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CRIANÇA NÃO É MERCADORIA: DISCURSO E SENTIDOS NO ENFRENTAMENTO À EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS

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Academic year: 2020

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RÔMULO OLIVEIRA TONDO**, CACIANE SOUZA DE MEDEIROS***

* Recebido em: 27.11.2019. Aprovado em: 05.06.2020.

** Doutorando em Comunicação (UFRGS). Comunicador Social com habilitação em Jornalismo e Mestre em Comunicação (UFSM). Especialista em Políticas e Intervenção em Violência Intrafamiliar (Unipampa). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. E-mail: romulotondo@gmail.com.

*** Doutora em Letras - Estudos Linguísticos (2010) e pós-doutora pela USP Ribeirão Preto (2015). Atualmente é professora adjunta do Departamento e Letras Clássicas e Linguística da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) onde desenvolve suas pesquisas sobre a produção de sentidos no discurso midiático. E-mail: cacismedeiros@yahoo.com.br.

CRIANÇA NÃO É MERCADORIA:

DISCURSO E SENTIDOS NO

ENFRENTAMENTO À EXPLORAÇÃO

SEXUAL DE CRIANÇAS*

DOI 10.18224/frag.v30i1.7900

ARTIGOS

ARTIGO

Resumo: a criança durante muito tempo foi considerada sujeito à margem da sociedade.

Desde 1990, no Brasil, as crianças são resguardas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Este artigo tem por objetivo analisar uma campanha publicitária veiculada em jornais gaú-chos no enfrentamento à exploração sexual de crianças. Como método é utilizado a revisão de literatura e como aparato teórico-metodológico a análise de discurso de linha francesa. Percebe-se a partir do movimento analítico da peça que a criança é tida como sujeito em situação de vulnerabilidade e que a sociedade, em suas práticas, deve zelar pela sua qualidade de vida, bem como de seus direitos fundamentais.

Palavras-chave: Comunicação. Criança. Exploração Sexual. Publicidade. Análise de Discurso

O

processo de desenvolvimento humano em uma sociedade nos faz observar

diferen-tes olhares confrontando novos e velhos arquétipos. As transformações ocorridas após metade do século XX, quando a sociedade sofreu uma guinada nos campos econômico, social e cultural, fez com que os sujeitos começassem a interpelar outras pos-sibilidades na busca por outras referências na construção de conhecimento, trazendo um melhoramento das ideias de ser e estar em comunhão com o Outro.

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Nesse contexto, a criança, como sujeito integrante desta rede social, ocupou dife-rentes posições-sujeito, isto porque, durante muito tempo a população europeia considerava a criança como um “adulto em miniatura” (ARIÉS, 1981). Já, no Brasil, para os indígenas as crianças eram responsabilidade não apenas dos pais, mas de todos os integrantes de uma tribo. Isso é uma evidência, na história, de que este sujeito merecia uma atenção em especial. Compreender a evolução proposta por pesquisadores sobre a criança e suas alterações sig-nificativas ao longo da história, nos ajuda a entender a posição ocupada por esse sujeito na sociedade do século XXI e a historicidade que constitui a relação do sujeito-criança com o discurso sobre eles que circula na sociedade midiatizada.

Nosso objetivo é, a partir de alguns fragmentos da história, elucidar a relação entre criança e sociedade. No primeiro trecho deste artigo apresentamos uma revisão bibliográfica sobre o sujeito-criança, para em um segundo momento realizar uma construção teórico--metodológica a partir da Análise de Discurso de linha francesa e em seguida analisar a cam-panha “Criança não é mercadoria”, desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), no enfrentamento à exploração sexual de crianças no estado do Rio Grande do Sul em 2011. A campanha em questão foi veiculada nos principais veículos de comunicação do estado como forma de prevenção e promoção de vida das crianças gaúchas. Na sociedade brasileira contemporânea, podemos compreender a criança como todo o sujeito que encontra-se em seu desenvolvimento biológico, psicológico e social, com idade entre zero e doze anos incompletos.

A INFÂNCIA ATRAVÉS DOS TEMPOS

Na busca pelo capital diversas sociedades abandonaram o avanço atrelado à infân-cia. De acordo com Eronilda Carvalho (2003), o começo dessa preocupação com infância perante a sociedade reverberou basicamente com o desenvolvimento das nações européias entre os séculos XVI e XVII. Nesta época:

A aparição da infância ocorreu em torno do século XIII e XIV, mas os sinais de sua evolução tornaram-se claras e evidentes, no continente europeu, entre os séculos XVI e XVII no momento em que a estrutura social vigente provocou uma alteração nos senti-mentos e nas relações frente à infância (CARVALHO, 2003, p. 47).

A procura por riqueza a partir do mercantilismo trouxe evidências que a busca por bens e consequentemente por poder consistiam na obtenção de metais preciosos, sem ter em conta o bem-estar dos sujeitos que estavam sendo empregados como força de trabalho na busca de benfeitorias para a burguesia. Nesse momento, a idade dos operários não era ques-tionada, sendo as crianças encaminhadas para oficinas para o aprendizado de um ofício que fosse colaborar com esse processo.

