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Ana Laura Prates O trauma é o infantil cena primária: verdade e ficção no caso do Homem dos lobos

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ano XIX, n. 186, junho/2006

pulsional

> revista de psicanálise

>

Ana Laura Prates

O trauma é o infantil – cena primária:

verdade e ficção no caso do “Homem dos lobos”

artigos

>

p. 56-62

O conceito lacaniano de “fantasia funda-mental” responde a uma questão antiga e polêmica na psicanálise, qual seja, a da

pos-Este trabalho trata do conceito lacaniano de fantasia fundamental como um

ope-rador clínico e conceitual que toca a relação do sujeito com o objeto. Retoma a pas-sagem freudiana de uma temporalidade cronológica para uma temporalidade lógica e topológica, na qual o infantil é tratado como o lugar da Outra cena inconsciente. Apresenta a subversão operada por Lacan sobretudo a partir da invenção do objeto

a e demonstra como, no seminário “A lógica da fantasia”, o debate sobre a realidade ou

não da cena primária do “Homem dos Lobos” é retomada no plano da discussão sobre a verdade e a montagem fantasmática. A partir dessas articulações, desenvolve a idéia da fantasia como a escrita do impossível, ou seja, daquilo que resta do encon-tro do vivo com o significante que só pode ser construído no percurso de uma análise.

> Palavras-chave: Fantasia fundamental, cena primária, construção, verdade

This article discusses Lacan’s concept of fundamental fantasy as a conceptual and clinical operator that treats of the relationship between the subject and the object. The author makes reference to Freud’s idea of a passage from chronological temporariness to logical and topological temporariness, where the infantile is treated as the place of the Other unconscious scene. Next, the subversion operated by Lacan is treated in reference to the notion of object “a.” The author then comments on the debate – taken up in the seminar on “The logic of the fantasy” – as to whether or not the primal scene referred to in The “Wolf man” was reality. This debate, in fact, implies the discussion on the truth and construction of fantasy. The author then develops the idea of fantasy as the writing of the impossible – that is, what remains from the encounter of the living with the signifier, which can only be constructed in an analysis.

> Key words: Fundamental fantasy, primary scene, construction, truth

sibilidade de distinção entre realidade e fantasia. Fantasia é a tradução para o

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artigos

Freud que no sentido corrente da língua alemã tem o sentido de devaneio ou

imagi-nação. Phantasie torna-se um conceito a

partir de 1897 e é correlato à noção de rea-lidade psíquica que opõe-se à teoria da se-dução. Nas cartas que Freud escreve a Fliess nessa época já podemos perceber um ques-tionamento sobre a relação entre lembran-ças e as fantasias bem como a relação entre fantasia e sintoma.

Freud, entretanto, parece ficar refém da dualidade entre o psíquico e o biológico, o interno e o externo. Para atravessar essas dicotomias, ele precisará criar o conceito de “realidade psíquica”, apresentado na parte E

do capítulo VII de A interpretação dos

so-nhos (1900):

Estes impulsos inconscientes que o sonho re-vela não têm talvez o valor de poderes reais na vida anímica? Que importância ética temos que dar aos desejos recalcados, que assim como criam sonhos, podem criar algum dia outros produtos? Em que sentido temos que reconhecer como realidade os desejos in-conscientes?

Uma vez que conduzimos os desejos inconscien-tes à sua última e mais verdadeira expressão, vemos que a realidade psíquica é uma forma especial de existência que não deve ser confun-dida com a realidade material (Tomo I, p. 720) Em seus textos posteriores, tais como “Três ensaios para uma teoria sexual” (1905) e “Teorias sexuais infantil” (1908) Freud de-senvolve a questão do estatuto de realida-de dos realida-desejos inconscientes. A questão

sobre a origem da fantasia inconsciente, en-tretanto, só será explicitamente trabalhada num texto de 1915 “Um caso de paranóia contrário à teoria psicanalítica”, quando

