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As didáticas específicas: campo de pesquisa e ferramentas teóricas

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Academic year: 2021

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BITTENCOURT, Jane - UFSC AMADE-ESCOT, Chantal - UPS GT: Didática / n.04

Agência Financiadora: não contou com financiamento

As didáticas específicas: campo de pesquisa e ferramentas teóricas

As didáticas específicas se desenvolveram a partir da década de setenta, no contexto da produção acadêmica francesa, principalmente a partir do questionamento em torno do ensino e da aprendizagem da matemática. Sua emergência se refere diretamente a uma reação contra o privilégio da abordagem psicológica, essencialmente de inspiração piagetiana, no estudo dos fenômenos educativos, bastante difundida nas pesquisas educacionais na França neste período.

Além disso, as reformas curriculares no ensino, marcadamente a introdução da Matemática Moderna, instingaram uma ruptura com as abordagens demasiado vastas da Pedagogia. Ao mesmo tempo, incitaram a busca de perspectivas para o ensino, a partir da consideração dos saberes matemáticos em questão.

As idéias principais das didáticas, geradas principalmente na Didática da Matemática, centravam-se inicialmente no estudo das condições de transmissão e aprendizagem do conhecimento em contexto escolar, a partir da consideração do

sistema didático. De fato, o triângulo didático, conforme proposto por Brousseau

(1986), serviu de suporte para o desenvolvimento de uma série de ferramentas teóricas que, por sua vez, modificaram a própria idéia original, vindo a ressignificar o triângulo. Como sugere Leutenegger (2000), numa evidente revisão do conceito, o sistema

didático se refere a um sistema de relações entre o professor e os alunos, em torno de

uma intencionalidade de ensinar/aprender um conjunto de saberes, compreendidos, por sua vez, no seu contexto institucional de produção e regulação.

Tendo em vista caracterizar o sistema didático e analisar seu funcionamento na sua devida complexidade, diversos construtos teóricos se desenvolveram, como a noção de transposição didática, proposta por Chevallard em 1986/1991, ou ainda os conceitos de situação didática e de contrato didático, propostos inicialmente por Brousseau. Derivações e interpretações, nem sempre convergentes, destes conceitos iniciais,

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contribuiram para o largo desenvolvimento deste campo de pesquisa. Seu objetivo principal era favorecer a aprendizagem, propondo, para isso, situações ideais para o ensino de determinados conteúdos. No entanto, estas propostas, as engenharias

didáticas, se mostraram inadequadas diante da experiência e das expectativas dos

docentes, evidenciando a fragilidade de uma perspectiva orientada da pesquisa para o ensino.

Os construtos teóricos - e também metodológicos, como é o caso das engenharias didáticas- , se difundiram em outros campos, de modo a contribuir para a constituição da didática das ciências, do francês, da história e da geografia, e da educação física. Tais campos de pesquisa, embora bastante heterogêneos no que diz respeito à sua especifidade disciplinar, compartilham uma hipótese forte, que os caracterizaria enquanto “didáticas específicas”: a consideração dos saberes disciplinares como o elemento fundamental na compreensão do fenômeno “ensino”, analisado a partir tríade Pofessor/Aluno/Saberes, tidos como sub-sistemas interdependentes. Este ponto de vista viria a constituir o núcleo central, que possibilitou às didáticas específicas uma relativa autonomia disciplinar, em relação a outros campos de investigação que também têm os fenômenos educativos como objeto de estudos.

As didáticas e as práticas docentes

Recentemente, críticas internas ao carater normativo predominante nas pesquisas em Didática da Matemática na década de oitenta, assim como a influência de inúmeras pesquisas em Educação, que passam a se voltar para os docentes e sua profissionalisação, contribuiram para uma reorientação dos focos de investigação deste campo. Como sugere Leutenegger (2000), os pesquisadores em didática passam a se dedicar ao estudo das condições efetivas de ensino e aprendizagem na sala de aula, com o objetivo de compreender o funcionamento dos fenômenos educativos, onde o lugar do professor passa a ser bastante problematizado.A questão do professor passa a ser tratada de múltiplas maneiras, segundo os referenciais teóricos adotados pelos pesquisadores. De modo geral, as pesquisas procuram compreender e modelisar a prática docente, identificando o sistema de restrições, decisões e possibilidades inerentes à prática.

