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O SUL GLOBAL NA DISCUSSÃO SOBRE PAZ, SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO. Aluno: Francisco Veras Orientadora: Profa. Dra. Isabel Rocha de Siqueira

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O SUL GLOBAL NA DISCUSSÃO SOBRE PAZ, SEGURANÇA E

DESENVOLVIMENTO

A

luno: Francisco Veras

Orientadora: Profa. Dra. Isabel Rocha de Siqueira

1. Introdução

Com a formulação da Agenda 2030 e dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) menciona pela primeira vez, de forma direta, questões de paz em sua pauta de desenvolvimento. Esse marco está claramente representado pela inclusão do ODS 161, intitulado como “Paz, Justiça e Instituições Eficazes: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis” [1]. Apesar do avanço, esse ODS sofreu algumas resistências no seu momento de construção. Muitos países, destacando-se principalmente aqueles denominados como partes de um “Sul Global”, apresentaram algumas críticas a determinados conceitos e pautas levantadas por esse objetivo.

De acordo com o Grupo de Trabalho para a Agenda 2030, que em 2018 lançou o segundo ‘relatório luz’ sobre as práticas brasileiras em relação aos ODS, os seguintes itens podem ser colocados como requisitos fundamentais para o alcance do desenvolvimento sustentável e inclusivo: o combate à corrupção e o incentivo à transparência governamental junto ao fortalecimento das instituições [2]. Esses fatores condizem muito com o que o ODS 16 se propõe, dado que este foi definido através de um debate na ONU em relação à importância de um desenvolvimento não necessariamente alinhado apenas a iniciativas econômicas. Era preciso, para os próximos 15 anos a partir de 2015, trazer um olhar para problemas mais específicos, porém de bastante relevância para o alinhamento entre sustentabilidade e desenvolvimento.

O ODS 16 passa a levar, portanto, essa temática para outra dimensão. É observado que diversos temas, como educação, pobreza e meio ambiente, presentes em outros objetivos, abordam a relevância da paz ao falarmos de desenvolvimento [3] (Rocha de Siqueira, 2019, p. 30). Sabendo que, além dos problemas com corrupção e ineficiência do poder judiciário, muitos países do Sul possuem altos níveis de violência, e isso deve aumentar consideravelmente até 2030 [3], como poderiam, então, esses países ficarem de fora da discussão sobre paz e desenvolvimento?

A América Latina e África foram importantes percursores na formulação da Agenda 2030; entretanto, sobretudo por conta do primeiro, o ODS 16 se tornou o objetivo mais polêmico dessa discussão e o mais demorado para ser de fato definido. Consequentemente, essa contestação inseriu a nova pauta em conferências, documentos e fóruns internacionais2, no entanto também acabou gerando dificuldades para a implantação de esforços práticos quanto aos itens que contemplam esse objetivo [3].

Diante desse contexto, a presente pesquisa procurou investigar i) o posicionamento crítico de alguns países da América Latina, principalmente o Brasil, frente ao ODS 16; ii) o que o continente

1Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/.

2 A Declaração Ministerial do G77+ (2018) defende que “(...) não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e

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africano tem feito para inserir paz e segurança na sua agenda de desenvolvimento e iii) como o Sul Global pode ser um ator potente na formulação de políticas públicas que visam o alcance do ODS 16 e que requerem urgência frente ao nível alto de violência e insegurança na América Latina. Ademais, o trabalho também se baseou no potencial da Cooperação Sul-Sul (CSS), e seus princípios, como ferramenta capaz de contribuir positivamente para essa nova discussão.

2. A Insegurança na América Latina e o seu posicionamento frente ao nexo Paz e Desenvolvimento

Países como Brasil, África do Sul e Índia têm utilizado a Cooperação Sul-Sul (CSS) e a Cooperação Triangular como formas de transformar a atuação nas práticas de “construção da paz”, privilegiando, ao menos em seus discursos, “(...) expressão de solidariedade e experiências compartilhadas” [5]. Esses países costumam ser grandes impulsionadores de valores democráticos e de processos políticos inclusivos em regiões consideradas ‘frágeis’. A Índia, por exemplo, depois dos EUA, é o segundo país que mais investe no “UN Democracy Fund”3 [5]. A Cooperação Sul-Sul e Triangular são fomentadas, dessa forma, diretamente no controle dos processos eleitorais desses países e/ou transferindo, por exemplo, especialistas para o âmbito de agências da ONU e para a prevenção e mediação de conflitos [5].