Segundo Philippe Ariès (1981), a ideação da infância pode ser observada a partir de três momentos distintos da história; na Antiguidade, no século XIII ao século XVIII e no século XVIII até o contemporâneo. Para o pesquisador, a expressão artística foi capaz de apontar os principais hábitos relacionados à criança, essencialmente a partir das pinturas. Nessa perspec-tiva, o autor traz como ponto inicial para a sua reflexão a desatenção ao representar as crianças nas pinturas de retratos. “A arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representa-la.

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É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou a falta de habilidade. É mais pro-vável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÈS, 1981, p. 50). Esse autor argumenta que, a aproximação da criança do seio familiar houve dois principais sentimentos relacionados a esses, sendo eles: a paparicação proveniente de uma estruturação intrafamiliar e uma segunda, oriunda de uma fonte externa à família, relacionados àqueles preocupados com os costumes da sociedade. O que nos remete a uma compreensão de que:

Um novo sentimento da infância havia surgido, em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto, um sentimento que poderíamos chamar de “paparicação” (ARIÈS, 1981, p. 158).

O sentimento de cuidado e a aproximação da criança primeiramente ocorreu com as mulheres, sejam elas mães ou as amas. Com o tempo essa prática deixou de ser algo relacio-nado ao gênero e passou também a ser empregado a outros integrantes da família.

A maneira de ser das crianças deve ter sempre parecido encantadora às mães e às amas, mas esse sentimento pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos. De agora em diante, porém, as pessoas não hesitariam mais em admitir o prazer provocado pelas manei-ras das crianças pequenas, o prazer que sentiam em “paparicá-las” (ARIÈS, 1981, p. 158).

Com a proximidade do final do século XVI e, sobretudo no início do século XVII, a afeição com as crianças pôde ser percebida através de críticas acerca destes afetos até então não explicitados pelos adultos em relação aos infantes, propiciando também sentimentos negativos, relacionados ao que Ariès (1981) chama de ‘paparicação’. Sendo assim, certos adultos achavam incomodo o zelo que possuíam em demasia com as crianças, gerando, de certa forma, uma possível irritação com esses infantes. “Algumas pessoas rabugentas consideraram insuportável a atenção que se dispensava então às crianças: sentimento novo também, como que o negativo do sentimento da infância a que chamamos de ‘paparicação’” (ARIÈS, 1981, p. 159). Mary Del Priore (2007) alega que em contraponto aos países europeus e norte-americanos, devemos ser cautelosos a outras formas mais sensíveis para explicar as situações vivenciadas pelos infantes no Brasil. Nas palavras da autora:

Diferentemente dos europeus ou americanos, cujas culturas produziram desde as épocas mais remotas as imagens, os objetos e as representações que nos contam sobre a infância, no Brasil temos que estar alertas a outro tipo de fonte para responder essas questões (DEL PRIORE, 2007, p. 15).

Em nosso país, as crianças passaram por diferentes instituições sejam de assistência pública ou privada, que foram incumbidas em um determinado prazo a assistir tais sujei-tos, sendo responsáveis por lhes proporcionarem melhores condições de vida. É necessário salientar que meninas e meninos foram tomados como elemento chave para mudanças na sociedade brasileira no início do período colonial, pois acreditava-se que as crianças indíge-nas poderiam ser catequizadas e posteriormente serviram à metrópole portuguesa. Para Del Priore (2007), muitas vezes, a história da criança brasileira esteve relegada, estando na maioria das vezes às sombras do adulto. Desta maneira, podendo sofrer maus tratos e constantemente

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foram ignoradas e deixadas sofrer em silêncio, da exploração sexual nas embarcações portu-guesas ao trabalho escravagista em território brasileiro.

[...] é diferentemente da história feita no estrangeiro, a nossa não se distingue daquela dos adultos. Ela é feita, ao contrário, à sua sombra. No Brasil, foi entre pais, mestres, senhores e patrões, que pequenos corpos tanto dobraram-se à violência, às humilhações, à força, quanto foram amparados pela ternura dos sentimentos familiares mais afetuosos (DEL PRIORE, 2007, p. 14).

Assim como em outros países, as crianças tiveram diferentes atribuições e posições na sociedade, mas cada nação dispõe de especificidades culturais, sendo essas responsáveis por conduzir um olhar sobre situação das crianças em sociedade. Del Priore (2007), diz que “a historiografia internacional pode ser de inspiração, mas não de bússola” (DEL PRIORE, 2007, p. 11). Onde cada país é capaz de (re)construir seus passos através da história de suas crianças e que no futuro sejam elas as responsáveis por propagar seus ensinamentos as seus descendentes. As crianças, no Brasil, também tiveram sua infância afetada principalmente quando as famílias não possuíam condições socioeconômicas para custear sua subsistência, fazendo com que as mesmas, por muitas vezes, tivessem de trabalhar para obter meios de sobrevivência, seja em troca de moradia, alimentação e ou dinheiro.

