PAISAGEM E MINERAÇÃO EM PIRAPORA DO BOM JESUS,
ESTADO DE SÃO PAULO
Sandro Francisco Detoni, Universidade de São Paulo, sdetoni@usp.br Yuri Tavares Rocha, Universidade de São Paulo, yuritr@usp.br
Este trabalho apresenta a evolução histórica, os impactos na paisagem e o quadro atual da exploração mineral em Pirapora do Bom Jesus, Estado de São Paulo. Localizado no noroeste da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), o município possui sensíveis impactos negativos na paisagem, relacionados à exploração minerária indiscriminada. Há importantes registros da intensiva e desorientada exploração mineral, demonstrados, sobretudo, nas vertentes da Serra do Boturuna. O embasamento litológico predominante da Serra é o quartzito com estrutura que varia de maciça a friável. Essa substância mineral é aplicada, principalmente como insumo na construção civil, que envolve a fabricação de argamassas especiais. A estrutura geomorfológica permite que a Serra seja um marco na paisagem regional. Tal característica justificou seu tombamento natural pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT). O histórico minerário da Serra demonstrou que foram utilizados métodos de extração que interferiram em sua estrutura paisagística. Isso fez com que as frentes de lavra também se tornassem elementos de destaque na paisagem regional. Os impactos paisagísticos são potencializados por meio do método de extração a meia encosta que expõe o quartzito de estrutura maciça e, devido à alta declividade, impõe dificuldade à recuperação das vertentes. Foram levantados os dados sobre a exploração mineral do município e por meio de composições coloridas de imagens de satélite de alta resolução e do levantamento de campo foi possível verificar, muitas vezes, a clandestinidade do setor. Os dados demonstram que na década de 1980, Pirapora do Bom Jesus se configurava como uma importante área de extração de quartzito da RMSP. O quadro atual sugere que a base econômica do município se diversificou. A atividade minerária diminuiu sua participação, mas possui importância, principalmente, em função do ônus das frentes de lavra expostos na paisagem.
Palavras-chave: Mineração, Paisagem e Degradação Ambiental Introdução
Pirapora do Bom Jesus localiza-se a noroeste da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), conforme representado no Mapa 1. Esse mapa também destaca o município de Santana de Parnaíba e a Área Natural Tombada (ANT) da Serra do Boturuna, onde se concentra a atividade de mineração no município. Antigo distrito de Santana de Parnaíba, o núcleo urbano principal de Pirapora do Bom Jesus desenvolveu-se às margens do rio Tietê, porém, as imposições impostas pela estrutura geomorfológica regional não permitiram sua maior expansão territorial. A base econômica do município, de forma geral, assentou-se na agropecuária de pequeno porte, no turismo religioso e na exploração de seus recursos minerais.
Como a exploração mineral se constituiu numa das atividades econômicas mais importantes no município, este trabalho faz uma análise histórica dessa exploração, juntamente com a descrição do quadro atual e dos principais impactos negativos na paisagem regional.
Mapa 1: Localização de Pirapora do Bom Jesus, de Santana de Parnaíba e da ANT da Serra do Boturuna, Estado de São Paulo
Material e Método
A pesquisa baseou-se nos condicionantes históricos da exploração mineral na região, na identificação de frentes de lavra clandestinas com o auxílio de composições coloridas de bandas espectrais do satélite Ikonos, no levantamento de campo e nos dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Resultados e Discussão
É possível identificar na região uma fase preliminar de mineração relacionada à exploração aurífera na Serra do Boturuna, em Santana de Parnaíba e na região do Rasgão, onde atualmente, há uma Usina Hidrelétrica. Dessa forma, verificou-se que a atividade minerária na região remonta o final do século XVI, com destaque para a exploração aurífera iniciada por Affonso Sardinha na região do Boturuna. Demonstra-se a importância da exploração de ouro na região por meio dos relatos da viagem realizada, em 1819, por Saint-Hilaire (1976) e pelos Diários da Viagem Mineralógica na Província de São Paulo, realizada também em meados do século XIX, por José Bonifácio de Andrada e Silva e por Martin Francisco Ribeiro de Andrada. Esses últimos mencionaram sobre a exploração aurífera na região e destacaram sobre a possibilidade da extração do minério de ferro (SILVA; ANDRADA, 1954).