À vista disso, pode-se observar uma tendência recente de países como o Brasil em tratar de paz e desenvolvimento, mesmo que indiretamente, nas suas inciativas fora do país onde soluções pacíficas são colocadas como o principal foco dessas ações. Para o Instituto Igarapé, “(...) a ajuda brasileira tende a enfatizar os vínculos entre desenvolvimento e segurança, uma vez que as desigualdades sociais e econômicas estão na origem da violência, do extremismo e do conflito” [6]. Isso pode ser verificado principalmente na relação com países ditos frágeis, como Haiti e Guiné-Bissau, em que há, por exemplo, uma conexão entre a atuação militar e áreas consideradas de desenvolvimento, como agricultura e saúde.

Pelo menos até 2013, essa era a postura da política externa brasileira em ocasiões de cooperação internacional, desenvolvimento e resolução de conflitos. Tal posicionamento esteve muito alinhado à ideia de que há uma interdependência entre segurança e desenvolvimento, porém, desigualdade e pobreza foram quase sempre as principais causas abordadas pelo país para justificar o aumento do índice de violência e insegurança nas regiões consideradas em desenvolvimento [6]. Ou seja, por muito tempo, o Brasil apresentou um discurso apaziguador e solidário nesse contexto em que há uma clara questão de segurança e desenvolvimento envolvida; no entanto, será que isso foi suficiente para que o país também defendesse essa ligação, nacional e internacionalmente, e tudo que a envolve, como, por instância, corrupção e violência agravada pelo aumento do uso de armas ilegais por crimes organizados diversos?

Ainda segundo o Instituto Igarapé, “(...) o foco do Brasil é no alívio das vulnerabilidades e das desigualdades sociais e econômicas que geram as condições permissivas para a violência política e criminosa” [6]. E ainda

“este compromisso com a manutenção da paz é consistente com os seus instintos multilaterais além de ser um meio para fortalecer a influência e as oportunidades do

3 Criado em 2005 no âmbito da ONU, a maioria desse fundo é destinado para Organizações da Sociedade Civil locais

nos quais as seguintes áreas são abordadas: ativismo comunitário; processos eleitorais; igualdade de gênero; mídia e liberdade de informação; estado de direito e direitos humanos; fortalecimento da interação entre sociedade civil e governo; ferramentas para o conhecimento; engajamento da juventude. Disponível em:

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Brasil de se tornar um membro permanente do CSNU4. As atividades de manutenção da

paz também reforçam prioridades domésticas, incluindo treinamento e equipamento adequados para as forças armadas.” [6].

Apesar desse posicionamento aparentemente a favor da discussão sobre governança e fortalecimento de instituições democráticas nas práticas de cooperação e do papel da região também favorável à definição da Agenda 2030, o Brasil e outros países da América Latina apresentaram e apresentam algumas dificuldades e resistências ao lidarem com o ODS 16 que trata justamente de segurança, justiça e governança.

Foi possível observar que no desenvolvimento dessa Agenda, a América Latina se mostrou preocupada com a erradicação da pobreza, o fim da desigualdade e da exclusão social [7]. A região tentou se afastar da ideia de que os níveis de insegurança poderiam diminuir com a aplicação do ODS 16, salientando a predominância no combate à pobreza para o alcance desse fim [7].

Brasil e Colômbia foram alguns dos países que divulgaram ressalvas a respeito do objetivo (idem), mas que, paralelamente, possuem umas das maiores taxas de homicídios na América Latina e ocupam posições baixas em termos de transparência. Em 2018, por exemplo, o Brasil ocupou a 105º posição no ranking da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção no mundo e em 2017 [8], o país teve mais de 31,6 mortes/100 mil habitantes registradas como homicídio, de acordo com o Atlas da Violência de 2019 [8]. Nessa mesma linha, a Colômbia se encontra na 99° posição no primeiro ranking e, segundo o Banco Mundial [9], teve mais de 25 registros de homicídios em 2016 para cada 100 mil habitantes.