Freud cria o conceito de fantasia original ou

primária o qual será debatido de forma ex-traordinária no caso do “Homem dos lobos”. A “História de uma neurose infantil” foi pu-blicada por Freud em 1918, quatro anos após o término do tratamento daquele que ficou

conhecido como “O Homem dos Lobos”.1

Esse historial, clínico talvez como nenhum outro, revele que na escrita freudiana abrir mão da idéia de infância como uma fase da vida esquecida a ser rememorada na

análi-se em nada invalida a noção do infantil

como o lugar – na fantasia – do traumático encontro com o significante. A partir do en-sino de Lacan, pode-se compreender a vira-da teórica realizavira-da por Freud do trauma à fantasia como a passagem da infância – no

nível da cronologia – para o infantil –

en-quanto topologia. A passagem do infantil à estrutura implica numa operação que deixa um resto inacessível ao saber inconsciente. É, entretanto, a partir da escrita da fantasia, que o sujeito pode construir uma ficção so-bre a causa de seu desejo.

Pretendo, neste trabalho, acompanhar as questões levantadas por Freud e

formaliza-das por Lacan, a respeito da realidade da

cena primária e sua relação com a lógica da fantasia. Para introduzir a discussão, farei uma breve retomada dos tempos da

cons-trução do historial clínico em análise.2

1> Este título responde a sua necessidade de responder às objeções de Adler e Jung quanto à etiologia sexual e infantil dos sintomas neuróticos.

2> Algumas considerações aqui expostas sobre o caso do Homem dos Lobos, bem como os esquemas por mim elaborados estão presentes também no texto O trauma é o infantil: cena primária, verdade e ficção no caso do Homem dos Lobos publicado na revista Stylus, n. 9 (2004) e foram aqui reproduzidos por serem imprescindíveis para o argumento do presente artigo.

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Inicialmente, Freud isola dois tempos da neurose infantil:

1. desenvolvimento de uma atitude perver-sa e cruel com animais, com três anos e meio, que não correspondia ao comporta-mento anterior do sujeito.

artigos

2. eclosão da angústia e da fobia quando o me-nino tinha quatro anos. Segue-se uma in-tensa formação de sintomas obsessivos, incluindo rituais religiosos antes de dormir. Freud propõe que esses dois tempos estejam separados por um evento traumático:

Criança cordata e bondosa ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ T1: Súbita mudança: ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ T2: Angústia

⇓ ⇓ ⇓ ⇓

Evento traumático ⇓ ⇓ ⇓ ⇓ ⇓

Atitude cruel Fobia

⇓ ⇓ ⇓ ⇓ ⇓ Sintomas obsessivos

Quanto à construção do primeiro tempo da neurose infantil, parte-se de uma

lembran-ça da infância durante a análise: o vento

levantando o chapéu de sua governanta. A partir dessa lembrança, inicia-se uma série de construções em análise, através das quais Freud supôs a seguinte seqüência cronológi-ca: Investigação, infantil amor pela babá (substituta da mãe)/Sedução ativa da irmã/ Entrada da governanta (ameaça a relação com a babá)/Masturbação: “bate-se numa criança”/Repressão? ameaça da castração/ Súbita mudança de caráter? repreendido pelo pai.

Mas seria ainda preciso entender “que sig-nificação tiveram sua fobia e suas perversi-dades, como chegou a sua religiosidade obsessiva e qual é a relação que enlaça to-dos esses fenômenos” (Tomo II, p. 1047). Observa-se, então, um giro surpreendente no texto de Freud: Lá onde ele supôs

inicial-mente a existência de um trauma surge,

en-tretanto, a lembrança de um sonho que

ocorreu alguns dias antes do sujeito fazer quatro anos. O que há, então, entre o pri-meiro tempo e o segundo tempo da neuro-se infantil é o sonho dos neuro-sete lobos brancos

numa árvore, que o olhavam fixamente e que iriam comê-lo:

T1 T2

Sonho

O olhar fixo dos lobos intriga Freud, que le-vanta a hipótese de uma transformação no contrário: teria o menino visto algo em mo-vimento? Tal interpretação provoca a lem-brança de uma cena ainda mais precoce, a

chamada cena primária. Quando o menino

tinha um ano e meio, teria visto um coito a tergo de seus pais, no qual pode ver os ge-nitais de sua mãe e de seu pai. Assim, o lobo, que lhe dava medo era, segundo Freud, indubitavelmente, o pai em posição ereta. Freud comenta que essa cena foi ati-vada pelo sonho dos lobos aos quatro anos: “A cena atua a posteriori sem haver perdido nada no intervalo entre um ano e meio e

quatro anos”. (Tomo II, p. 1965). Assim, o

so-nho representaria uma ressignificação do real da diferença sexual vivenciada até en-tão simplesmente em nível de uma polari-dade de ativo/passivo.

