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FINANCEIRIZAÇÃO DA PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA NA BORDA DA METRÓPOLE: URBANISMO SEM URBANIZAÇÃO NOS RESORTS DA REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA

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FINANCEIRIZAÇÃO DA PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA NA BORDA DA

METRÓPOLE: URBANISMO SEM URBANIZAÇÃO NOS RESORTS DA REGIÃO

METROPOLITANA DE FORTALEZA

Maria Beatriz Cruz Rufino

Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU_USP)/Departamento de Projeto

Rua do Lago 876, 05508-080, São Paulo SP Brasil Tel(+5511)3091.4548 Cel. (+5511)983894897 beatrizrufino@usp.br

Palavras-chave: Financeirização; centralização do capital; turismo; produção imobiliária. 1. Introdução

Os contornos de miséria e pobreza característicos dessa metrópole, constituída como região metropolitana em 1973, são encobertos na década de 1990, por um novo projeto de modernização, que tem como bandeira a inserção do estado na economia mundial e encontra na promoção do turismo uma das principais alavancas para seu desenvolvimento. Nesse momento, consolida-se uma forte aliança entre a atividade turística e a produção imobiliária, que tende a reforçar a diferenciação historicamente existente entre ricos e pobres - entre a feição “moderna” e “atrasada” da metrópole.

Formada originalmente pelos municípios de Fortaleza, Caucaia, Maranguape, Pacatuba e Aquiraz, a RMF teve sua composição político-administrativa alterada tanto pela fragmentação dos seus municípios originais, como pela inserção de novos municípios, alterações sempre utilizadas como estratégia espacial dos projetos de desenvolvimento econômico em curso. A incorporação de novas cidades favoreceu o super dimensionamento da região, seja com respeito ao tamanho da cidade central (Fortaleza), seja no tocante à incorporação de municípios pouco populosos, de baixa densidade e com base econômica de predominância rural. A evolução institucional dessa região metropolitana é apresentada no mapa a seguir.

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Figura 1 – Região Metropolitana de Fortaleza – Ano de integração dos municípios

Fonte: Elaborado pela equipe do PEHIS –CE (2011)

Se a expansão metropolitana esteve inicialmente fortemente pautada em uma lógica desenvolvimentista, que associou a expansão industrial a periferização da moradia da população mais pobre, mais recentemente, esta expansão passou também a ser redesenhada pelo “fenômeno da valorização turística dos espaços litorâneos” (PEQUENO, 2009).

As faixas de praia do litoral metropolitano foram ocupadas originalmente por casas de veraneio, a partir da produção de loteamentos associadas à construção de casas por encomenda. A maioria destes loteamentos foi desenvolvida de maneira precária, sem a consolidação de infraestruturas e espaços livres. O acesso à terra, facilitada pelo seu baixo preço e, por vezes, processos irregulares de apropriação, estimulou uma produção excessiva de lotes, muitos dos quais permaneceram vazios.

É sobre uma ocupação rarefeita e fragmentada que se consolida uma intensificação da ocupação desses territórios pautada por grandes investimentos imobiliários.

Sob essa nova lógica de produção do espaço, passam a ser dominantes os interesses de grandes construtores, incorporadores e investidores, que pela indústria imobiliária fazem prevalecer os ganhos enquanto processo de capitalização da renda e da produção da mais-valia.

A partir de finais da década de 1990, condomínios de praia divulgados em muitos casos como “resorts”, passam a ser difundidos como o novo padrão de imóveis de veraneio, representando um novo “status” de moradias de segunda residência. Conciliando em amplas áreas comuns, equipamentos e serviços diferenciados, os “condomínios de praia” são ainda associados a outras qualidades como “segurança” e “praticidade”. Nas palavras de um diretor de uma empresa imobiliária local1:

“Mais do que inovação os condomínios de apartamentos de praia hoje existentes representam um “upgrade” do que se fazia a três décadas... A febre dos loteamentos de praia da década de 70 passa a não mais existir, na década de 80, a febre eram as casas de praia. Não é esse mais o sonho... O condomínio volta com mais serviços e segurança”

      

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O avanço dessa dinâmica tem grande impacto na ampliação da valorização imobiliária, reforçando a instrumentalização do espaço nas áreas apropriadas pelo turismo. Nas palavras de Lefebvre (2008, p.157), a conjugação da indústria dos lazeres com a construção, intensifica a apropriação do espaço pelo capital, permitindo sua valorização e prologando a extensão das cidades. Os proprietários destes imóveis “saem do lugar do consumo, para o consumo do espaço” (LEFEBVRE, 2008, p.157), reforçando o caráter de mercadoria que este assume e sua importância enquanto instrumento de valorização do capital.

Na base dessa transformação está a importância crescente do capital financeiro. Para Chesnnais (2005), o atual regime de acumulação caracteriza-se pelo domínio do capital financeiro mundializado, e está baseado no acirramento da propriedade patrimonial de caráter rentista. Para o autor, as duas características fundamentais deste regime são a lógica da valorização financeira do capital e a presença central do capital fictício (CHESNAIS, 2005).

Para Harvey(2005), a forte onda de financeirização que se estabeleceu a partir de 1973 foi em tudo espetacular pelo seu estilo especulativo e predatório. Dentre outras características centrais da face do capitalismo contemporâneo, o autor destaca os processos de valorizações fraudulentas de ações e a dilapidação de ativos mediante fusões e aquisições (HARVEY, 2005, p.122).

Ao estudar Baltimore, Harvey (1975 apud GOTTDIENER, 1997), por exemplo, “detalha a maneira precisa pela qual o sistema complexo, altamente especializado, de circulação de capital vincula mudanças no padrão espacial urbano ao processo de investimento financeiro” (HARVEY, 1975, apud GOTTDIENER, 1997, p.99). O autor mostra que nesse sistema, várias instituições representativas do capital financeiro – associações de poupança e empréstimo, bancos comerciais, cooperativas de crédito, companhias de seguro de vida, fundos de pensão, trustes de investimento imobiliário e casas de corretagem financeira – atuam com “objetivos diferentes em mente, e cada uma delas tem um impacto sobre aspectos diferentes da indústria da construção” (ibdem, p.99).

