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No tecer de uma Pesquisa: o que pode uma escola?

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Academic year: 2021

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No “tecer” de uma Pesquisa: o que pode uma escola?

Margareth Rotondo1

Nesse texto apresento a pesquisa de doutorado que estou desenvolvendo junto ao Programa de Pós-graduação em Educação Matemática em Rio Claro. Para tanto, pretendo alinhavar os momentos pelos quais a mesma vem passando buscando certa ordem cronológica, mas compreendendo ser essa uma forma de escrita que não acompanha o acontecer-vida da pesquisa.

O primeiro encontro com o futuro campo de pesquisa se deu em um Seminário em Educação Matemática2 em 2005, no qual a palestrante e educadora matemática que o apresentava era, naquele momento, secretária de educação de uma cidade nas proximidades de Juiz de Fora Essa cidade tem, hoje, pelos dados do IBGE, dois mil e seiscentos habitantes, e conta com duas escolas, a da rede municipal que atende ao ensino fundamental e, a estadual que atende o ensino médio. Nesse seminário, a educadora matemática apresentava o projeto político pedagógico de sua autoria e que havia sido implantado no início de sua gestão (2005) como secretária de educação. Esse projeto trazia alterações quanto a tempo, espaço, organização da grade curricular e introdução de projetos interdisciplinares no projeto político pedagógico da única escola da rede municipal que atende ao ensino fundamental. O discurso da educadora trouxe um movimento à platéia, formada principalmente por educadores matemáticos, e que destacava o menor tempo em aulas utilizado pelas disciplinas Matemática e Português, o cumprimento ou não do currículo e à possibilidade ou não de um aluno egresso daquela escola ser aprovado em vestibulares de instituições públicas. O que se mostrava nos incômodos da platéia colocou-me em um exercício de pensamento: como isso poderia estar afetando o cotidiano daquelas pessoas e seus modos de existir?

1

Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática, IGCE, UNESP de Rio Claro, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Carrera de Souza.

2

Esses seminários que acontecem quinzenalmente e são promovidos pelo Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia (NEC) da FACED/UFJF.

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Dava-se naquele momento a escolha dessa escola para a produção de dados de uma futura pesquisa de um curso de doutorado que ainda aparecia em minha vida acadêmica como projeto.

No entanto, esse projeto de vida acadêmica veio a se realizar, e o primeiro projeto de pesquisa, apresentado no momento de seleção ao programa em Rio Claro já trazia essa escola como futuro campo de pesquisa. Nele, o olhar que se fazia, era direcionado aos modos de existir que aquelas mudanças macro estariam propiciando aos professores. E a questão que trazia era: Como se dá a transição de um lugar de atuação para o outro na prática de ensino do professor de Matemática?

Essa questão se apresentava a partir de indagações que ainda se punham depois da finalização da dissertação de mestrado apresentada em Rotondo (2006). Nesse trabalho, através de entrevistas com cinco professores, delinearam-se lugares, que os professores, ao se narrarem, apontaram estar ocupando, que não eram lugares estanques, eram lugares de passagem, e a escrita tentou caracterizá-los. Já se apontava o interesse pelos modos de existir daqueles professores, no entanto não se destacava como esse movimento do existir se dá. Mas, isso já despontava na questão apresentada no projeto de seleção em Rio Claro quando a mesma indagava “como se dá a transição”. Nesse momento, já se pensava então, como são os movimentos na existência, nesse caso particular, nos modos de existir dos professores da escola que passava por aquelas mudanças macro.

Esse projeto foi aceito no programa em Rio Claro e também pela secretária de Educação da referida cidade e pela diretora da escola escolhida para campo. Porém, o primeiro ano do curso de doutorado (2006) foi destinado às disciplinas no programa em Rio Claro e às leituras iniciais.

Estive em campo pela primeira vez em outubro de 2006 para conhecer a escola. Tive acesso aos registros dos trabalhos que vinham desenvolvendo, que estavam organizados em relatórios guardados em pastas e cada professor tinha sua pasta. A diretora e a supervisora me contaram como era o dia a dia da escola e pareciam esperar, com satisfação, que uma pesquisa viesse acontecer ali e falar do que vinham fazendo.

A programação do trabalho de pesquisa apontava que o próximo ano, 2007, seria de observação em campo e realização de entrevistas. E então, ficou acertado com a diretora da escola que, no início de 2007, iria começar a visitar a escola duas manhãs por semana, durante todo o ano.

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No entanto, no momento da entrada em campo para produção dos dados, em fevereiro de 2007, tive a notícia que a escola sofrera uma reconfiguração em sua organização. O projeto político pedagógico que acionou a pesquisa havia sido abandonado e, outra secretária de educação municipal e outra direção estavam na comunidade e na escola. Para algumas pessoas na comunidade, a escola, nesse momento, iria voltar à “normalidade”. E a questão que me fazia era: o que seria uma escola “normal” para a pesquisa?

