• Nenhum resultado encontrado

A incompatibilidade entre o <b>saber</b> e o <b>poder</b> em <i>O velho e o mar</i>

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "A incompatibilidade entre o <b>saber</b> e o <b>poder</b> em <i>O velho e o mar</i>"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

A INCOMPATIBILIDADE ENTRE O SABER E O PODER EM 0 VELHO E 0 MAR

UOAÁJO. Angélica S.R. MARTINS*

Simone de B e a u v o i r , filósofa e f e m i n i s t a , p u b l i c o u em 1970 um e s t u d o a c e r c a da v e l h i c e , on de p r o c u r o u desmitificá-la, u t i l i z a n d o r e c u r s o s

f o r n e c i d o s t a n t o p e l a ciência q u a n t o p e l a a r t e em g e r a l , na t e n t a t i v a de d e m o n s t r a r a c a p a c i d a de de t r a b a l h o do i d o s o , caso seu p o t e n c i a l fos

se devidamente e x p l o r a d o .

Desta f o r m a , a p a r t i r das d i f e r e n t e s r e a ções de seus e n t r e v i s t a d o s ãs mais v a r i a d a s s i _ tuações da v i d a ( s e x u a l i d a d e , t r a b a l h o , p a r t i c i _ pação na s o c i e d a d e ) , a a u t o r a c o n c l u i u que a ve l h i c e é apenas um período de existência d o t a d o de equilíbrio próprio, em nada semelhante ã j u v e n t u d e ou ã m a t u r i d a d e , mas capaz de " d e i x a r a b e r t a ao indivíduo uma v a s t a gama de p o s s i b i l j L dades" ( 1 , p. 3 0 3 ) .

A p a r t i r d e s t a p e r s p e c t i v a a n a l i s a r e m o s o romance 0 Velho e o Man., de E r n e s t Hemingway

( 3 ) , ã l u z da semiótica g r e i m a s i a n a , onde nos se

(2)

rá possível t r a b a l h a r o c o n f l i t o e n t r e as m o d a l i dades do s a b e r e do poder e as f i g u r a s emprega das p e l o a u t o r p a r a d e f i n i r os papéis temáticos de v e l h o e pescador, que p o l a r i z a m o tema cen t r a i da n a r r a t i v a .

No início do t e x t o em questão, S I — r e p r e s e n t a d o p e l o v e l h o S a n t i a g o — está d i s j u n t o de seu o b j e t o - v a l o r — reintegração como e l e m e n t o p a r t i c i p a t i v o na s o c i e d a d e em que v i v e — i n s e r i n d o - s e na função que V. Propp (4) denomina " f a l t a " , "carência". A princípio, o r a p a z — M a n o l i n — f u n c i o n a como um a d j u v a n t e ( S 3 ) , mas

a persistência da má s o r t e na pesca com o v e l h o f a z com que seus p a i s , no p a p e l de d e s t i n a d o r

( S 2 ) , impeçam-no de c o n t i n u a r a p a r c e r i a . Neste programa n a r r a t i v o de base é, então, i n s e r i d o um o u t r o menor, de u s o , que d e f i n e o p e r c u r s o do su j e i t o S l , em sua l u t a p a r a o b t e r a sanção p o s i t i va do d e s t i n a d o r ( S 4 ) , r e p r e s e n t a d o p e l o s o u t r o s p e s c a d o r e s da v i l a .

Em nível narratológico, o p e r c u r s o de S l se desenvolverá a p a r t i r da manipulação de S4, que m o d a l i z a S l segundo o q u e r e r : e l e p r e c i s a p r o

v a r sua c a p a c i d a d e de t r a b a l h o p a r a s e r a c e i t o p e l a a l d e i a de p e s c a d o r e s como um membro a t i v o .

