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ALGUNS APONTAMENTOS DA PESQUISA ETNOGRÁFICA REALIZADA NA ASSOCIAÇÃO COMUNIDADE NEGRA MANOEL CIRIACO DOS SANTOS GUAÍRA/PR

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ALGUNS APONTAMENTOS DA PESQUISA ETNOGRÁFICA REALIZADA NA ASSOCIAÇÃO COMUNIDADE NEGRA MANOEL CIRIACO DOS SANTOS –

GUAÍRA/PR

Andréia Cristina Hackbarth Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo e membro do Nimuendajú - Grupo de Pesquisa em Antropologia Social. E-mail: andreiacristinahack@yahoo.com.br. Gislene Costa de Souza Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo e membro do Nimuendajú - Grupo de Pesquisa em Antropologia Social. E-mail: nelegis@yahoo.com.br. Roberto Biscoli Antropólogo; Docente no curso de Ciências Sociais; Membro do Conselho Técnico Científico do Núcleo de Documentação e Pesquisa - NDP; Chefe da Divisão Técnica de Pesquisa do NDP da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Toledo; Pesquisador do Nimuendajú - Grupo de Pesquisa em Antropologia Social. E-mail: biscoli@uol.com.br.

1. CARACTERIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

À Associação Comunidade Negra Manoel Ciriaco dos Santos – ACONEMA, localiza-se na cidade de Guairá Pr, gleba nº 4-A, colônia “C”, Serra Maracajú, localizada a 12 km de Guaíra sendo composta pelos lotes rurais número 186 com 9,2390 alqueires paulistas e 186-A com 0,9925 alqueires paulistas, a soma dos dois lotes rurais totaliza 10,2315 alqueires paulistas ou seja, 247.602,30 metros quadrados.

A sede da ACONEMA localiza-se no lote rural 186-A, é um barracão de madeira, coberto com telhas de barro, medindo nove metros de comprimento por seis metros de largura que fica entre as casas dos moradores da comunidade. Outrora esse barracão era utilizado para guardar o maquinário agrícola.

Segundo o Capítulo VI, Art. 41º do Estatuto da Associação Comunidade Negra Manoel Ciriaco Dos Santos - ACONEMA:

São considerados associados a esta comunidade: José Maria Gonçalves e família; Joaquim dos Santos e família; Geralda dos Santos e família; Adir Rodrigues dos Santos e família; João Aparecido dos Santos e família e os agregados à família: Luzia de Oliveira e Guilherme Fortunato da Silva e os descendentes de Antônio Gregório dos Santos (falecido): Daiane dos Santos, Fernanda Amâncio dos Santos e Rosana dos Santos (ACONEMA, 2007).

O art. 41º do estatuto da associação não deixa claro a quantidade de pessoas que são consideradas sócias, pois indica o nome do titular, estendendo o direito associativo as pessoas

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da sua família. Durante o trabalho de campo constatamos que, entre adultos e crianças, o numero de sócios é de vinte e nove pessoas.

A Associação Comunidade Negra Manoel Ciriaco dos Santos é formada por pessoas que possuem relações de parentesco direta e/ou cruzada, isto é, são irmãos, tios(as), sobrinhos(as), primos(as) de primeiro, segundo ou mais graus.

A Associação foi criada no dia dez de fevereiro de dois mil e sete tendo a finalidade de dar inicio a um processo para que os membros da ACONEMA sejam reconhecidos como remanescentes de comunidade de quilombo junto a Fundação Cultural Palmares, ligada ao Ministério da Cultura.

Após a sua constituição a ACONEMA já recebeu da Secretaria de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SRA/MDA) o Programa de Biblioteca Rural Arca das Letras. Tal programa é constituído por uma pequena biblioteca, com cerca de 230 livros de literatura, didáticos e de pesquisa. Como a sede da Associação não possui estrutura física para a guarda desse material ele esta sob os cuidados de uma das famílias moradoras da comunidade.

