidão das águas para a terra um vento gelado, quase cortante, prenúncio das baixas temperaturas dos dias subsequentes.

Não foi meu primeiro contato assim próximo com um farol; foi, no entanto, a primeira vez que a proximidade desse aliado dos navegantes, em atmosfera de silêncio e solidão, ensejou-me reflexões que nunca fizera, despertando-me para a iniciativa de ler um pouco a respeito.

Espalham-se pelo mundo desde tempos remotos, quando os fachos de luz eram ativados incandescendo-se azeite de oliveira, por vezes de baleia, depois petróleo ou gás e, finalmente, eletricidade. Os romanos foram os construtores de vários faróis, muitos ao longo da costa

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mediterrânea. Com a derrocada do Império Romano do Ocidente, o progressivo enfraquecimento do comércio marítimo os levou ao desaparecimento. No século XI começaram a ressurgir, multiplicando-se durante o ciclo das grandes navegações para o Novo Mundo.

Como a consciência humana se assemelha a uma carta de navegação com rotas múltiplas e, não raro, antagônicas, à existência dos faróis foram contrapostos os afundadores, falsas luzes preordenadas a desviar as embarcações para áreas de naufrágio, seguindo-se a pilhagem dos destroços. Comum no Norte da Europa, a prática teve incidência menos expressiva em Portugal, pois as ordenações diziam que os salvados de um acidente náutico, em qualquer hipótese, pertenceriam à Coroa, não a quem os resgatasse.

Os registros históricos dão a primazia da antiguidade ao farol de Alexandria, construído entre 280 e 247 a.C. na ilha de Faros, arrolado entre a sete maravilhas do mundo antigo, sustentando alguns que sua altura chegava a cento e vinte metros.

Voltando às reflexões provocadas pela visita a Stratford Point Lighthouse, sob os ventos gélidos da tarde

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outonal, aflora automática a percepção do paralelismo existente entre os faróis e os homens.

Estes, como aqueles, podem ser luzes a resplandecer na escuridão, mostrando rotas de segurança para os que navegam; podem ser afundadores a conduzir os navegantes de encontro aos arrecifes ou bancos de areia; podem, simplesmente, como os faróis inativos ou apagados, ignorar as travessias alheias, as procelas que esfacelam cascos e mastros, os naufrágios que engolem criaturas e quilhas.

Pelos destroços à deriva na dança das ondas e pelas bancarrotas em que afundam os países, não parece complexo identificar os faróis que servem de guias nos cursos de barcos e povos.

*O autor é procurador de Justiça, com licenciatura plena em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Atuou no radiojornalismo e na imprensa escrita. É membro da Academia Brasileira de Direito Criminal.

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Durante o dia, os faróis são identificados pela forma e a cor da torre, e à noite pelas características do seu facho luminoso. Sua iluminação pode ser branca ou colorida, fixa ou intermitente e ritmada. Os clarões são produzidos pela rotação controlada do sistema óptico e as eclipses (períodos de obscuridade), pelo giro de

painéis internos que cobrem o dispositivo luminoso.

Os lampejos de cada farol constituem uma linguagem lógica, que permite aos marinheiros determinar sua localização, identificar o traçado da costa, o porto mais próximo, e outras informações necessárias.

Referências

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