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ASPECTOS E REFLEXÕES DO LÉXICO DA LINGUAGEM DE MARINHARIA EM NOTÍCIA DO BRASIL DE GABRIEL SOARES DE SOUSA

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Academic year: 2021

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ASPECTOS E REFLEXÕES DO LÉXICO DA LINGUAGEM

DE MARINHARIA EM “NOTÍCIA DO BRASIL” DE

GABRIEL SOARES DE SOUSA

Genésio Seixas Souza1

A trajetória histórico-lingüística constitutiva da formação e institucionalização da língua portuguesa no Brasil, precinde do estabelecimento da relação do projeto expansionista e colonizador português de civilizar o Novo Mundo, constituído com base no catolicismo jesuítico e em consonância com um imaginário em torno da relação língua-nação, vigente do século XVI ao XVIII. Em contrapartida, essa história não se faz sem resistências lingüísticas na colônia e observando os aspectos presentes no recorte do corpus em estudo, verifica-se que refletir e tematizar sobre os campos lexicais é também discutir o papel da linguagem na transformação de um colônia em nação independente, condição validada na segunda década do século XIX, embora se possa falar de um português brasileiro sendo constiuído desde antes. Mas é no oitocentos que uma resistência frente à colonização lingüística toma uma forma política mais visível, colocando em causa a subordinação importa por Portugal ao falar do Brasil. Estes embates se configura na luta pelo nome da língua falada na ex-colônia quanto pela defesa das práticas discursivas vigentes; luta-se pelo que foi fruto de uma outra história lingüística, advinda do confronto entre diferentes línguas, cada uma com sua memória. A linguagem como elemento simbólico e constitutivo de qualquer comunidade lingüística, era um elemento diferenciador da colônia brasileira relativamente à metrópole portuguesa. Dado à cultura do seu próprio tempo, os colonizadores portugueses não compreendiam dessa forma: a língua portuguesa usada pela elite administrativa, das autoridades jurídicas e eclesiásticas, dos donatários das capitanias hereditárias e, nessa medida compartilhada com a corte, não era a única falada na colônia e nem, talvez, a mais importante em muitos dos espaços de comuniação existentes. Fatores de ordem vária contribuíram para a diversidade lingüística, que incluía, além das múltiplas línguas indígenas existentes, o tupinambá, denominada posteriormente pelos colonizadores, a língua geral, linguas européias – como o espanhol, o francês e o inglês – o latim, as línguas africanas, assim como a língua portuguesa dos colonizadores e, com a evolução do tempo, um nascente português brasileiro, línguas que circulavam em diferentes espaços de comunicação e cumpriam distintas funções sociais, como o caso do latim, circunscrito ao domínio religioso e pedagógico das elites ou da língua geral, fortemente oralizada e difundida na região de São Paulo e na região amazônica até ao final do século XVIII.

A colonização lingüística e a institucionalização do português no território brasileiro configurados da diversidade de línguas e falares em termos tecnicamente lingüísticos não é o divisor de águas, mas o que ressalta em relevância é a heterogeneidade lingüística que será parte integrante do que foi chamado no século XIX de língua brasileira, ou seja, o

1 Universidade do Estado da Bahia - UNEB

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português que se passou a falar aqui traz uma memória européia, historizando-se, contudo, de modo diferente em função do contato com as demais línguas e em função da própria formação histórico-social e posterior transformação política da colônia em nação independente.

Estes aspectos e breves reflexões tem como tarefa apresentar e situar as singularidades da Literatura de Viagens, marca indelével que a história da civilização ibérica deixou na história universal, graças aos descobrimentos marítmos e a política mercantilista dos séculos XV e XVI, no manuscrito quinhentista Notícia do Brasil de Gabriel Soares de Sousa através da pesquisa desenvolvida no curso de doutorado sob a orientação da Profª. Drª. Rosa Virgínia Mattos e Silva, professores e pesquisadores, integrantes do Programa para a História da Língua Portuguesa – PROHPOR/ILUFBA, destacando alguns aspectos do método estrutural preconizado por Eugenio Coseriu, e traduzido pelo seu discípulo Horst Geckler2, aplicado ao campo lexical da linguagem de marinharia.

