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REDEQUIM NA LUTA CONTRA A MPV 746 POR UM ENSINO MÉDIO DE QUALIDADE

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Academic year: 2021

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VOLUME 2 | NÚMERO 2 | OUTUBRO | 2016

REDEQUIM, V 2, N 2, OUT, 2016 1

Agnaldo Arroio

Carina Siqueira de Morais

Daisy de Brito Rezende

David Pereira Faraum Junior

Eliana Moraes de Santana

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

Helaine Sivini Ferreira

Iêdja Firmino da Silva Francisco

Marcelo Maia Cirino

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares

Murilo Sérgio da Silva Julião

Neidimar Lopes Matias de Paula Calixto

Nicole Glock Maceno

Nínive Matias Rodrigues Silva

Patrícia Salvador Tessaro

Raquel Oliveira dos Santos Fontenelle

Roberto Carlos Silva dos Santos

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

Samuel Soares Pereira

Sinara München

Vanessa da Silva Santos

Vivian S. Calixto

Wanderson Diogo Andrade da Silva

Wélica Patrícia Souza de Freitas

Wilka Karla Martins do Vale

REDEQUIM NA LUTA CONTRA A MPV 746

(2)

SUMÁRIO

V2, N2, OUT

, 2016

EDITORIAL

P.

0

03

TEORIA EM FOCO

1

JOGOS E ATIVIDADES LÚDICAS NO ENSINO DE QUÍMICA: UMA DISCUSSÃO TEÓRICA NECESSÁRIA PARA NOVOS AVANÇOS

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares

P.

0

05

2

PROFESSORES DE CIÊNCIAS COMO AGENTES SOCIOCULTURAIS E POLÍTICOS: A ARTICULAÇÃO VALORES SOCIAIS E A ELABORAÇÃO DE CONTEÚDOS CORDIAIS

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira e Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

P.

0

14

ARTIGOS DE PESQUISA

3

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM ENSINO DE QUÍMICA

Patrícia Salvador Tessaro e Nicole Glock Maceno

P.

0

32

4

A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL PARA A PROMOÇÃO DA CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA NO

ENSINO DA QUÍMICA E DAS CIÊNCIAS Carina Siqueira de Morais e Helaine Sivini Ferreira

P.

0

45

5

CONSCIENTIZAÇÃO SOCIAL E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: DESENVOLVIMENTO DE VALORES EM AULAS DE QUÍMICA A PARTIR DO TEMA PLÁSTICOS

Wélica Patrícia Souza de Freitas, Sinara München e Vivian S. Calixto

P.

0

56

6

O ENSINO DE QUÍMICA FRENTE À EXPERIMENTAÇÃO: CONHECENDO DIFERENTES REALIDADES

Nínive Matias Rodrigues Silva, Wanderson Diogo Andrade da Silva e Neidimar Lopes Matias de Paula Calixto

P.

0

70

7

COMPORTAMENTO DOS PROFESSORES INICIANTES DE QUÍMICA FRENTE À REALIDADE DOS

PROBLEMAS EDUCACIONAIS

Murilo Sérgio da Silva Julião, Samuel Soares Pereira e Raquel Oliveira dos Santos Fontenelle

P.

0

79

8

ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NO ENSINO DE QUÍMICA: DISCUTINDO EQUILÍBRIO QUÍMICO NO ENSINO MÉDIO PELA PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA DE KELLY

Roberto Carlos Silva dos Santos, Vanessa da Silva Santos, Wilka Karla Martins do Vale e Iêdja Firmino da Silva Francisco

P.

0

92

9

A UTILIZAÇÃO DAS TIC NO ENSINO DE QUÍMICA DURANTE A FORMAÇÃO INICIAL

David Pereira Faraum Junior e Marcelo Maia Cirino

P. 102

RESENHAS DE LIVROS

10

RESENHA DO LIVRO: TÓPICOS EM ENSINO DE QUÍMICA

Daisy de Brito Rezende e Eliana Moraes de Santana

P. 114

COBERTURA DE EVENTOS CIENTÍFICOS

11

Simpósio Brasileiro de Educação Química chegou à Manaus em 2016

(3)

EDITORAL

presentamos mais um número da REDEQUIM – Revista Debates no Ensino de Química, último número do ano de 2016, um ano marcado por muitas reviravoltas políticas no nosso país e que afetam diretamente as principais preocupações da revista – pesquisa e ensino. Em meio a algumas incertezas, nos últimos meses a tristeza tem sido ainda maior, maximizada por perdas marcantes na área de ensino de química, pessoas que farão falta agora e ainda por um longo tempo. Perdemos os professores Fábio Adriano Santos da Silva e Wildson Luiz Pereira dos Santos.

A

O professor Wildson Santos foi e ainda é um dos maiores nomes do Ensino de Química no Brasil, tendo influenciado em grandes proporções algumas gerações de pesquisadores da nossa área, com suas pesquisas de grande qualidade e relevância, com seu jeito sempre agradável e atencioso e grande disponibilidade. Deixa um vazio incomensurável para todos. O professor Fábio Adriano Silva, colega nos trabalhos da REDEQUIM e professor bastante querido no Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco, estava iniciando um novo trabalho, agora na Universidade Federal de Alagoas, feliz por retornar à sua casa. Por tudo que representam para nossa área, esse número da REDEQUIM é totalmente dedicado a eles.

Esse número da REDEQUIM conta com dois trabalhos na seção “Teoria em Foco”. O primeiro, “Jogos e Atividades Lúdicas no Ensino de Química: Uma Discussão Teórica Necessária para Novos Avanços”, de autoria de Márlon Herbert Flora Barbosa Soares, um dos grandes nomes do Brasil nessa área e presidente da divisão de Ensino da SBQ, apresenta uma discussão aprofundada sobre a temática, além de mostrar como as pesquisas sobre esse objeto têm sido desenvolvidas no Brasil. O segundo, de Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira e Glória Regina Campello Pessôa Queiroz, intitulado: “Professores de Ciências como Agentes Socioculturais e Políticos: A Articulação de Valores Sociais e a Elaboração de Conteúdos Cordiais” discute o estabelecimento de reflexões sobre a formação de professores de Ciências a partir de uma perspectiva deveras necessária, a educação em direitos humanos.

Entre os artigos de pesquisa, a formação de professores é destaque nos textos “Estágio Supervisionado em Ensino de Química”, de Patrícia Salvador Tessaro e Nicole Glock Maceno; e “Comportamento dos Professores Iniciantes de Química Frente à Realidade dos Problemas Educacionais”, de Murilo Sérgio da Silva Julião, Samuel Soares Pereira e Raquel Oliveira dos Santos Fontenelle. Os artigos acrescentam bastante a discussão sobre a formação inicial de professores de química no país e são leituras bastante interessante para todos aqueles que atuam e pesquisam nessa área.

O artigo “A Educação Não-Formal para a Promoção da Cultura Científica e Tecnológica no Ensino de Química e das Ciências”, de Carina Siqueira de Morais e Helaine Sivini Ferreira, busca, segundo as autoras, apresentar alguns elementos que permitem compreender e diferenciar modalidades de ensino distintas, a saber: formal, não-formal e informal, além de uma reflexão sobre as potencialidades da educação não-formal para o ensino da química e das ciências.

A discussão sobre a preservação do ambiente é tema central do texto “Conscientização Social e Preservação Ambiental: Desenvolvimento de Valores em Aulas de Química a partir do Tem Plásticos”, de Wélica Patrícia Souza de Freitas, Sinara München e Vivian S. Calixto. No artigo, as autoras destacam o desenvolvimento de uma sequência didática para investigação das implicações da abordagem dos plásticos para o ensino do conteúdo polímeros, a partir do enfoque CTS.

Diferentes estratégias didáticas são abordadas nos trabalhos “O Ensino de Química Frente à Experimentação: Conhecendo Diferentes Realidades”, de Nínive Matias Rodrigues Silva, Wanderson Diogo Andrade da Silva e Neidimar Lopes Matias de Paula; “Estratégias Didáticas no Ensino de Química: Discutindo Equilíbrio Químico no Ensino Médio pela Perspectiva Epistemológica de Kelly”, de Roberto Carlos dos Santos, Vanessa da Silva Santos, Wilka Karla Martins do Vale e Iêdja Firmino da Silva Francisco; e “A Utilização das TIC no Ensino de Química Durante a Formação Inicial”, de David Pereira Faraum Junior e Marcelo Maia Cirino. São trabalhos que serão bem importantes para a discussão em disciplinas de graduação e pós-graduação, além de serem bem interessantes para os professores de diferentes níveis de ensino para pensar e repensar suas aulas de química.