Através desse e de outros estudos, Harvey consolida sua tese de que nos momentos de crise os fluxos são retirados do domínio da produção e do consumo imediato (circuito primário) e redirigidos para o circuito secundário de capital fixo e de formação de fundo de consumo (HARVEY, 2005).

O direcionamento crescente de investimentos financeiros para a produção imobiliária está ancorado no processo de centralização do capital coordenado por agentes locais, nacionais e internacionais. Para nós, o processo da centralização do capital evidenciado em nossas análises é produto da emergência do domínio do capital financeiro que, sustentado na grande mobilidade alcançada pela liberalização e articulação dos sistemas monetários e financeiros em escala nacional e internacional e na grande sofisticação de estruturas e mecanismos de organização desse capital, tende a se direcionar para os setores que permitam melhores condições de rentabilizar esse capital.

É neste sentido que a centralização do capital, ao contrário da concentração2, só pode ser entendida a partir de um olhar sobre a totalidade da produção econômica, como procurou mostrar Aglieta (1986):

“Se a concentração simples é um fenômeno difuso à escala social, permanente, mas de importância desigual, segundo as zonas de produção mercantil, a centralização do capital do capital se apresenta de forma totalmente distinta. Enquanto a concentração é um feito quantitativo de acumulação desigual, que conserva a autonomia dos capitais, a centralização é uma modificação qualitativa que remodela a autonomia dos capitais e cria novas relações de competição. É um processo descontinuo no tempo, relacionado com as fases de formação       

2 Para este Aglieta (1986, p.193) a concentração simples é o efeito imediato provocado pelo

desenvolvimento desigual sobre o fracionamento dos capitais, baseado no incremento da produtividade do trabalho, a partir da ampliação do capital fixo.

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do capital no processo de acumulação global, que se produz simultaneamente no conjunto da economia e cujos efeitos são irreversíveis” (AGLIETA, 1986, p.195).

Este processo de modificação da configuração do capital tem em seu cerne condições diferenciadas de acumulação entre os setores:

“É um efeito do processo geral de desvalorização de capital sobre o fracionamento dos capitais, mediante o qual o movimento da acumulação global encontra novas condições para o seu futuro desenvolvimento. Por isso a centralização do capital não se limita a determinados campos”. (AGLIETA, 1986, p.196)

A centralização do capital tem papel fundamental na intensificação da apropriação do litoral metropolitano para além das áreas loteadas ou com ocupação preexistente, se apoiando nas intervenções realizadas pelo Estado. A legitimação de sua ação vem do discurso que considera estes empreendimentos como investimentos para o desenvolvimento econômico desta região.

Para discutirmos a produção imobiliária como frente de desenvolvimento metropolitano, procuramos inicialmente recuperar o contexto da ação do Estado e as transformações estruturais na produção imobiliária, que nos ajudam a compreender e situar os agentes e suas estratégias responsáveis pela produção deste espaço. Estas duas questões acima apresentadas são desenvolvidas nas duas partes iniciais do artigo. Na sequencia procuramos articular a compreensão dos produtos com sua produção, discutindo estratégias que levam a valorização imobiliária a um outro patamar, legitimando uma produção do espaço marcada por contradições.

Como considerações finais, os principais resultados da pesquisa são discutidos a luz de uma reflexão sobre a limitação da reprodução contínua desta lógica, evidenciada claramente em decorrência da crise de 2008.

2. A construção de uma política de desenvolvimento turístico e imobiliário

O entendimento da importância de um “turismo imobiliário” na RMF nos remete a recuperação dos esforços na promoção do turismo como política pública de desenvolvimento regional do estado do Ceará, reforçados a partir da década de 1990.

Dentro do quadro de progressiva abertura econômica brasileira, a partir dos anos 1980 ganham destaque políticas públicas que visavam posicionar o turismo como uma das atividades econômicas mais importantes do Nordeste brasileiro (ARAÚJO, 2013, p.75). Para Araújo (2013), diferentemente de outros países, que tiveram grandes transformações decorrentes da iniciativa privada, no Brasil (principalmente na região Nordeste) as políticas públicas apresentam-se como as principais medidas para o desenvolvimento turístico (ARAÚJO, 2013, p.50).

Deve-se também destacar o importante papel das instituições multilaterais, responsáveis por apoiar importantes investimentos no setor turístico, com a meta de inserir o país na economia globalizada com megaempreendimentos turísticos, aproveitando o modelo dos balneários tropicais do Caribe para a costa do Nordeste (SOUZA, 2012 apud MENDES, 2012). Dentre os balneários caribenhos considerados bem sucedidos estavam Cancún no México, Punta Cana República Dominicana e a Polinésia Francesa.

No fortalecimento da promoção da atividade turística, o estado do Ceará ganha papel destacado (ARAÚJO, 2013, p.75). Os anos 1980 são marcados no Ceará pela ascensão de um grupo político de “jovens empresários” que tinha como discurso a necessidade de ruptura com as políticas até então vigentes, baseadas em relações de favores e comandadas por práticas coronelistas. A ascensão política de Tasso Jereissati em 1986, representante político de uma “nova” burguesia empresarial local, inaugura o autodenominado “Governo das Mudanças”. Esse governo, compartilhando com os preceitos

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do neoliberalismo a preocupação com a austeridade financeira e fiscal, reforça a ação do Estado como forte indutor de desenvolvimento econômico, instaurando um novo projeto político de desenvolvimento, agora comandado pela própria burguesia empresarial (BERNAL, 2004).