(3)

que se e s t e n d e a sua f r e n t e é uma questão de hon r a , p o r i s s o n e c e s s i t a " a f i r m a r até o f i m os va l o r e s v i r i s de coragem e resistência" ( 1 , p. 4 3 ) , p r e s e n t e s no e n u n c i a d o que c a r a c t e r i z a t a i s v a l o r e s : "Um homem pode s e r destruído, mas não venci, do" ( 1 , p. 4 3 ) . A s s i m , na l u t a c o n t r a a força do p e i x e há p a r a e l e apenas d o i s caminhos: v e n c e r ou s e r m o r t o . Perdendo a c o n f i a b i l i d a d e da a l d e i a d e v i d o a t e r f i c a d o o i t e n t a e q u a t r o d i a s sem c o n s e g u i r f i s g a r um só p e i x e , a l i a d o à sua f r a g i l i d a d e e v e l h i c e , deve lançar-se ao mar, a f i m de empreen d e r a r e c o n q u i s t a de seu equilíbrio, ou s e j a , p r o v a r que a i n d a está v i v o , p o i s a s o c i e d a d e so mente o aceitará como membro a t i v o , caso p r o d u

za.

S1/S5 i n s t a u r a d o como s u j e i t o de f a z e r deve e x e c u t a r uma p e r f o r m a n c e : p e s c a r o e s p a d a r t e

( o b j e t o - m o d a l ) , a f i m de f i c a r c o n j u n t o com seu o b j e t o - v a l o r e o b t e r a sanção p o s i t i v a de S4. Desta f o r m a , deve p r o v a r que é um s u j e i t o compe t e n t e , m o d a l i z a d o segundo o s a b e r (sua experiên c i a de v i d a ) , já a d q u i r i d o .

O c o r r e , t o d a v i a , que d e v i d o à v e l h i c e e ã f r a g i l i d a d e , S a n t i a g o n e c e s s i t a recomeçar, r e a d q u i r i n d o a m o d a l i d a d e do poder. A s s i m , deverá

(4)

p a s s a r p o r uma prova q u a l i f i c a n t e , segundo Propp, a f i m de se t o r n a r um s u j e i t o c o m p e t e n t e modaLi zado segundo o s a b e r e o poder.

A f r a g i l i d a d e da v e l h i c e é um obstáculo a s e r v e n c i d o ; p a r a t a n t o , lança-se ao mar", "con cebe p r o j e t o s " , mas no momento de os c o l o c a r em execução, seu organismo f a l h a , "o cansaço l h e c o r t a as a s a s , busca lembranças e n t r e as névoas; o pensamento se d e s v i a do o b j e t o p o r e l e mesmo e s c o l h i d o " ( 1 , p. 4 4 ) . S a n t i a g o i d e a l i z a - s e um pescador t r a z e n d o o m a i o r p e i x e já v i s t o , mas a carência de força interpõe-se e n t r e e l e e seu de se j o .

Em nível d i s c u r s i v o , p o r t a n t o , a a n d o r i n h a do mar, símbolo do e t e r n o r e t o r n o , da emigração e da separação, mas também da solidão p a r a m u i t a s c u l t u r a s , f i g u r a t i v i z a a ressurreição de S a n t i a g o do meio da sensação de i n u t i l i d a d e a que o v e l h o h a v i a s i d o r e l e g a d o . É a "mensagei r a " que t r a z a p e r s p e c t i v a de mudança, de r e n a s c i m e n t o , m o s t r a n d o - l h e o l o c a l do cardume. S a n t i a g o a i n d a não se d e s p r e n d e u do passa do, n e s t e momento da n a r r a t i v a , p a r a a c e i t a r sua condição de v e l h o ; ao contrário, mantém uma es t r i t a s o l i d a r i e d a d e com o mesmo, m a n i f e s t a d a nas projeções de seu i n c o n s c i e n t e , nas f i g u r a t i v i z a

(5)

ções dos a n i m a i s e aves m a r i n h a s que d e l e se aproximam. "Decidem p o r vezes r e c o n h e c e r - s e no personagem que mais os v a l o r i z a : hão de s e r p a r a sempre o a n t i g o combatente ( . . . ) " ( 1 , p. 9 9 ) ; as s i m , S a n t i a g o p r e c i s a r e a f i r m a r sua posição de p e s c a d o r c o m p e t e n t e , a i n d a que v e l h o .