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bre a realidade da cena primária e sobre à possibilidade dessa cena não ser uma lem-brança, mas uma fantasia do sujeito já na fase adulta:

Tal concepção não torna consigo modificação alguma imediata na prática da análise. (...) Es-tas cenas infantis não são reproduzidas na cura como lembranças mas são resultado da cons-trução. (...) Essas lembranças, antes incons-cientes, não têm sequer que ser reais, podem sê-lo, mas muitas vezes foram deformados com elementos fantasiados, tal como ocorre nas lembranças encobridoras. (Tomo II, p. 1966-7)

A questão a respeito da realidade ou não da cena primária poderia nos conduzir a uma substituição do suposto evento traumático por uma fantasia mantendo, entretanto, a idéia de uma experiência de rememoração como uma retrospectiva cronológica. Neste caso, bastaria substituir o trauma pela fan-tasia.

A análise visaria, portanto, não a lembran-ça de uma cena vivida, mas de uma cena fantasiada que, não obstante, já estaria lá

para ser encontrada.3

Entretanto, o caminho que Lacan percorre

artigos

História da neurose

1 ano e meio T0 3 anos e meio T1 4 anos T2

⇓ ⇓ ⇓ ⇓ ⇓ ⇓

Trauma Negação Sedução Repressão Sonho Angústia Cena Investig. Masturbação Mudança Ativação Fobia Primária Sexual (Ativ. da sexual) De caráter Da cena Sintoma Docilidade (Agressividade) T1 T2 T3 Construção da fantasia Análise

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ao longo de seu ensino na elaboração de uma lógica da fantasia aponta para outra perspectiva. Desde “A instância da letra no inconsciente” (1957) Lacan insistia que as articulações lógicas representadas na

ence-nação onírica são homólogas às do discurso. E ele acrescenta: “entre o significante enig-mático do trauma sexual e o termo ao qual vem a substituir numa cadeia significante atual, passa a centelha que fixa num sinto-3> Essa concepção cronológica corresponde, no esquema, aos tempos em vermelho.

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ma a significação inacessível ao sujeito”. (p.522). Em “Subversão do sujeito” (1960), Lacan volta a essa questão, dizendo que o inconsciente freudiano é a cadeia de signi-ficantes que se repete numa Outra cena. Freqüentemente, aliás, o próprio caso do Homem dos Lobos é retomado para tratar essa questão, como por exemplo, em “Fun-ção e campo da fala e da linguagem em psi-canálise” (1953): “não se trata, na anamnese psicanalítica de realidade, mas de verdade”. (p. 257). Os meandros da investigação que Freud realizou na exposição do caso do “Ho-mem dos lobos” confirmam estas afirmações, nelas retomando seu pleno sentido. Freud exige uma objetivação total da prova quando se trata de datar a cena primária, mas supõe, sem mais aquela, todas as ressubjeti-vações do acontecimento que lhe pareçam ne-cessárias para explicar seus efeitos a cada volta em que o sujeito se reestrutura, isto é, tantas reestruturações do acontecimento quan-tas se operem, como se exprime ele, a poste-riori. (p. 257)