Esse novo projeto político é responsável por uma agressiva política de atração de investimentos nacionais e internacionais, amparados em grandes projetos de infraestrutura e incentivos fiscais para o desenvolvimento industrial e turístico. O modelo de racionalidade empresarial e de atração de investimentos do “Governo das mudanças” é divulgado como receita por todo o país, obscurecendo a persistência da pobreza como marca do processo de urbanização da cidade e aspecto contraditório do intenso dinamismo dos últimos 30 anos (ver figura 02). A projeção da feição moderna da cidade (imobiliária e turística) é usada como é usada como símbolo destas mudanças.

Figura 2 – Capa da Revista Veja

Fonte: site da Editora Abril (www.abril.com.br) - Dezembro de 1993 (edição 1316)

A perspectiva de um “empresariamento urbano” (Harvey, 1989) visando ampliar a competitividade do Estado, e de seu principal, espaço de acumulação, a Região Metropolitana de Fortaleza, encontra no Turismo/Imobiliário uma importante estratégia econômica.

Neste estado foram efetivadas várias políticas públicas federais e estaduais turísticas, entre as quais se destacam o Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo do Nordeste (PRODETUR-NE) I, II, Nacional e o PAC, principalmente pelo aporte de investimentos, que, juntos, investem mais de R$ 1,3 bilhão no estado do Ceará, e mais de R$ 10 bilhões em todo o Nordeste brasileiro. (ARAÚJO, 2013, p.57)

É entre 1991 e 1994, no segundo “Governo das Mudanças”, no mandato de Ciro Gomes, que a política de desenvolvimento turístico consolida-se no Estado, com o início da implementação do Prodetur. Para Dantas et. Al. (2010), o Prodetur I caracteriza-se como o divisor de águas no que concerne às políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento da atividade turística em escala regional (DANTAS, 2010, p. 49), instituído em 1991, com ação conjunta da SUDENE e da EMBRATUR e financiados pelo BID (com repasses pelo Banco do Nordeste).

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Nesse momento, a Região Metropolitana de Fortaleza projeta-se como importante espaço Turístico, associada aos grandes projetos, como a ampliação do Aeroporto Internacional de Fortaleza e a consolidação do sistema viário de conexão dos grandes corredores de acesso às zonas de praia.

Articulada a esta política de promoção do destino turístico, esteve à divulgação dos imóveis, mostrando a articulação intrínseca dessas duas atividades. O estado através de sua secretaria de turismo teve papel relevante na divulgação de empreendimentos imobiliários em feiras internacionais de imóveis.

A justificativa da ação do Estado nesta área está fundamentada na consideração de que a venda de imóveis é um diferencial estratégico para incrementar o turismo, pois se aposta que os estrangeiros proprietários de imóveis trarão dinamismo à economia local, como fica explícito no depoimento do Secretário estadual do turismo3:

“A receita turística que eles geram é relevante, considerando um perfil socioeconômico elevado, que gera um impacto econômico importante para o Ceará. Por isso estamos muito focados em dinamizar não apenas o turismo hoteleiro, mas também o turismo Imobiliário”.

Para a atração de investimentos turísticos, o estado passou a se comprometer através de “Protocolos de Intenção”, onde assumia a implementação de infraestruras básicas e acessos aos empreendimentos. Essa ação foi particularmente importante na atração de grandes investidores na construção de resorts em espaços descontínuos do litoral metropolitano, sem acessos imediatos as conexões viárias e com expressivas deficiências de infra estruturais, características da própria urbanização dos municípios periféricos a metrópole. Para estes municípios, com reduzida dinâmica econômica, a atração de investimentos turísticos de grande porte é vista como alavanca de desenvolvimento local, o que justifica uma ação mais direta na atração destes investimentos a partir da oferta de incentivos fiscais e flexibilização de parâmetros urbanísticos para favorecer a aprovação dos empreendimentos.

Na mediação entre os gestores públicos e investidores nacionais e internacionais, deve-se destacar o papel de importantes instituições e empresas privadas, desempenhando um importante papel na promoção do Ceará como espaço de investimentos, captação de capitais e assessoria econômica e jurídica aos investidores. Entre estes agentes cumpre destacar o papel da Câmara Brasil Portugal no Ceará, a Associação para o desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT) e a BSH Internacional, entre outras

Produto da ação conjunta de vários agentes sociais e diversas instituições públicas e privadas, a atividade turística é fortemente absorvida e legitimada pela sociedade, obscurecendo os complexos interesses que a sustentam. Como apresenta Araújo (2013),

“o turismo mostra-se, no discurso midiático privado e estatal, como uma atividade prioritária na alocação de recursos e investimentos financeiros, na medida em que, segundo esse discurso, é capaz de promover o desenvolvimento e diminuir as desigualdades de renda. Notam-se, porém, ao mesmo tempo, interesses capitalistas de agentes privados vinculados às variadas escalas: internacionais, nacionais e até locais” (ARAÚJO, 2013, p.49)

Com o discurso turístico consolidado na sociedade, as políticas públicas materializam-se em ações implantadas para dar continuidade a uma lógica de produção espacial e social excludente, com alguns espaços sendo privilegiados em detrimento de outros, numa guerra de lugares promovida pelos próprios agentes fundadores de todo esse emaranhado de relações turísticas (ARAÚJO, 2013, p. 75). Essa lógica de produção espacial excludente se       

3 Allan Aguiar-Secretário de Turismo do Governo do Estado do Ceará. Depoimento ao Jornal O Povo

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exacerba quando associada ao processo de reestruturação imobiliária, que intensifica a produção e valorização imobiliária, e manifesta-se também associado ao discurso turístico. 3. Empreendimentos turísticos e a reestruturação Imobiliária em Fortaleza

Desde a década de 1990, se identifica em Fortaleza uma produção imobiliária direcionada aos turistas. Segundo Bernal (2004), o crescimento da demanda de imóveis por turistas, especialmente estrangeiros, estaria relacionado ao surgimento da crise especulativa mundial (Ásia, México, Argentina e outros) que deu início ao ciclo de desvalorização do Real até o segundo semestre de 2002. Nesse mesmo período, de acordo com a autora, surge um forte mercado especulador dos pequenos apartamentos nas áreas mais valorizadas da cidade de Fortaleza, “voltados para os investidores e para as famílias de classe média...” (BERNAL, 2004, p. 187).