As t a r t a r u g a s que surgem l o g o após, e com as q u a i s o v e l h o se i d e n t i f i c a — "eu também t e nho um coração como o d e l a s " ( 3 , p. 40) — f i g u r a t i v i z a m a s a b e d o r i a , a introspecção e a s o l i dão, a f i m de que possa o c o r r e r o r e d i m e n s i o n a mento da v i d a de S a n t i a g o a nível e s p i r i t u a l , ca minho p a r a a aceitação de sua nova e t a p a de v i _ da. A e s t e r e s p e i t o , S. B e a u v o i r , c i t a n d o P l a tão, e s c l a r e c e que "os o l h o s do espírito só come çam a a d q u i r i r a c u i d a d e quando os do c o r p o en t r a m a b a i x a r " ; a s s i m , o declínio da força c o n f e rirá ao v e l h o p e s c a d o r a conscientização de sua s a b e d o r i a .

No u n i v e r s o j u n g u i a n o o mar é o símbolo do i n c o n s c i e n t e c o l e t i v o "capaz de o c u l t a r p r o f u n d i d a d e não s u s p e i t a d a s , a b a i x o de sua l u z e n t e superfície" ( 5 , p. 3 4 ) . O nível da enunciação, p o r t a n t o , sugere não só a consciência do s a b e r , da experiência a d q u i r i d a d u r a n t e sua l o n g a v i d a no mar mas também o p o n t o de p a r t i d a da e v o l u

(6)

ção, no início da espiritualização da matéria. 0 coração que c o n t i n u a a b a t e r nas t a r t a r u g a s mes mo d e p o i s de m o r t a s e o f a t o de S a n t i a g o também t e r "um coração a s s i m " ( 3 , p. 40) e de os pés e mãos serem como os d e l e s , sugere uma i d e n t i f i c a ção a nível a f e t i v o , p o i s "o homem i d o s o i n t e r i o r i z a o passado sob forma de imagens, de fantas_ mas e de a t i t u d e s a f e t i v a s que e l e p r o j e t a , as q u a i s p r e c i s a u l t r a p a s s a r p a r a e x i s t i r " ( 1 , p. 111) .

A solidão a que f i c a r e d u z i d o em meio às reminiscências e n c o n t r a d a s no mar t r a d u z a idéia de f r a q u e z a , f i g u r a t i v i z a d a na ave cansada, úni co s e r em quem o v e l h o p r o j e t a a preocupação com os anos v i v i d o s e com a n e c e s s i d a d e de r e n a s c e r , de recomeçar:

— "Que i d a d e você tem? (...) Será e s t a sua p r i m e i r a viagem?" ( 3 , p. 62)

A i n d a em nível d i s c u r s i v o o sema " s e x u a l i d a de" é s u g e r i d o no c a s a l de p o r c o s m a r i n h o s que sopram com força e r o l a m na água, embora com r e lação ao c a s a l de e s p a d a r t e s a idéia em questão possua um caráter mais a f e t i v o . No campo da enun ciação f i c a m as projeções da mente de S a n t i a g o , a f a l t a que s e n t e da esposa m o r t a e de uma poss_í v e l l u t a c o n t r a uma doença f a t a l .

(7)

A s o c i e d a d e p o s s u i uma f o r t e tendência a c o n s i d e r a r o v e l h o um s e r p r a t i c a m e n t e assexua do, p a r a quem os fogos da paixão há m u i t o f o r a m e x t i n t o s ; d i a n t e de t a l posição, acaba p o r t r a tá-los com c e r t o r i g o r , s e m e l h a n t e ao d i r i g i d o às crianças, c l a s s i f i c a n d o como "impróprias" a t i t u d e s como namorar, a p a i x o n a r - s e , manter r e l a ções s e x u a i s . Um p a r a l e l o traçado e n t r e as pes; q u i s a s e f e t u a d a s p o r S. B e a u v o i r e o romance em análise, e n t r e t a n t o , m o s t r a que, embora o v e l h o possua os a r d o r e s da mocidade já diminuídos, os s e n t i m e n t o s c o n t i n u a m v i v o s e a f a l t a de uma com p a n h e i r a com quem d i v i d i r os d i a s , os sonhos, os p r o j e t o s e mesmo as lembranças manifestar-se-ã, p o r exemplo, em uma a t i t u d e de renúncia à v i d a , quer através do suicídio, quer p o r meio de uma resistência p a s s i v a ao c o t i d i a n o , ou a i n d a nas projeções da mente em o u t r o s s e r e s , t a l como a c o n t e c e com S a n t i a g o .