Isto posto, no Brasil, é fácil identificar que internamente o processo para o controle dessas taxas é lento. A temática de segurança e desenvolvimento não parece ser vista de forma conjunta pelos órgãos públicos que há anos não legalizam os esforços sobre elas. E quando leis que se aproximam dessa lógica existem, muitas vezes são inefetivas. Além disso, há a ausência clara de recursos humanos e financeiros para lidar com essa questão [2].

Ou seja, isso quer dizer que os mecanismos jurídicos demoram para serem implantados na prática no Brasil, em especial quando se remetem ao combate à corrupção, transparência governamental e contenção da violência. Principalmente em relação a este último, o país assume uma postura bastante punitiva e agressiva por meio de suas polícias, aumentando, assim, o número da população encarcerada [2], que se define sobretudo em termos de sexo, cor e classe social.

Adicionado a isso, a América Latina, mesmo na ausência de conflitos considerados grandes como acontece em partes do continente africano e Oriente Médio, é uma região que sofre no geral com questões de violência e insegurança, apresentando taxas internacionais elevadas nessas áreas e, em virtude disso, podendo ser considerada como uma das regiões mais violentas do mundo. O México é outro exemplo notável. Em 2012, a Cidade Juarez foi considerada a cidade mais violenta do mundo entre 2008 e 2010 por efeito da sua taxa de homicídio que contabilizou 189 mortos/100 mil habitantes [10].

Para Guízar e Pérez [12], desigualdade social e econômica, monopólio de informações sob controle de meios de comunicação massivos5, privatização da segurança6, violência das forças armadas sobre jornalistas, manifestantes e protetores dos direitos humanos, problemas de ingovernabilidade e impunidade associados às políticas de encarceramento, que assim como no

4 Conselho de Segurança das Nações Unidas.

5 Geralmente responsáveis pela percepção da insegurança no país [12].

6 Medidas legais e ilegais de cunho excludente são adotas muitas vezes, como o uso de armas por civis sem que haja

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Brasil são definidas por corte de classe e cor, por exemplo, bem como a associação entre esfera pública e grupos criminosos são alguns dos fatores oriundos da ausência da promoção de paz e segurança pelo Estado mexicano.

Diante desse cenário, é possível, assim, traçar uma visão geral de características comuns que decorrem na América Latina no que diz respeito à insegurança. Segundo o questionário publicado pela Corporación Latinobarómetro, em 2013, por instância, grande parte da população latino-americana apontou a delinquência/segurança pública como o problema mais importante e de urgência de seus respectivos países [13]. Percepção essa relacionada com ausência de políticas públicas de segurança [11].

Apesar do crescimento econômico relativamente considerável que aconteceu na região na última década e das iniciativas sociais voltadas para a redução da pobreza e desigualdade, é também possível apontar os tipos de violências mais comuns no território latino-americano. De acordo com Cubel [11], destacam-se homicídio, feminicídio, roubos (com uso de armas de fogo ou armas brancas), violência intrafamiliar, sequestros e extorsão, acidentes de trânsito, tráficos de pessoas (violência sexual, trabalho forçado, violência institucional etc.) e ineficiência do poder judiciário. No mesmo caminho, Angonso [14] aponta “11 razões da insegurança pública na América Latina”, sendo elas impunidade; inexistência de uma educação familiar7; fracasso da pública de qualidade; crises da instituição de justiça; sistema penitenciário; corrupção; ineficiência policial; tráfico de armas; cultura da violência; falta de valores que gerem segurança e o modelo estatal.

Desse modo, constata-se que Estados latino-americanos geralmente contam com políticas de segurança unilaterais que não levam em consideração um debate público inclusivo e, devido a isso, inviabilizam tanto a compreensão das origens da insegurança conforme seus contextos quanto a criação de políticas públicas alternativas [12]. Em outras palavras, não há, ou pelo menos aparenta não haver, uma preocupação em entender as causas e os contextos que agravam há décadas a situação de violência na região contra, principalmente, civis e minorias.