Os avanços teóricos na pesquisa em Didática da Matemática permitiram a migração de construtos para as outras didáticas específicas, que também procuram

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estudar o pólo “professor”, o que tem colocado a pertinência de um ponto de vista comparatista.

Além disso, a evidente proximidade, nem sempre convergente, entre os resultados de pesquisa nas didáticas e em Educação têm incitado o debate recente (Raisky e Caillot, 1996) em torno da possível constituiçao de um campo teórico comum, para além das didáticas específicas. A evidente complexidade da questão “práticas docentes”, compartilhada entre diferentes campos de investigação, indica a pertinência, se não a urgência, de uma especificação dos instrumentos teóricos e metodológicos próprios a um ponto de vista “didático”. Esta perspectiva de investigação poderia se denominar “Didática Comparada” (Mercier, Schubauer-Léoni e, Sensevy, 2002).

A perspectiva comparatista

Neste contexto, a perspectiva comparatista constitui um campo de pesquisa emergente, que se define a partir de um objeto central, o funcionamento do sistema didático, e, no seu interior, as práticas docentes efetivas. Sua problemática principal, como sugerem Schubauer-Leoni e Leutenneger (2002), se centra na questão: a relação didática se refere a cada campo disciplinar específico – e, neste caso, em que medida? - ou apresenta traços de “genericidade”1?

Seu programa de pesquisa visa identificar elementos genéricos e especificos presentes nas práticas docentes, considerando diferentes contextos educativos e situações, como: a sala de aula e outros espaços educativos; as práticas docentes de diferentes disciplinas ou a utilização de referenciais teóricos comuns entre diferentes campos disciplinares.

Como adverte Joshua (2002), esta perspectiva evitaria o “fechamento defensivo” no qual as didáticas disciplinares muitas vezes se colocam, o que tem dificultado o aprofundamento teórico de seus princípios filosóficos e epistemológicos. Por outro lado, a perspectiva comparatista se distancia de uma “didática geral”, na medida em que preserva, como fio condutor da análise de situações didáticas, as relações com os saberes, em suas regulações de natureza ao mesmo tempo genérica e específica.

1 Este termo se refere ao original francês “génericité”, que não corresponde, em português, ao termo

“generalidade”, que remeteria a uma possível generalização dos fenômenos. A perspectiva comparatista visa exatamente introduzir uma ruptura, sugerindo uma outra relação entre o que é específico e o que é genérico: a “generacidade” existe nos fenômenos educativos, mas este traço só pode ser apreendido na especificidade das situações de ensino e aprendizagem.

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De modo a explicitar uma metodologia que favoreça esta abordagem comparatista, um enfoque clínico tem sido proposto, caracterizado pela análise detalhada das interações no sistema didático. As observações e entrevistas, numa abordagem etnográfica, possibilitam a compreensão de uma dinâmica evolutiva.

Em relação ao estado atual da pesquisa sobre as práticas docentes no Brasil, geralmente centradas nos temas “profissionalização” e “saberes docentes”, esta perspectiva possibilita ferramentas teóricas e metodológicas para a análise da operacionalização dos saberes docentes, em situações didáticas concretas. Esta abordagem parece fundamental diante da fragilidade do ponto de vista unicamente intrínseco, que considera o professor como sujeito cognitivo, com seus conceitos, representações e história de vida, isoladamente das situações efetivas de ensino e aprendizagem, onde tais saberes produzem, efetivamente, sentido. Por exemplo, Shubauer-Leoni e Leutenegger (1997), colocaram em evidência os processos diferenciadores co-construídos entre o professor e os alunos, no caso de processos matemáticos em jogo na escrita de um número.