0 nível narratolõgico, em um novo r e c o r t e , a p r e s e n t a S5 ( S a n t i a g o ) como s u j e i t o de f a z e r que e x e c u t a uma performance, em um novo PN de uso, onde o p e i x e é objeto-modal com que S l

( s u j e i t o de e s t a d o ) quer e deve f i c a r em c o n j u n ção. O c o r r e , e n t r e t a n t o , a transformação de ob-jeto-modal em s u j e i t o de f a z e r (S6) quando o pei_

(8)

xe passa a l u t a r p o r sua l i b e r d a d e , ao s e r f i s g a do, t o r n a n d o - s e um a n t i - s u j e i t o . O c o n f l i t o a q u i

i n s t a l a d o durará o tempo necessário p a r a que S I s e j a m o d a l i z a d o segundo o poder.

S a n t i a g o e n f r e n t a a p r o v a da mão f e r i d a e e n r i j e c i d a — símbolo i m p o t e n t e de sua v e l h i . ce — obstáculo que deverá s u p e r a r através do s a b e r , a f i m de que S5 e x e c u t e sua performance — p e s c a r o e s p a d a r t e .

O obstáculo da d o r a s e r v e n c i d a o v e l h o p r o j e t a na figurativização do j o g a d o r de b a s e b a l l — D i Maggio — que t i n h a uma "espora no osso" ( 3 , p. 1 1 4 ) , o d e s t i n a d o r d e s t e PN, on de a mão e n r i j e c i d a e d o l o r i d a t o r n a s e um a n t i -s u j e i t o ( S 8 ) , c o n t r a o q u a l S7 ( S a n t i a g o ) p r e c i sa l u t a r e s a i r v e n c e d o r , p o i s e s t a é sua prova q u a l i f i c a n t e , capaz de o t o r n a r competente segun do o poder.

No nível da enunciação, o d e s a b a f o de S a n t i a g o "Por que não t e r i a eu n a s c i d o com duas boas mãos?" ( 3 , p. 99) remete aos c o n c e i t o s de experiência e força, p o l a r i z a d o s no s a b e r e no poder. Neste momento da n a r r a t i v a S a n t i a g o , em

seu c o n f l i t o p e s s o a l , r e p r e s e n t a o s e r humano e t e r n a m e n t e em busca do equilíbrio, mas que d e v i do a sua n a t u r e z a de m o r t a l não consegue o b t e r

(9)

ambas, s i m u l t a n e a m e n t e .

A i n d a com relação ã mão f e r i d a , temos o as p e c t o da doença que, segundo S. B e a u v o i r , é t r a t a d a com c e r t a negligência p e l o s v e l h o s , os q u a i s a c r e d i t a m em seu d e s a p a r e c i m e n t o n a t u r a l , caso a i g n o r e m . S a n t i a g o p r o c u r a não se p r e o c u p a r com a mão f e r i d a , embora p o r vezes se r e b e l e c o n t r a as cãibras, e j u s t i f i c a sua recuperação a t r i b u i n d o - a ao s o l . Na r e a l i d a d e , i g n o r a r a d o r s i g n i f i c a não a c e i t a r a p e r d a da j u v e n t u d e , e de seu conseqüente e s t a d o de saúde e v i g o r físicos.

A sede, a fome, a f a l t a de s a l , o esqueci, mento de víveres básicos e a n e c e s s i d a d e de man t e r a cabeça lúcida são oponentes superados p e l o s u j e i t o , d e v i d a m e n t e m o d a l i z a d o segundo o s a b e r , que e x e c u t a performances secundárias — comer g o l f i n h o , camarões c r u s , economizar a água da g a r r a f a . A n e c e s s i d a d e de força m a n i f e s t a - s e no d e s e j o de t e r p o r p e r t o o r a p a z t a n t o a nível do c o n s c i e n t e ( e x p r e s s o v e r b a l m e n t e ) , q u a n t o do i n c o n s c i e n t e , e s t e último f i g u r a t i v i z a d o no sonho com o leão, símbolo do r e j u v e n e s c i m e n t o e do vjL g o r , assegurado p e l a alternância da n o i t e e do d i a , do esforço e do repouso no mar.