A Associação também foi beneficiada com a instalação de uma Unidade de Inclusão Digital através de um posto de acesso gratuito à internet, ou Tele Centro Rural. São seis computadores interligados em rede através do Programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão - GESAC, do Ministério das Comunicações. Os computadores foram doados pela ELETROSUL e Banco do Brasil, estão instalados em uma sala com acesso externo na casa do presidente da Associação. A Prefeitura Municipal de Guaíra disponibilizou uma professora de informática para treinamento do pessoal da Comunidade.

A Unidade de Inclusão Digital ou o Tele centro Rural, como é popularmente chamado, e conforme o discurso oficial do Governo Federal, tem a finalidade de promover a inclusão social por meio da inclusão digital, chegando às escolas públicas e as comunidades situadas em áreas isoladas, como é o caso da ACONEMA. Destaca-se que o uso do tele centro rural não é restrito ao pessoal da Associação, as pessoas da região também tem o direito de acesso.

Recentemente, cerca de um ano e meio, a prefeitura municipal de Guaira através da secretaria municipal de esportes tem patrocinado aulas de capoeira na Associação. As aulas acontecem aos sábados e o professor de capoeira vem de Guaíra para ensiná-los. Em um primeiro momento a Prefeitura sugeriu que as aulas acontecessem em Maracajú dos Gaúchos, mas os membros da Associação não concordaram. As aulas de capoeira são abertas a todas as pessoas interessadas, mas não há ninguém de fora da ACONEMA participando.

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O nome Manoel Ciriaco dos Santos é uma homenagem ao patriarca da família falecido em 1989. Manoel nasceu em 16 de março de 1920, era filho de Joaquim de Paula Guilherme e Isadora Idalina dos Santos. Joaquim (seu pai) era filho de João de Paula dos Santos e Rita de Jesus; sua mãe Isadora era filha de José João dos Santos, que dizem ter sido escravo, e Raimunda Marcelina dos Santos.

1.1 O SURGIMENTO DA ACONEMA

A ACONEMA surge motivada pela ação de pessoas ligadas a Fundação Clovis Moura, que segundo relatos de membros da associação os procuraram o os orientaram sobre a possibilidade de serem reconhecidos como remanescentes de comunidade de quilombo.

O reconhecimento como remanescente de comunidade de quilombo esta previsto na Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com a seguinte redação: “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir- lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988).

O artigo 68 foi regulamentado pelo Decreto N.º 4.887, de 20 de novembro de 2003 onde determina que:

Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Art. 3º Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 4º Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.

Art. 5º Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste Decreto.

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Um dos critérios para que o pedido de reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo é a constituição de uma associação entre os interessados em ser reconhecidos como tal.

A orientação para a criação de uma associação parte da SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ligada ao Programa Brasil Quilombola, criado pelo governo federal em 2004, cuja finalidade é coordenar as ações governamentais para as comunidades remanescentes de quilombo.

A implementação destas políticas afirmativas deverá necessariamente ser elaborada e executada em conjunto com as comunidades quilombolas representadas por suas associações legalmente constituídas. Para viabilizar esta política sugere-se a criação de associações nos moldes do texto constante no Anexo IV (PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA, 2004, P.19).

A SEPPIR, juntamente com outros organismos do governo federal como o Ministério do Desenvolvimento Agrário/INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o Ministério da Cultura/Fundação Cultural Palmares, tem realizado visitas junto às comunidades auto intituladas remanescentes de quilombos, para orientá-las nos processos de reconhecimento como comunidade quilombola.

Segundo membros da ACONEMA, orientados pela Secretaria Clovis Moura, pela Fundação Palmares, por Secretarias do Estado do Paraná, as diversas associações negras estão criando uma federação para melhor atender seus interesses. Varias reuniões estariam sendo realizadas, uma delas em 2007, na cidade de Curitiba, membros de 40 associações fizeram-se presentes. Outra reunião teria sido realizada entre os dias 11 e 17 de abril de 2009 na cidade de Faxinal do Céu, tendo como organizadora a Secretaria do Estado da Educação do Paraná.