A humanidade no sec. XVI, se viu frente ao inusitado, exótico e inteiramente novo, quando assistiu a grande campanha colonizadora lusitana, empresa destinada a revolucionar os conceitos até então vigentes e promover uma nova consciência e postura do homem frente ao mundo. Surge então, como frutos desta extraordinária aventura humana, uma nova literatura de cunho essencialmente narrtivo – a literatura portuguesa de viagens – cujo objetivo era ser um instrumento de apreensão, compreensão e representação da realidade complexa e em mudança, com que se deparou o colonizador português, pilôtos-redatores e nautas, enquanto trilhavam as vias do processo descobridor e expansionista. Estes escritos que falam sobre os Descobrimentos são demonstrativos de como o raciocínio gráfico foi utilizado pelo homem europeu na tentativa de organizar o caos, enformando-o nos moldes renascentistas, inaugurando uma nova literatura produzida por novos autores, relatores cuja consciência, interesse e vida social em muito diferiam de seus predecessores. Esse novo homem buscando um ordenamento entre o tempo e o espaço pelos estudos realizados e pela sensibilidade, ganha no convívio com a época, operando transformações irreversíveis na segunda metade dos Quatrocentos e começos do século seguinte. A sociedade heterogênea em que viviam se reflete na literatura que produzem, sendo dessa diversidade que surgem dentre outros escritores os técnicos de navegação produtores dos tratados de geografia, cosmografia, regimentos de navegação.

Atentando-se para a evolução da mentalidade revelada nas obras da literatura portuguesa de viagens, verifica-se que a experiência pessoal se revela com maior acuidade e persistência, promovendo um tipo de literatura cujo teor se descinvula do discurso oficial das correntes culturais dominantes, a escolástica depurada e o humanismo. O perfil desta literatura bem se define nas afirmações de João Rocha Pinto:

Esta nova gama de escritos vem preencher novas funções e objetivos, a nova literatura de viagens e sem precedentes no Ocidente cristão, solidarizam o real e o imaginário, casam gesta e fábula com fatos reais, não deixando, no entanto, de apresentar uma visão coerente do mundo, cheio de maravilhas e singularidades de par com dados observados em primeira mão, fornecendo um Imago Mundi tradicional e de fundo teológico, ainda não ferido pela dialética nascida da

2 Cf. tradução espanhola de Marcos Martínez Hernandez de Semántica estructural y teoría del campo léxico

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intromisssão de notícias das novas realidades geográficas e etimológicas e, por esse novo saber, totalmente baseado na experiência e apoiado na visão3.

A partir da exigência de um grande rigor na descrição das imagens, vê-se um texto marcado pela concisão do pensamento e da escrita, onde se registram os aspectos utilitários dos novos mundos com que se defrontam os mareantes. Perde-se nos textos de viagens, objeto de difícil trato pela quantidade de documentos, muito da imaginação e do estilo, porém ganha-se em rigor, precisão e realidade, de que tanto necessitava a avidez do mercantilismo expansionaista para suprir as necessidades do reconhecimento desse mundo, dando origem a uma grande quantidade de manuscritos e testemunhos, onde a escrita fixava uma realidade virtual ao lado da imprensa que multiplicava o saber e a percepção que as humanidade tinham de si próprias e passaram a ter dos outros.

Verifica-se, para o período compreendido entre fins do séc. XV e o primeiro quartel do séc. XVI, uma variedade de gêneros que evoluem segundo a sua especificidade:

crônicas, descrições de terras, diários de bordo e roteiros. Apresentam-se as Crônicas

como obras em que os registro numéricos são quase inexistentes, ocorrendo alguns erros nas datações e indicações de distâncias, sendo consideradas mais como reconstituições históricas do que testemunhos diretos. Omite-se definições sobre as descrições de terras e

diários de bordo por não se inscreverem como documentos relevantes à pesquisa. Os Roteiros são regimentos técnicos de auxílio às navegações, escritos ou compilados por

técnicos de navegação ou marinheiros, contendo uma profusão de dados numéricos registrando as medidas referentes às distâncias, latitudes e profundidades, indicação dos principais portos e acidentes geográficos de uma linha costeira, apontando as linhas de rumo que os ligavam, registrando as distâncias que os separavam, em busca de uma exatidão e precisão cada vez maiores nas descrições das carreiras marítimas. Observa-se em Notícia do Brasil uma mescla de roteiro, com descrição da costa do Brasil, e de crônicas, haja vista ter o manuscrito o subtítulo de Descrição Verdadeira da Costa Daquele