S I f i c a c o n j u n t o com o objeto-modal, mas S a n t i a g o tem um novo obstáculo a v e n c e r , básica

(10)

mente p e l a força. Um o u t r o PN de uso é i n s t a u r a do, onde o s u j e i t o de f a z e r (S9) c o n f r o n t a - s e com um a n t i - s u j e i t o — tubarões — d i s p u t a n d o um mesmo o b j e t o (modal, p a r a o v e l h o ; v a l o r , pa r a os tubarões). A f i m de manter a conjunção com o o b j e t o , o s u j e i t o u t i l i z a os a d j u v a n t e s arpão, f a c a a t a d a ao remo, m a r t e l o , c a j a d o , leme do va rão; mas f i c a d i s j u n t o do objeto-modal ( c a r n e do p e i x e ) .

O v e l h o p e s c a d o r reconhece-se v e n c i d o quan do os tubarões comem o que s o b r a r a da c a r n e do p e i x e , sem que e l e possua mais armas e f e t i v a s pa r a golpeá-los. Sente-se um p e s c a d o r ( 3 , p. 124) ao m a t a r o p e i x e p o r o r g u l h o e um v e n c i d o ( p e l o s tubarões) que e s p e r a a cama. A e s t e r e s p e i t o , S. B e a u v o i r e s c l a r e c e que quando se deparam com a i n c a p a c i d a d e de se m o s t r a r p r o d u t i v o s , m u i t o s v e l h o s adotam "uma a t i t u d e p a s s i v a de renún c i a (...) d e c o r r e n t e de um s e n t i m e n t o de i n u t i l i . dade" ( 1 , p. 1 0 ) . S a n t i a g o f i n a l m e n t e se d e f r o n t o u com a ausência da m o d a l i d a d e do poder, o que f e z d e s e j a r a e s t a t i c i d a d e típica dos a n i q u i l a dos p e l a v i d a : a cama.

(11)

"Eu nunca tinha sido derrotado e não sabia como era fácil" (3, p. 142);

"De cama ê que eu preciso. Espero por ela com uma grande impaciência. É fácil quando se está vencido" (3, p. 142).

S a n t i a g o a t r i b u i sua d e r r o t a a uma supera ção de sua c a p a c i d a d e física, ou s e j a , f o i " I o n ge demais" ( 3 , p. 1 4 2 ) . T a l f a l t a é t r a d u z i d a pe l a disjunção de S I com a m o d a l i d a d e do p o d e r , t o r n a n d o - o um s u j e i t o d e s p r o v i d o de competência.

O g a t o que passa p e l o homem d e r r e a d o , v e n c i do, na a r e i a da p r a i a f i g u r a t i v i z a "o pecado, o abuso dos bens d e s t e mundo" ( 2 , p. 4 6 2 ) , c a r a c t e r i z a n d o a explicação do v e l h o p a r a sua d e r r o t a f a c e aos tubarões.

A sanção o b t i d a p e l o s u j e i t o ( S a n t i a g o ) no PN de base pode s e r e n t e n d i d a a p a r t i r de duas p e r s p e c t i v a s : no nível do s e r , e v i d e n c i a n d o a óti. ca do p e s c a d o r , é n e g a t i v a , p o i s não c o n s e g u i u t r a z e r o p e i x e i n t e i r o , com t o d a sua c a r n e , d e v i do a seu o r g u l h o desmedido: " F u i l o n g e demais, f o i o que f o i " ( 3 , p. 1 4 2 ) ; e no nível do p a r e -c e r , segundo o p o n t o de v i s t a dos h a b i t a n t e s da v i l a ( d e s t i n a d o r ) , é p o s i t i v a , p o i s o v e l h o con s e g u i u p r o v a r sua c a p a c i d a d e de membro a t i v o da

(12)

comunidade, t r a z e n d o o enorme e s p a d a r t e .