Levando em consideração o posicionamento latino-americano no processo de redação do ODS 16, enquanto alguns se mostraram mais a favor às metas e indicadores, como Chile e Costa Rica, outros salientaram a importância da mudança de alguns termos, como “acesso à justiça”8 ao invés de “Estado de Direito” [7]. Para muitos países da região, a discussão sobre a aliança entre desenvolvimento, paz e segurança não foi considerada uma pauta tão necessária para o alcance de desenvolvimento quanto os temas ligados à pobreza e desigualdade [7].

O Brasil justificou as suas ressalvas pelo receio de desvios de recursos para fins econômicos e sociais no que tange ao orçamento da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento, por exemplo [7]. Também houve preocupação com o caráter não democrático e não representativo de algumas entidades, como o Conselho de Segurança da ONU, considerando que estas tenham papel central na implementação das metas, objetivos e indicadores do ODS 16 [7]. Além disso, o Brasil apontou a falta do caráter universal à temática da ‘paz’ e, por último, se mostrou preocupado com a possível confusão no entendimento entre países que são afetados pelo crime e aqueles que sofrem com conflitos, já que esta confusão poderia ocasionar intervenções externas em assuntos nacionais [7].

Nessa situação, nota-se que a América Latina ainda não apresenta, no geral, tentativas notáveis de reforma conjuntas para lidar com suas taxas elevadas de insegurança, que se caracterizam não apenas pela violência física em si, mas também pela violência estrutural

7 Em relação aos nascidos(as) em situação de miséria [13].

8 Em relação a isso, o Brasil diz ser mais urgente a promoção do viés parcial da justiça e o registro de nascimentos de

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proveniente do enfraquecimento de suas instituições democráticas. Pela Cooperação Sul-Sul, iniciativas latino-americanas para fora até são impulsionadas à base de seus princípios; contudo, essas barreiras impostas sobre o ODS 16 representam grandes ameaças para a população interna latino-americana. Cabe agora analisar como outra parte do Sul Global lida com essa situação, regionalmente, e se são perceptíveis ou não alternativas para tornar mais estreita a relação entre paz e desenvolvimento nas suas políticas públicas de segurança.

3. A agenda de desenvolvimento na África e a sua relação com o ODS 16

Durante a construção do ODS 16 no âmbito da ONU, países africanos participaram desse debate especialmente por conta não só apenas dos conflitos armados que duram anos na região, mas também em razão dos diversos quadros de violência que afetam o continente e da quantidade de operações de paz ali realizadas. Por conta disso, algumas ações regionais são observadas para tratar da importância da ligação entre paz, segurança e desenvolvimento, em especial no escopo da União Africana (UA), a principal Organização Internacional Regional/Comunidade Econômica Regional da África.

Como apresentado por Rocha de Siqueira [3], o continente africano foi crucial para a definição do ODS 16. Países como Etiópia, África do Sul e Angola enfatizaram a necessidade de esforços internacionais para a implantação da chamada paz sustentável nos países em termos de segurança e direitos humanos [3]. A União Africana tem fortalecido a ideia de criar uma ponte entre desenvolvimento e paz, já que até então, desde o Plano de Ação de Buenos Aires (1978)9, não se falava oficialmente sobre a temática [3].

A UA divulgou uma declaração – Common African Position (CAP) – que expôs algumas questões analisadas como essenciais para a África na discussão sobre o desenvolvimento sustentável pós-2015. No documento, há entendimento de que paz e segurança devem andar lado a lado, especialmente quando se quer alcançar desenvolvimento em países atingidos por conflitos ou que emergiram destes [15]. O organismo estabelece uma relação intrínseca entre desenvolvimento e paz, segurança e estabilidade [15].

Como mencionado acima, a África é um dos continentes que mais possuem missões de paz, sendo foco de operações de ‘peacebuilding, ‘peacekeeping’ e “peacemaking” que não têm gerado um ambiente pacífico na região durante muito tempo [16]. Sudão do Sul, Moçambique e República Centro-Africana muitas vezes foram abordados por estratégias de resolução de conflitos que não apresentaram bons resultados [16]. Nesse contexto, a relação entre os termos aqui em questão parece estar sendo adicionada na África em termos de iniciativas de resolução e mediação internacional de conflitos que demarcam bastante a região e a sua população, com foco em questões humanitárias e, consequentemente, de direitos humanos.