Esse momento de reconfiguração na organização da escola e também das “coisas” que ali se davam, ou melhor, do acontecer educacional daquela comunidade afetava o projeto de pesquisa, mas ao mesmo tempo possibilitava novas indagações: como as individuações que estavam se encontrando ali se reconfiguravam?; como o projeto pedagógico enquanto documento e também seu acontecer cotidiano estariam sofrendo alterações?

Continuar nesse campo para o estudo era permitir outras possibilidades de leitura, era um momento em que existência sofria afetações. Tudo estava fervilhando. A opção foi continuar com essa escola para campo de pesquisa. Novamente pedi permissão para a secretária de educação e para a diretora que haviam assumido os cargos. Obtive o aceite.

Então, durante todo ano de 2007 visitei a escola duas manhãs por semana na produção de dados. E nesse processo de produção dos dados, percebia como pesquisadora, o processo de produção do que estava em processo de transformação. E, era interessante notar, que na produção da produção dos dados, a pesquisadora estava no processo de transformação também, no seu tornar-se. Não era mudar de forma trocando-se a fôrma. Tudo era movimento, era entre, estava em devir, rizomaticamente. Pois, esse processo de transformação era compreendido junto à noção antimetafísica da transformação como proposta por Rocha (2006):

A transformação implica um certo espaço para o não saber, pois transformar-se é abrir mão do que se sabe, de deixar de ser aquele que sabe para experimentar o desconhecido. (2006, p.273)

Cronologicamente os dias iam se passando e as notas de campo se davam seqüencialmente. Datas, primeira visita, segunda visita,..., no transcurso de um ano, incluídas aí as reuniões, conselhos de classe, atividades da escola e entrevistas. Um texto “linear” se fazia.

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O que estava se dando ali então não era o que tradicionalmente chamamos de “coleta de dados”, tratava-se de uma investigação num processo de produção de dados nos movimentos dos modos de existir naquele cotidiano, como destaca Kastrup (2007):

A formulação paradoxal de uma ‘produção de dados’ visa ressaltar que há uma real produção, mas do que, em alguma medida, já estava lá de modo virtual. (p.15)

E, para essa compreensão, algumas aproximações se fizeram necessárias, pois era preciso um pensamento sobre a vida, sobre a existência. Então, o que se considera aqui é a vida e, portanto, a existência como apontado por Roos (2004) devorando Fogel (apud Roos)e Deleuze (apud Roos):

A vida, como plano é oferecedora de condições para um aprendizado. Ela, ao mesmo tempo é dupla: “um sistema de estratificação particularmente complexo, e um conjunto de consistência que conturba as ordens, as formas e as substâncias”3. A vida corte no caos é o real, a coexistência do atual e do virtual, é o grande meio, propiciadora de tantos caminhos quantos forem traçados ou percorridos, os inimagináveis; é o grande plano dos acontecimentos e dos devires. É prenhe de possibilidades, fervilha de multiplicidades4 que saltitam e provocam danças. Por vida entende-se “a dinâmica de vir a ser, o jogo de auto-superação ou de alteração, quer dizer, de vir a ser outro, que marca transformação ou transfiguração, o movimento da vida, se define como

criação”5, pois toda criação se dá no plano movente do real, da imanência-vida. (ROOS, 2004, p.3)

Compreender a vida como um corte no caos era a possibilidade de pensar a existência nessa pesquisa, os modos de existir, a produção da subjetividade no jogo de forças daquele real. O pensamento de Nietzsche (1999 [original 1884-1888]) possibilitou conceber o mundo como vontade de potência e resultado de um jogo de forças, onde essa vontade não é livre e que não vem do corpo do sujeito compreendido como unidade. Considera-se a existência num movimento, num incessante devir, em produação, onde essa

3

DELEUZE; GUATARRI, Mil Platôs. V.4, 1997, p.150. (Nota da autora)

4

Deleuze afirma que “é uma multiplicidade o verdadeiro elemento onde alguma coisa se passa”. DELEUZE, Signos e acontecimentos. In: ESCOBAR, Carlos H. (Org). Dossier Deleuze. Rio de Janeiro: Hólon Editorial, 1991, p.20. (Nota da autora)

5

FOGEL, Gilvan. Por que não teoria do conhecimento? Conhecer-se é criar. Cadernos Nietzsche, São Paulo, n.13, p.109, 2002. (Nota da autora)

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vontade que pontencializa esse mundo não é resultado de um querer de um sujeito ou que vem de um objeto, pois nesse “querer há antes de tudo uma multiplicidade de sentimentos: o sentimento do ponto de partida da vontade, o sentimento da finalidade, o sentimento do ‘vai e vem’ entre esses dois estados” (Nietzsche, 2007, p.34), um entre diria Deleuze.