Os temores de S a n t i a g o são plenamente j u s t i _ ficáveis, segundo S. B e a u v o i r , p o i s "a s o c i e d a d e só se preocupa com o indivíduo na medida em que e l e p r o d u z " ( 1 , p. 3 0 3 ) . O s u p o s t o "humanismo" que se d e s e n v o l v e u em relação ao v e l h o é q u e s t i o nável na medida em que até mesmo o o p e r a r i a d o c o n s e g u i u integrá-lo ã humanidade apenas enquan t o e l e m e n t o p r o d u t i v o . Desta f o r m a , q u e r s e j a nas s o c i e d a d e s c a p i t a l i s t a s , q u e r nas comunis t a s , a preocupação r e a l p a r a com o v e l h o se mani

f e s t a até o momento em que e l e p a r a de p r o d u z i r . A p a r t i r de então, ao i d o s o só restarão "os o l h o s p a r a c h o r a r " ( 1 , p. 303) e a cama p a r a d e i t a r e m o r r e r .

O Grupo de E n t r e v e r n e s ( 2 , p. 122) d e f i n e o a t o r como "uma f i g u r a p o r t a d o r a ao mesmo tempo de um ou vários papéis a c t a n c i a i s que d e f i n e m uma posição em um programa n a r r a t i v o , e de um ou vários papéis temáticos que d e f i n e m sua pertinên c i a a um ou vários c o n j u n t o s f i g u r a t i v o s " . Desta p e r s p e c t i v a , temos S a n t i a g o desempenhando os pa péis a c t a n c i a i s de s u j e i t o de e s t a d o ( S I ) e de s u j e i t o de f a z e r (S5, S7, S 9 ) , ao mesmo tempo em que u t i l i z a os papéis temáticos de " v e l h o v e n c i do" e "pescador e x p e r i e n t e " , num e n t r e c r u z a m e n

(13)

t o dos p l a n o s narratológico e d i s c u r s i v o , compon do a f i g u r a do a t o r .

A l u t a p e s s o a l e n t r e S a n t i a g o e a aceitação da v e l h i c e , f u n d a m e n t a l m e n t e , poderá s e r r e p r e sentada no q u a d r a d o semiótico através da c o n f r o n tação das m o d a l i d a d e s do s a b e r v s p o d e r , no nível do d e s e j o : sabedoria (velho) NAO-PODER v i d a morte PODER NAO-SABER ignorância (rapaz) 0 diálogo t r a v a d o e n t r e o v e l h o e o r a p a z ( 3 , p. 1 4 7 ) , onde o p r i m e i r o c o n c o r d a que f o i v e n c i d o , mas não p e l o p e i x e , e que d u r a n t e a noi^ t e c u s p i r a " q u a l q u e r c o i s a de e s t r a n h o " ( 3 , p. 149) , s e n t i n d o a l g o que se l h e q u e b r a r a no pei_ t o , e x e m p l i f i c a r i a a aceitação dos l i m i t e s de sua força. O e s q u e l e t o do p e i x e - e s p a d a t r a d u z não apenas sua essência de p e s c a d o r mas também seus l i m i t e s enquanto v e l h o .

(14)

A união r e s t a b e l e c i d a com o jovem — o leão, a força — , a quem deverá t r a n s m i t i r sua experiência, r e s t a u r a o equilíbrio e n t r e o s a b e r e o p o d e r . A repetição do sonho com os leões, no f i n a l , c o n f i g u r a a n e c e s s i d a d e de obtenção da força p e l o v e l h o , através da integração no t r a b a l h o com o jovem.