Na promoção de Fortaleza como “destino” para o investimento imobiliário de turistas os agentes do setor imobiliário procuram destacar sua localização geográfica privilegiada, próxima ao mercado Europeu e Americano, a condição climática favorável, além da existência de diversas possibilidades de investimento, incluindo imóveis residenciais, unidades hoteleiras e flats.

Embora estes imóveis não fossem exclusivamente destinados aos investidores estrangeiros, estes passam a representar um importante percentual da compra de unidades residenciais. Em 2005, segundo depoimento do presidente do Sinduscon-Ce4, eles representavam de 8 a 10% do mercado total, sendo que na região litorânea, essa participação crescia para 30%. Um dos principais diferenciais do imóvel em Fortaleza era justamente seu reduzido preço, resultado em grande medida da desvalorização do Real frente às moedas estrangeiras. A “desvalorização” dos imóveis da cidade tornava-se particularmente visível quando o preço desses imóveis era comparado com preço de unidades similares na Europa ou nos Estados Unidos. “Nas feiras internacionais, vemos que é como se fosse liquidação, uma loja de 1,99” - revela o presidente Armando Cavalcante, Presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Ceará (CRECI-CE)5, referindo-se ao preço dos imóveis na capital cearense. Fortaleza competindo com outros destinos nacionais também se mostrava mais vantajosa, tendo preços mais baixos quando comparados às outras regiões metropolitanas Nordestinas, como Recife e Salvador6. Em 2001, o preço do m2 na área mais nobre em Recife chegava a R$ 1,5 mil e em Fortaleza, na região da beira mar, a mais cara da cidade, custava em torno de R$ 1,2 mil 7.

Questões macroeconômicas também asseguravam a esses ativos maior potencial de rentabilidade, relacionada a maior perspectiva de ganhos financeiros. “A taxa de juros deles é baixa e a nossa não é, o que é outro ponto a favor de se investir aqui” segundo argumento de um corretor imobiliário8. Essas dinâmicas evidenciam o potencial dos imóveis como importantes ativos financeiros, e iluminam o reforço desta tendência no curso do processo de globalização.

O papel do capital estrangeiro no setor imobiliário será ampliado pelo seu envolvimento na produção de imóveis, seja através de financiamentos a empresários locais, seja por meio de fundos de investimentos, seja pela atuação direta como incorporador.

      

4 Carlos Fujita, presidente do Sinduscon-Ce. Depoimento ao Jornal O Diário de 7 de julho de 2005. 5 Depoimento à reportagem do Jornal O Povo, de 21 de maio de 2006.

6 Jornal Diário do Nordeste de 03 de março de 2005. 7 De acordo com Jornal O Povo de 17 de janeiro de 2001.

8 André Aguiar, gerente de vendas da César Rêgo Imóveis. Depoimento ao Jornal O Povo de 21 de maio de 2006.

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Segundo matéria do jornal local9, “o encanto pela terra do sol tem sido tamanho que, de simples visitantes, muitos [dos estrangeiros] estão passando a moradores em potencial. E quando dispõem de considerável volume de recursos financeiros o interesse não se restringe a morar, mas em construir empreendimentos”. De 2002 a 2007, os investimentos estrangeiros no setor imobiliário chegaram a 423,3 milhões de reais, sendo praticamente o dobro dos valores investidos no turismo, que chegaram a 217,9 milhões de reais (CBP-CE, 2007).

Segundo Silva (2010, p.135), “a estabilidade e o fortalecimento do euro face ao dólar e às moedas latino-americanas estimularam novas frentes de investimento intercontinental nas áreas de turismo e construção, principalmente nos anos de 2004 a 2007, antes da crise do imobiliário internacional”. Os dados disponibilizados pelo LAPUR/Banco Central com a soma dos valores de investimentos no turismo e no imobiliário mostram um grande avanço no ano de 2007, quando o total investido passou de 153 milhões de dólares.

Gráfico 1 - Evolução do capital estrangeiro investido nas áreas de turismo/imobiliário (US$ milhões)

Fonte: Banco Central – sistematizado pelo Laboratório de Planejamento Urbano e Regional (LAPUR) – Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará

Os dados do LAPUR/Banco Central trazem ainda as empresas beneficiadas com os investimentos estrangeiros – mostrando o envolvimento de diferentes agentes. Empresas de investimento imobiliário, filiais de grupos hoteleiros internacionais, mas também construtoras e incorporadoras locais aparecem como as principais beneficiadas. O fortalecimento do investimento estrangeiro em Fortaleza tende a iluminar uma articulação direta entre os capitais estrangeiros e a produção imobiliária da cidade, comprometendo a “ideia de que a densidade de relações internacionais são exclusividades dos níveis superiores da hierarquia urbana” (LENCIONI, 2006).

A partir da metade dos anos 2000, também se evidenciará uma intensificação da produção de grandes empreendimentos turísticos imobiliários na borda da metrópole. O reforço da importância destes empreendimentos só pode ser entendido num contexto de crescimento econômico e forte intensificação da produção imobiliária. De uma maneira geral, esse processo relaciona-se com mudanças estruturais do setor imobiliário no cenário nacional, alavancadas com a redefinição do marco regulatório do setor no sentido de sua financeirização e a importante recuperação das principais fontes de financiamento habitacional (FGTS e SBPE), que favoreceram o aumento de investimentos no setor e ampliaram as condições de consumo dos imóveis. Essas mudanças tem papel importante na forte ampliação da valorização imobiliária.