Ainda, temos a cobertura da última edição do SIMPEQUI – Simpósio Brasileiro de Educação Química, feita pelo coordenador, Agnaldo Arroio. O SIMPEQUI um dos maiores eventos da nossa área, que no ano de 2016 aconteceu em Manaus, Amazonas. Ficamos muito

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orgulhosos de poder publicar essa cobertura. Por fim, temos a resenha do livro “Tópicos em Ensino de Química”, realizada por Daisy Brito Rezende e Eliana Moraes de Santana, que estão entre os autores da obra.

Também salientamos como vital a publicação desse número da revista em face dos acontecimentos nacionais como a aprovação da Medida Provisória 746 (MPV 746), da possível aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 241 e agora tramitando como 55 (PEC 241 / 55). Dos episódios de corrupção escancarada nas esferas do Executiva, Legislativa e Judiciaria de nosso governo federal. Salientamos que a aprovação de tais medidas e a manutenção de corruptos no poder só nos leva a um caminho onde educação e saúde são negócios geridos por empresas de grande capital, deixando de ser bens públicos geridos pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro. Entendemos que a Reforma do Ensino Médio proposta pelo Governo Michel Temer em nada resolve os problemas basilares do Ensino Médio, pelo contrário, como já apontado em diversos documentos e apresentado pela Profª Drª Monica Ribeiro da Silva (Observatório do Ensino Médio da UFPR), nos coloca dentro de um Estado de exceção e de aumento da desigualdade ao negar a camada mais necessitada a possibilidade de um currículo integral e trilhando um caminho de uma profissionalização precoce e de má qualidade e criando um abismo entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, impedindo esse jovem de ter a formação mínima para cursar uma Universidade. É nesse sentido que dizemos não a MPV 746 e ao desmonte da Educação Pública.

Quanto a PEC 55 somos contra ao corte de investimentos na Educação e Saúde, pois para qualquer nação que busca alcançar um patamar superior tem de investir nessas duas áreas que são consideradas estratégicas. Nesse sentido, entendemos que tal medida aumenta a desigualdade, além de negar a grande parte da população direitos garantidos em constituição. Somos contra ao congelamento dos serviços públicos de Educação e Saúde em nosso país.

Esperamos satisfazer as expectativas quanto ao novo número da REDEQUIM e esperamos um ano de 2017 de muita luta, resistência, alegria e trabalho para todos.

(5)

01

GAMES AND PLAYFUL ACTIVITIES IN CHEMISTRY TEACHING: A THEORICAL DISCUSSION

REQUIRED FOR NEW ADVANCEMENT

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares

1

(marlon@ufg.br)

1. LEQUAL - Instituto de Química - Universidade Federal de Goiás

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares: coordenador do Laboratório de Educação Química e Atividades Lúdicas do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás, local onde também é professor do curso de Licenciatura em Química e Orientador de mestrado e doutorado no Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências.

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E

O

R

IA

E

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O

C

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JOGOS E ATIVIDADES LÚDICAS NO

ENSINO DE QUÍMICA: UMA

DISCUSSÃO TEÓRICA NECESSÁRIA

PARA NOVOS AVANÇOS

(6)

RESUMO

Este trabalho pretende discutir alguns aspectos relacionados ao uso de jogos e atividades lúdicas no ensino de química. A ideia é, a partir do aumento significativo do uso de jogos nos últimos anos, fazer um debate teórico sobre suas funções lúdicas e educativas, além de questões relacionadas a relação dos jogos com algumas teorias de aprendizagem. Pretendemos também pontuar alguns problemas relacionados a sua aplicação em sala de aula além de fazer uma discussão teórico-filosófica sobre o termo jogo e também suas implicações.

Palavras-Chave: Jogos em Ensino de Química, Educação em Química.

ABSTRACT

This paper aims to discuss some aspects related to the use of games and play activities in chemistry education. The idea is, from the significant increase in the use of games in recent years, realize a theoretical debate about game and their educational functions, as well as issues related to the the games and some learning theories. We also intend to point out some problems related to its implementation in the classroom in addition to making a theoretical and philosophical discussion of the game and also its implications.

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1. INTRODUÇÃO

esde o ano 2000 houve um aumento significativo na utilização de jogos e atividades lúdicas aplicadas ao ensino de química. A consequência direta disso é o crescente número de trabalhos apresentados em encontros nacionais, como o Encontro Nacional de Ensino de Química (ENEQ), Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, bem como encontros regionais, tais como o EDEQ, ECODEQ, EVEQ e EDUQUI, entre outros.

D

A partir dessa demanda, em 2014 foi realizado em Goiânia - GO, o I Encontro Nacional de Jogos e Atividades Lúdicas no Ensino de Química, o JALEQUIM. A ideia era fazer discussões teórico-metodológicas sobre o uso de jogos para melhoria da área de pesquisa e também das aplicações em sala de aula. Com o mesmo propósito, realizou-se também o II JALEQUIM, também em Goiânia, em 2016.

Notamos uma melhoria na discussão teórica, mas ainda detectamos vários problemas relacionados principalmente ao mal uso das teorias envolvendo jogos, bem como a não discussão de questões de ensino e aprendizagem a partir dessas considerações, além da falta de diálogo entre os jogos e as teorias de ensino e aprendizagem.

Assim, a proposta desse artigo, é ampliar em alguns aspectos a discussão teórico metodológica que iniciamos em Soares (2008) e em Soares (2013), além de alguns aspectos discutidos em Soares (2015) no intuito de aumentarmos o cabedal teórico em relação ao uso de jogos e atividades lúdicas no ensino de química.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Podemos entender o aumento do número de trabalhos em três frentes: produção de dissertações e teses; trabalhos em congressos e produção de artigos científicos. Houve aumento nas três frentes, conforme apresentado na Figura 1 e nos Quadros 1 e 2 a seguir:

Figura 1: Produções de dissertações acadêmicas (MA), dissertações profissionais (MP) e Doutorados (D) na temática de jogos entre 2004 e 2016.

Fonte: GARCEZ, 2014.

No período descrito na Figura 1, houve a produção de 21 trabalhos acadêmicos diretamente na temática de jogos e atividades lúdicas no ensino de química. Apesar do gráfico mostrar um crescimento no número de trabalhos, a quantidade pode ser considerada muito pífia em relação às outras áreas do ensino de ciências. Uma quantidade pequena de trabalhos científicos redunda em pouca discussão e limita o crescimento da área.

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Quadro 1: Número de Trabalhos com Jogos nas Reuniões Anuais da SBQ e no ENEQ

ANO ENEQ TRABALHOSNÚMERO DE REUNIÃOANUAL TRABALHOSNÚMERO DE

2000 X 5 23 2 2001 24 0 2002 XI 10 25 5 2003 26 6 2004 XII 14 27 4 2005 28 7 2006 XIII 28 29 4 2007 30 15 2008 XIV 28 31 13 2009 32 13 2010 XV 45 33 8 2011 34 33 2012 XVI 76 35 7 2013 36 16 2014 XVII 90 37 17 2015 38 10 2016 XVIII 81 39 11

Fonte: GARCEZ (2014), adaptado.

No quadro 01 podemos observar um crescimento constante de trabalhos durante o ENEQ e variações nas reuniões anuais da SBQ. Isto é, fica evidente um crescimento do trabalho de jogos em um evento que é específico para o ensino de química e que tem relação direta com o tipo de público que frequenta ambos os eventos. No XVIII ENEQ, em 2016 podemos notar uma pequena queda no número de trabalhos, no entanto houve uma aumento considerável no número de apresentações na Mostra de Materiais Didáticos (MOMADIQ), em sua maioria, jogos.

Quadro 2: Número de Trabalhos com Jogos nas Reuniões Anuais da SBQ e no ENEQ

REVISTA NÚMERO DEARTIGOS

Química Nova (1978-2016) 5

Química Nova na Escola (1996-2016) 23

Revista Brasileira de

Ensino de Química (2000-2016) 5

Revista Brasileira de Pesquisa em

Educação em Ciências (2000-2016) 1

TOTAL 34

Fonte: GARCEZ (2014), adaptado.

No Quadro 2 observamos que as produções na forma de artigo estão praticamente concentradas em Química Nova na Escola, considerando-se que uma parte considerável dos trabalhos ali publicados são relatos de experiência. De qualquer forma, assim como discutido em relação aos eventos científicos (Figura 01), a quantidade de trabalhos ainda é pequena em relação às outras área dos conhecimento dentro do ensino de ciências.