A demanda por recursos minerais aplicados à atividade industrial e à construção civil atribuiu um novo perfil para a exploração mineral na região, no século XX. A expansão urbana da RMSP criou uma crescente demanda pela exploração dos seus recursos minerais. Por isso, estabeleceram-se uma grande quantidade de empreendimentos minerários, nas proximidades da Capital Paulista.
Tal fato permitiu a intensa exploração da Serra do Boturuna, em Pirapora do Bom Jesus. Na década de 1980, o município se tornou um dos principais produtores de quartzito da RMSP. A extração do quartzito veio acompanhada por um sensível impacto negativo na paisagem regional, o que se configurou como o fator fundamental na condução de seu processo de tombamento.
A Serra do Boturuna é limite físico entre os municípios de Pirapora do Bom Jesus e Santana de Parnaíba. O setor da Serra no município de Pirapora do Bom Jesus possui importantes testemunhos da exploração mineral indiscriminada.
Deve-se destacar que a extração mineral no município orientou-se segundo a demanda de consumo, por isso, há importantes indícios na paisagem que comprovam a irregularidade do setor. Por meio de composições coloridas de bandas espectrais do satélite Ikonos de alta resolução, foi possível verificar distintos pontos de extração clandestina na Serra e em outras áreas do município. Tais extrações incluem, sobretudo, a exploração do quartzito, utilizado, na maioria das vezes, como areia para a construção civil.
As principais substâncias exploradas em Pirapora do Bom Jesus são os quartzitos (metarenitos), os calcários (calcário dolomítico e dolomito) e os filitos. Além das minerações da Serra do Boturuna, destaca-se também uma importante frente de lavra de calcário, localizada no núcleo urbano do município e explorada pela Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA).
Com relação ao quadro atual da mineração, de acordo com o levantamento dos processos na fase de concessão de lavra cadastrados no Sistema de Gestão da Produção Mineral (SISMINE) no DNPM, verifica-se que as lavras ainda se concentram na região da Serra do Boturuna e nas proximidades do limite com Santana de Parnaíba. A Tabela 1 demonstra as fases e a quantidade de processos minerários em Pirapora do Bom Jesus. O município possui 29 poligonais minerárias cadastradas no seu território, porém, deve-se ater a fase de concessão de lavra, onde há 17 poligonais. Destaca-se também que sete poligonais sob o regime de concessão de lavra estão na região da ANT da Serra do Boturuna.
Tabela 1: Fase e quantidade de processos minerários em Pirapora do Bom Jesus, Estado de São Paulo
Fase Quantidade de Processos Minerários
Disponibilidade de Pesquisa Mineral 3
Requerimento de Pesquisa 2
Autorização de Pesquisa 4
Requerimento de Lavra 3
Concessão de Lavra 17
Convém ressaltar que muitas dessas poligonais abrangem dois municípios. Por isso, foi conveniente apresentar a Tabela 2 que expõe as fases de mineração e se a poligonal possui limite em outro município ou se encontra somente num único município. Se a poligonal envolver mais de um município, a ordem de descrição corresponde à proporção da poligonal no município.
Tabela 2: Abrangência das poligonais minerárias
Fase Localização Quantidade
Disponibilidade de Pesquisa Mineral Limite Santana de Parnaíba/Pirapora do Bom Jesus 1
Pirapora do Bom Jesus 3
Requerimento de Pesquisa Pirapora do Bom Jesus 2
Autorização de Pesquisa
Limite Pirapora do Bom Jesus/Araçariguama 1 Limite Pirapora do Bom Jesus/Cajamar 1
Pirapora do Bom Jesus 2
Requerimento de Lavra Limite Pirapora do Bom Jesus/Cajamar 1
Pirapora do Bom Jesus 2
Concessão de Lavra Limite Pirapora do Bom Jesus/Santana de Parnaíba 1
Pirapora do Bom Jesus 16
Fonte: DNPM/SISMINE - <www.dnpm.gov.br>. Acesso em: 2008.