A CONSTRUÇÃO DA ASSISTÊNCIA À CRIANÇA NO BRASIL NO SÉCULO XX Com o início do regime republicano o Estato brasileiro começa a fixar-se em um olhar mais cauteloso à criança e ao adolescente. Aos poucos, o Brasil elabora o Código de Menores, primeiro documento legal para a população com idade inferior a 18 anos. É vali-do lembrar o contexto sociocultural brasileiro na década de 1920, onde de um lavali-do estavam as elites conservadoras e rurais que buscavam perpetuar seu poder através do autoritarismo e negociações com os governadores (ARAÚJO; COUTINHO, 2008), de outro estava o poderio assalariado em busca de melhorias de vida. As primeiras referências na elaboração do Código de Menores datam a sessão de 31 de Outubro de 1906, onde Alcindo Guanaba-ra submete à CâmaGuanaba-ra um projeto de lei regulamentando o descaso e abandono das crianças.

Segundo Rizzini (2011), em termos de lei aplicada à criança, pode-se destacar o Decreto n.6.994, de 19 de junho de 1908, intitulado “Dos casos de internação”. Segundo a autora esse decreto tinha por parte do governo o incentivo à criação de “colônias correccionaes”, com finan-ciamento público “conta da União, quando nas leis annuaes se votar a verba especial para Ella” (art. 9º). Os espaços criados pelo governo não se destinavam somente as crianças e adolescentes, mas também a qualquer pessoa, ambos os sexos, considerada à margem da sociedade do início do século. Referentes ao artigo Art. 51 do Decreto de nº 6994 de Junho de 1908. “A internação na Colônia é estabelecida para os vadios, mendigos validos, capoeiras e desordeiros”. Em nosso trabalho, atrelamos ao pensamento de Rizzini (2011), pelo motivo de a criança ser associada a esta classificação e igualada as demais pessoas que estariam às margens da sociedade, ou seja:

A prática de classificar indivíduos de acordo com determinadas categorias resultou da incorporação de conhecimentos em voga, advindos, sobretudo, da antropologia criminal e da psiquiatria. No que se refere aos menores, essa classificação transformou-se em um

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verdadeiro escrutínio de suas vidas, vasculhando-se aspectos do presente, do passado, de sua família e de sua personalidade (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p. 123).

Através de documentos legais da época, a pesquisadora acredita que os aspectos levados em consideração para que as crianças e adolescentes fossem “enquadrados” neste mes-mo decreto estaria atrelado a pelo menos dois importantes aspectos:

[...] o potencial perigo para o futuro da nação, pois entendia-se que, entregues ao ócio, certamente engrossariam as fileiras dos vadios, vagabundos e criminosos” e também a questão relacionada com a noção de infância que até então “constituía a fase ideal para moldar o indivíduo, educando-o ou reabilitando-o (RIZZINI, PILOTTI, 2011, p. 123-124).

O Código de Menores (1927) não estava preocupado em zelar pelos direitos de to-das as crianças, mas sim, estava preocupado com aquelas que estariam em "situação irregular”. O código definia já em seu primeiro artigo, a quem a lei se aplicava:

O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo (BRASIL, 1927).

Contudo, o Código visava previamente estabelecer diretrizes claras para o desen-volvimento de crianças e adolescentes consideradas excluídas, regulamentando questões de cunho social que envolvia este público, tais como: o trabalho infantil, a tutela e o pátrio po-der, a delinquência e a liberdade vigiada.

Nessa conjuntura, a sociedade brasileira do início do século XX, estava preocupada com o desenvolvimento financeiro, buscando bens materiais e uma alavanca socioeconômica na ordem que tentativa de dar condições de bem-estar e pouco atentava ao desenvolvimento de práticas sociais voltadas ao bem-estar da criança. Furlotti (2000) afirma que “o Código de Menores de 1927, causou tanto protesto dos donos das indústrias por suas medidas de regula-mentação do trabalho infantil, procurava estabelecer medidas para garantir o bem- estar físico e moral das crianças”. O autor atrela às suas reflexões que:

[...] as leis em geral no Brasil, por vezes, esse código era ‘letra morta’, pois os casos em que foi aplicado limitava-se àqueles em a agressão chegava ao espaço público O espaço íntimo continuava intocado, a menos que a própria vítima ou outrem que se compadecesse dela denunciasse. Ademais, mesmo os casos julgados dependiam de conceitos subjetivos de juízes e investigadores (FURLOTTI, 2000, p. 240).

Tal situação foi um processo de investida realizada pela sociedade do início do sé-culo XX, com o trabalho exercido pelos higienistas, a fim de promover a qualidade de vida à população e principalmente às crianças, pensando não só no abandono, mas também em futuras relações que surgem a partir deste momento, como propõe Arantes (2007):

Com a investida médico-higienistas a partir de meados do século XIX, com extinção das Rodas e o início de uma legislação específica sobre a criança nas primeiras décadas

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do século XX, a criança pobre deixa de ser objeto apenas da caridade e passa a ser objeto de políticas públicas (ARANTES, 2007, p. 180).

Essa autora destaca ainda que o Código de Menores fosse uma disposição legal que visava em grande parte os filhos de pessoas de classes populares, que não tinham condições fi-nanceiras de criar seus filhos com as mesmas condições que pais das classes média e alta. Com a (re)formulação do Código de Menores em 1979, Código de menores (Lei nº 6697/79) e Lei 4513/64, a visão sobre a criança e adolescente passou de “Menor abandonado ou delinqüen-te, objeto de vigilância da autoridade pública” (BRASIL, 1927), para que fosse para crianças e adolescentes que tivessem em situação irregulares. Em 1979, o Código também deixava restrito o mecanismo de participação, limitando desta forma a ações judiciárias.

