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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO LARA TATIANE DE MATOS

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

LARA TATIANE DE MATOS

INTERSECÇÕES ENTRE PRÁTICA TEATRAL E VIDA PESSOAL NO

TRABALHO DAS ATRIZES DO ODIN TEATRET

.

FLORIANÓPOLIS, SC

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LARA TATIANE DE MATOS

INTERSECÇÕES ENTRE PRÁTICA TEATRAL E VIDA PESSOAL NO TRABALHO DAS

ATRIZES DO ODIN TEATRET

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teatro do Centro de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Teatro.

Orientador: Prof. Dr. André L.A.N. Carreira

FLORIANÓPOLIS, SC

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LARA TATIANE DE MATOS

INTERSECÇÕES ENTRE PRÁTICA TEATRAL E VIDA PESSOAL NO TRABALHO DAS

ATRIZES DO ODIN TEATRET

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro (Mestrado), do Centro de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Teatro.

BANCA EXAMINADORA:

Orientador: _____________________________________________ Prof. Dr. André Luiz Antunes Netto Carreira

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro: _________________________________________________ Profa. Dra. Maria Brígida de Miranda

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro: __________________________________________________ Profa. Dra. Maria Beatriz Mendonça

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AGRADECIMENTOS

Agradeço minha família, por compreender minha ausência.

Dimitri Camorlinga, meu produtor, editor e amigo que foi além das expectativas e continua me surpreendendo.

À minha Katakali Catarina.

Adriana Santos, amiga e mentora no processo de escrita, e seu imensurável e constante estímulo.

Ao Professor André Carreira, pelos livros, pela orientação, pelo cuidado.

Aos amigos, Marcos Klann, Tama Ribeiro, Elizia Pereira, Denis Hauffe, Kasper Jensen e Amélia Bréchet, que à sua maneira fizeram parte deste processo.

Jan Ferslev, pela cachaça e o samba que esquentaram o frio dinamarquês.

À todos os amigos feitos durante o processo de pesquisa, que atenuaram minha saudade e ampliaram meu mundo.

As atrizes Else Marie Laukvik, Julia Varley, Roberta Carreri e Iben Nagel Rasmussen. À FUNARTE por ter viabilizado minha pesquisa de campo, o que certamente deu uma dimensão mais profunda a este trabalho.

Ao PPGT – secretaria, professores e colegas.

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“Qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso de qualquer certeza. Qualquer coisa. Qualquer coisa que não fique ilesa. Qualquer coisa que não fixe.”

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RESUMO

Esta pesquisa propõe um estudo sobre intersecções entre vida pessoal e vida profissional no trabalho das atrizes do Odin Teatret, Else Marie Laukvik, Iben Nagel Rasmussen, Roberta Carreri e Julia Varley. Foram levantados durante a trajetória de cada uma das quatro atrizes, momentos onde interferências da vida pessoal na vida profissional culminaram na criação de novas metodologias de criação e treinamento. Um dos eixos deste estudo foi pensar que as novas metodologias de criadas pelas quatro atrizes possibilitariam localizar o espaço de cada uma delas dentro do grupo bem como identificar diferentes maneiras de compreensão da prática teatral. Através da análise do espaço estabelecido por cada uma das atrizes no grupo, discute relações de gênero que envolvem o fazer teatral destas atrizes. Também foi propósito deste trabalho trazer à público a pesquisa das atrizes do grupo, numa tentativa de analisando seu trabalho trazer à tona discussões sobre a presença das mulheres na história do teatro.

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ABSTRACT

This research proposes a study about the intersection between personal life and professional life in the work of the Odin Teatret actresses, Else Marie Laukvik, Iben Nagel Rasmussen, Julia Varley and Roberta Carreri. Were raised during the trajectory of each of the four actresses, moments where interference of personal life in professional life culminated in the creation of new methods of creation and training. One of the axes of this study was to think that the new methods created by the four actresses would allow to locate the space within each group and to identify different ways to practice understanding of the theater. Through analysis of the space established by every actress in the group, discusses gender relations involving these actresses do theater. Purpose of this study was also to bring to public the research of the actresses in an attempt to analyze his work to bring up discussions on the presence of women in theater history.

Keywords: Odin Teatret, actresses, training and creation, personal trajectories.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 A TRAJETÓRIA DA ESCRITA – BREVE DESCRIÇÃO DE UM CONTEXTO PESSOAL...15