Em Deleuze (1998, 2006) o entre é um movimento incessante que se dá no atravessamento do que ele chama plano de organização ou desenvolvimento e um segundo plano, que é o de consistência. Em outro lugar apresentei assim:

No primeiro, também chamado plano de desenvolvimento ou organização, estaria o que é visível, a olho nu, representável ou o molar, aqui ocorrem as mudanças macro, como no caso da minha pesquisa, a mudança do projeto político pedagógico. Nesse sistema de estratificação, estão: família, escola, igreja, Estado, linguagem. Aqui o que se espera que aconteça é o que é possível acontecer. Já no segundo, o de consistência, se dá o fluído da existência, aqui está o molecular ou o micro, o que não é representável ou dizível, onde se dão os devires, onde estão presentes o atual e o virtual o tempo todo, onde se determina a atualização de um virtual, no jogo de forças que ali se dão. Esses dois sistemas estão se atravessando a todo tempo. E o segundo cria, sempre, novas atualizações no primeiro, novos rostos, novos modos de subjetivação. No segundo, o impossível é o que é possível de acontecer, está em movimento, em devir, no vir a ser. (ROTONDO, 2008, p.9)

A pesquisa buscava esses modos de existir no seu pulsar, na sua produção, no movimento de um real nas atualizações do virtual, mas era preciso como pesquisadora, como apontado acima em Kastrup (2007), na produção real dos dados, buscasse o que já estava lá, só que de forma virtual. Para isso a cartografia foi escolhida para essa produção.

A cartografia segundo Rolnik (2007) é “um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem” (p.23), ou seja, a tentativa era compor um desenho dos movimentos que ali se faziam nos modos de existir daquelas individuações, em configurações provisórias que se atualizavam a partir do plano de consistência, que dava rosto a um virtual que se atualizava. Era preciso, como pesquisadora, devorar os elementos possíveis das linguagens que se apresentavam no movimento de produção desse cotidiano, tornar sensível aos signos que se apresentavam.

Estava em campo com esses conceitos e a pesquisa ia se fazendo. E nesse estar em campo, no movimento do cotidiano, colocou-se em questão a questão da pesquisa, e isso aconteceu no olhar que buscava os alunos, e ao percebê-los em produção junto às macro mudanças que ali se davam. Percebia que aquelas mudanças macro afetavam todo aquele cotidiano, e os modos de existir dos alunos iam bailando com essas afetações. Então uma

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nova questão se punha: como alunos, em seus processos de subjetivação, criam táticas de resistência e aceitação ao projeto político pedagógico em um espaço escolar em transformação?

Mas, novamente o campo e o acontecer cotidiano, mostrava que não era possível então, abandonar os modos de existir dos professores, dos pais, da direção, ou de qualquer um que participasse daquele movimento em contínua produção. Tudo estava imbricado, era um emaranhado. Por fim colocou-se a questão que vem acompanhando essa pesquisa desde o início, mesmo que sua escrita ainda não houvesse sido elaborada: o que acontece quando uma escola passa por uma reconfiguração no seu projeto político pedagógico? O que acontece com os modos de subjetivação? Com os papéis políticos? Com os poderes instituídos? Com os... Em resumo: o que pode uma escola?

E na tentativa de responder essas questões foram feitas aproximações junto ao pensamento de Foucault, Deleuze, Nietzsche, e outros que por eles são agenciados, e isso impôs e continua imponhdo uma torção no pensar de construções bem estabelecidas, como a do sujeito moderno e da escola por ele freqüentada. Em Foucault e em seus estudos sobre a sociedade disciplinar, encontrava-se uma das possibilidades de compreender os discursos instituídos na escola. Deleuze e seu modo de colocar em questão o pensamento representativo que é o aliado dos modos de existir na modernidade, possibilitava pensar a existência considerando um pensamento sem imagem. Já em Nietzsche, que acaba afetando os dois pensadores anteriormente citados, ao colocar em questão a sociedade e o estilo de vida que nela se dá e também as construções que essa mesma sociedade faz e tornam-se verdades, é possível um exercício do pensamento e com isso compreender o mundo como um confronto incessante de forças.

Agora essa produção de dados que se deu durante as idas a campo em 2007, como também através de entrevistas com alunos, pais, professores, direção e as duas secretárias de Educação do município (a atual e a que havia feito alterações no projeto político pedagógico em 2005) encontra-se na reta final, e solicita “um pensar com”, mas não um pensar que produza a verdade, mas que fale daqueles modos de subjetivação que aquela escola pontecializa.

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DELEUZE, G; PARNET, C Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997. v1.

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______. Arqueologia do Saber. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

KASTRUP, V. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. Campinas, SP: Papirus, 1999.

NIETZSCHE, F. O Eterno Retorno (A Vontade de Potência, textos de 1884-1888). In Nietzsche: obras incompletas. Trad. Rubens R. Torres Filho. SP: Abril Cultural, 1999 [original 1884-1888], p. 443-450. (Os Pensadores).

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Referências

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