Em 1985, com o fim da Ditadura Militar, o Brasil estava prestes a reformular suas leis, melhorando desta forma a situação dos brasileiros. Então, em 5 de Outubro de 1988, é promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conhecida por muitos como Constituição Cidadã. Conforme Arantes (2011), à medida que foi possível questionar as políticas assistenciais até então vigentes, foi possível dar visibilidade a novas proposições.

Segundo a pesquisadora, a partir do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, o Brasil haveria adotado não somente a Declaração Universal dos Direitos da Criança, mas também o pré- texto da Convenção destes mesmos direitos. Dessa forma foi abolido o Código de Menores, sendo promulgado o Estatuto da Criança e Adolescente, em 1990. O ECA é reconhecido como instrumento pela sua disposições à cerca dos Direitos da Criança e Adolescente. Mas este reconhecimento é resultado da sociedade civil organizada e organi-zações não governamentais que lutaram pelos direitos da criança e do adolescente em nosso país, que juntas foram articulando e mobilizando-se por melhorias que foram estudadas e compiladas neste documento.

Ainda em 1988, a situação da criança e adolescente no Brasil, ainda era submetida às questões presentes no Código de Menores (1979), que oprimia as crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. Diante disso, o artigo 227 da Constituição 1988 que diz:

É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança e o adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali-zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a consciência familiar e comuni-tária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão (BRASIL, 1988).

Tendo em vista tal situação, a sociedade organizada e cidadãos sensibilizados pelas causas dos direitos da criança e do adolescente, começam a articular medida em benefício desta população, muitas vezes deixada de lado para beneficiar outros segmentos da socie-dade.

Então, em 13 de julho de 1990, é promulgado o Estatuto da Criança e do Adoles-cente, considerada uma das normativas mais avançadas direcionadas à infância e adolescência, a lei prevê que a criança e o adolescente são “sujeito de direitos pessoa em condição peculiar de desenvolvimento” (BRASIL, 1990). A partir deste documento:

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O Brasil ocupa uma posição de vanguarda no ordenado jurídico da problemática infanto-juvenil. Aprovou uma das leis mais avançadas do mundo – o Estatuto da Criança e do Adolescente, fruto de participação popular sem precedentes na história da assistência à infância (RIZZINI; PILOTTI, 2007, p. 323).

Desta forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), veio suprir uma de-manda de assistência ao público infanto-juvenil, passando de um Código feito por poucos (magistrados) para um Estatuto realizado por uma série de pessoas e órgãos competentes. Em seu Título I “Disposições Preliminares”, podemos destacar os Art.3 salienta que toda:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL,1990).

Além de deixar expresso no artigo 5 que:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discri-minação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990).

Outro fator importante previsto no ECA é relacionado à faixa etária a qual esta lei está destinada, ficando determinada em redação a delimitação entre criança e adolescente.

Sendo a criança, pessoa até doze anos de idade incompletos e o adolescente entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL, 1990). Desta forma, após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança e o adolescente são considerados prioridades absolutas, ao menos no plano de regulamentação escrita, e a sociedade organizada, os órgãos governa-mentais e os juízes devem zelar por isso. Araújo e Coutinho fazem uma reflexão sobre o papel do juiz após a promulgação do ECA. Para os autores:

É comum, hoje, depreciar-se o papel exercido pelos Magistrados menoristas, cabendo, também aqui, a observação de que a crítica não pode ser descontextualizada. Cabe ao Magistrado promover as adequações que a realidade pede, priorizando a visão que melhor faça avançar o Direito e melhor produza Justiça. Entretanto, Juízes trabalham com as leis que lhes são dadas, sendo obrigados, ainda, a atentar para o grau médio de consciência dos seus jurisdicionados. Também neste campo verifica-se a ação dos "fatores reais de poder" (ARAÚJO; COUTINHO, 2008).

Compreendemos que os juízes, de 1926 a 1989, eram os únicos responsáveis por assegurar os direitos da criança e do adolescente através da concepção governamental, hoje o juiz é um articulador, responsável final por todo um processo que envolve outras pessoas e organização, entrelaçadas em um trabalho em rede.

Segundo Arantes (2011), a aprovação do Estatuto foi saudada com entusiasmo por todos aqueles que esperavam grandes mudanças na política de atendimento à infância. Da mesma forma que a sociedade depositava grandes esperanças nos Conselhos de Direitos e no

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Conselho Tutelares, tendo em vista a premissa de uma participação popular, também estabe-lecido no Estatuto (ARANTES, 2011, p. 197). A autora também reflete sobre a intensificação dos direitos da Criança e Adolescente e o debate sobre o Estatuto em noticiários nacionais:

[...] não em virtude de significativa melhoria nas condições de vida das crianças e dos adolescentes pobres, mas em virtude de propostas de agravamento das medidas sócioe-ducativas, bem como de propostas para a redução da idade penal. Aponta-se, insisten-temente, como causa do aumento da criminalidade entre os adolescentes, uma suposta impunidade proporcionada pelo Estatuto (ARANTES, 2011, p. 198).