2. A ACONEMA, HISTÓRIA E ORGANIZAÇAO SOCIAL.

Conforme relatos de membros da ACONEMA, Manoel Ciriaco dos Santos, de origem mineira, teria migrado com sua família de Santo Antonio do Itambé, no estado de Minas Gerais no ano de 1957 para a cidade de Caiabú no Estado de São Paulo, ficando por lá até o ano de 1962, quando viaja para a cidade de Guaíra no Paraná e adquire da Sociedade Agro-pecuária Industrial e Comercial Maracajú Ltda, uma área de 10,2315 alqueires paulistas, local este onde hoje esta sediada a associação.

Manoel retorna a Caiabú ainda no ano de 1962 para organizar sua mudança, migra em definitivo para Guaíra no ano de 1964 com sua esposa e filhos. Manoel e sua família não

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fixam residência de imediato na sua propriedade, ocupam uma residência às margens do Rio Birigui, casa está cedida pela colonizadora Maracajú a compradores das terras. Manoel Ciriaco e sua família residem neste espaço até o ano de 1966, ano em que se mudam definitivamente para a sua propriedade.

A demora na mudança a sua propriedade foi devido à falta de dinheiro para a infra-estrutura necessária como tirar a mata, construir a casa, preparar a terra para o plantio. Fatores que levaram a família trabalhar de empregados para vários moradores mais antigos de Maracajú dos Gaúchos.

A primeira casa construída na propriedade foi a do Manoel, ele e seus filhos utilizaram lascas de coqueiro, pau bruto e taquaras, cobriram a casa com caibros, ripas e tábuas de coqueiro, eventualmente tábuas de cedro e o chão era de barro batido. Essa madeira era extraída da mata da propriedade e beneficiada pela própria família, utilizavam para isso serrotes traçadores, machado, facão, etc. Hoje existem cinco casas na propriedade, são mistas de madeira com banheiros de alvenaria e foram construídas após o ano de 1974. As casas eram construídas de acordo com o casamento dos filhos.

Manoel Ciriaco dos Santos casou-se duas vezes. O primeiro casamento foi com Maria Olinda, ainda em Santo Antonio do Itambé, com quem teve três filhos: Olegário da Silva, Jovelina Ciriaco dos Santos e João Doriano dos Santos.

Olegário e Jovelina, filhos do primeiro casamento de Manoel migraram para Guaíra em 1966 e João Doriano, também filho do primeiro casamento, migrou em 1981, mas no ano de 1992 foram morar no Estado de São Paulo. Em 2000 por necessidade os três venderam sua parte da terra. A venda se deu através de um “contrato de gaveta”, pois as terras ainda não foram inventariadas, a parte que coube a esses três irmãos foi de 1,5 alqueire paulista. Olegário, Jovelina e João Doriano não são citados no estatuto da ACONEMA como sócios.

Alguns anos após o falecimento de sua primeira esposa Manoel casou com Ana Rodrigues dos Santos ainda em Santo Antonio do Itambé, e tiveram nove filhos: Eurides dos Santos, Sebastiana Feliciana dos Santos, Antonio Gregório dos Santos, José Maria Gonçalves, Joaquim dos Santos, Geralda dos Santos, Paulo dos Santos, Adir Ferreira dos Santos e João Aparecido dos Santos. Desses, Sebastiana, Antonio e Paulo já faleceram.

José Maria Gonçalves, é o mais velho dos filhos do Manoel que moram na propriedade, assume um papel de liderança, pois as decisões, sejam elas quais forem, passam por seu aval. Na ACONEMA Jose Maria ocupa o cargo de conselheiro. Ele casou-se com Nilza Aparecida Gonçalves, filha de Maria da Conceição Ferreira e João Odocio.

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Possuem três filhos: Cleuzimar Aparecida Gonçalves, Cleuzilene Aparecida Gonçalves e Cleudir Gonçalves. Cleudir ocupa o cargo de conselheiro dentro da ACONEMA. José Maria e Nilza são primos, a mãe de Nilza, Maria da Conceição Ferreira, era irmã de Ana Rodrigues dos Santos, mãe de José Maria.