Durante a última década, constatamos que o preço médio do m² dos imóveis lançados no mercado imobiliário de Fortaleza foi triplicado, e, entre 2006 e 2010, o volume financeiro das vendas dos imóveis novos foi ampliado em quase cinco vezes (RUFINO, 2012). A conjunção entre um significativo aumento e diversificação da produção e a expressiva elevação do       

9 Jornal O Povo, 21 de maio de 2006 “A descoberta Imobiliária do Ceará”.

US$ 0 mi US$ 50 mi US$ 100 mi US$ 150 mi US$ 200 mi 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

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preço dos imóveis, principalmente a partir de 2007, resultou em um crescimento vertiginoso do volume geral de vendas do mercado imobiliário de Fortaleza. De acordo com dados do Secovi-Ce10, o volume de vendas entre 2006 e 2010 foi mais do que o quadruplo, saltando de 0,593 bilhões de reais em 2006 para 2,519 bilhões de reais em 2010.

Nesse contexto será evidenciado um importante processo de reestruturação do setor imobiliário em Fortaleza, caracterizado pelo fortalecimento da incorporação imobiliária (RUFINO, 2012). O fortalecimento da incorporação imobiliária em Fortaleza resulta do movimento de inserção de grandes incorporadoras nacionais, da emergência de grandes incorporadoras locais e da modernização de construtoras que tradicionalmente atuaram no mercado imobiliário de Fortaleza. Estas transformações serão determinantes na emergência de novas relações de produção que intensificam a valorização do capital no setor, ampliando atratividade do capital financeiro.

A inserção dos grandes grupos de incorporação nacionais em Fortaleza, relacionado em grande medida ao processo de abertura de capital destas empresas, foi determinante na reestruturação do setor em Fortaleza. No ano de 2008, em um intervalo de dois meses, entre janeiro e março, sete grandes empresas imobiliárias entraram no mercado local. O mercado imobiliário de Fortaleza, anteriormente marcado por certo isolamento, passa nesse contexto a presenciar novas estratégias como a formação de bancos de terra, agressivas campanhas de marketing e o desenvolvimento de produtos mais elaborados.

O direcionamento de capital de grandes grupos econômicos locais para a produção do espaço, embora seja uma característica histórica na formação da metrópole, foi reforçada nos últimos anos por meio de uma atuação mais direta, que se consolidou a partir da constituição de incorporadoras e fundos de investimentos. As relações privilegiadas destes agentes com proprietários de terras associadas à forte valorização imobiliária impulsionaram o direcionamento de investimentos para o setor.

No caso particular da intensificação da produção de resorts na RMF, evidencia-se um complexo imbricamento de grandes incorporadoras nacionais financeirizadas e de importantes agentes locais, associados, em muitos casos, com grupos efundos de investimento internacionais. Ainda que existam disputas e conflitos entre estes diferentes agentes, predominará uma articulação no sentido de centralização do capital - responsável por um processo de concentração de investimentos nos empreendimentos que resultará na ampliação contínua da escala e sofisticação dos mesmos e na implementação de novas estratégias de valorização imobiliária.

4. Os novos produtos como parte uma nova lógica de produção do espaço: urbanismo sem urbanização

Embora se trate de um movimento recente, a ocupação da borda da metrópole por grandes empreendimentos imobiliários-turísticos vem sendo extensivamente abordado por pesquisadores, que discutem de forma detalhada as tipologias e morfologias resultantes destes processos (PEREIRA, 2013). Dentre os diversos trabalhos produzidos recentemente, destacaríamos aqueles que procuraram abordar a lógica de valorização dos espaços litorâneos pelo veraneio marítimo (PEREIRA, 2006) e pelo turismo litorâneo (DANTAS, 2002).

Nos interessa aqui, ampliar essa análise articulando os produtos imobiliários com sua produção, discutindo estratégias que levam a valorização imobiliária a um outro patamar, legitimando uma produção do espaço marcada por contradições.

Estes empreendimentos, quando entendidos não apenas como produtos, mas como processos, tem um papel decisivo na projeção da metrópole, reforçando suas articulações       

10 Dados Secovi-Ce disponibilizados pelos jornais locais – O Povo e Diário de Nordeste em diversas edições dos diferentes anos.

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internacionais e consolidando espaços de consumo por excelência. Por outro lado, reforçam as desigualdades históricas existentes nessa metrópole, consolidando fragmentos homogêneos e isolados das relações de reprodução social - fundamentais à urbanização. Embora a produção imobiliária da RMF tenha sido historicamente concentrada em seu município sede, a produção dos empreendimentos turísticos-imobiliários, ao contrário, acontecerá fundamentalmente nos demais municípios litorâneos da RMF, reforçando a convergência de fluxos turísticos e de capital para estes municípios.

Conceituados como resorts e enquadrando-se em padrões internacionais, estes empreendimentos têm como atributos o alto padrão construtivo articulado a instalações e serviços voltados para o lazer em áreas de contato com a natureza, onde o hóspede não precisa se afastar do hotel para ser atendido com conforto e entretenimento (BSH, 2013). Neste sentido acabam por selecionar espaços específicos dos territórios metropolitanos, associando a necessidade de grandes lotes ou glebas, diferenciais paisagísticos e naturais, com acessos privilegiados. Apropriando-se dessas especificidades locacionais, são nos municípios vizinhos a Fortaleza, e particularmente em Aquiraz, onde se concentram os mais importantes investimentos turísticos imobiliários. Estes empreendimentos dão continuidade a uma expansão urbana fragmentada, e na maioria dos casos dissociada dos núcleos originais destes municípios. Dessa forma se dissociam de condições precárias de urbanização, característica de muitos desses espaços, sem abrir mão de acessos privilegiados. Percebe-se que a lógica de expansão destes investimentos não é linear, dependendo de “várias teias e relações entre os diversos agentes espaciais e sociais” (ARAÚJO, 2013, p.67). O espaço litorâneo é construído assim, a partir de uma lógica híbrida, simultaneamente concentradora e dispersa (LIMONAD 2007, apud ARAÚJO, 2013, p.67).