Creditamos esse aumento também ao fato de que os jogos realmente funcionam em sala de aula. É evidente que a alternativa, desde que bem planejada, teorizada e aplicada, funciona adequadamente, tanto para ensinar um conceito quanto para ser utilizado como fixador do conteúdo em uma atividade de avaliação do conteúdo ministrado. O aumento dos trabalhos nos mostra que os jogos eram bastante utilizados em sala de aula, mas não havia uma preocupação em fazer com que tais aplicações se transformassem em trabalhos científicos, exatamente porque não havia esse viés antes dos anos 2000.

As publicações antes dessa data eram esparsas e descreviam quase que amplamente, relatos de experiências. A partir da discussão inicial sobre as potencialidades do jogo, passou-se a entendê-lo também uma um material didático a ser estudos em todas as suas vertentes, desde psicológicas e filosóficas até os aspectos

(9)

3. E O QUE SÃO OS JOGOS AFINAL DE CONTAS?

A palavra Jogo tem uma quantidade grande de significados, principalmente na língua portuguesa. Essa polissemia também atrapalha o próprio significado quando os referimos ao seu uso no ensino de ciências. Tentaremos a seguir, fazer uma caracterização do jogo, em seu sentido mais filosófico e histórico, para depois discutirmos a questão pedagógica.

Se pudéssemos fazer um resumo, concordaria com o descrito em Garcez (2014): dada a complexidade envolvida na definição de jogo e a dificuldade em sua conceituação, apresentaremos as características formais por meio das quais culturalmente identificamos e reconhecemos determinadas atividades como jogo. Resumidamente o jogo pode ser descrito como uma atividade livre, consciente, não-séria, exterior a vida habitual, com desinteresse material e natureza improdutiva, que possui finalidade em si mesma, prazer (ou desprazer), caráter fictício ou representativo, limitação no tempo e no espaço, com regras explícitas e implícitas.

Nesse sentido, para Huizinga (2000) o jogo vai além da competição. Ele é uma atividade voluntária, que tem como única especificidade, o prazer, o divertimento. Não é jogo para o autor, aquilo que não é prazeroso ou ainda, voluntário. Em sua obra, ela vai mais além e coloca o jogo como elemento de cultura de uma sociedade, tendo a liberdade como outra característica marcante.

A não-literalidade é outro aspecto importante no jogo. Ela se caracteriza, segundo Huizinga (2000) como os diversos costumes e leis que temos durante nossa vida cotidiana que vão perdendo a validade permitindo uma espécie de evasão da vida considerada real, sem no entanto, perder a consciência da vida momentânea ou atual. Ainda para Huizinga (2000), nessas situações do jogo, podemos observar que a realidade interna predomina sobre a externa, o sentido habitual que damos às coisas é substituído por um novo.

Tanto para Huizinga (2000) quanto para Caillois (1990) este efeito, a não-literalidade está delimitado em um tempo e espaço definido, no qual o jogador pode envolver-se inteiramente no jogo. Este envolvimento se dá principalmente pela seriedade associada a atividade. Por mais que o jogo possa ser considerado como oposição a seriedade e caracterizado como não - sério, em seu desenvolvimento o jogo pode ser profundamente sério à medida que o jogador é totalmente envolto no ambiente criado pelo jogo.

A delimitação no tempo e no espaço é outro aspecto que permite uma distinção do jogo da vida “real”. O jogo possui uma determinada duração e um espaço onde é realizado. O jogo não acontece indefinidamente, ele se inicia e chega ao fim. O desenlace de tal processo se dá a partir da presença das regras e da incerteza advinda do jogo. Segundo Huizinga (2000) são as regras que determinam o que “vale” dentro do mundo temporário do jogo, assim, segundo o autor “não há dúvida de que a desobediência às regras implica a derrocada do mundo do jogo. O jogo acaba: O apito do árbitro quebra o feitiço e a vida “real” recomeça” (Huizinga, 2000, p.14).

Em Soares (2013) apresentamos definições de jogos descritas por, Kishimoto (2009) a partir do trabalho de Brougere (1998). Ela tenta atribuir significado ao termo jogo, apontando para três níveis de diferenciação:

a) Jogo é o resultado de um sistema lingüístico, isto é, o sentido do jogo depende da linguagem e do contexto social. A noção de jogo não nos remete à língua particular de uma ciência, mas a um uso cotidiano. Assim, o essencial não é obedecer à lógica de uma designação científica dos fenômenos e sim, respeitar o uso cotidiano e social da linguagem, pressupondo interpretações e projeções sociais. Além disso, assumir que cada contexto cria sua concepção de jogo não pode ser visto de modo simplista. Empregar um termo não é um ato praticado por um indivíduo. Subentende-se todo um grupo social que o compreende, fala e pensa da mesma forma.

b) Jogo é um sistema de regras, neste caso se permite identificar, em qualquer jogo, uma estrutura seqüencial que especifica sua modalidade. O xadrez tem regras que o diferencia da loto ou da trilha. São as regras do jogo que os diferenciam. Pode-se jogar buraco ou caixeta, usando-se o mesmo objeto, o baralho. Estas estruturas seqüenciais de regras permitem uma grande relação com a situação lúdica, ou seja, quando alguém joga, está executando regras do jogo, mas

ao mesmo tempo, desenvolve uma atividade lúdica. Estas regras podem ser explícitas ou implícitas. No primeiro caso, são as regras definidas em consenso pelo grupo, comunidade ou sociedade que joga ou brinca, no segundo caso, são as regras implícitas em cada atividade. Como exemplo, o jogo de basquete. É explícita a regra de que há cinco jogadores de cada lado, acertando a cesta com uma bola em 4 períodos distintos. E é implícito a esse jogo, que se há uma bola e uma cesta, a primeira deve ser colocada na segunda, mesmo que as regras explícitas mudem por consenso.

c) Jogo é um objeto, por exemplo, o pião, confeccionado de madeira, casca de fruta, ou plástico, representa o objeto empregado em uma brincadeira de rodar pião. O objeto neste caso é algo que caracteriza uma brincadeira. Alguns autores consideram que essa terceira diferenciação de jogo é o que chamamos de Brinquedo. Podemos dizer que o que caracteriza a ação do brinquedo, é o que conhece como brincadeira.

Caillois (1990) nos diz que o jogo é antes de tudo, voluntário, e principalmente, regrado. Deve ser delimitado no tempo e no espaço, exatamente pela sua relação com as regras que o caracterizam. Tem um caráter de incerteza, na medida em que não sabemos qual será o resultado final a partir de sua utilização, além de ser improdutivo, aqui, no sentido de não gerar nenhum tipo de riqueza, ou seja, em uma acepção de não geração de apostas ou similares. O jogo se apresenta como uma atividade totalmente desinteressada que não visa aquisição de nenhum bem material. Dada essa natureza, Callois (1990) o denomina improdutivo, pois em sua realização nada é criado ou derivado, sendo sua única finalidade em si mesmo.

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Ainda para o autor, a dúvida acerca do resultado do jogo que conduz seu desenrolar, segundo o autor “um desfecho conhecido a priori, sem possibilidade de erro ou surpresa, conduzindo claramente a um resultado inelutável, é incompatível com a natureza do jogo ” (Caillois, 1990, p.27). É necessária uma renovação constante da imprevisibilidade da situação lúdica dentro dos limites das regras estabelecidas, por meio da necessidade de encontrar ou de inventar imediatamente uma resposta ao desafio proposto dentro das regras estabelecidas. Se o desfecho do jogo é previsto, sem possibilidade de erro, este perde sua atratividade. Tais características comuns a qualquer atividade lúdica, intencionalmente explorada pelo professor em sala de aula, podem potencializar situações de aprendizagem.

Caillois (1990) foi um dos primeiros autores a fazer proposição da classificação dos jogos. Ele desejava com isso uma compreensão mais abrangente do conceito de jogo, para não reduzi-lo a questões gerais e filosófica. Dessa forma, pelo menos um dos quatro elementos que serão descritos no Quadro 01 descritos pelo autor podem ser encontrados de alguma forma em um jogo ou uma atividade lúdica, a saber: agôn, alea, mimicry e ilinx. Descrevemos no Quadro 3 a seguir, as principais características de cada um desses quatro elementos para uma melhor visualização das características gerais dos jogos.