O caso do “Homem dos lobos” coloca, então, duas questões fundamentais que serão recu-peradas por Freud no texto do ano

seguin-te, “Bate-se numa criança” (1919) onde ele deixa claro que a construção da fantasia de-semboca no Complexo de castração como irredutível a qualquer interpretação. Pode-se apreender e extrair daí, portanto, não mais a história cronológica da neurose na infân-cia, mas os tempos lógicos da construção da fantasia que inclui o infantil como o lugar do que resta de não-falante a partir do encon-tro traumático do vivo com o significante. Com efeito, em “Bate-se numa criança” Freud conclui as questões levantadas no caso do Homem dos Lobos afirmando que a fantasia não se interpreta; constrói – se em três tempos lógicos: um rival é espancado (no caso: a irmã); o próprio sujeito é espan-cado (construção de Freud) e, finalmente “Bate-se numa criança” (no caso: as crian-ças do calabouço), onde o sujeito é reduzi-do a um olhar (como revela o sonho e a cena

primária).4

Assim, fica evidente que a Outra cena (cena primária) jamais poderia ser anterior ao sig-nificante, pois ela é uma efeito de signifi-cante. A fantasia é uma produção de linguagem que revela, a um só tempo o as-sujeitamento estrutural à realidade do

T1 T2 T3

Sintoma Cena de sedução Sonho Cena primária

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ficante e a produção do sujeito na tentati-va de responder à falta do Outro tomada como demanda endereçada a ele. Lá onde não há referência na realidade, lá onde falta o saber sobre a não existência da relação

sexual o sujeito cria o objeto, positivando a falta que o constituiu. Daí a dupla vertente

do objeto a ao mesmo tempo causa de

de-sejo e mais de gozar. É nesse sentido que Lacan comenta no seminário 11 (1964): 4> Essa concepção lógica corresponde, no esquema, aos tempos em azul.

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O que é essencial é que ele veja, para além des-sa significação, a qual significante – não-sen-so, irredutível, traumático – ele está, como sujeito, assujeitado. (...) Não é que o sujeito seja fascinado pelo olhar desses lobos (...). É que o olhar deles, fascinado, é o próprio sujei-to. (p. 237)

Embora seja essa a lógica que sustenta o su-jeito, a fantasia é construída na análise, já que a entrada em análise supõe a passagem para uma linguagem artificial que subverte o sujeito. No seminário “A lógica da fantasia” (1966-1967), Lacan retoma mais uma vez o caso do Homem dos Lobos, dizendo que “a associação livre nos conduz sobre o plano da estrutura de rede em uma dimensão que não

é a da realidade, mas a da verdade”.

Deslo-car o debate para a questão da verdade é profundamente instigante, dada a complexi-dade de como esse conceito é tratado na obra de Lacan. Neste caso o essencial é sa-ber “de que modo o sujeito pôde articular essa cena em significantes, quer dizer, verificá-la em todo seu ser e por seu sinto-ma, isto é, como pode articulá-la em signifi-cantes” (aula de 7/12/1966). A questão, dirá Lacan, é indagar a relação da verdade ao significante.

Temos, então, por um lado a questão do sig-nificante; por outro, a questão da verdade. A articulação entre esses dois aspectos será proporcionada exatamente pela lógica da fantasia. Em primeiro lugar, Lacan reafirma que “O sujeito começa pelo corte”. Na aula de 16 de novembro de 1966, ele demonstra que o corte operado pela linguagem

engen-dra o sujeito e deixa cair esse objeto

estra-nho. Assim, a realidade que faz o quadro da

fantasia e que constitui toda a realidade

hu-mana é a montagem do simbólico e do

ima-ginário. Não há realidade material a não ser o significante.

A entrada do significante no Real cria a pos-sibilidade da diferença. A função do signifi-cante exclui o princípio Aristotélico da identidade (uma coisa é sempre igual a si mesma) já que, ao contrário, a definição do significante é exatamente a de não poder significar-se a si mesmo. Não há, portanto, universo do discurso, já que o que constitui a cadeia é justamente um significante “a mais”, incontável. Lacan coloca essa defini-ção como um axioma que põe em jogo a questão da identidade. Aqui encontramos uma referência ao seminário sobre a iden-tificação (1961-1962) quanto à função do

tra-ço unário (einziger Zug) como fundante da

cadeia significante. Por outro lado, para for-malizar a afirmação de que não há univer-so do discuruniver-so, Lacan recorre ao paradoxo de Russel: “o catálogo de todos os catálogos ex-clui a si mesmo”:

Nesse ponto, Lacan dá uma passo funda-mental articulando a lógica com a função da escrita: existe uma escrita lógica para a im-possibilidade, ou seja, não é o mesmo o que se escreve e o que se diz. Na aula de 7/12, Lacan dirá que é exatamente a relação en-tre a lógica e a escrita o que permitirá àquela enfrentar o problema da verdade. Daí a im-portância da passagem da lógica proposicio-nal fundada por Aristóteles que ficava no plano da enunciação para a lógica formal que se constrói no nível da escrita. O prin-cípio Aristotélico da não contradição coloca-va a questão da verdade no nível da realidade: é impossível que exista um ho-mem que não seja mortal se sabemos que todo homem é mortal. Algo ou é, ou não é (sendo impossível a existência de duas pro-posições contraditórias). A lógica formal

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mite escrever o impossível, dado que o qua-dro lógico das implicações escreve ligações em que se verifica o valor de verdade e não a realidade das proposições.

Ainda em relação à questão da verdade ver-dadeira, Lacan incluirá o “Discurso do méto-do” de Descartes. O método para Descartes é fundamental para se buscar a verdade, uma verdade que se distinga claramente da falsidade. Para se chegar ao conhecimento evidente, há necessidade da dúvida. Ela será o procedimento através do qual é possível verificar a verdade. Descartes começa duvi-dando dos sentidos, parte para o argumen-to do sonho – o que distingue o sonho da realidade? – e aos poucos vai transpondo a dúvida do plano material para o plano me-tafísico. Instaura então um gênio enganador que conduz a estratégia metódica ao máxi-mo da dúvida. Entretanto, para ser engana-do, eu tenho que existir. Assim, a partir do engano, “eu sou”.

Dessa forma, o sujeito cartesiano é um su-jeito lógico, já que o pensar implica o ser, sendo o “eu sou” a primeira verdade univer-sal. Assim, no cógito cartesiano temos uma reunião entre o conjunto do ser e o do pen-samento constituindo a verdade universal. O inconsciente freudiano, como Lacan articu-lou desde seus primeiros escritos, ultrapassa o cógito cartesiano por apontar e excentri-cidade do ser em relação ao pensamento. A fantasia, desse modo, é uma produção de linguagem que mostra, ao mesmo tempo, o assujeitamento à realidade do significante e a produção do sujeito na tentativa de res-ponder à falta do Outro tomada como de-manda endereçada a ele. Ela constitui-se, assim, como a referência do sujeito, lá onde não há referência. Nesse sentido, embora seja essa a lógica que sustenta o sujeito

neurótico, a fantasia – como nos mostra o caso do Homem dos Lobos – é construída na análise, já que a entrada em análise supõe a passagem da linguagem natural a uma lin-guagem artificial que marca a singularidade da construção fantasmática.

A fantasia, nesse sentido é a escrita do im-possível: ela escreve a impossibilidade da relação sexual, a impossibilidade da relação de objeto e aponta, inexoravelmente, para aquilo que quer ocultar: a falta estrutural do significante para nomear o ser.

Referências

FREUD, Sigmund (1900). La interpretación de los

sueños. In: Obras Completas. Madrid:

Bibliote-ca Nueva, 1981. Tomo I.

_____ (1918). Historia de una neurosis infan-til (caso del “hombre de los lobos”). In: Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981.

Tomo II.

_____ (1919). Pegan a un niño. In: Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981.

Tomo II.

LACAN, Jacques (1953). Função e campo da fala e

da linguagem em psicanálise In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

_____ (1957). A instância da letra no incons-ciente ou a razão desde Freud In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

_____ (1960). Subversão do sujeito e a dialé-tica do desejo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jor-ge Zahar, 1998.

_____ (1964). O seminário. Livro 11. Os qua-tro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

_____ (1966–1967). Seminario 14. La lógica del fantasma. Versão não estabelecida, s/d. Artigo recebido em janeiro de 2006

Aprovado para publicação em março de 2006

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