1.1 IMPRESSÕES SOBRE O CONTEXTO DO ODIN TEATRET......21

1.1.1 Pessoal/Profissional – fronteiras e intersecções ...25

1.1.2 As atrizes – contexto de formação profissional e pessoal ...28

2 ONDE VIVEM AS ATRIZES – FRONTEIRAS ENTRE VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL...33

2.1 EXPERIÊNCIAS...35

2.2 ELSE MARIE LAUKVIK – O DESEJO DE VIVER COMO ATRIZ...39

2.2.1 My stage children, a atriz conta o início...40

2.2.2 Treinamento………...………...44

2.2.3Criação e cena………...…...46

2.3 IBEN NAGEL RASMUSSEN : O CORPO COMO FRONTEIRA E PONTE...49

2.3.1 Treinamento: uma trajetória de disciplina e liberdade...52

2.3.2 A estruturação de um corpo através do treinamento...58

2.3.3 O “corpo experiência” em Iben Nagel Rasmussen, a base pessoal de uma vida sobre limites...60

2.3.4 A fala de uma atriz muda...65

2.4 JULIA VARLEY – CORRELAÇÕES ENTRE VOZ E PALAVRAS, CORPO E FALA...68

2.4.1 A trajetória de uma atriz que fala ...71

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2.5 ROBERTA CARRERI – DA TÉCNICA À PEDAGOGIA: TEATRO E MATERNIDADE

COMO ESCOLHA PESSOAL...86

2.5.1 A intersecção: maternidade e prática teatral...92

2.5.2 A continuidade: terinmento para ensinar...93

2.6 ADVERTÊNCIA FINAL ...98

CONSIDERAÇÕES FINAIS...101

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INTRODUÇÃO

Dando continuidade a uma pesquisa sobre mulheres no teatro, surgida ainda na graduação, elaborei meu projeto de mestrado propondo-me investigar o trabalho das atrizes Else Marie Laukvik, Iben Nagel Rasmussen, Roberta Carreri e Julia Varley. Busquei refletir como através das escolhas de suas práticas de treinamento e métodos de criação, estas atrizes situam-se nas relações que regem o grupo Odin Teatret, e constroem seus projetos teatrais e como estas escolhas se relacionam às suas trajetórias pessoais.

Meu principal objetivo nesta pesquisa foi refletir sobre o lugar das atrizes no contexto do grupo teatral, partindo de um grupo que é referência no universo dos coletivos teatrais em vários países do mundo. Considero que tomando essa experiência posso propor uma discussão sobre o lugar da atriz no teatro de grupo.

Discutir as mulheres, o papel que elas desenvolvem e representam hoje em nossa sociedade, se faz necessário porque o fato de as mulheres estarem muito mais presentes hoje modifica por si só a estrutura e as relações dentro da sociedade. E este momento permite a reconstrução desta mesma sociedade mais igualitária, no que diz respeito aos direitos civis, e mais tolerante com relação às diferenças que compõem a diversidade da sociedade.

Como sabemos, os estudos sobre mulheres há muito perceberam não só um aspecto de “submissão” feminina, mas principalmente a invisibilidade e a desvalorização do trabalho feminino, quando comparado ao valor do trabalho ou do produto do trabalho masculino em diferentes sociedades. Como afirma Rosaldo,

Toda sociedade conhecida reconhece e elabora algumas diferenças entre os sexos e embora hajam grupos onde os homens vestem saias e as mulheres calças, em todo lugar há tarefas, maneiras e responsabilidade características, especialmente associadas com as mulheres ou com os homens. [...]Mas, o que talvez seja mais notável e surpreendente é o fato de que as atividades masculinas, opostas às femininas, sejam sempre reconhecidas como predominantemente importantes e os sistemas culturais dêem poder e valor aos papéis e atividades dos homens. (1979 p 35)

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entanto, é também eficaz, no combate à própria invisibilidade, reforçar atos e momentos em que as mulheres não estiveram nesta condição, seja no decorrer da história, seja na atualidade, trazendo a público as práticas e obras de mulheres que destroem a imagem de fragilidade e retiram as mulheres da condição de invisibilidade na história e na atualidade.

Percebo que as dicussões sobre as mulheres têm se tornado cada vez mais frequentes em outros campos do conhecimento fora da antropologia ou sociologia, e tomadas como ferramentas para discutir questões relacionadas com as mulheres dentro de outras subáreas nas ciências humanas, como é o caso das artes cênicas.

Sabemos que o feminismo foi o propulsor dos estudos de gênero1, abrindo espaço para que este conceito fosse constituído a partir de uma brecha na teoria feminista, que se chocava com o fato de que a ideia de “mulheres” ou “mulher” como sujeito de representação, não servia como categoria única, já que abriga em si diferenças marcadas por classe, raça, cultura, sexualidade, entre outras. Ou, como questiona Judith Butler “seria a construção da categoria das mulheres como sujeito coerente e estável uma regulação e reificação inconsciente das relações de gênero? E não seria essa reificação precisamente o contrário dos objetivos feministas?”(2003 p 23).

Ou seja, a categoria “mulher” anteriormente “invocada para construir uma solidariedade da identidade” (BUTLER, 2003 p 24), poderia significar a elaboração ou a implícita intenção da necessidade de um sujeito estável, socialmente definido, criado pela própria representação que se fez necessária nos movimentos da primeira e da segunda onda feminista2.