Assim, delimitamos um esquema que dá respaldo às atribuições legais tendo como suporte o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, qual seja:

Figura 1:: Principais artigos do ECA que podem ser utilizados no caso de abuso ou exploração sexual Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Imagem: Flaticon/autores

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Nos utilizamos dos artigos do Estatuto, bem como dos principais artigos que envol-vem a violação dos direitos da Criança, para observar e compreender os sentidos que circulam na mídia sobre essas práticas que envolvem a temática deste trabalho, para além dos dados e números, ou seja, no âmbito do seu contexto sóciohistórico.

O ENLACE DO REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Para compreender a discursividade na sociedade atual, utilizamos como aparato teórico-metodológico a Análise de Discurso (AD) da escola francesa, corrente e pensamentos difundidos pelo filósofo francês Michel Pêcheux e, no Brasil, por uma de suas principais re-presentantes teóricas, Eni Orlandi.

Em suas pesquisas, Orlandi (2006) aponta a Análise de Discurso, como conhe-cemos no Brasil, na perspectiva que trabalha o sujeito, a história e a língua, como sendo constituídas através da relação estabelecida entre a linguística, a psicanálise e o materialismo histórico. “A análise do discurso tem seu método e seu objeto próprios, mas que não se con-fundem com eles” (ORLANDI, 2006, p. 13). Sendo assim, a AD pressupõe que a linguística, a psicanálise e o materialismo histórico sejam (co)relacionados, sendo capazes de servir de fundamentação e lugar teórico definidos e singulares. É neste contexto que Pêcheux apresenta suas considerações sobre a AD como dispositivo de leitura, sendo um:

[...] campo dos espaços discursivos não estabilizados logicamente, dependendo dos do-mínios filosófico, sócio-histórico, político ou estético, e também, portanto, dos múltiplos registros do cotidiano não estabilizado (cf. a problemática dos “universos de crença”, a dos “mundos possíveis” etc.) (PÊCHEUX, 1998, p. 58).

Orlandi (2001) entende que para que possamos compreender o funcionamento deste discurso, é necessário observar o percurso da história da memória discurssiva das nossas vivências, pois a Análise de Discurso tem como intuito primordial entender os sentidos que são (re)produzidos através dos objetos simbólicos. Com isso a autora propõe que o Discurso está para além do esquema elementar da comunicação “que preside a relação entre locutores como relação de estímulo e resposta em que alguém toma a palavra transmite uma mensagem a propósito de um referente e baseando-se em um código” (ORLANDI, 2006, p. 14). A autora (2005) aponta que os efeitos da história e da ideologia podem ser silenciados, mas que nem por isso estão menos presentes. Desta forma o discurso é constituído pela memória que é capaz de resgatar sentidos esquecidos, onde:

Saber como funcionam os discursos é colocar-se em uma encruzilhada de um duplo jogo da memória: o da memória institucional que estabiliza, e ao mesmo tempo, o da memória constituída pelo esquecimento que é o que torna possível o diferente, a ruptura, o outro (ORLANDI, 2005, p. 10).

O esquecimento, uma constante relacionada à memória discursiva, para Orlandi (2006, p. 21), pode ser diferenciada em: ideológico e da ordem da formulação. O esque-cimento ideológico é inconsciente, da ordem de constituição do sujeito e do sentido. Já o segundo, o sujeito esquece que existem outros possíveis sentidos, onde produz a impressão da

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realidade do pensamento, como se houvesse uma relação no que é dito, pensado e realidade referida.

DA APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS SENTIDOS

No decorrer deste texto trabalhamos com a evolução da percepção da infância em diferentes estágios da sociedade e da família; esta última como organismo importante na for-mação da criança como sujeito de direitos. Para analisar a campanha “Criança Não é Merca-doria” do MPT-RS, utilizaremos de um recorte, para melhor interpretar o discurso proposto pela campanha. Também utilizaremos como recorte de interpretação e análise os principais artigos relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes presente no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).

Figura 2: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS Fonte: Reprodução/ Ministério Público. Proposta de leitura: autores

Como vimos anteriormente, a criança em situação de exploração sexual é tida como mercadoria, para obtenção de recursos financeiros ou até mesmo na troca de favores. No en-tanto, a sociedade civil organizada, nesta situação representada pelo MPT, acende a discussão acerca da posição-sujeito criança, na sociedade atual, como sujeito em formação, levando em consideração o desenvolvimento: psicológico e físico deste indivíduo. Neste cenário a criança ganha status de produto, algo para ser vendido e consumido, que pode em nossa sociedade ter até caráter de barganha.

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Figura 3: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS Fonte: Reprodução/ Ministério Público. Proposta de leitura: autores

No entanto é dever da sociedade trabalhar para amenizar esta situação e lutar para que isso não aconteça. Está previsto no ECA em seu Título I, artigo quatro, que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990, TÍTULO I – Art. 4).