Quadro 3: Classificação dos Jogos Segundo Caillois (1990)

CLASSIFICAÇÃO DE JOGO DESCRIÇÃO/EXEMPLOS

Agôn

Jogos dominados fundamentalmente por atividades competitivas. A ideia é que existam situações ideais e igualitárias que para que melhor possa se mostrar vencedor, sem que se tenha interferências do ambiente de jogo. O agôn aparece predominantemente nas competições esportivas.

Alea

Jogos opostos ao conceito de agôn, pois o jogador atua passivamente, não fazendo uso de qualquer habilidade previamente adquirida. Na alea a validade está relacionada a força do acaso, ao destino, a sorte, sendo representada em nossa sociedade pelos diversos jogos de azar como roleta, bingo, loterias, etc.

Mimicry

Jogos fictícios nos quais os participantes podem representar de-terminados personagens. É uma forma de se apropriar de outra realidade que não a sua. Os maiores exemplos são jogos que ne-cessitem de algum tipo de personalização, ou ainda jogos teatrais diversos, RPG, entre outros nos quais o jogador se personaliza.

Ilinx

Jogos cujo objetivo é a sensação de vertigem, alterando a percepção do corpo humano, tentando atingir uma espécie de espasmo, transe, afastamento súbito da realidade. Essa sensação pode ser provocada por giros, volteios, rápidas trocas de direção, ou seja, por meios naturais de movimentação corpórea. Os parques de diversão se encaixam nessa classificação, no entanto, restringe a ação do próprio corpo atualmente.

Fonte: PICCOLO (2008), adaptado.

Em síntese, a definição propriamente dita do jogo não é uma coisa simples e muito menos amplamente consensual. Em vários trabalhos publicados nos últimos anos na literatura, há ainda muita confusão no que se refere aos termos utilizados. Em alguns trabalhos vemos o vocábulo JOGO. Em outros, o vocábulo ATIVIDADES LÚDICAS, ou ainda BRINCADEIRAS, entre outros termos correlatos.

A partir dessa quantidade de definições defendemos a ideia que o uso da palavra JOGO ou LÚDICO para qualquer atividade que tenha relação com o uso de atividades lúdicas diversas é bastante adequada. Tentamos fazer uma diferenciação entre esses termos em Soares (2013), no entanto, com o tempo, temos observado que o melhor caminho é esclarecer ao leitor de alguma forma, que Jogo, Atividade Lúdica, Brincadeira, Lúdico, são termos perfeitamente aceitáveis em um único vocábulo: Jogo.

Penso que o vocábulo Lúdico também é bastante interessante e já o vi em alguns trabalhos utilizando jogos em educação. No entanto, como Jogo e Lúdico, como vimos, têm o mesmo significado, aconselho fortemente que se evite o termo JOGO LÚDICO na literatura, quando consideramos que se trata de um pleonasmo tal como, descer pra baixo, ou ainda, hemorragia de sangue.

4. O JOGO E A EDUCAÇÃO

Em relação ao uso de jogos na educação, ou seja, para ensinar de alguma maneira algum tipo de conteúdo, faz-se necessária uma discussão que considere o que Brougere (1998) chama de Paradoxo do Jogo Educativo.

(11)

Para o autor, fica claro que o jogo é altamente ligado ao prazer e ao divertimento, já o aspecto educativo visa possibilitar o acesso ao conhecimento. Esse acesso parece não se dar de maneira lúdica, isto é, o paradoxo surge quando não conseguimos encarar adequadamente o jogo sobre dois vieses, um ligado a ludicidade e outro ligado a educação. Brougere (1998) nos esclarece isso em relação a incerteza gerada pelo jogo, como já descrito por Caillois (1990):

Se a liberdade faz o valor das aprendizagens efetuadas no jogo, também produz a incerteza quanto aos resultados. De onde a impossibilidade de definir de modo preciso as aprendizagens sobre o jogo. Este é o paradoxo do jogo, espaço de aprendizagem cultural fabuloso e incerto, às vezes aberto, mas também fechado em outras situações: sua indeterminação é seu interesse e, ao mesmo tempo, seu limite.

A partir dessas ideias, Brougere (2002) nos alerta para o fato de que o jogo educativo não é necessariamente um jogo no sentido mais completo, ou seja, com significação filosófica. Para o autor, o jogo aplicado a aspectos educativos e considerando a discussão de paradoxo do jogo educativo, é tão somente um arremedo do jogo primordial. Esse arremedo pode ser portanto uma categoria, uma parte, uma classificação de um tipo de jogo, mas não é necessariamente um jogo.

Nessa perspectiva, pensamos que há alguns aspectos que podem ser considerados para que possamos de alguma maneira, eliminar ou ainda, minimizar o paradoxo do jogo educativo em uma aplicação didática. Propomos duas ações: 1) Deve haver consciência do aluno que o jogo utilizado em sala de aula é educativo. Ou seja, não há de fato um problema grave em dizer ao discente que o jogo a ser utilizado naquele momento servirá para se discutir um conceito. Tal aspecto trará de imediato o que Felício (2011) chama de Atitude e Responsabilidade Lúdicas, tanto do professor quanto do aluno, o que tem como consequência mais imediata, o comprometimento com a atividade a ser realizada. A ideia inicial é que tanto o professor quanto o aluno possam estar imbuídos de aprender a partir do jogo e que isso pode trazer resultados importantes em termos de aprendizagem; 2) Liberdade e Voluntariedade em Sala de Aula, ou seja, o aluno deve ser livre para escolher se quer ou não jogar em sala de aula. O professor deve encarar a utilização do jogo como um convite e não como uma obrigação. Se o aluno jogo de forma obrigatória, a estratégia passa a ser um material didático comum e não mais um jogo.

Outro aspecto importante em relação o uso de jogos na educação e para os objetivos desse trabalho, aplicados ao ensino de química é o devido equilíbrio entre a função lúdica e a função educativa. Esses dois termos aparecem no trabalho de Kishimoto (2009), tanto em relação ao jogo quanto ao brinquedo utilizado para fins educativos.

Para os autores, a função lúdica é aquela que propicia diversão, prazer e até mesmo desprazer quando escolhido voluntariamente. A função educativa está relacionada o uso jogo para ensinar qualquer coisa que compete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão de mundo. O grande desafio, em relação à estas funções a aplicação de jogos em sala de aula, é o devido equilíbrio entre essas funções. Se o jogo escolhido tem uma forte função lúdica, é mais jogo, mais lúdico, mais diversão, que propriamente um jogo que possa ensinar algo. Por outro lado, se a função educativa for mais forte teremos um material didático em sala de aula, mas não necessariamente um jogo.

Concordamos com os autores em relação ao equilíbrio entre essas funções e suas características, porém, fazemos uma ressalva em relação ao desprazer citado por eles como caracterizador da função lúdica. Ora, se a própria definição filosófica do jogo nos remete a algo prazeroso e divertido, concluímos que uma função lúdica que considere o desprazer como característica aparenta uma falha conceitual. Se não é prazeroso, não é lúdico, mesmo que em pequena escala.

Brougere (2002) em complementação a uma discussão iniciada em Brougere (1998), tenta ir além das discussões que fizemos anteriormente em relação as funções lúdicas e educativas, ou ainda no que se refere ao paradoxo do jogo educativo. Ele argumenta que os jogos têm algumas características que, se de alguma maneira, pudessem ser imiscuídas com aspectos que podem definir a educação, acabariam de fato conceituando os jogos educativos como uma espécie de jogo.

Procurando fazer essas tentativas, as características citadas são: a) as regras, isto é, elas definem o jogo, mas o processo educacional também prescinde delas; b) a decisão, a qual é definida como o momento em que o jogador executa uma ação dentro da atividade. O desafio é tentar descobrir a decisão no processo educacional; c) a frivolidade, entendida aqui não como algo ruim ou negativo, mas como uma característica do jogo relacionada a falta de consequência imediata, com caráter improdutivo. Esse item é o mais difícil de se relacionar com um processo educativo, exatamente porque este parte do pressuposto do que aquilo que é ensinado tem um caráter produtivo e consequência imediata e; d) a incerteza, comum aos jogos, considerando-se que não se tem ideia clara de qual o destino das jogadas ou da diversão em que se imerge, o que fazendo uma extrapolação, pode valer para os processos educacionais.

Para encerrar esse tópico, propusemos em Soares (2004), níveis de interação entre jogo e jogador, no intuito inicial de entender quais os tipos de jogos poderiam ser utilizados em cada momento educacional, quando considerados os tipos de atividades lúdicas que poderiam ser utilizadas a partir das definições realizadas anteriormente. O Quadro 4 a seguir, resume essas ideias.