Isto posto, Lucey [16] nos ajuda a identificar as seguintes iniciativas presentes no continente no que diz respeito ao tema central aqui discutido:

• Common African Position (CAP)10: foi divulgada em 2014 levando em consideração justamente a importância da ligação entre paz, segurança e desenvolvimento para o continente africano;

• African Union (AU) Post-Conflict Reconstruction and Development (PCRD): a União Africana costuma priorizar prática de ‘peacekeeping’ paralela a medidas baseadas na visão de paz e segurança. Presume-se estar de acordo com o desenvolvimento sustentável, tentando priorizar as estratégias nacionais dos países

9 Disponível em: https://www.unsouthsouth.org/bapa40/documents/buenos-aires-plan-of-action/. 10 Disponível em: https://au.int/sites/default/files/documents/32848-doc-common_african_position.pdf.

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em foco, bem como da população destes. Por instância, esse processo pós-conflito envolve situações de curto-prazo (emergência), médio-prazo (transição) e longo-prazo (desenvolvimento).

A iniciativa ainda conta com os consecutivos princípios: liderança africana; promoção de ‘ownership’ nacional e local; ‘capacity building’ para sustentabilidade; inclusão; igualdade e não-discriminação; cooperação e coesão; • African Solidarity Initiative (ASI): medidas de coletar recursos financeiros (ou não

– in-kind11) para a implantação do PCRD, com a finalidade de resolver problemas

nacionais e regionais por via de soluções de mesmo cunho. Entretanto, ainda não existe uma forte contribuição dos países africanos;

• African Peace and Security Architecture (APSA): programa de reconstrução pós-conflito que implementa medidas de ‘peacebuilding’. É formado, por exemplo, por um Conselho de Paz e Segurança da União Africana e o Fundo para a Paz também da organização;

• ‘Agenda 2063’12: salienta também, entre outros pontos, a importância de discutir desenvolvimento mediante à visão da população africana (people-driven).

Esses tipos de programas se tornaram mais possíveis com o auge da Cooperação Sul-Sul, e dos seus princípios, que tentam também colocar demandas do Sul Global como prioridades na Cooperação Internacional para o Desenvolvimento [16]. Para a África isso é importante, uma vez que a CSS pressiona uma arquitetura de governança global para um viés mais representativo e inclusivo sobretudo quando processos de ‘peacebuilding’ estão em questão [16]. Para Lucey [16], apesar de ainda não se ter certeza como a Cooperação Sul-Sul pode ser eficiente na Agenda pós-2015 em termos práticos, pelos seus princípios já é possível identificar alguns pontos em comum discutidos pelas inciativas da União Africana como, por instância, ao tentar implantar a conexão entre segurança, paz e desenvolvimento em termos de benefícios mútuos e ownership, alinhando-se às preocupações que envolvem processos de ‘peacebuilding’, ‘peacekeeping’ e ‘peacemaking’ na África.

À vista disso, por mais que exista pouco conhecimento sobre o que funciona ou não em programas que buscam integrar simultaneamente paz, segurança e desenvolvimento [16], o continente africano tem apresentado um quadro positivo nessa discussão. No escopo da Cooperação Sul-Sul, alguns pontos são polêmicos e complexos para o Ocidente quando os princípios de respeito à soberania e não-intervenção abrem diálogos com países onde há regimes governamentais que ameaçam sua própria população.

Apesar disso, internacionalmente, existe também um debate em como operações de paz fomentadas pela ONU e autorizadas pelo Norte, representado aqui por países ocidentais do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ainda possuem caráter imperialista, reforçando a relação de cima para baixo entre Norte e Sul Global e agravando conflitos com medidas e normas que não necessariamente abrem espaço para um diálogo nem com os países e nem com a população africana. Com isso, essas ações para a construção da conexão entre paz, segurança e desenvolvimento, estimuladas pela União Africana, devem ser acompanhadas a fim de buscar e acompanhar alternativas eficazes, ou não, pelo Sul Global no alcance do ODS 16 na região onde os índices de violência, discriminação, corrupção e insegurança não são ainda tão baixos.