Estado que Pertence à Coroa do Reino de Portugal, Sítio da Baía de Todos-os-Santos, que

também tem corrido sob a designação de Tratado Descritivo do Brasil, compondo-se de duas partes, com 74 e 196 capitulos, respectivamente: os primeiros dão-nos um <<roteiro geral>> sobre a costa do Brasil, onde se concentrou o trabalho mais acurado do levantamento dos registros lexicais da linguagem de marinharia, assim como largas e importantes referências à sua divisão administrativa; os últimos referem-se à caracterização da Bahia, contendo o mais completo texto quinhentista de que dispomos sobre a fauna e a flora da área atual do estado, bem como a língua e os costumes dos índios que ocupavam as áreas circunvizinhas da capitania de Sua Majestade e das demais capitanias.

Estes aspectos sui generis torna este livro verdadeiramente notável, bem merecedor

das palavras do antropólogo Métraux, ao classificar seu autor como dotado de “ um espírito científico espantoso para a sua época ” (La civilisation matérielle des tribus tupi-guarani, Paris, 1928).

Centralizando a discussão no modo como são significadas as línguas existentes no território colonizado, a própria denominação das línguas faladas, a história dessas línguas, os estudos lingüísticos realizados, enfim, toda uma discursivização engendrada em torno da questão da lingüística e dos efeitos da língua do colonizador – no caso brasileiro, há

3 Cf. João Rocha PINTO. Literatura de Viagens. In: Luís de Albuquerque (dir.) Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Lisboa: Editorial Caminho. 1944. v. 2, p. 606.

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inúmeros estudiosos que ficam tentando provar que o tupi influenciou bastante a língua portuguesa; mas quando olhamos os programas de história da língua portuguesa, ainda se conta a história do latim ao português, e ainda se fala sobre o português no Brasil, sem nenhuma, ou com pouca, profundidade sobre essa influência, isso ainda fica como ‘folclore’, como listas de palavras e afixos – mostra a necessidade de se teorizar e reterritorializar esses sentidos já dados, cujos efeitos ainda reverberam nas discussões sobre a língua falada no Brasil.

Tendo em vista estes enfoques verifica-se a pertinência de um esboço do método estrutural que se propõe aplicar ao campo lexical da linguagem de marinharia segundo o modelo proposto por Eugenio Coseriu, apresentados por seu discípulo Horst Geckeler, na tradução espanhola de Semántica Estructural y Teoria del campo léxico, na versão de Marcos Martínez Hernandez.

Coseriu cita a importância do exame minucioso e acurado da teoria do campo lexical por parte dos lingüístas afetos ao estudo da semântica estrutural ou lexemática, na falta de um método ou técnica lingüística que seja legitimado com base em procedimentos lingüísticos. As idéias constitutivas do lingüísta fundamentam-se sobre a concepção do campo lexical através do princípio das oposições funcionais e das analises do conteúdo

em traços distintivos. Através da investigação das estruturas lexemáticas em geral é que o

campo lexical registra um traço exatamente determinado. Tendo a investigação do vocabulário sido relegada a um plano de menor importância em detrimento de uma maior atenção aos estudos gramaticais nos faz suscitar a lição de Hjelmslev que assinala teoricamente a investigação de uma possibilidade de que uma descrição estrutural não

poderá efetuar-se mais que a condição de que as classes abertas podem reduzir-se a classes fechadas. Acertadamente E. Coseriu aponta que o número elevado de unidades

léxicas passíveis de investigação não vem a representar uma dificuldade prática, porém recomenda, como Hjelmslev, uma redução do recorte a ser analisado, tomando-se como referência uma série de sete importantes distinções que interagem diretamente o campo léxico, como sejam:

 Distinção entre a realidade extralingüística (as coisas) e a linguagem ( as palavras)  Distinção entre linguagem e metalinguagem