Estes empreendimentos turísticos-imobiliários tem ainda como marca comum a articulação de unidades hoteleiras e residenciais. Esta articulação tende a permitir condições privilegiadas de valorização dos imóveis, em grande medida relacionada à ampliação da renda imobiliária a partir da flexibilização das formas de propriedade e a multiplicação da apropriação do espaço no tempo. Tal diversidade de formas de propriedade foi fundamental no momento do fortalecimento da crise internacional, quando a expansão destes empreendimentos sustentando-se na venda de unidades condominiais para a população rica de Fortaleza.

A articulação de um conjunto de estratégias, que passam por diferenciais nos atributos físicos dos condomínios e pela flexibilização das formas de produção, são responsáveis por uma expressiva valorização das unidades, caracterizadas em muitos casos por áreas privativas restritas, mas com generosas áreas comuns, que prometem uma experiência intra-muros muitas vezes dissociada do entorno.

O investimento contínuo do Estado na promoção do Turismo, associado às importantes mudanças na produção imobiliária, são responsáveis pela ampliação da concentração de investimentos nos espaços litorâneos metropolitanos. Organizados sob um nível de centralização do capital muito maior, estes resorts, ampliam suas escalas, passando a concentrar em um único empreendimento diferentes condomínios, resorts e equipamentos de lazer.

O resultado desses produtos/produção é a expressiva valorização dos imóveis dentro destes resorts, que hoje alcançam preços de m2 comparáveis aos bairros mais valorizados da capital e mais elevados que imóveis similares em outros dos paraísos do imobiliário-turístico, como é o caso da Flórida. Como totalidade, projetam a metrópole como destino internacional de turismo e espaço privilegiado a valorização do capital financeiro.

Essa condição ao viabilizar a produção de espaços extremamente sofisticados, apropriados exclusivamente para o lazer e o consumo por um público restrito e privilegiado tende a

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consolidar um novo padrão de crescimento metropolitano: “um urbanismo sem urbanização” (PEREIRA, 2005). Esses oásis de prosperidade e ostentação, com articulações privilegiadas com circuitos internacionais em diferentes aspectos, descolam-se da realidade urbana de Fortaleza, que permanece como uma das cidades com pior distribuição de renda na América Latina e destaca-se como uma das cidades mais violentas do mundo.

Essas novas relações sociais e espaciais, e suas implicações, são reveladas a partir da análise da produção e apropriação dos dois maiores complexos turísticos e imobiliários já implementados no município de Aquiraz – o Beach Park e Aquiraz Riviera.

4.1 O Complexo Beach Park

O processo de consolidação e expansão deste Complexo pode ser visto como um dos resultados mais concretos do Projeto Político de desenvolvimento Turístico do Governo do Estado, iluminando a relevância das elites tradicionais e sua progressiva articulação com o capital financeiro, mediada por agentes nacionais e internacionais.

O Complexo Beach Park localiza-se no loteamento Porto das Dunas que foi lançado no final da década de 1970, explorando o potencial da orla metropolitana para o desenvolvimento de loteamentos de veraneio, em face da rápida expansão urbana e econômica de Fortaleza. O loteamento, lançado em quatro etapas, possuía mais de 5.000 lotes, sendo valorizado pela paisagem natural paradisíaca e continuidade urbana a cidade de Fortaleza. Este loteamento foi desenvolvido pela Imobiliária José Gentil S/A, pertencente à Família Gentil que tradicionalmente atuou em Fortaleza nos ramos comercial, bancário e imobiliário.

O começo da articulação entre a área e o “turismo”, acontece em 1985, quando o empresário João Eduardo Gentil decide criar no loteamento uma barraca de praia com padrão diferenciado, objetivando oferecer um serviço de qualidade aos proprietários de casas de praia e turistas mas, principalmente, atrair novos compradores para o grande número de lotes remanescentes.

Devido ao sucesso da barraca, os empresários do loteamento apostaram no final da década de 1980 na construção do Parque Aquático Beach Park, inspirando-se nos exemplos de sucessos americanos (SAMPAIO, 2009, p.87). Nesse momento, sob a legitimação das políticas de desenvolvimento turístico, são firmadas importantes alianças entre os empresários ligados ao Beach Park e o Governo do estado. Uma das principais estratégias dessa parceria esteve baseada no investimento maciço em publicidade tendo o Beach Park como “carro-chefe” da promoção turística do estado (SAMPAIO, 2009, p. 87). Um claro exemplo do grande investimento na publicidade foi a atração da gravação da novela “Tropicaliente” transmitida pela maior emissora nacional de televisão em 1994 para a área do Parque.

Durante todo esse período de intensa promoção turística da região, o parque passou por sucessivas expansões, que contaram com financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), consolidando-se como uma das principais atrações turísticas de Fortaleza.

Em 1996, é concluído e lançado o hotel do complexo. Inicialmente comandado pela bandeira Caesar Park, em 1998 passou a se chamar Beach Park Suítes & Resort, reforçando a marca Beach Park e anunciando uma importante articulação da infraestrutura de lazer com o imobiliário, que se fortaleceria na década seguinte.

Em 2005, como resultado da articulação de duas grandes incorporadoras nacionais - Inpar/Gafisa de capitais aberto - com o parque aquático Beach Park, foi anunciado o lançamento de grandes empreendimentos. O primeiro desses empreendimentos – Beach

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Park Acqua Resort – foi lançado em 2005 com um VGV11 de 40 milhões de reais e 225unidades, em sistema misto – hotelaria e residencial. O segundo empreendimento – o Beach Park Living – lançado em 2006, repetia os 40 milhões de reais de VGV e possuía 157 unidades de dimensões variáveis, destinadas a usos exclusivamente residenciais. O terceiro, e maior dos empreendimentos – Beach Park Wellness Resort – lançado em 2009, consolidava a ideia de usos mistos, e projetava um VGV de 100 milhões de reais, a partir de 360 unidades.

A força do Beach Park como um dos mais importantes equipamentos turísticos de Fortaleza foi essencial no sucesso comercial desses empreendimentos. Para além da associação direta com a marca, a partir dos nomes dos empreendimentos e da semelhança da identidade visual, a relação de proximidade ao parque e os acessos privilegiados conferiu extrema valorização aos empreendimentos.