11 Transferências de bens, serviços e outras transações que não envolvem dinheiro. 12 Disponível em: https://au.int/en/agenda2063.

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4. Conclusão

Segundo apontado por Ireland [17],

“Um dos argumentos mais comuns em prol da CSS é que fortalece os países mais pobres, que são predominantemente do Sul, contra os que são mais fortes e ricos predominantemente do Norte. Dessa forma a CSS representa a possibilidade de fortalecer a solidariedade internacional contra a desigualdade e a injustiça social.” Geralmente, o Sul Global é considerado como uma fonte de mecanismos alternativos à cooperação Norte-Sul no momento de implantação de ações relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Experiências do Sul são, sem dúvida, altamente tidas como necessárias na Agenda 2030. Porém, apesar de buscar “(...) reduzir desigualdades internacionais (...) e contribuir para um objetivo comum maior de acordo com as experiências similares dos países [do Sul Global]” [18], a CSS ainda não possui determinados campos bem definidos. No âmbito de paz e desenvolvimento, por exemplo, não há um número significativo de relatório sobre resultados, assim como a noção de ‘paz sustentável’ não tem sido utilizada consideravelmente na América Latina [3].

Dessa maneira, vimos que casos de conflitos, violência e insegurança, considerando suas diferenças contextuais, compõem a realidade de parte do mundo tida como em desenvolvimento. No entanto, mesmo quando princípios da Cooperação Sul-Sul são acionados para defender interesses nacional no âmbito internacional, os esforços para lidar com os assuntos domésticos que envolvam o alcance da paz e da estabilidade parecem não condizer com o potencial dessa Cooperação que, desde a sua criação, tem possibilitado nos discursos do Sul novas abordagens que desafiam a agenda internacional de desenvolvimento formulada historicamente pelo Norte.

Analisamos também que o processo de definição do ODS 16 passou por algumas resistências. Apesar disso, o objetivo hoje existe, precisa ser alcançado, assim como os demais, e nos coloca frente a diversas questões13, apresentadas aqui, em países como Brasil, Colômbia e México, para serem cuidadas com determinada urgência, uma vez que as estatísticas de insegurança nesses países são elevadas, nos mostrando, mesmo que numericamente, às quais condições de segurança a população está sendo submetida.

Considerando a América Latina como uma região relevante no Sul Global, há muito a ser feito e priorizado na interseção entre paz e desenvolvimento. O ODS 16 é um objetivo ainda delicado e sensível para a região. No entanto, essa sensibilidade acaba resultando na ausência de preocupação estatal sobre as causas e consequências dessa violência.

Como visto, o Brasil, infelizmente, é um grande exemplo dessa incoerência entre a postura adotada externa e internamente. Aqui, o encarceramento e a morte exacerbada de uma população jovem, pobre, negra expressa também os desafios que enfrentamos em termos de, como defendido por Cubel [11]14, desenvolvimento e crescimento social. Nesse ano, no primeiro mês do atual governo, o Presidente assinou um decreto que flexibilizava o porte de armas pela população brasileira [19]. Diante de um quadro anual tão elevado de homicídios, como uma atitude como essa pode ser coerente em uma discussão global sobre desenvolvimento sustentável?

13 ODS 16, item 4: “(...) até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a

recuperação e devolução de recursos roubados, e combater todas as formas de crime organizado”; item 16.b: “Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.”. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/.

14 De acordo com o autor, as taxas de homicídios no Brasil são notavelmente diferentes entre as regiões Norte e Sul do

país [11]. Isso é um exemplo claro de como a violência pode uma determinada como alvo frequente, por exemplo, explicitando ainda mais o quadro de desigualdade no país.

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Em contrapartida, como mencionado, o continente africano já possui algumas iniciativas no âmbito regional simbolizado pela União Africana. Mas isso não quer dizer que nenhuma dessas alternativas não são criticadas. No caso da African Union Post-Conflict Reconstruction and Development (PCRD), costuma-se dizer, por exemplo, que a abordagem ainda está voltada de certa forma para uma noção estado-centrista sobre prevenção e resolução de conflitos, e que possibilita a abertura para interpretação no que diz respeito à ênfase em ownership local e soluções em conformidade com o contexto dos países africanos [16].