(12)

Quadro 4: Níveis de Interação entre Jogo e Jogador

NÍVEL DE

INTERAÇÃO CARATERÍSTICAS

I (UM)

Atividades lúdicas que primem pela manipulação de materiais que funcionem como simuladores de um conceito conhecido pelo professor, mas não pelo estudante, dentro de algumas regras pré-estabelecidas, em que não haja vencedores ou perdedores, primando-se pela cooperação.

02 (DOIS)

Utilização de atividades lúdicas, nos quais se primará pelo jogo na forma de competição entre vários estudantes, com um objetivo comum a todos, podendo ou não ser realizada em grupos. Geralmente jogos de tabuleiros.

03 (TRÊS)

Construção de modelos e protótipos que se baseiem em modelos teóricos vigentes, como forma de manipulação palpável do conhecimento teórico. Elaboração de simulações e jogos por parte dos estudantes, como forma de interação com o brinquedo, objetivando a construção do conhecimento científico, logo após o conhecimento ser estruturado. Em síntese, esse nível é aquele em que se manipula um material como um brinquedo. Aqui também estão previstas atividades coletivas de construção sítios, blogs, jornais, revistas e atividades de construção coletiva correlatas. As mudanças aqui, quando ocorrem são consideradas incorporações lúdicas.

04 (QUATRO) Utilização de atividades lúdicas que se baseiem em utilização de histórias emquadrinhos e atividades que se utilize de expressão corporal em seus diversos níveis.

Fonte: SOARES, 2004.

5. AVANÇOS E PROBLEMAS NA SEARA DO LÚDICO EM ENSINO DE QUÍMICA

Discutimos aspectos relacionados ao conceito de jogo, sua utilização na educação e o crescimento destes nos últimos anos. Inferimos que esse crescimento continuará, mas em contrapartida, isso traz consigo alguns problemas que podem atrapalhar o crescimento da área, ou ainda, marginalizá-la, assim como ocorreu no final da década de 1980, início da década de 1990, na qual jogos eram bastante utilizados mas não eram apresentados e discutidos a partir de um referencial teórico ou ainda, a partir de alguma teoria de aprendizagem.

Em termos de avanços, podemos dizer que alguns grupos no país, em número muito pequeno, vem se destacando, publicando trabalhos que se preocupam com referenciais, tanto teórico, quanto metodológicos, na aplicação de jogos em sala de aula.

Um questionamento interessante é, por que, apesar do crescimento da área, não há uma qualidade reconhecida nos trabalhos? Exatamente porque não se discute a temática. Ainda estamos bastante restritos a eventos científicos, proporcionalmente em menor número que outras áreas do ensino de química. Logo, os autores não trocam informações, nem ideias e se repetem os mesmos referenciais como se fossem os únicos. Para melhorar esse aspecto foram realizados dois encontros nacionais de jogos e atividades lúdicas no ensino de química. Os pesquisadores que discutiram o tema nesses dois eventos já publicaram trabalhos em outros eventos, considerando-se referenciais mais aprofundados e a discussão dos resultados também foi melhorada.

Outro passo é uma revista específica, no entanto, apesar de parecer positivo, pode levar também a estagnação se os autores do lúdico ficarem restritos tão somente a uma única revista e um único tipo de parecer, da área. É preciso que se abranjam mais pesquisadores para que possamos realmente considerar a possibilidade do lúdico ser uma subárea do ensino de química ou do ensino de ciências. Por enquanto, ficamos distribuídos principalmente nas área de Ensino e Aprendizagem ou Materiais Didáticos.

Porém, para que isso se realize, os trabalhos têm que ser aceitos. Na maioria das vezes não o são, pois são ingênuos em termos de pesquisa ou ainda, relatos de experiência sem uma discussão adequada.

Os principais problemas de uma parte considerável das publicações em eventos ou revistas podem ser sintetizadas a seguir:

a) Obviedade: os resultados das pesquisas e suas discussões se resumem a fato de quanto os alunos gostaram: "Adorei o jogo"; "Aprendi muito com o jogo", ou ainda descrições do tipo: "os alunos gostaram"; "os alunos querem mais". É possível notar, que discussões desse tipo não mostram se o jogo funcionou de fato na aprendizagem do conceito. Precisamos ir além. Precisamos mostrar em nossas discussões, como o jogo de fato auxiliou na apreensão do conceito pretendido.

b) Foco: às vezes é difícil definir se o trabalho é de pesquisa ou é a apresentação e discussão de um relato de experiência. Tal fato denota desconhecimento de que é possível fazer pesquisa na área de jogos, sem perder de vista que relatos de experiência também são importantes.

c) Ensino e Aprendizagem: aqui, suscito a ideia de que é necessário que os pesquisadores que queiram trabalhar com os jogos, além de dominar os conceitos que caracterizam os jogos, devem se preocupar com um referencial teórico-metodológico que explicitem como o conceito químico pretendido foi ensinado e aprendido por meio do jogo. Há de fato uma boa quantidade de referenciais que podem ser utilizados, no entanto, destaco as

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perspectivas piagetianas (Soares, 2004;2015, Cavalcanti, 2011), vigotskianas (Messeder Neto, 2016; Santana, 2012), baseada nas ideias de Maturana (Porto, 2015), e ainda, em Perrenoud (Lima, 2015).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há muito o que crescer. Como há ainda poucos grupos trabalhando na área de jogos em ensino de química, sempre incorremos em produções endógenas, ou seja, as mesmas pessoas quase sempre publicando trabalhos com os mesmos vieses, o que dificulta o crescimento da área.

Faz-se necessário que novos autores possam se debruçar sobre as referências bibliográficas para que os trabalhos tenham qualidade e possam ser discutidos pelos grupos existentes, formando novos grupos e aumentando o cabedal teórico da área. Somente dessa forma, com mais pessoas, com mais trabalhos, é possível estabelecermos uma subárea de jogos e atividades lúdicas no ensino de química. Trabalhos com outras áreas como a Biologia e a Física são importantes para estabelecermos parcerias e também promovermos o crescimento da área.

Enfim. Há ainda muito trabalho pela frente. Seja em termos de produção de relatos de experiência com a qualidade necessária para discussão, seja na produção de artigos teóricos em busca de uma identidade que necessitamos, mas que ainda somente almejamos.

REFERÊNCIAS

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BROUGÈRE, G. Lúdico e Educação: novas perspectivas. Linhas Críticas, v.8, n.14, 2002. CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

FELÍCIO, C. M.; Do compromisso à responsabilidade lúdica: ludismo no ensino de Química na formação básica e profissionalizante. Tese de Doutorado. Doutorado em Química - Universidade Federal de Goiás, 2011

GARCEZ, E. S. C. O Lúdico em Ensino de Química: um estudo do estado da arte. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Educação em Ciências e Matemática, Universidade Federal de Goiás, 2014.

HUIZINGA, J.; Homo Ludens; o jogo como elemento de cultura. 4a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.

KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org). Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação. 12ª edição. São Paulo: Cortez, 2009.

LIMA, E. C. C.; Concepção, construção e aplicação de atividades lúdicas por licenciandos da área de ensino de ciências. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do ABC, 2015.

MESSEDER NETO, H. S. O Lúdico no Ensino de Química na Perspectiva Histórico-Cultural: além do espetáculo, além da aparência. Curitiba: Prismas, 2016.

PICCOLO, G. M.; O universo lúdico proposto por Caillois. Lecturas: Educación Física y Deportes. Revista Digital. v. 13, n. 126, 2008.

PORTO, M. G. C.; Jogo, TIC e Ensino de Química; um proposta pedagógica. Tese de Doutorado. Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2015.

SANTANA, E. M.; O Lúdico no Ensino de Química na Perspectiva Histórico-Cultural. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, 2012.

SOARES, M. H. F. B.; O Lúdico em Química: Jogos e Atividades Aplicados ao Ensino de Química. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos, 2004.

SOARES, M. H. F. B.; Jogos e Atividades Lúdicas no Ensino de Química: teoria, métodos e aplicações. Encontro Nacional de Ensino de Química, Curitiba, PR, 2008,

SOARES, M. H. F. B.; Jogos e Atividades Lúdicas para o Ensino de Química. Goiânia: Kelps, 2013.