Figura 3 - Beach Park - logomarca do parque aquático e dos empreendimentos imobiliários

Fonte: site do parque aquático – www.beachpark.com.br, acessado em novembro de 2011

Figura 4 - Praia Porto das Dunas – RMF – Localização dos Empreendimentos – INPAR/ Beach Park

Fonte: Imagens do Google Earth, editadas pela autora a partir das informações obtidas no site da empresa.

 

      

11 Valor Geral de Vendas, que compreende à somatória do valor potencial de vendas das unidades

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Figura 5 - Imagens /Maquetes dos Empreendimentos: Beach Park Acqua Resort, Beach Park living e Beach Park Wellness Resort

Fonte: www.inpar.com.br

Esse modelo de negócio é descrito pelas incorporadoras como “ancoragem temática”12, sendo semelhante aos hotéis ancorados por parques nos Estados Unidos e Europa. Segundo informações do site da empresa para relação com os investidores, essa característica particular possibilita a formatação de empreendimentos mais caros e com maior taxa de ocupação do que aqueles que não têm ancoragem temática. No site da empresa13 é anunciado que “o valor das unidades foram, em média, 40% superiores aos imóveis da região, e 75% das unidades foram vendidas em apenas 90 dias, segundo informações do site da empresa”. A ênfase na valorização do imóvel e de seu rápido processo de comercialização revela a mudança da lógica de produção a partir da financeirização da empresa.

Recentemente o Beach Park lançou o programa “vacation club”, que amplia e potencializa o modelo de timeshare – venda de porções de tempo de determinados imóveis. Ao comprarem “pontos” deste programa, os proprietários, além de utilizar determinado período da propriedade no Beach Park, podem trocá-la pela utilização do timeshare de outras propriedades. Essa “troca de timeshare” é viabilizada pela associação do Beach Park à Resort Condominiums International (RCI), responsável pelo serviço de trocas de timeshares, organizando mais de 6.300 resorts afiliados em 100 países.

Por esse modelo, os proprietários de timeshare do Beachpark podem ter acesso a empreendimentos semelhantes localizados no Caribe, Florida, Ilhas Canárias e diversos outros lugares, que partilham com a costa da RMF, a característica de predomínio do espaço como local de consumo, conduzidos pelos interesses do capital financeiro internacional articulados a produção imobiliária.

As estratégias de venda do Programa envolvem a abordagem dos hospedes e usuários do Complexo por consultores treinados que procuram efetivar a venda dos pontos do programa de maneira imediata no stand montado no Parque para tal fim.

Embora o Beach Park seja anunciado em seu site como um Complexo Turístico, os grandes empreendimentos imobiliários construídos nos últimos anos, e a sofisticação contínua de suas formas de apropriação, tornam evidente sua configuração como um grande “Complexo Imobiliário”. A concretização desse “Complexo”, a partir da concentração de investimentos, ajuda a mostrar a predominância do imobiliário, e dos ganhos obtidos por sua produção e administração, sobre o turismo, que parece ser mais importante como meio de legitimação socioeconômica da reprodução ampliada do capital a partir do imobiliário, sustentado no discurso de geração de renda e dinamização de economias locais. As imagens organizadas abaixo ajudam a visualizar a evolução do parque e sua transição do turístico para o imobiliário.

 

      

12 Site da empresa de relação com os investidores: http://www.mzweb.com.br/inpar. 13 http://www.mzweb.com.br/inpar.

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Figura 6 - Evolução do Complexo Beach Park. (1) Restaurante e parque aquático 1993. (2)Ariculação com Hotelaria (3) Complexo Turístico Imobiliário (maquete).

1 2

3

Fonte: Fotos 1 e 2 site

http://fortalezanobre.blogspot.com.br/2011/03/beach-park-25-anos-uma-historia-de.html Acessado em 20 de junho de 2012. Foto 3. site skyscrapercity

4.2 O caso do Complexo Aquiraz Riviera

O fortalecimento da centralização do capital passa a permitir a criação de novos complexos turísticos em espaços onde não havia sequer acessos ou terra loteada, como é claramente o caso do recém-inaugurado Complexo Aquiraz Riviera. Este empreendimento turístico, com VGV estimado em US$ 350 milhões de dólares tem como estruturas principais um parque Hoteleiro e grandes equipamentos como o Country Club, o Beach Club, um Village Mall e um campo de golfe oficial de nível internacional. Em sua totalidade, o empreendimento possui uma área total de 285 hectares, com uma frente contínua para praia de 1.800 metros, estando seu acesso a 25 Km de Fortaleza.

Como contrapartida aos investimentos privados, o governo do estado do Ceará implementou um conjunto de infraestruturas na área e em seu entorno - “o alargamento da CE-453, a construção de um trecho rodoviário duplicado ligando a CE-453 ao empreendimento, uma linha exclusiva de abastecimento energético e o sistema de abastecimento hídrico”. (PEREIRA, 2013, p.40). O resort, ao contrário do padrão de urbanização dominante na região, tem sistema de esgotamento, ruas pavimentadas e iluminação pública com cabeamento subterrâneo.

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Figura 7 - Foto do local do resort e maquete com a projeção da ocupação integral do Resort

Fonte: Skyscrapercity

Figura 8 - Maquete do Country Clube e fotografia do campo de golfe já finalizado

Fonte: site do empreendimento – www.aquirazriviera.com.br, acessado em novembro de 2010

O modelo de negócio deste empreendimento assemelha-se a um grande loteamento fechado, onde são previstos áreas para residências unifamiliares e para condomínios residenciais, que são valorizados pelos empreendimentos hoteleiros e pelos equipamentos e infraestrutura diferenciada da área. A previsão da implementação total do empreendimento é de 25 anos. A primeira fase do empreendimento foi desenvolvida a partir da articulação do envolvimento do empresário Ivens Dias Branco e investidores Portugueses - o Grupo Hoteleiro Dom Pedro e Solverde de Portugal, e o Ceará Investment Fund.