No discurso do ECA (1990) funciona o sentido de que criança não deveria sofrer qualquer forma de violência, sendo ela qual for. Dessa forma, a lei toma como ponto de partida o abuso sexual e a exploração sexual, tendo em vista que ambos possuem diferentes formas e maneiras de ocorrer na sociedade e são capazes de envolver inúmeros sujeitos, que são assujeitados a diferentes manifestações difundidas através da mídia e da convivência com familiares, amigos, vizinhos e a sociedade que os rodeia. Nesse quesito, se faz importante a denúncia, como caráter de melhoria da rede de proteção da criança, em situação de violência sexual. Denunciar se faz importante, na medida em que o cidadão, indivíduo este responsável por mudanças sensíveis na sociedade (sujeito de direitos e deveres), é capaz de compreender que a criança deve ter uma infância plena e gozar de todos os seus direitos, tendo em vista que o Estado também é responsabilizado pelo desenvolvimento pleno deste sujeito. Para que tenhamos uma conscientização do que é exploração sexual da criança, é necessário remeter-mos ao desenvolvimento deste sujeito, em que condições se encontram seus progenitores, a sua família. Tendo em vista que grande parte o aliciador pode estar dentro deste elo fraternal e pode não só ser responsável pelo aliciamento, mas pode ser também o responsável por pra-ticar o abuso desta criança. Observemos a figura abaixo:

Figura 4: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS Fonte: Reprodução/ Ministério Público. Proposta de leitura: autores

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É no discurso proposto pelo MPT, que encontramos falhas que deixam margem para nosso trabalho e análise discursiva. Tendo em vista que a AD concebe a linguagem como forma de mediação necessária entre o homem, a realidade natural e Social (Orlandi, 2005, p.15), acreditamos que o discurso como a autora propõe, é:

Tornar possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a trans-formação do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na produção da existência humana (ORLANDI, 2005, p.15).

A partir dessa observação expressa pela autora, podemos retomar as questões re-lacionadas a utilização da expressão “de menores”, como parte de formação da sociedade, tendo em vista que esta está equivocada não somente neste discurso proposto pelo MTP-RS, mas como da ordem social e conceitual da formação do indivíduo criança, isto porque esta expressão nos remete ao Código de Menores (1927), onde a criança não é sujeito de direitos, mas sim pessoa tida como delinquente ou abandonada. No entanto, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a criança é tida como sujeito de direitos e pes-soa em condição peculiar de desenvolvimento.

No que diz respeito ao equívoco da expressão “de menores”, ele não está estrito ao campo linguístico, mas sim no entremeio do campo social como sujeito detentor de direitos, que nos remete à discursividade e coloca a criança em comparação com o adulto, isto é, o “de menor” e “de maior”, sujeitos que se interligam na sociedade anteriormente a promulgação do ECA, na qual a criança pode ser tida como sujeito inferior. É no interior deste discurso, que a criança ganha força e também é remetida à infância como sinônimo, no entanto acredi-tamos que a infância é uma questão mais relacionada a mudanças comportamentais, do que a mudanças atreladas ao crescimento biológico, já que a infância pode ser remetida a infanti-lidade em qualquer fase da vida de um indivíduo e a criança como é expresso no ECA (BRA-SIL, 1990), sendo “pessoa até doze anos de idade incompletos” (BRA(BRA-SIL, 1990). Também o enunciado “que destrói a infância” pode ser tomado como um discurso repressor na medida em que se coloca a exploração sexual da criança como se fosse a única questão social que pudesse contribuir para o comprometimento da criança como sujeito em desenvolvimento. A destruição da criança começa na medida em que seus direitos sociais são negados e/ou dei-xados de lado quando uma mãe tenta realizar exames para saber como andam as condições de saúde de seu bebê. Destruir a infância está numa linha tênue junto à saúde pública, tendo em vista que esta é o fio condutor para uma vida digna de conquistas para uma infância melhor.

No que se refere à rede de proteção, encontramos o Disque denúncia e o site do MPT-RS. Entramos, então, no entremeio das condições de produção do discurso, visto que o Disque denúncia é uma central de atendimento para denunciar casos de violência que tem como sede, Brasília. Após as denúncias chegarem à central, elas são encaminhadas para cada estado e cada um julgará qual será a medida adotada para a proteção desta criança. Visto que pode haver uma demora na questão do encaminhamento, é suscetível neste caso que a criança violentada, até que seja encaminhada a denúncia, possa seguir sofrendo as agressões. Já no que se refere ao site do MPT, existe a impossibilidade de denúncia por parte de pessoas que não possam ter acesso e, portanto, estejam desconectadas da internet. Neste contexto, quando pensamos no quesito acesso, entendemos que a iniciativa não atende da mesma forma todas as camadas sociais. Além disso, também temos que pensar em diferentes mecanismos que

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podem influenciar a denúncia ou até mesmo maneiras de minimizar ruídos na denúncia. Na sequência, observaremos:

Figura 5: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS Fonte: Reprodução/ Ministério Público. Proposta de leitura: autores

Neste ponto nosso olhar recai sobre as condições que a criança presente na imagem (que iremos analisar a seguir) foi exposta ao participar desta campanha e quais os sentidos que funcionam na ordem discursiva. Salientamos o enunciado: “as crianças que participaram desta campanha são estudantes e tiveram autorização judicial”, tendo em vista que para tal fim não é somente dever do pai e da mãe ou da família autorizar o uso da imagem da criança na campanha, ainda mais quando tal imagem pode expor a criança. Recaímos, no ECA, nas questões relacionadas ao uso de imagem e autorização do uso destas para o fim de ilustrar, remeter à situação da criança em situação de exploração sexual. Neste quesito, a permissão dos pais não é a única instância para a autorização de uso de imagem, então se faz necessária a autorização judicial, pois a criança estará emprestando sua imagem para algo que irá circular na esfera coletiva, que formará a opinião da sociedade como um todo.