Cleuzilene e Cleuzimar são “casadas”. Cleuzimar mora numa casa ao lado da de seus pais com seu companheiro Luciano Odocio Ferreira que é filho de Amâncio Odocio Ferreira e Luzinete Odocio Ferreira. Amâncio é filho de João Odocio e Maria da Conceição Ferreira, sendo que ela é irmã de Ana Rodrigues dos Santos. Vivem maritalmente há um ano.

Cleuzimar faz todo o serviço de casa e como sua mãe ajuda na roça, além disso, trabalha de doméstica para uma família vizinha. Seu marido também trabalha para seus vizinhos como diarista, plantando, capinando, roçando suas terras. Essa atividade é realizada por outros membros da comunidade. Sua irmã Cleuzilene é amasiada com o irmão de Luciano, Nilson Odocio Ferreira. Eles não moram no lote rural onde a associação esta constituída, mas moram perto dele.

Joaquim dos Santos casou-se com Eva Aparecida dos Santos. Eva é filha de Geraldo dos Santos (primo do Manoel) e Antonia Domingues da Silva. Eva e Joaquim são primos de segundo grau. Eva e Joaquim tiveram duas filhas: Jaqueline Aparecida dos Santos e Janaína Cristina Aparecida dos Santos. Joaquim é vice-presidente da ACONEMA e Eva faz parte do conselho fiscal.

Eurides dos Santos, casou-se com Genário Ribeiro Sampaio, mora com ele há quinze anos, mas há apenas dois anos está legalmente casada. Não possui filhos. Moram em Presidente Prudente – SP. Eurides não é citada no estatuto da ACONEMA como sócia.

Geralda dos Santos é casada com Antônio Aparecido dos Santos estão morando na cidade de Guaíra. Não possuem filhos. Antonio Aparecido dos Santos ocupa o cargo de segundo tesoureiro na ACONEMA.

Adir Ferreira dos Santos ainda não é casado legalmente, mas mora junto com Solange Aparecida Fortunato da Silva que foi casada anteriormente com Odair da Silva com quem teve 03 (três) filhos: Juliana da Silva Graciano, hoje casada com Fábio da Rocha Graciano; Jaqueline da Silva; e Anderson da Silva que mora com seu pai em Terra Roxa. Solange e Adir tiveram três filhos, Michael da Silva dos Santos hoje com 13 anos, Bruno Antônio da Silva Santos com 12 anos e Tainara da Silva Santos com 10 anos. Adir é o presidente da ACONEMA e Solange ocupa o cargo de segunda secretaria.

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João Aparecido dos Santos é casado com Kelly Cristina Martiliano Antunes. Possuem dois filhos. Residem em uma das casas na propriedade hoje considerada como da associação. João é o primeiro tesoureiro e Kelly é a primeira secretaria.

Vivem hoje no lote rural 186/186-A cinco famílias, as famílias do José Maria, da Cleuzimar (filha do José Maria, casada), do Joaquim, do Adir e do João, todas possuem casa própria.

Apesar de somente residirem no lote rural 186/186-A cinco famílias identificou-se outras quatro famílias como pertencentes à Associação Manoel Ciriaco dos Santos, mas que residem em outros locais:

1ª família: Cleuzilene (filha do Jose Maria) e seu marido Nilson Odocio Ferreira, residem em uma propriedade rural, cerca de dois quilômetros da Associação Comunidade Manoel Ciriaco dos Santos, residem nesta propriedade em função de terem sido contratados para trabalharem como empregados rurais.

2ª família: Geralda e o marido Antônio residem no Município de Guairá, no bairro da “Eletrosul”, possuem casa própria.

3ª família: Luzia de Oliveira e seu marido Guilherme Fortunato da Silva. Residem em uma propriedade rural que faz fundos com a propriedade da família do falecido Manoel Ciriaco dos Santos, residem a oito anos nesta propriedade com a permissão da atual proprietária, mas não existe vinculo empregatício.