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02

SCIENCES TEACHERS AS SOCIOCULTURAL AND POLITICAL AGENTES: THE ARTICULATION OF

SOCIAL VALUES AND ELABORATION OF CORDIALS CONTENTS

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

1 e 3

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

2 e 3

(robertodalmo7@gmail.com)

1. Universidade Federal do Tocantins (UFT) 2. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

3. CEFET-RJ

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira: licenciado em Química pela Universidade Federal Fluminense (2012), Mestre em Ciência, Tecnologia e Educação pelo CEFET-RJ (2014). Foi professor da Escola Básica e, atualmente, professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Atua principalmente na busca pela convergência entre Educação em Ciências e Direitos Humanos, (re)pensando a prática e a formação de Professores de Ciências.

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz: possui graduação em Licenciatura Em Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1970), mestrado em Ciências dos Materiais pelo Instituto Militar de Engenharia (1976) e doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2000). Realiza pesquisas na área de Educação, com ênfase em Ensino e Aprendizagem de ciências, investigando e atuando principalmente nas seguintesár linhas: formação de professores, ensino de física, CTS e Ciência e Arte. Coordenadora Institucional do Programa LIFE/CAPES na UERJ

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PROFESSORES DE CIÊNCIAS COMO

AGENTES SOCIOCULTURAIS E

POLÍTICOS: A ARTICULAÇÃO VALORES

SOCIAIS E A ELABORAÇÃO DE

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RESUMO

O presente artigo teórico busca o estabelecimento de reflexões sobre a formação de professores de Ciências a partir de uma perspectiva de Educação em Direitos Humanos (EDH). Dessa forma, dividimos o nosso artigo em quatro seções. A primeira estabelece um diálogo com os sentidos existentes para cotidiano e contextualização e faz a defesa da EDH como um caminho possível para a formação de cidadãos. Em seguida trazemos a noção de Conteúdos cordiais, produto da pedagogização de conteúdos específicos a partir da relação entre a Educação em Ciências e a EDH. Em um terceiro momento apresentamos o modelo de “professor de Ciências como Agente sociocultural e político” como um caminho possível para pensar a formação de professores de ciências. Por fim, trazemos o exemplo da elaboração do curso de “Cultura Brasileira e questões étnico-raciais” na Universidade Federal do Tocantins.

Palavras-Chave: Formação de Professores, Educação em Direitos Humanos, Razão Cordial.

ABSTRACT

This theoric article aims the stablishment of reflections about Science’s teachers initial formation from a Human Rights Education (HRE) perspective. The first one sets a dialogue with the senses for the daily practices, contextualizing, and makes a defense of the HRE as a possible way to citinzens’ formation. After that, we bring the notion of Cordials Contents (products of the pedagogics process of specifics contents from the relation between the Sciences Education and HRE. In a third moment, we show a model of “Sciences’ teacher as a sociocultural and politc agente” as a possibility to thinking the sciences teacher’s formation. Ending, we bring an exemple of the elaboration of the course of “Brazilian Culture and ethnic-racials questions” in the Universidade Federal do Tocantins.

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1. INTRODUÇÃO

Século XX nos deixou com a marca de duas grandes guerras e um período de polarização mundial. Ele também nos mostrou que as Ciências e as tecnologias trazem a possibilidade de grandes confortos e benefícios – como, por exemplo, ler esse texto em um computador que está localizado em uma sala com ar. Também é possível afirmar, sem muito medo de errar, que você possui um cadastro em alguma mídia social e, se não o tem, talvez tenha e-mail ou seus colegas façam uma grande pressão para que você tenha. Outro ponto que não podemos deixar de destacar é que hoje se você quiser fazer uma viagem, essa viagem será muito mais fácil do que há tempos atrás– seja em termos financeiros, de tempo ou comodidade – tanto em nível nacional quanto internacional. Nessa viagem pelos estados de seu país ou por algum outro país você irá encontrar, com certeza, muita gente diferente de você. Se você está presente nas mídias sociais, como por exemplo, no Facebook ou no Twitter, mesmo que você restrinja o número de amigos ou a visualização para assuntos de mais interesse para o usuário, você estará em contato com diversas formas de pensar o mundo e essas diferentes formas de ver o mundo sendo construídas por diversos valores. Esse contato direto e intenso com outros-diferentes, seja em forma virtual ou presencial, é marca de nossa época. Entretanto, não podemos nos iludir com a percepção de que as Ciências e Tecnologias apenas foram benéficas para a sociedade e nem que os “confortos e benefícios” foram para todos, assim como, também não podemos nos iludir com a idéia de que o contato entre diferentes culturas ocorre de maneira pacífica ou que culturas/grupos historicamente mais poderosos adquiriram, como em um “passe de mágicas”, a capacidade de reconhecer os outros.

O

Essas diferentes formas de pensar o mundo não estão apenas presentes nas viagens ou mídias sociais – estão presente na Escola. Durante muitos anos a maioria das Escolas – marcada pela figura de professores, diretores e outros personagens do cenário escolar –, tentaram “fingir” que as diferenças não estavam presentes. Os uniformes, os números de chamada, escolas só para meninos ou só para meninas, etc. Os conteúdos escolares também expressam formas de “ver o mundo” e são caracterizadas pelo público alvo ao qual se destinam – e acreditem, esse público alvo, até pouco tempo atrás, não eram os pobres, os negros, as mulheres, os moradores do campo, etc.

Com a intensificação das relações entre outros-diferentes, dada pelo crescimento dos fluxos comunicativos e migratórios, tornou-se insustentável essa camuflagem das diferenças culturais e sociais, de forma que já é possível perceber um forte movimento (expresso tanto em organizações como em leis ou projetos indicados a serem implementados) de afirmação das diferenças e busca por igualdade social. O modelo de escola, mais recente, que tenta se fazer para “Todos” encontra o objetivo de “formar para a cidadania”.

Esse ideal de escola para “todos” não se faz possível se as diferenças não forem respeitadas e contarem com representatividade no cotidiano escolar. Se antes a lógica escolar não contemplava as minorias (Mulheres, LGBTQAI, pobres, trabalhadores rurais, negros, indígenas, etc), hoje lutamos para não ter retrocessos. A luta para não ter retrocessos é sinal de que avanços ocorreram.

Como exemplo dos avanços é possível destacar a existência de programas de Estado, como o Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH (BRASIL, 2003) e do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNEDH (BRASIL, 2006), na qual a Educação em Direitos Humanos é compreendida como um processo que articula três dimensões: a) conhecimentos e habilidades: compreender os direitos humanos e os mecanismos existentes para a sua proteção, assim como incentivar o exercício de habilidades na vida cotidiana; b) valores, atitudes e comportamentos: desenvolver valores e fortalecer atitudes e comportamentos que respeitem os direitos humanos; c) ações: desencadear atividades para a promoção, defesa e reparação das violações aos direitos humanos. Além disso, em 2012 o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012). No ano de 2015 foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos profissionais do Magistério da Educação Básica (BRASIL, 2015) reafirmando e destacando o compromisso dos professores da Educação Básica e Superior com a Educação em Direitos Humanos.

Entretanto, para uma mudança significativa é preciso que a comunidade escolar assuma valores sociais que fogem de muitas trajetórias de vida para as quais fomos induzidos a traçar. Quem de nós não foi educado reforçando machismos, considerando “cultura” aquilo que uma elite econômica atesta como “cultural”? Por outro lado, quem de nós foi educado (pela família ou pela escola) para repensar discursos machistas, racistas, LGBT-fóbicos, classistas, presentes entre nós?

Educar no século XXI passaria, então, pelo nosso compromisso com uma profunda reconstrução de nossos valores. Podemos ir além e afirmar que essa reconstrução necessária deve ser transversal a todas as disciplinas escolares.

No que se refere à Educação em Ciências, em Oliveira e Queiroz (2013) destacamos que é preciso ir além dos discursos: “Eu não sou responsável por isso – essa parte pertence aos professores de filosofia e sociologia”, “Eu não tenho tempo para isso, tenho que dar o conteúdo”; ou “Eu não fui formado para isso”. Também é possível refletir que o discurso “Eu não fui formado para isso”, além de ser em grande parte verdadeiro possui relações muito próximas com os outros discursos. É, de fato, mais fácil perceber a indissociabilidade entre a Educação em Direitos Humanos e os conteúdos de ciências se somos formados para isso. É mais fácil gerenciar o tempo de aula para/na abordagem pautada na Educação em Direitos Humanos se somos formados para isso. É possível saber quando agir se somos formados para isso. Assim, levando em conta a urgência da formação dos professores, tanto para a formação de valores sociais quanto para a elaboração de diálogos entre os conteúdos

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específicos e os conteúdos de Educação em Direitos Humanos, buscamos um modelo de formação de professores que permitisse essa articulação.