Figura 6: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS Fonte: Reprodução/ Ministério Público. Proposta de leitura: autores

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É ainda importante observar o uso da criança na campanha e os elementos simbóli-cos que significam, que remetem a interdiscursividade entre o sujeito criança e a mercadoria. Em uma sociedade capitalista, na qual estamos inseridos, se faz necessário a utilização do dinheiro para que possamos obter algum tipo de mercadoria. Nesta situação, e a partir da campanha analisada, o dinheiro parece levar à comercialização (compra/venda) da criança. Isso nos faz refletir em quais condições sociais encontra-se esta criança retratada na imagem da campanha.

Os elementos financeiros, nota de 10 reais e as moedas marcam que esta criança é aquela que está mais suscetível à exploração sexual, a criança em situação de rua, que (sobre) vive pedindo dinheiro nos faróis e nas esquinas das cidades brasileiras. Sabemos que, na atua-lidade, independente do tamanho ou estrutura da cidade, existem crianças em situação de rua e que tal condição pode desencadear todo um processo de aliciamento e exploração sexual de meninas e meninos em nosso país. A situação de risco e a vulnerabilidade social são atreladas aos elementos financeiros (nota e moeda), sendo as moedas de pouco valor monetário (dez, cinco e um centavo), representando a criança em situação de exploração sexual, vulnerabili-dade, em grande número e de fácil circulação. Sendo assim, vemos significada a posição de vitimização e objetificação da criança, considerando a situação da rede de exploração sexual, muitas vezes, funcionando no coletivo como forma de fortalecimento.

Já a cédula de dez reais, com seu amassado, remete ao valor de compra, maior peso, ou seja, o dinheiro amassado remete ao dinheiro dado muitas vezes à criança que está no semáforo. Entramos aqui também na questão descrita por Orlandi (2010) que diz: “trata-se de mostrar como os sentidos são compreendidos pelo ‘povo’ em seu conjunto, mesmo se as palavras instituídas para esses sentidos não são ditas” (ORLANDI, 2010, p. 108).

A imagem da criança faz com que resgatemos na memória o dito “uma imagem vale mais que mil palavras”, que nos remete ao sentido de que a criança nesta imagem está susce-tível a uma violência, que é silenciosa e não está visível ao olhar de quem deveria protegê-la: a sociedade. Ao falarmos que a imagem fala por si só, também percebemos a opacidade deste recorte onde a criança está ali silenciada e incrustada em uma situação envolvendo o poder imposto pelo adulto que lhe está aliciando. Desta forma, acreditamos que a criança, nesta imagem, não representa aquela que está nos semáforos, devido a sua situação integra (roupas, corte de cabelo, feições). Em nossa leitura discursiva, entendemos que esta criança pode ser aquela que está silenciada e maquiada pelas redes e são muitas vezes crianças de classe média ou que vivam em condições econômicas dignas e/ou confortáveis.

Também observamos aqui as questões relacionadas ao gênero/raça e etnia. Crianças do sexo feminino são suscetíveis à exploração sexual. No entanto, a exploração sexual de crianças também pode ser também da criança do sexo masculino. Como a exploração é silenciosa e mui-tas vezes pouco perceptível ao olhar comum da sociedade, nem todos sabem que a exploração é cometida contra o menino. Com relação à raça e etnia, em nosso corpus, trabalhamos com o negro e o branco. Neste caso, é mostrada a menina negra com idade próxima à adolescência como um fator sedutor. A imagem traz no resgate da memória discursiva, a cultura e o envol-vimento do povo negro com a cultura do samba e sua relação com a sexualidade. Já a menina branca, parece ter menos idade que a negra, representando a pureza e sensibilidade das crianças. Sua estética pode ser atrelada às crianças que ainda brincam de boneca, pois sua feição parece ser a uma de suas próprias companheiras de brincadeira: uma boneca.

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Já o menino parece estar no entremeio das faixas etárias e ainda brincar de carro e jogar bola, as brincadeiras significadas como sendo do universo masculino. Não está catego-rizado ou incorporado no imaginário coletivo como sendo um possível caso de exploração, tendo em vista que o menino é tido como espelho do seu pai e este, por sua vez, é nutrido pela sociedade machista e patriarcal que lhe fornece a posição de ter mais liberdade e autono-mia no comportamento e nas brincadeiras, diferente das meninas que devem comporta-se e obedecer a seus pais segundo regras muito específicas.