Simone de B e a u v o i r s u g e r e que o indivíduo d e v e r i a s e r u t i l i z a d o p e l a comunidade e a e l a i n t e g r a d o , desde sua mais t e n r a i d a d e , a f i m de que chegasse um d i a ã v e l h i c e sem s e n t i - l a , mor r e n d o n a t u r a l m e n t e , t e n d o s i d o útil t o d o o tem po. Em 0 Velho e o MOA, O d e s f e c h o a p r e s e n t a uma

das a l t e r n a t i v a s a p o n t a d a s p e l a filósofa p a r a a reintegração do v e l h o à s o c i e d a d e , na t r a n s m i s são do saber a d q u i r i d o às gerações mais j o v e n s . A a u t o r a e s c l a r e c e , e n t r e t a n t o , que p a r a o c o r r e r t a l a j u s t e , a própria s o c i e d a d e d e v e r i a s o f r e r uma mudança em seus v a l o r e s , a f i m de não m a i s c o n s i d e r a r a v e l h i c e como um f i m de sonhos, da c a p a c i d a d e de s e r útil, de o v e l h o s e n t i r - s e vjL v o , e n f i m .

"É p r e c i s o t e r v i v i d o d u r a n t e m u i t o tempo p a r a se chegar a uma concepção j u s t a da c o n d i ção humana, p a r a se o b t e r uma visão g l o b a l da m a n e i r a como se passam as c o i s a s " ( 1 , p. 1 2 1 ) . Ã

(15)

v e l h i c e cabe, p o r t a n t o , a p r i m a z i a de p o s s u i r um c a b e d a l de c o n h e c i m e n t o s e de experiências ad q u i r i d a s ao l o n g o da v i d a , que nem mesmo a t e c n o l o g i a mais avançada l o g r o u c o n f e r i r ao jovem, i n c a p a c i d a d e de p o s s u i r , s i m u l t a n e a m e n t e , os d o i s a t r i b u t o s sonhados p o r t o d o s e r humano, mas ape nas tangíveis p e l o s deuses míticos: a experiên c i a e a força.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 . BEAUVOIR, S. A velhice.: relações com o mundo. São P a u l o : Difusão Européia do L i v r o , 19 70. 2. GRENT. Grupo de E n t r e v e r n e s . Anatiéit, Aemiotico

de ZOA textoA: introducción t e o r i a prática. M a d r i d : Ed. C r i s t i a n d a d , 1982.

3. HEMINGWAY, E. 0 velho e o moA. R i o de J a n e i r o : Civilização B r a s i l e i r a , 1956.

4. PROPP, V . I . Mofiloloqia do conto maxavilhoAO. R i o de J a n e i r o : Forense Universitária, 1984.

5. SANTOS, C.C. d o s . Individuação junguiana. São P a u l o : S a r v i e r , 1976.

(16)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CHEVALIER, J . , GHEEBRANT, A. VicionÓJuLo de. i,1mbq_ loò. R i o de J a n e i r o : J . O l y m p i o , 1988.

CIRLOT, J.-E. Vi.cÃ.onÕAA.0 de. òlmboloò. B a r c e l o n a : Ed. L a b o r , 1978.

COURTÉS, J . Int/iodução ã òe.rrU.õtÁ.aa naAAcuU.va e. dÁAcuJt

Referências

Documentos relacionados

Com efeito, no desenvolvimento da Auditoria Fiscal, o auditor deve proceder ao planeamento da auditoria a desenvolver, definindo a prova da auditoria necessária,

Taxa de prevalência (valores médios em %) de parasitos em amostras de muco da superfície do corpo de espécimes de Hoplias malabaricus provenientes de açudes localizados no

Foram realizados 14 grupos, sendo 10 grupos de Nutrição compartilhados com a ESF, 01 grupo de Promoção à Saúde Mental da Criança, 02 grupos de Práticas Complementares e

Resultados: O principal tratamento realizado é compreendido por atendimento fisioterapêutico com exercícios físicos resistidos que visam aumentar a força muscular

Cubra os pontilhados da letra A e, depois, copie-a nas linhas abaixo:.

ƒ Esse trabalho sugere possibilidades para a continuidade do processo, que será levado adiante pela equipe de professores e alunos do CEFET-PB, do Curso Técnico de Recursos

A avaliação institucional deve ser entendida como um processo sistemático que possibilita a compreensão da totalidade da Faculdade na inter-relação de suas várias

A secagem até 37,4% de água não produz efeitos fisiológicos prejudiciais imediatos sobre as sementes de açaí, contudo, abaixo de 30,3% há redução progressiva da germinação e