De modo geral, na perspectiva comparatista, o questionamento sobre a “genericidade” dos processos em questão pode contribuir para renovar o debate em torno das relações entre Didática e a Pedagogia, ao mesmo que tempo que interroga a especificadade das didáticas específicas. Ambas as questões parecem especialmente pertinentes em relação à dinâmica de produção de conhecimento acadêmico no Brasil, onde as didáticas específicas têm se introduzido de maneira bastante disciplinar.

Além disso, a pesquisa sobre as práticas docentes no Brasil tem se servido de diferentes paradigmas de investigação, gerados nos campos do currículo, da sociologia, da filosofia ou da psicologia da educação2, e não especialmente a partir do que seria próprio a um ponto de vista didático. Neste sentido, a perspectiva comparatista nos possibilita reposicionar a questão do estatuto epistemológico da Didática, e indagar, ainda num espírito comparatista, a pertinência de construtos teóricos gerados em outros contextos educativos, em relação às práticas e às políticas educacionais brasileiras. Referências Bibliográficas:

2 Além disso, como indicam diversas sínteses (como Borges, 2001 e Nunes, 2001) , as pesquisas

brasileiras nesta área têm sido, até agora, influenciadas principalmente pela produção norte-americana e canadense, e muito pouco pela didática francesa.

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BORGES, C. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação e Sociedade, Campinas, n.74, ano XXII, p.59-76, abr. 2001.

BROUSSEAU, G. Fondements et méthodologie en didactique des mathématiques. Recherches en didactiques des mathématiques, Grenoble, vol.7/2, p.33-115, 1986. CHEVALLARD, Y. La transposition didactique : du savoir savant au savoir enseigné. 2. ed. Grenoble : La Pensée Sauvage, 1991.

JOHSUA, S. Spécificités disciplinaires, spécificités didactiques, vers une didactique comparée. In : P. Venturini, C. Amade-Escot, et A. Terrisse (Eds.) Etude des pratiques effectives: l'approche des Didactiques. La Pensée Sauvage, 2002, p.17-24.

LEUTENEGGER, F. Construction d'une « clinique » pour le didactique. Une étude des phénomènes temporels de l'enseignement. Recherches en Didactique des Mathématiques, Grenoble, vol.20/2, p.209-250, 2000.

MERCIER, A. ; SCHUBAUER-LEONI, M.L.; SENSEVY.G. Vers une didactique comparée : Introduction. Revue Française de Pédagogie, Paris, n. 141 (número especial : "Vers une didactique comparée"), p.5-16, 2002.

NUNES, C.M. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação e Sociedade, Campinas, n.74, ano XXII, p.27-42, abr. 2001.

RAISKY, C.; CAILLOT, M. (eds.). Au-delà des didactiques le didactique : débats autour de concepts fédérateurs. Bruxelles: De Boëck, 1996.

SCHUBAUER-LEONI, M.L.; LEUTENEGGER, F. Le travail de recherche sur la leçon : mise en perspective épistémologique. In : C. Blanchard-Laville (ed.). Variations sur une leçon. Analyses d'une séquence : l'écriture des grands nombres. Paris : l’Harmattan, 1997, p. 15-30.

SCHUBAUER-LEONI, M.L.; LEUTENEGGER, F. Expliquer et comprendre dans une approche clinique/expérimentale du didactique ordinaire. In : Leutenegger e Saada-Robert (ed.). Expliquer et comprendre en sciences de l’éducation. Bruxelles: De Boëck, Raisons Educatives, 2002, p.227-251.

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DIDÁTICA E PRÁTICAS DOCENTES

UMA ABORDAGEM COMPARATISTA

Autoras

Instituição

As Didáticas específicas : ferramentas teóricas

As Didáticas e a pesquisa sobre as práticas docentes

A Perspectiva comparatista

Referências

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