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Reflexões Sobre o Curso de Matemática

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Academic year: 2021

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FAMAT em Revista

Revista Científica Eletrônica da

Faculdade de Matemática - FAMAT

Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG

Número 10 - Abril de 2008

www.famat.ufu.br

Reflexões Sobre o

Curso de Matemática

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Comitê Editorial da Seção

Reflexões sobre o Curso de Matemática

do Número 10 da FAMAT EM REVISTA:

Ednaldo Carvalho Guimarães (coordenador da seção) Marcos Antônio da Câmara

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A BELEZA DA MATEMÁTICA II

Luís Antonio Benedetti

As concepções filosóficas de Verdadeiro, Bom e Belo não se encontram separadas no conjunto do conhecimento humano. Muito embora a ciência se ocupe da investigação da verdade, da ética e do bem e a arte se ocupe do belo, os saberes humanos se mesclam de tal modo que a fronteira entre a arte e a ciência se torna imperceptível. A ética científica passou a ser um tema atual principalmente em virtude das pesquisas com armamentos, transgênicos e com o genoma humano. Alguns cientistas de vanguarda abandonaram a pesquisa por motivos morais ou por recusarem ter suas pesquisas financiadas por organismos paramilitares.

Negligencia-se a relação entre ciência e estética em virtude da enorme explosão de conhecimento científico utilizável do século XX, poucos são cientistas que pesquisam a fim de obter exclusivamente satisfação intelectual de suas descobertas. Todavia o prazer derivado de uma nova descoberta, a satisfação de uma pesquisa levada a termo com êxito continua ser relevante no fazer científico.

Desde sua origem, no Egito e Babilônia, a geometria esteve ligada à arte da decoração, porém foi com Platão que os conceitos de Verdade, de Bem e de Belo se fundiram, a partir daí a matemática tornou-se o maior paradigma da união desses sustentáculos da filosofia.

Em sua obra Metafísica, Aristóteles refere-se aos matemáticos com a seguinte frase “Do belo é sobre o que principalmente falam, e o belo é o que demonstram”.

Tanto a geometria como a teoria dos números possui um conjunto teoremas que descrevem maravilhosas propriedades de seus objetos próprios e algumas formas do que podemos chamar de beleza racional, distinguindo-a da beleza fundamentada unicamente no plano sensível.

O discurso humano está repleto de concepções de belo, tais como a percepção visual da natureza, a pintura, a poesia, a música, a harmonia musical e visual impressionam nossa sensibilidade proporcionando-nos um prazer estético. Contudo, existe um saber bastante específico que não está limitado à simples exibição de formas de beleza, mas principalmente em demonstrá-las, este é o caso da matemática. O pentagrama inscrito em um círculo é uma figura harmoniosa, perfeita, embora seja uma dentre as inúmeras figuras geométricas. Os matemáticos não se contentam em sentir, criar ou construir concordâncias visuais ou sonoras, que causam prazer estético, como no caso da música e da pintura, buscam uma razão intelectual para a beleza, criando um elo entre arte e ciência, entre razão e sensibilidade. Uma demonstração deve ser correta e elegante, mas deve também dar a razão de sua própria beleza.

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A estética da matemática é extremamente sóbria, quase imperceptível. Expressões como 1 log ) ( lim = ∞ → n n n π

ou eπi +1=0, proporcionam um prazer intelectual a qualquer indivíduo que, conhecendo os sentidos dos signos envolvidos, constate que é possível reuni-los em formas aparentemente curtas, porém relacionadas a teorias matemáticas particularmente complexas.

Os pitagóricos foram os primeiros a perceber que era possível explicar a harmonia do mundo e dos astros em termos de números, todos os fenômenos podiam ser ordenados e normatizados, redutíveis em forma e medida à matemática. O mesmo sentimento levou Galileu a escrever “A matemática é a linguagem na qual Deus escreveu o Universo”. No Renascimento a teoria da perspectiva levou à criação da geometria projetiva expandindo a relação entre matemática e beleza, o domínio da perspectiva ampliou a concepção estética e construiu novas formas.

O mesmo se deu com o advento do cálculo diferencial, que permitiu técnicas arquitetônicas inimagináveis como as estruturas aéreas, abóbadas de extraordinária beleza e obras de sustentação leve. No século XVII a matemática já era suficientemente complexa; novas curvas, figuras e estruturas matemáticas eram descobertas, a ciência contemporânea estava sendo criada, não se limitando a descrever e dispor a natureza nestes termos, mas também transformando-a, concebendo novas formas e fenômenos. A emergência da ciência moderna ampliou o domínio estético com a criação de novas formas de arte, como a fotografia, o cinema, a televisão e a simulação computacional. Devemos ter em mente que as diversas manifestações artísticas que temos nos dias de hoje, somente foram possíveis a partir do desenvolvimento da ótica, eletricidade e da acústica. Algumas concepções estéticas apenas são factíveis em virtude da imensa evolução no campo da topologia, geometria e tantas outras teorias matemáticas acompanhadas pelo desenvolvimento tecnológico, tal é o caso dos fractais e sua realização computacional.