No intuito de abordar a Formação dos professores de Ciências a partir da perspectiva de Educação em Direitos Humanos, Nosso artigo se inicia com uma reflexão sobre cotidiano, contextualização e EDH, segue com a apresentação do modelo de Formação de Professores como agentes socioculturais e políticos (ASCP), baseados em (CANDAU et. al. 2013) e reelaborado em Oliveira e Queiroz (2016) a partir da especificidade da área de Educação em Ciências – os conteúdos de Química, Física e Biologia. E, Por fim, traz um exemplo de ciclo de oficinas pedagógicas, para a formação dos professores de Química e Biologia, realizado na Universidade Federal do Tocantins.

2. OS DIREITOS HUMANOS COMO NOSSO COTIDIANO1

Nos processos de formação de professores existentes na área de Educação em Ciências é bastante comum o emprego dos termos “cotidiano e contextualização” como caminhos para o enfrentamento de uma sala de aula hegemonicamente construída por “quadro-negro e giz” como ferramentas metodológicas. Sendo assim, torna-se relevante destacar motivos de nossa opção por avançar em relação a esses dois conceitos, buscando a diferenciação da nossa proposta a partir da interação entre a Educação em Ciências (EC) e a Educação em Direitos Humanos (EDH).

Ao investigarmos o emprego dos termos cotidiano e contextualização no ensino, é possível destacar que para Santos e Mortimer (1999) muitos professores associariam a cotidianização à contextualização, como sinônimos, de forma que uma simples menção do cotidiano já significaria contextualização. Entretanto, essa associação, para os autores, seria um equívoco. Eles afirmam que enquanto o cotidiano buscaria apenas a inter-relação de um conceito com a vida diária, a contextualização estaria associada a um ensino que colocasse o conteúdo em seu contexto social mais amplo, relacionando-o a questões econômicas, políticas, culturais. Ao contrário do cotidiano, a contextualização permitiria estimular os estudantes ao exercício da cidadania.

Abreu (2011) investiga os diversos sentidos para os dois conceitos, percebe que na década de 1970, o termo cotidiano era visto de forma diferente da apresentada por Santos e Mortimer (1999). A autora traz como exemplo o livro “Cotidiano e Ensino de Química”, no qual o professor Mansur Lutfi (1997) defendia que “o cotidiano devia ser interpretado como uma questão contraditória, constituída pelas relações predominantes na sociedade capitalista”. Lutfi acreditava que o Ensino de Química deveria permitir uma mudança política na sociedade por meio dos conhecimentos científicos. Em um momento posterior a autora destaca projetos como o “Proquim” e o “Interações e Transformações” presentes no cenário da EC no Brasil e que foram marcantes para a atribuição do sentido do termo “cotidiano” como algo “despolitizado”, com maior ênfase em teorias de ensino-aprendizagem construtivistas. Assim como o termo “cotidiano”, ao longo dos anos, foi perdendo sentido político, surge, principalmente entre ente nas áreas de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), uma ênfase no termo “contextualização”. Marca-se, assim, a diferenciação como a feita por Santos e Mortimer (1999).

É importante destacar que os pesquisadores que afirmaram a necessidade de uma ciência mais presente no cotidiano, tanto no sentido de cotidiano politizado, quanto no sentido construtivista, assim como os que afirmam a necessidade de um ensino de Ciências contextualizado foram e seguem sendo fundamentais na luta contra um ensino baseado apenas na transmissão de conteúdos fragmentados afastados das questões da vida social dos educandos. Apesar de entendermos que alguns são os sentidos associados a cotidiano e a contextualização, se nos basearmos no conceito a partir da diferenciação explicitada por Santos e Mortimer (1999), podemos afirmar que uma compreensão da Ciência no dia a dia é importante, mas não suficiente. Assim como uma visão política é fundamental, mas podendo ser usada de acordo com o interesse dos mais poderosos se não houver uma reflexão sobre ética e um estímulo a valores de justiça, liberdade, solidariedade, diálogo e tolerância.

Nossa tentativa de relacionar as áreas de EC e EDH, uma vez que acreditamos profundamente na EDH como capaz de fornecer uma base ética para que, ao compreender os conteúdos de Ciências em seu contexto social, econômico e cultural, os estudantes consigam se posicionar como cidadãos.

É fundamental ir além de discutir conteúdos curriculares a partir de uma relação entre aspectos sociais, científicos e tecnológicos, mas relacioná-los com uma leitura de mundo que compreenda a existência de desigualdades sociais e assimetrias de poder. Essa leitura de mundo nos faz entender que alguns sujeitos e grupos sociais foram marginalizados ao longo da história e, esse entendimento, permite agir. Permite empoderar os grupos minorizados e entender a conquista de direitos a partir de lutas coletivas e não como “garantias do Estado”. Permite construir uma capacidade argumentativa nos estudantes para essa luta por direitos, estimulando uma percepção das possibilidades de transformação no mundo e, por fim, resgatar a memória das violações de Direitos Humanos para que elas não voltem a acontecer. A decisão pela EDH na formação dos professores de ciências não se dá como oposição aos conceitos de cotidiano e contextualização, mas como um alerta à lacuna deixada em ambas as abordagens.

1 1. Abordamos essa seção de forma ampliada em “O cotidiano, o contextualizado e a Educação em Direitos Humanos: a

escolha de um caminho para uma Educação cidadã cosmopolita” publicado na Revista Ibero-americana de Educação. vol. 71, núm. 1 (15/05/16), pp. 75-96,

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Abordagens baseadas no cotidiano ou na contextualização não necessariamente levantariam a preocupação no enfrentamento das injustiças sociais. Como exemplo, podemos imaginar uma suposta aula sobre proteínas na qual o professor decide falar sobre “Química do cabelo”. Ao trazer para o cotidiano, se o professor abordar alisamento do cabelo e beleza do cabelo liso, sem problematizar o preconceito histórico existente com o cabelo afro, a prática de cotidiano contribuindo para uma sociedade diferente? Na contextualização podemos seguir pela mesma lógica – apesar de termos uma forma de abordar um conteúdo de ciência que possibilite discussão política, social, econômica, cultural, um professor que não compreenda as relações assimétricas de poder existentes na sociedade poderá manter a abordagem, por exemplo, sobre a Química do cabelo alisado. Já uma abordagem baseada na EDH busca pré-estabelecer a importância do desenvolvimento de um olhar mais sensível para as desigualdades econômicas, sociais e culturais existentes na sociedade. Os conteúdos de Ciências pedagogizados a partir de uma perspectiva de EDH buscam fundir Razão e coração, dessa forma trazemos o conceito de Conteúdos Cordiais.

3. CONTEÚDOS CORDIAIS

No livro intitulado “Cidadãos do Mundo”, Adela Cortina (2005) nos traz o romance “A ilha do Doutor Moreau” de Herbert George Wells (WELLS, 2012). Doutor Moreau faz uma modificação em características anatômicas e fisiológicas de diversos animais. Assim, em um doloroso processo, os seres criados são entendidos como híbridos entre o homem e o animal. Durante o romance, Dr. Moreau revela que modificar a característica física dos animais não possui grande dificuldade, porém, fazer com que os “humanimais” dominem suas emoções, anseios, instintos e desejo de ferir, é uma difícil tarefa. Para realizá-la Dr. Moreau utiliza-se da lei e do castigo. “Não caminharás com quatro patas; essa é a Lei. Acaso não somos homens? Não sorverás a bebida; essa é a Lei. Acaso não somos Homens? Não comerás carne nem peixe, essa é a Lei. Acaso não somos Homens”. Assim, repetindo o ritual diariamente, o animal é capaz de “convencer-se” de sua humanidade. Entretanto, quando essa “liturgia mentalizadora” falha é preciso que o chicote impere. O problema maior surge com o falecimento do Dr. Moreau quando, quase consequentemente, há um regresso aos sentimentos originários. Em seu livro de 2007, Ética da Razão Cordial, a filósofa volta à ilha do Dr. Moreau na busca por uma explicação para o insucesso do cientista.