4ª família: Filhas do falecido Antônio Gregório dos Santos: Daiane dos Santos e Fernanda Amâncio dos Santos (filhas do primeiro casamento) residem em Terra Roxa e Rosana dos Santos (filha do segundo casamento) reside em Oliveira Castro.

A ACONEMA originalmente é constituída por pessoas que possuem laços de parentesco, são herdeiros do falecido Manoel Ciriaco dos Santos, as únicas exceções são a Luzia e o Marido Guilherme, o casal em questão são pais de Solange, esposa do Adir.

2.1 PAPEIS SOCIAIS

A análise de documentos, estatuto, atas, mostra que, de dentro da ACONEMA, homens e mulheres ocupam cargos decisórios, mas a observação participante revela outra realidade, as decisões sobre as praticas diárias desse grupo de pessoas é tomada principalmente pelos homens, José Maria exerce uma liderança baseada na sua idade. Como filho mais velho herdou a liderança do seu pai. Por outro lado o Adir destaca-se como uma nova liderança, é um dos mais novos, possui mais estudo, e esta mais envolvido com o

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processo de reconhecimento da sua família como sendo remanescente de quilombo. É ele que participa de reuniões, treinamento e faz todos os contatos em nome da sua família.

Os lotes 186 e 186A foram divididos entre os filhos do Manoel, não é uma divisão legalmente instituída, mas respeitada entre eles, cada qual tem o seu espaço para plantar, e ou criar animais, mas no geral plantam e colhem em conjunto. As filhas que moram fora da propriedade, Geralda e Eurides, cedem seus espaços para os demais e recebem uma renda por este empréstimo.

Cabe aos homens as decisões políticas e sociais, são eles que determinam as relações de amizade ou não com a vizinhança, determinam ainda o que plantar e como comercializar o que é produzido na propriedade, bem como a distribuição do trabalho seja ele braçal ou mecânico no processo de preparo, plantio e cuidado com as plantações.

As mulheres, além de cuidarem da casa e filhos (educação e vida religiosa), também ajudam na roça, porém, hoje como elas declararam, trabalham com menor intensidade: “só quando precisa mesmo”. Elas são responsáveis mais pelo trabalho de casa e algumas trabalham “fora”, esporadicamente, seja como doméstica ou mesmo na roça, ou vendendo pães, doces, verduras na cidade de Guaíra, ou ainda como zeladora na escola em Maracajú dos Gaúchos (Como é o caso de uma delas).

2.2 RELIGIÃO

A religiosidade também esta a cargo das mulheres, Eva, esposa do Joaquim é quem detém a autoridade religiosa ligada ao catolicismo, ela freqüenta as missas na vila Maracajú dos Gaúchos, leva consigo as crianças e é a incentivadora do catecismo católico. As aulas de catecismo são ministradas na sede da ACONEMA por um catequista, negro, amigo da família que se dispôs a ministrar a catequese, isso com a concordância dos responsáveis pela igreja católica responsável pela região de Maracajú dos Gaúchos. A casa da Dona Eva também é o ponto de encontro das mulheres, que sempre estão por lá para lavar roupa, fazer pão, fazer bolos.

Constatamos que a maioria dos membros da ACONEMA são casados na religião católica, e que todos foram batizados na igreja católica, mas o catolicismo não é a única religião praticada pelo grupo.

A umbanda também é praticada. Atualmente a responsável pela sua pratica é a Geralda e seu marido Antonio que aderiu a ela a pouco tempo. Mas, de acordo com relatos dos membros da ACONEMA desde a década de setenta pessoas da família praticavam a

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umbanda, seu Manoel, dona Ana, sua esposa e Antonio (filho já falecido) já eram adeptos dessa religião, freqüentavam a Associação Espírita Reino de Obaluaê, sediado na cidade de Terra Roxa.