 Distinção entre sincronia e diacronia

 Distinção entre “técnica do discurso” e “discurso repetido”

Distinção entre “arquitetura da língua” e “estrutura da língua” ou entre <<língua

histórica>> e <<língua funcional>>

Distinção entre <<tipo>>,<<sistema>>, <<norma>> e <<fala>>

Distinção entre <<significação>> e <<designação>>

Concluindo e resumindo, esboçamos a hierarquia das sete distinções:

¾ As estruturas lexemáticas afetam os conteúdos lingüísticos e não a realidade extralingüística;

¾ Se referem à linguagem primária e não a metalinguagem; ¾ Afetam a sincronia e não a diacronia;

¾ Se observam na técnica do discurso e não no discurso repetido;

¾ Afetam, em cada caso, a uma língua funcional e não globalmente a uma língua histórica;

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¾ Se trata de relações de significação e não de relações de designação (ou só indiretamente).

Representação esquemática:

Pode-se verificar os méritos de Coseriu quando desenvolve as estruturas lexemáticas, situando a forma estrutural do campo lexical em um lugar determinado dentro da concepção global. No escopo da análise pretendida, é de especial interesse as estruturas paradigmáticas primárias, entendendo-se estas como o campo lexical e as classe lexical.

Em se tratando do ponto convergente do estudo em questão, o lugar ocupado pelo campo lexical determina-o como uma estrutura primária paradigmática, isto é, os lexemas que estão a disposição num lugar determinado formam um paradigma, quer dizer, um sistema de oposições. Tendo como referência, para o estudo do campo lexical, a linguagem de marinharia, temos como exemplo da aplicação do modelo estrutural, os pontos cardiais:

Norte______________ Sul______________ Arquilexema________linha equinocial_______________ Leste_____________ Oeste_____________

Significando aqui que os lexemas pertencem ao <<vocabulário primário>>, não implicando em nenhuma outra palavra, correspondem a experiência imediata, em oposição as estruturas secundárias que afetam a modificação de um elemento primário (domínio da formação de palavras).

A ampliação que se constata na teoria de E. Coseriu ocorre na ampliação na linha estrutural representada pela introdução de uma terminologia coerente e no emprego de um método baseado em procedimentos lingüísticos. Temos então os conceitos fundamentais do campo lexical:

Lexema: toda unidade de uma língua tida como palavra simples, desde o ponto de vista do

conteúdo, palavras que integram e funcionam em um campo lexical.

Arquilexema:pode estar expressado em uma língua como unidade léxica.

Semas: são os traços semânticos distintivos (mínimos) na análise do conteúdo

A apresentação do modelo estrutural de E. Coseriu aplicado aos campos lexicais perpassa por múltiplas considerações, as quais não procede nos determos por ora, haja vista que o objetivo e momento atual da pesquisa circunscreve-se no ambito das estruturas primárias paradigmáticas. Para fins de investigação, cabe apenas definir a classe lexical que, na concepção do lingüísta, incorpora a totalidade dos lexemas que independem da estrutura do campo léxico e estão em relação por um traço distintivo de conteúdo que lhes é comum, e se manifestam por sua <<distribuição>> gramatical e léxica.

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O estado atual da questão, no que tange à aplicação do modelo estrutural de E. Coseriu, situa-se no levantamento dos registros da linguagem de marinharia do corpus selecionado, dirigindo os procedimentos no sentido da adequação da linguagem náutica do homem quinhentista a um possível modelo interpretativo e esclarecedor do campo lexical atualmente em estudo. Nesse processo de aprendizado, verifica-se um estabelecimento de denominações para a flora, fauna e geografia da terra desconhecida, ou seja, organiza-se uma taxionomia semântica a partir da representação lingüística feita para os termos das latitudes e longetudes, para a linguagem e costumes do gentio, misturados a termos provenientes do colonizador. As denominações pensadas, as conhecenças e os sinais de

terra, em termos da construção discursiva dos referentes, vão tornando transparentes a

opacidade constitutiva do que é desconhecido, ou seja, engendram sítios de significância codificados em termos do domínio de pensamento do colonizador. Nessa ótica, são elas que ficam nas gramáticas portuguesas como vestígio possível da presença do “que havia sido excluído”.

Referências

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