Uma primeira explicação possível é dada a partir de uma leitura de Maquiavel, Hobbes e os atuais Hobbesianos – para eles os animais de Wells, juntos no seu lugar habitual, não se deixariam convencer pelo legislador porque não possuiriam interesse no cumprimento da lei. Também é interessante destacar que a autora traz o termo “interesse” como algo que é valioso, assim, o cumprimento da lei não seria valioso para os humanimais de Moreau. Outra explicação possível é uma leitura feita a partir de Hutcheson, Shaftesbury, Hume, Smith, Mill e Pettit, na qual o recitador das leis não conseguiria estabelecer sintonia com os sentimentos dos animais – chamados de sentimentos sociais – como simpatia, estima, etc. A terceira possibilidade, a partir de Kant, afirma que os humanimais de Moreau não cumpririam a lei porque sequer compreenderam o seu significado, não tendo conseguido entender o que é “ser humano” e porque tal legislação seria valiosa. A quarta leitura, feita a partir de filósofos como Scheler e Hartmann, Ortega y Marías, afirma que as criaturas não se sentiriam atraídas pelas leis porque não possuiriam a capacidade de perceber valores e, por isso, não se deixariam seduzir pela qualidade desses valores. Por fim a autora lança mão de uma interpretação do fracasso de Moreau à luz de Apel e Habermas e de sua ética do discurso. Assim, com essa leitura, na ilha do Dr. Moreau houve carência de um vínculo comunicativo que os levasse a se reconhecerem como interlocutores de mesmo valor (equipotentes). Desse modo, os humanimais seriam incapazes de exigir argumentos ou responder a si mesmos com argumentos. Todas essas explicações possuem pontos de verdade, porém, nem por isso são exclusivamente verdadeiras.

Assim, Cortina (2007) estabelece uma sexta interpretação possível, onde os humanimais não se mantiveram fieis à lei porque faltou um “reconhecimento recíproco e cordial como ligação que gera obrigação com os demais e consigo mesmo – um reconhecimento não apenas lógico, mas compassivo” (Cortina 2007).

Adela Cortina afirma que não é possível conhecer a justiça apenas pela racionalidade “pura”, mas por uma razão que leve em consideração aspectos afetivos, como por exemplo, a estima – apreço, admiração, sentimento de carinho por alguém ou algo –, e a compaixão – um sentimento piedoso de simpatia diante de algo ruim para a outra pessoa. A essa razão a autora deu o nome de “Cordial”. No intuito teórico de estabelecer as “entranhas do coração”, Adela Cortina faz uma diferenciação entre as éticas do discurso e da razão cordial. Em ambas o ponto central de nosso vínculo como humanos seria a comunicação, entretanto, enquanto a ética do discurso estabelece nosso vínculo apenas no campo da argumentação, ou seja, em uma razão “pura”, a ética da razão cordial busca um sentido mais amplo de comunicação – onde há simultaneamente um entender e um sentir comuns. Adela Cortina faz a indagação “Por que alguém dialogaria sobre o que é justo ou injusto se não aprecia o valor da justiça?” Sem que possamos desenvolver a capacidade de apreciar a justiça poderemos argumentar muito bem, mas em favor dos mais poderosos e não necessariamente a favor do mais justo. Se ao diálogo se faz necessário uma capacidade argumentativa e questionadora, sem a capacidade de estima a argumentação não irá além da técnica. É fundamental desenvolver também com os estudantes uma capacidade de estima que nos permita apreciar valores como a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a justiça. E, nesse ponto, a autora traz a sua concepção ampliada de comunicação, na qual é necessário um entendimento mútuo – dado por um compreender e por um sentir comuns.

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Os princípios estabelecidos pela filósofa para a razão cordial foram: 1) não instrumentalizar das pessoas; 2) empoderá-las (princípio das capacidades); 3) exercer justiça; 4) levar em conta todos os afetados nos momentos de tomada de decisão (princípio dialógico); 5) agir com responsabilidade pelos seres indefesos não humanos. Os quatro primeiros surgem de um núcleo do reconhecimento cordial e o quinto se refere à relação do ser humano com a natureza – sendo ele responsável pelos seres vulneráveis não humanos.

O primeiro princípio, não instrumentalizar as pessoas, é um princípio de não colocar as pessoas a serviço de finalidades que elas não tenham elegido, ou seja, não manipular as pessoas para interesses diferentes dos das próprias pessoas, respeitando a autonomia de cada ser. A intervenção de alguém na vida de outra pessoa não pode se converter em manipulação, não sendo justo utilizar seres humanos para metas distantes de seu próprio bem – seja econômica, científica ou política; O segundo, empoderar as pessoas, trata-se de atuar positivamente para potencializar capacidades, de forma que possam levar adiante planos de vida que elejam, sempre que com eles não prejudiquem a outros; Para o terceiro princípio, Distribuição dos prejuízos e benefícios (justiça distributiva) – é trazido o modelo de justiça do interlocutor válido. Ele consiste em possibilitar que as pessoas sejam interlocutoras válidas, como um primeiro mínimo de justiça, a partir do qual poderiam dizer o que consideram como básico mediante ao diálogo; No quarto princípio, a participação dialógica dos afetados é uma norma de prudência, mas também uma exigência de justiça; são os afetados os melhores intérpretes das suas necessidades; E o quinto, a responsabilidade pelos seres indefesos não humanos, busca ampliar a responsabilidade de quem pode proteger seres que são valiosos e vulneráveis – porém não humanos.

Acreditamos, então que os professores de ciências devam construir estratégias didáticas e discursivas que consigam reelaborar os conteúdos de sua disciplina a partir de uma forma de “ver o mundo” pautada em valores sociais como os apresentados anteriormente.

A elaboração da forma “como” ensinar um determinado conteúdo é destaque na obra de Lee Shulman em 1986 e 1987. O fato de saber muito sobre um determinado conteúdo de Química e muito sobre os conteúdos pedagógicos nos torna capazes de ensinar algum conteúdo de Química? Para Shulman, não. Em seu artigo “Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching” (1986), o autor faz referência à divisão existente entre um conhecimento do conteúdo e um conhecimento pedagógico, evidenciando a existência do que chamou de “O paradigma perdido” – um conhecimento do professor referente ao processo de Ensinar um conteúdo específico. O autor propõe três categorias de conhecimento relacionadas ao conteúdo: Conhecimento da matéria – referente ao conhecimento por si na mente do professor; conhecimento curricular do conteúdo – que consiste em um conjunto de programas elaborados pelo professor sobre um determinado tema, levando em consideração aspectos sobre a capacidade dos estudantes em aprender e sobre os meios disponíveis para o ensino da matéria; o conhecimento pedagógico do conteúdo – a forma pela qual o conteúdo em si é transformado de maneira a tornar-se compreensível ao aluno (SHULMAN, 1986), ou seja, o conhecimento sobre saber ensinar um conteúdo a um grupo específico de estudantes em um determinado contexto.

Segundo Fernandez (2015), Shulman valoriza o conhecimento do conteúdo específico, mas enfatiza que o professor precisa pedagogizar esse conteúdo específico de modo a fazer com que seus alunos consigam entendê-lo. Dessa forma, o professor precisaria dominar e transformar muito bem os conhecimentos de base da sua disciplina em conhecimentos pedagogizados a serem utilizados nas estratégias do professor na condução do processo de aprendizagem, dando flexibilidade ao tratamento do conteúdo ao adaptá-lo ao nível dos estudantes e às necessidades do ambiente que diferenciariam o conhecimento de um especialista daquela ciência do conhecimento de um professor.

Shulman (1987) propõe que a base de conhecimentos de um professor englobaria sete conhecimentos: conhecimento do conteúdo, conhecimento do currículo, conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK), conhecimento pedagógico geral, conhecimento dos alunos e suas características, conhecimento dos contextos, conhecimento dos objetivos, finalidades e valores educacionais e conhecimento dos fundamentos histórico-filosóficos. Entre eles, o PCK seria exclusivo dos professores. Após 1987 surgem diversos pesquisadores que buscam estabelecer modelos de conhecimentos dos professores em relação ao PCK. Entre eles é possível destacar os modelos de Grossman (1990), Carlsen (1999), Morine-Dershimer e Kent (1999); Rollnick et. al. (2008); Magnusson, Krajcik e Borko (1999); Park e Oliver (2008); Abel (2008) e o modelo consensual, apresentado por Fernandez (2015) como o resultado de uma conferência realizada em 2012 sobre PCK (Figura 01).

No modelo consensual são considerados cinco conhecimentos de base: i) conhecimento da avaliação; ii) conhecimento pedagógico; iii) conhecimento do conteúdo; iv) conhecimento dos alunos e v) conhecimento curricular.

Referências

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