Ivens Dias Branco, proprietário das terras do empreendimento, é controlador do Grupo M. Dias Branco, líder nacional nos mercados de biscoitos e de massas no Brasil. Dias Branco atua desde início da década de 70 no mercado imobiliário de Fortaleza, sendo na atualidade um dos principais proprietários de terra em Fortaleza e em sua Região Metropolitana. Com a abertura de capital do Grupo, o empresário constituiu um fundo de investimentos, o Dibra Participações que, embora mantenha seu foco principal nos negócios tradicionais do Grupo, passou atuar no mercado imobiliário e em investimentos na área de infraestrutura.

Um dos principais controladores do Ceará Investment Fund, fundo de investimento imobiliário, é o Banco Privado Português(BPP), que em 2008 passou por sérios problemas financeiros. O Grupo Hoteleiro Dom Pedro Laguna e Solverde é a divisão de turismo do grupo Industrial Violas, com a concessão dos Cassinos do Algarve (PEREIRA, 2013).

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Para a segunda fase do empreendimento a empresa de consultoria internacional Richard Ellis foi contratada em 2008, para captar novos investidores nacionais e estrangeiros dispostos em investir na segunda etapa do projeto14. Com comercialização dos imóveis e terrenos da primeira etapa adiados em virtude da crise internacional, as obras foram iniciadas apenas em 2009. Na segunda fase a concretização de grandes condomínios vem sendo consolidada a partir do investimento das grandes incorporadoras locais, reforçando a substituição dos investidores e consumidores estrangeiros no momento de crise.

Figura 09 - Material de divulgação do empreendimento

Fonte: Anúncio Publicitário/ Jornal o Povo /Junho de 2011

Os condomínios lançados no complexo guardam em sua conceituação e arquitetura grande semelhança ao padrão dos empreendimentos desenvolvidos no complexo Beach Park, entretanto, ao se inserir num espaço de urbanismo diferenciado, procuram explorar essa dupla condição de “requinte” – do condomínio e do complexo. Segundo o anúncio de um dos empreendimentos “uma ilha de luxo, cercada de exclusividade por todos os lados”.

Figura 10 - Maquete do empreendimento Riviera Beach Place Golf Residence – Condomínio do Complexo Aquiraz Riviera / Anúncio do empreendimento Riviera Beach Place Golf Residence

Fonte: site da empresa Mota Machado – www.motamachado.com.br – acessado em novembro de 2011 / Anúncio Publicitário/ Jornal o Povo /Maio de 2011

Nestes empreendimentos ainda é facultado aos proprietários colocar seu imóvel sob a gestão do Hotel Dom Pedro Laguna. Essa possibilidade converte-se em promessa de ampliação da renda imobiliária para os proprietários e é explorada pelos incorporadores, repercutindo na valorização imobiliária do empreendimento.

 

      

14 Segundo informações de Jorge Chaskelmann, Diretor do Projeto, em entrevista ao Jornal Diário do Nordeste em 29 de novembro de 2008.

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5. Considerações Finais

A ideia de criação de espaços turísticos vai se reproduzindo na construção e promessa de grandes empreendimentos imobiliários em outras áreas da RMF, mas também de maneira ainda mais dispersa por todo o litoral cearense. Analisando propostas existentes e em construção, identificamos pelo menos outros três grandes resorts, que totalizam mais de 3.000 unidades e representam mais de um bilhão em investimentos. Muitos dos projetos vêm sendo adiado e outros já foram mesmo cancelados.

A crise de 2008, cujas origens estão diretamente relacionadas com a financeirização da produção imobiliária americana e europeia, parece ter nítidos reflexos tanto na situação particular da RMF, como no processo geral de expansão dos resorts, pondo em questão as possibilidades da reprodução contínuas destes tipos de artefatos.

Segundo uma consultoria especializada, “Houve um grande aumento de oferta ao longo dos últimos 10 anos, mas a demanda não acompanhou a mesma velocidade de crescimento da oferta. Com isso houve uma queda na ocupação dos resorts e instalou-se a guerra de preços. O lucro não apenas desapareceu como se tornou negativo” (BSH, 2013).

Essa limitação revela a própria contradição desta lógica. Para Harvey “muitas das inovações e investimentos destinados a tornar determinadas cidades mais atraentes como centros culturais e de consumo foram imitados em outros lugares, tornando assim, efêmera toda a vantagem competitiva dentro de uma rede de cidades” (Harvey, 1996, p.59).

A dinâmica dos mercados imobiliários nacionais, e as favoráveis condições de crédito imobiliário parecem sustentar uma sobrevida a estes empreendimentos, com claras evidencias de redefinição das grandes promessas ganhos. Segundo a mesma consultoria, “os resorts foram buscar novos segmentos de demanda e o crescimento econômico colaborou para impulsionar a demanda, mas ainda não se chegou a um ponto de equilíbrio para o investimento [...] os resorts e os complexos imobiliários deverão voltar a ganhar dinheiro apenas em 2017”(BSH, 2013). Como coloca Harvey (1996), a ênfase no turismo, na produção e consumo de espetáculos, na promoção de eventos efêmeros, numa dada localidade representam os remédios favoritos para economias urbanas moribundas. Investimentos deste tipo podem ser paliativos imediatos apesar de efêmeros aos problemas urbanos. Mas estes são em geral, altamente especulativos (Harvey, 1989, p.59).

No caso dos grandes resorts na RMF, a valorização da propriedade fundiária e imobiliária emerge como um dos principais resultados da opção política pelo fortalecimento do turismo, responsável pela projeção internacional de espaços antes periféricos. Esta integração, entretanto, é praticamente restrita ao uso e consumo dos grandes condomínios pelos turistas e proprietários de imóveis. Tal relação ilumina o imobiliário como frente de uma expansão seletiva da metrópole, comprometendo a noção a noção de urbano mas garantindo a reprodução do capital financeiro no espaço.

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