Outra observação importante refere-se à explotação das substâncias: nem sempre a concessão da lavra corresponde à lavra em atividade. Na Serra do Boturuna, por exemplo, há três áreas com poligonais sob o regime de concessão de lavra, onde não se executam as lavras. De forma simplificada, os dados sobre a concessão de lavra, descritos na Tabela 2, ajudam a descrever o perfil mineral do município. Tabela 3: Processos minerários em fase de concessão de lavra
Process
o Ano
Área
(ha) Empresa Substância Localização
1514 194
0 16,44 Empresa de Mineração H M Ltda. Ferro Pirapora do Bom Jesus 6532 194
1 58,8 Lolli Extrativa de Minerais Ltda.
Calcário
Dolomítico Pirapora do Bom Jesus 2792 194
8 20 Lolli Extrativa de Minerais Ltda. Caulim Pirapora do Bom Jesus 2246 195
0 118,29 Lolli Extrativa de Minerais Ltda. Argila Pirapora do Bom Jesus 3927 195
0 6,18 Cia. Siderúrgica Paulista (COSIPA) Calcário Pirapora do Bom Jesus 6404 195
2 17,47 Lolli Extrativa de Minerais Ltda. Calcário Pirapora do Bom Jesus 6676 195
7 13,55 Armando Angelini Dolomito Pirapora do Bom Jesus
854 195
9 80,85 Armando Angelini Hematita Pirapora do Bom Jesus
9019 195
7801 196
4 20,98 Indústria e Comércio Magnebock Ltda. Filito Pirapora do Bom Jesus 802445 196
9 12,7 Ítalo D Andretta Filito Pirapora do Bom Jesus
800684 197 2 41,4
Minarca Indústria e Com. de Minerais
Ltda. Leucofilito Pirapora do Bom Jesus
807013 197
4 1,9 Mineração Riaj Ltda. Filito Pirapora do Bom Jesus
802561 197
6 4,04 Cia. Siderúrgica Paulista (COSIPA) Calcário Pirapora do Bom Jesus 820128 197
9 10,4 Empresa de Mineração Greda Ltda. Filito Pirapora do Bom Jesus 820457 197
9 11,52
Hipermix Serviços de Concretagem
Ltda. Quartzito
Limite Pirapora do Bom Jesus/Santana de Parnaíba
820561 197 9 9,88
Hipermix Serviços de Concretagem
Ltda. Quartzito Pirapora do Bom Jesus
Fonte: DNPM/SISMINE - <www.dnpm.gov.br>. Acesso em: 2008.
Conclusões
A análise da exploração minerária em Pirapora do Bom Jesus demonstrou que, na década de 1980, o município possuía uma posição de destaque na RMSP, em relação à extração de quartzito. O quadro atual sugere que a base econômica do município se diversificou. A atividade de exploração mineral diminuiu sua participação, mas possui importância, principalmente, em função do ônus das frentes de lavra expostos na paisagem, sobretudo, na Serra do Boturuna. A recuperação dessas frentes de lavra torna-se muito difícil, devido aos métodos de extração utilizados e as características litológicas, pedológicas e geomorfológicas da região. A clandestinidade do setor e a falta de bases jurídicas também contribuíram para os impactos negativos em distintas áreas no município. Mesmo com o aperfeiçoamento da legislação minerária, que impôs a recuperação das áreas degradadas por mineração, verifica-se que não há uma estrutura de fiscalização, o que ainda compromete a paisagem em muitas áreas do município.
Referências bibliográficas
SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de São Paulo. Belo Horizonte, MG: Editora Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1976. 229 pp.
SILVA, J. B. ANDRADA e; ANDRADA, M. F. R. Viagem Mineralógica na Província de São Paulo (Primeira Parte). Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, n. 16, 1954.