Atualmente, membros da associação tem participado das festas religiosas na Associação Espírita, festas com a da consciência negra ou de Cosme e Damião.

3. A (RE)CONSTRUÇAO DE UMA IDENTIDADE

Por meio de conversas e observações realizadas na Associação e em seu entorno, coletou-se dados para entender o funcionamento e as relações dentro dela, ou seja, entender o “nós” bem como as relações com os “outros”.

De uma maneira geral, “... as teorias da etnicidade acentuam o fato de que o nós constrói-se em oposição ao eles” (POUTIGNAT et al., 1998, p. 122). Esse aspecto relacional é fundamental nas teorias interacionistas, para as quais a identidade não é algo fixo e imutável, pelo contrário, é relacional, ou seja, é construída nas relações que a pessoa estabelece ao longo de sua vida.

As relações de parentesco continuam norteando a organização social, mas o discurso antes ligado a família passa a ser direcionado para a questão étnica. Base o exposto entendemos que “a identidade étnica se constrói, se desconstrói e se reconstrói segundo as situações” (CUCHE, 1999, p.198).

Os membros da Associação Comunidade Manoel Ciriaco dos Santos vem promovendo transformações na sua forma de auto identificação, no passado identificavam-se como membros de uma mesma família, e/ou como uma comunidade rural de agricultura familiar.

Atualmente passaram a se reconhecer como remanescentes de quilombo. Esta nova identidade, que vem sendo construída aos poucos, pôde ser datada por nós, tendo em vista relatos internos da Comunidade e externos a ela, a mais ou menos três anos. Ainda estão em processo de passarem a pensar sua realidade e identidade com base neste outro padrão identitário. De acordo com Coradini:

Qualquer Processo de construção de identidade étnica esta baseado a determinadas interpretações das origens, trajetórias e características sociais, que se tornam emblemáticas para o grupo. Não vem ao caso a veracidade factual destas origens e características sociais, visto que se trata de estereótipos culturalmente definidos e valorizados positiva ou negativamente, em oposição a outros estereótipos (CORADINI, 1996, p.33).

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Manuela Carneiro da Cunha (1987, p. 107), ao fazer a distinção entre etnicidade e outros tipos de organização social, tais como os grupos de parentesco, afirma que essa distinção se prende mais a retórica utilizada para demarcar o grupo. Grupos de parentesco reivindicariam genealogias compartilhadas, enquanto grupos étnicos invocariam uma origem e cultura comuns. Ambas as perspectivas procuram criar uma fronteira entre o nós e os outros. Entendendo que a identidade é sempre contrastiva, relacional, e situacional procuramos dar voz ao entorno da associação, agricultores de origem étnica italiana, alemã, portuguesa. Pois devemos observar como os grupos se vêem e são vistos pelos outros, a identidade étnica sendo um produto de uma situação relacional entre uma auto-identidade, que é definida por si mesma, e uma hetero-identidade que é definida pelos outros, na qual a legitimidade de cada uma depende das relações de força, que podem ser simbólicas ou não, entre os grupos em contato. Assim, as identidades não são mais resultados de heranças culturais e sim resultados de uma invenção contínua de traços culturais. A etnia dependendo da capacidade de cada grupo em manter simbolicamente as fronteiras culturais. Comentando a visão de Barth, OLIVEIRA (1994, p. viii) afirma:

Um grupo étnico não se define por seu estofo cultural (que se modifica no tempo e varia de acordo com ajustamentos ecológicos), mas através de critérios pelos quais ele mesmo estabelece as suas fronteiras (critério de pertencimento e exclusão) e pela tentativa de normatização da interação entre os membros do grupo e as pessoas de fora. Nesta concepção a homogeneidade cultural é uma resultante de um processo de criação coletiva e a constituição de um sujeito coletivo, fator determinante no estabelecimento de um grupo étnico. (OLIVEIRA, 1994, p. viii).

As falas dos agora auto denominados “remanescentes de quilombos” ou “quilombolas” trazem um discurso de exclusão que teriam sofrido e ainda sofrem dos outros grupos étnicos que vivem no seu entorno.