A nota nos remete ao extinto trabalho de proteção do uso de imagem da criança, onde era necessário somente colocar uma tarja preta sobre os olhos da criança para que ela não fosse identificada. No entanto, como cidadãos, acreditamos que a nota assim como a tar-ja, não deixará de expor aquela criança. Por isso a necessidade da efetiva ação dos mecanismos protetivos e da autorização do judiciário para que estas três crianças possam ser protagonis-tas desta campanha. Ao trabalhar com a cor vermelha, a campanha propõe pontos a serem demarcados, quais sejam: o apoio do slogan da campanha (A Exploração Sexual Infantil é Crime. Denuncie), a marca do MPT-RS, legitimando tal campanha e a nota de 10 reais, que irá remeter à criança protegida e não identificada. Ao mesmo tempo em que a nota tapa os olhos da criança, pode produzir o efeito de que aquela nota poderá cair em determinado momento, isto faz com que reflitamos sobre a possibilidade de que por mais que existam as moedas como aliciadores e o a nota como cliente, a possibilidade do “cair” da nota representa/ significa nas falhas no trabalho desenvolvido pela sociedade ao denunciar aos órgãos compe-tentes a violência. Além disso, acreditamos que a nota como materialidade significante pode estar ligada ao sentido do extinto trabalho de proteção do uso de imagem da criança, onde era necessário somente colocar uma tarja preta sobre os olhos da criança para que ela não fosse identificada. No entanto, como cidadãos, acreditamos que a nota assim como a tarja, não deixará de expor a imagem daquela criança.

CONCLUSÃO

Ao chegarmos ao final deste percurso foi possível analisar um recorte sobre a infância e a apresentação deste sujeito em diferentes contextos históricos, as condições de produção que estão no entremeio do processo de comunicação e a veiculação desta infor-mação para a sociedade a partir da propaganda “Criança não é mercadoria” do MPT-RS. Compreendemos que a função social da comunicação, em especial da proposta da propa-ganda, em trabalhar com questões sociais e a discursividade que circula e produz sentidos não é uma tarefa fácil, tendo em vista que a sociedade, muitas vezes, está tomada por uma ideologia que é capaz de romper anos e virar séculos; sobretudo quando trabalhamos com uma questão que pode ser relacionada com a cultura de uma sociedade e sentidos atrelados a valores morais.

Também fomos capazes de compreender que a violência e o discurso não são apenas um jogo de palavras, pois não basta trabalhar bem os conceitos se a textualidade e informação estão deturpadas ou são idealizadas de formas institucionalizadas. Compreendemos também que não basta informar, é necessário sensibilizar, mobilizar, articular e também compreender a situação que se encontram as crianças em situação de exploração sexual e fazer com que os adultos: na posição de aliciador ou cliente tenham compreensão que a criança está em uma fase evolutiva, tanto física quanto psicológica e que esta privação da infância pode trazer

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transtornos que perseguirão sua vida adulta. Esses esforços e demais realizados pelo MPT-RS e outras Organizações da Sociedade Civil só foram possíveis por haver uma legislação que contribuiu para esse fim.

No percurso brasileiro, a Constituição de 1988 é um marco para que a socieda-de civil organizada socieda-desempenhasse uma nova construção sobre a posição-sujeito da criança brasileira. Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,1990) é promulgado o Estado passa a somar esforços e articular novas formas e atores para o bem-estar social destes sujeitos que ao longo dos anos não eram compreendidos por sua situação e seu protagonismo. CHILD IS NOT A COMMODITY: DISCOURSE AND MEANINGS DURING THE FIGHT AGAINST CHILD SEXUAL EXPLORATION

Abstract: the child has long been considered subject to the fringe of society. Since 1990, in Brazil, children have been protected by the Child and Adolescent Statute. This text aims to analyze an ad-vertising campaign published in Rio Grande do Sul newspapers to combat the sexual exploitation of children. The method used is the literature review and the theoretical-methodological apparatus the analysis of French line speech. From the analytical movement of the play, the child is perceived as a subject in a vulnerable situation. That society must ensure its quality of life, as well as its fundamental rights.

Keywords: Communication. Child. Sexual exploitation. Publicity. Discourse Analysis. Notas

1 Apesar da campanha ter sido veiculada em 2011, os autores entendem a pertinência da temática e sua atualidade no intuito de difundir e problematizar a produção de sentidos constituída a partir da publicização da campanha.

2 Por situação de risco, entende-se “a condição de crianças que, por suas circunstâncias de vida estão expostas à violência, ao uso de drogas e a um conjunto de experiências relacionadas às privações de ordem afetiva, cultural e socioeconômica que desfavorecem o pleno desenvolvimento bio-psico-social”. Trecho retirado da Resultado da Fase I do Projeto de pesquisa apresentado à FAPESP – Programa de Políticas Públicas, 03/06405-0.

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Imagem

Figura 1:: Principais artigos do ECA que podem ser utilizados no caso de abuso ou exploração sexual Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990)
Figura 2: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS    Fonte: Reprodução/ Ministério Público
Figura 4: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS     Fonte: Reprodução/ Ministério Público
Figura 6: Proposta de leitura - Criança não é mercadoria - MPT-RS  Fonte: Reprodução/ Ministério Público

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