Leibniz imaginava construir uma característica universal, um sistema de símbolos universais e ideogramas associados a um pequeno número de conceitos fundamentais que serviriam de alfabeto para o pensamento humano, inteligível em todas as línguas e culturas. Novas descobertas e idéias poderiam ser feitas por operações rotineiras segundo as regras do cálculo lógico nesse sistema. A verdade e o erro seriam apenas questões de cálculo correto ou errado, terminariam de uma vez por todas as controvérsias filosóficas. Essas idéias possivelmente foram consideradas um tanto metafísicas na época, contudo o progresso do século XX caminhou nessa direção, introduzindo profunda modificação na relação entre membros de diversas culturas. Nada se adapta mais a característica universal de Leibniz sobre

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representações simbólicas e artificiais dos objetos e idéias do que a fotografia, o cinema e a televisão. São escritas tecnológicas e universais, igualmente perceptíveis em todas as culturas, independentemente da língua e da distância, formam a ideografia de nosso tempo. Novas idéias artísticas, religiosas e até mesmo políticas são criadas no interior desse sistema de signos. O papel dá lugar à narrativa e à representação em tela, o conceito renascentista de descoberta e conquista, aos poucos vem sendo substituído pelo de descoberta virtual de novos mundos, a beleza tecnológica se aperfeiçoa face à beleza natural. A composição de imagens e sons é feita por meio de sofisticados instrumentos, aumentando exponencialmente as possibilidades de criação, impensáveis na época de Leibniz e Newton, além disso, a difusão das informações tem um alcance e velocidade inimaginável para qualquer época anterior em toda a civilização.

Ressalte-se que o grotesco e o sublime, o feio e o harmonioso, o gratificante e o repugnante persistem no mundo globalizado pela ação dessas novas representações universais artificiais, porém torna-se necessário visualizá-las sob uma perspectiva que mostre a profunda interação entre ciência e beleza.

Até o século XVII os universos imaginários não passavam de representações do divino e do mito. Bosch em sua tela “O Jardim das Delícias” e Goya em suas pinturas descrevem esse tipo de reino imaginário, mas é no Carnaval com sua arte do disfarce, máscaras e cenografias que se observa a reprodução e representação de mundos imaginários.

Escher soube expressar com genialidade e de forma perfeita as novas possibilidades que a ciência desenvolveu, criando obras de magnífica beleza. Partindo de conceitos topológicos e não mais geométricos, o artista pode criar espaços onde se deformam radicalmente as estruturas do mundo físico como, por exemplo, a noção de interior e exterior.

No mundo de signos criados artificialmente o conceito de beleza se transformou substancialmente, não há mais lugar para a ingenuidade inerente à beleza natural, os limites artesanais são ditados pelas possibilidades que a ciência e a tecnologia desenvolveram.

Na matemática, a partir da análise de seus fundamentos no início do século XX as demonstrações construtivas tornaram-se preferíveis, reativando o que seria sua principal peculiaridade: a demonstração da beleza, ampliando o clássico conceito platônico do belo.

Assim como os produtores de arte na atualidade utilizam-se de várias tecnologias, construindo novas formas de beleza, cada vez mais a descoberta científica torna-se um trabalho de equipe. A obra adquire conotações industriais, a coletivização da beleza não se dá apenas na difusão de informações, mas na produção. O gênio individual isolado do Renascimento vai sendo substituído pelo coletivo que busca o êxito final da obra.

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No limiar do século XXI as concepções de Verdadeiro e Belo não são mais transcendentais, pois são investigados e expressos através de artifícios tanto teóricos como tecnológicos, cuja criação requer a colaboração de um número grande de indivíduos.

A beleza racional da matemática clássica ainda persiste, mas assim como a tecnológica, deixou de ser individual para ser coletiva.

O presente texto baseia-se no trabalho de Javier Schevernia publicado na revista “El Paseante, n.4 – 1989 ”, editada pela Universidade do País Basco.

Referências adicionais:

1. Schevernia, J. “Sobre o Jogo Leibniz e Sua Obra” –U. Madrid, 1986.

2. Davis, P.J., Reuben,H., “O Sonho de Descartes” – F Alves, Rio de Janeiro, 1988. 3. – , “A Experiência Matemática” – 3e, F. Alves, Rio de Janeiro, 1986

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