Os auto denominados quilombolas relatam que sempre sofreram discriminações, citam como exemplos apelidos como “lustrinho”, ou frases do tipo: “Lá vem à nuvem preta, vai chover!”, Ou ainda “Tem muito macaco perto do rio”.

Pudemos constatar através de algumas falas que a família Santos, hoje Associação e/ou comunidade quilombola, nunca teve um contato freqüente com os moradores do Maracajú dos Gaúchos devido à timidez e pobreza. Assim, notamos a possível existência de um auto isolamento e que este tem aumentado depois da auto-identificação como quilombola. Essa fala também é recorrente entre os próprios membros da Associação, que muitas vezes citam que foram criados isolados, que tinham vergonha pela pobreza em que viviam e então

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se escondiam das outras pessoas. Tanto é que quando seu Manoel faleceu, eles tiveram dificuldades em administrar a sua propriedade, pois, o “Manoel cuidava de tudo e não ensinou nenhum dos filhos como deveriam proceder”.

Por outro lado constatamos que o mesmo também acontecia por parte dos auto denominados “quilombolas” no que diz respeito a excluírem seus vizinhos, pois estes eram rotulados de “italianos”, “alemães”, “ratos brancos”, entre outras nomeações. “Italianos” é o termo usado ainda hoje pelos auto denominados quilombolas para se referir ao coletivo dos moradores de Maracajú dos Gaúchos.

Constatamos a existência de discriminação do entorno com relação aos membros da Associação, pois é recorrente surgir nessas falas termos como “morenos”, “professora negrinha”, “pretos”, “preguiçosos”, “acomodados”, “maus pagadores”. Por outro lado, surgiram ao longo do trabalho, falas de valorização do “outro”, como: “O pessoal da comunidade é boa gente”; “os morenos na época que os pais eram vivos eram trabalhadores, eram bons vizinhos”; “se o Manoel devesse dez centavos ele fazia questão de pagar”. Há quem diga que os homens da Associação, quando meninos, sempre jogavam futebol com os outros meninos, vizinhos próximos ou não, que o pessoal da Associação sempre participou de festas e bailes em Maracajú dos Gaúchos.

A identidade étnica passou a ser acionada na sua relação com os demais grupos sociais e politicamente. A definição dessa identidade quilombola passa pelo acionamento de uma ancestralidade escrava, por um processo de exclusão social, pela reconstrução de valores religiosos e culturais.

O que percebemos por intermédio da pesquisa é que a identidade quilombola é algo novo entre essas pessoas e que ainda esta em processo de formação, como se os membros da Associação estivessem aprendendo como “ser negro”. A identidade como algo contrastivo se faz presente desde antes desse reconhecimento, porém, a construção dela é recente como podemos observar através das instâncias da vida social.

São esses dos dados da primeira etapa dessa pesquisa, que ainda esta em andamento e como se pode notar são dados bem descritivos e não dados conclusivos. O objetivo do primeiro campo foi alcançado, que era conhecer e descrever essa Associação, que se denomina agora como Comunidade Negra.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACONEMA. Estatuto Social. 2007.

BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: Poutignat, P.; Streifffenart, J. Teorias da etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998.

BRASIL. Constituição 1988.

BRASIL. Decreto 4887 – Regulamenta o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Brasília. 2003.

CORADINI, O. L. Os significados da noção de “italianos”. In: MAESTRI, M. (Coord.). Nós, os ítalo-gaúchos. Porto Alegre: UFRGS, 1996.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, historia, etnicidade. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências Sociais. Bauru: Edusc, 1999.

OLIVEIRA, João Pacheco de. "A viagem de volta: reelaboração cultural e horizonte político dos povos indígenas do Nordeste". Projeto Estudo sobre Terras Indígenas no Brasil (PETI). Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1994.

POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FEMART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. 2ª ed. São Paulo: UNESP. 1998

PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Seppir, Brasília, 2004.

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