Diante desse quadro, é importante salientar que as ações de países da África sobre paz, segurança e desenvolvimento, especialmente pós-2015, possuem algumas premissas que parecem essenciais para a eficácia dessa conexão. Uma delas é a ideia de que a participação da população na agenda de desenvolvimento não deve ser deixada em segundo plano. Autores como Guízar e Pérez [12] defendem que globalmente devemos conceber “(...) a paz e a segurança como (...) bens fundamentais, públicos e comuns que implicam a necessidade de coprodução e cogestão Estado-sociedade”. E, para isso, “(...) o empoderamento e a participação dos afetados pela violência são fundamentais”.

Os autores discutem que no México, por instância, diante da ausência do Estado, conseguimos identificar novos tipos de movimentos, medidas e instituições de ação coletiva construídas pela sociedade mexicana, sendo elas: redes sociais de denúncia e questionamento da política governamental, grupos civis de respaldo às vítimas, movimento pela Paz com Justiça e Dignidade (contra ineficácia, corrupção e autoritarismo) e experiência de autogoverno e autodefesa [12].

Sendo assim, é importante ressaltar que precisamos de iniciativas que discutam o nexo aqui trabalhado em termos mais amplos, como nacionais e regionais. Alternativas específicas, de grupos locais são altamente relevantes. Por exemplo, no Panamá existem projetos notáveis para reabilitação de jovens presos; no Equador, tentou-se instaurar uma nova doutrina de vigilância policial; e em El Salvador, o “Ciudad Mujer” reúne forças para diminuir a violência contra a mulher [11]. Todavia, também é necessário que essas ações sejam enxergadas e estendidas pelas forças públicas, resultando em discursos internacionais mais coerentes com as práticas internas.

Pode ser, então, um caminho olhar para o continente africano e as suas medidas regionais e nacionais de conexão entre as áreas de paz, segurança e desenvolvimento, analisando também suas críticas. Contudo, a análise de contextos não pode ser desconsiderada, bem como a participação popular. Esse debate é atual e ainda requer mais investigação de como o Sul Global pode encontrar em si maneiras de fortalecer suas instituições e de se posicionar melhor em estatísticas globais sobre corrupção e homicídios. Cabe agora a outros atores da cooperação, como academia e sociedade civil, se movimentarem para que atuais governanças não interrompam esse processo e não comprometam, assim, não só apenas o alcance do ODS 16, mas também a implantação eficaz da Agenda 2030.

Referências

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<https://brasilnaagenda2030.files.wordpress.com/2018/07/relatorio-sicc81ntese_final_download.pdf>. Acesso em: 22 maio 2019.

3 - ROCHA DE SIQUEIRA, I. The Case for South-South Cooperation on Peace and Development. UNOSSC, 2019, p.1-47.

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<https://www.g77.org/doc/Declaration2018.htm>. Acesso em: 20 maio 2019.

5 - MATHUR, A. South-South and Triangular Cooperation for Peace and Development. Norwegian Institute of International Affairs, 2014, p.1-14.

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8 - TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL (Brasil). Índice da Percepção de Corrupção 2018. 2018. Disponível em: <https://transparenciainternacional.org.br/home/indice>. Acesso em: 22 maio 2019.

9 - IPEA (Brasil) (Org.). Atlas da Violência 2019. 2019. Disponível em:

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12 - GUÍZAR, J.; PÉREZ, L. Acción colectiva en la construcción social de la paz y la seguridad. La paz y la seguridad como bienes comunes. Cultura y representaciones sociales, v.10, n. 20, 2016, p.9-41.

13 - CORPORACIÓN LATINOBARÓMETRO (Chile) (Org.). Informe 2013. Disponível em: <http://www.latinobarometro.org/documentos/LATBD_INFORME_LB_2013.pdf>. Acesso em: 08 junho 2019.

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18 - CARVALHO, B. The Dynamics of South-South Cooperation in the Context of Africa and Latin American Relations. Handbook of Africa’s International Relations, Routledge, Nova York, 2009, p. 378.

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