                                                                                                                         

1

 Há autores, como Grossi, que ampliam o surgimento dos estudos de gênero para a efervescência dos movimentos sociais dos anos 1960, mais precisamente, “[...]movimentos sociais de 1968: as revoltas estudantis de maio em Paris, a primavera de Praga na Tchecoslováquia, os black panters, o movimento hippie e as lutas contra a guerra do Vietnã nos EUA, a luta contra a ditadura militar no Brasil.” (1998, p 2) No entanto, é necessário reconhecer que apesar de os estudos de gênero terem se firmado enquanto conceito neste momento, o “estopim do gênero”, que Grossi localiza nestes movimentos que “lutavam por uma vida melhor, mais justa e igualitária, e é justamente no bojo destes movimentos "libertários" que vamos identificar um momento chave para o surgimento da problemática de gênero, quando as mulheres que deles participavam perceberam que, apesar de militarem em pé de igualdade com os homens, tinham nestes movimentos um papel secundário. Raramente elas eram chamadas a assumir a liderança política: quando se tratava de falar em público ou de se escolher alguém como representante do grupo, elas sempre eram esquecidas, e cabia-lhes, em geral, o papel de secretárias e de ajudantes de tarefas consideradas menos nobres, como fazer faixas ou panfletear.” (1998, p 3) Já era sentido pelas mulheres adeptas dos movimentos sociais há muito tempo, como nas guerras revolucionárias, no movimento socialista e de classes e na abolição da escravatura em vários países.

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Assim, a reformulação em teorias de gênero “[...] surgiu com o intuito de distinguir e separar o sexo - categoria analítica marcada pela biologia e por uma abordagem essencializante da natureza ancorada no biológico - do gênero, dimensão esta que enfatiza traços de construção histórica, social e sobretudo política que implicaria análise relacional”(MATOS, 2008 p 336) .

É fato que algumas teóricas acreditam que os estudos de gênero são mais completos, e atualmente mais democráticos, por que localizam na construção do gênero e suas representações a chave para as discussões que envolvem não só a mulher, mas homossexuais, transexuais, drag queens, travestis, homens e as variações dentro destas categorias.

Outras teóricas feministas, porém, acreditam que os estudos de gênero podem descaracterizar e desarticular o pensamento sobre a mulher, já que o gênero,

Questionando toda sorte de fundamentações das desigualdades (econômicas, políticas, sociais, culturais, biológicas, históricas, demográficas, psicológicas etc.), se por um lado gênero tornava mais inclusiva a discussão, por outro, já e desde o momento inicial, parte importante do feminismo, inclusive aqui no Brasil, veio a criticar o potencial politicamente desmobilizador do conceito, alertando-nos para a possibilidade da fragmentação e desempoderamento feminino que poderia provocar. O risco antevisto seria o de se perder de vista a situação política de opressão vivida pelas mulheres, em prol de uma multiplicação das diferenças de gênero, o que poderia comprometer uma agenda tida como propriamente feminista. (MATOS 2008, p 337)

Tendo este cenário como ponto de partida, acredito no movimento e nas teorias feministas como geradores da necessidade de criação dos estudos de gênero, o que me faz pensar que um depende do outro, pelo menos historicamente, para existir, mas onde o segundo possui uma característica democrática e uma postura ampliadora das possibilidades de ponto de vista sobre o mesmo objeto.

É deste ambiente que surgiram questionamentos sobre a relação entre a vida pessoal e profissional como mantenedora da conjuntura grupal do Odin Teatret. O emaranhado de relações mediadas tanto por questões financeiras quanto por afetivas, norteia meu pensamento na busca de um lugar específico como ponto de partida para a análise da participação das quatro atrizes no grupo.

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Perrot, principalmente no que diz respeito a utilização de fontes com cunho pessoal para construção de seus textos sobre mulheres, como diários e cartas.

Neste sentido me utilizarei principalmente de textos escritos pelas quatro atrizes, publicados, e materiais inéditos, aos quais tive acesso durante minha residência na sede do grupo em Holstebro, na Dinamarca. Também serão fontes os vídeos do grupo, disponibilizados na internet, ou aqueles aos quais tive acesso no acervo do grupo. Além disso será utilizado meu diário e minhas impressões sobre os ensaios do espetáculo A vida cronica, que pude acompanhar, e as apresentações que assisti em Cali, na Colômbia.

Para falar sobre minha esperiência próxima do grupo e situar as teorias que orientaram meu olhar, o capítulo um estará divido em uma breve advertência, onde explico aspectos burocráticos que envolveram minha pesquisa, e as leituras que me guiaram neste percurso e o contexto teórico do qual fez parte minha própria prática até hoje. Além disso, ainda no capítulo um, descrevo as relações entre pessoal e profissional vistas de dentro do Odin Teatret.

Em seguida, no capítulo dois, através da análise de materiais escritos como entrevistas e artigos publicados pelas atrizes, juntamente com a minha percepção pessoal a partir da convivência com elas, inicio a análise de diferentes momentos das suas carreiras. Neste capítulo mostro como é visível a interface entre a vida profissinal e pessoal. Analisando estes momentos encontro exemplos da capacidade de criação autêntica de cada uma delas, através da qual participam nas decisões do grupo, desenvolvendo-o.

Apesar de minha discussão estar muito próxima de uma análise das estrtuturas de poder que configuram o grupo e como estas se concentram ou não nas mãos do diretor, meu trabalho foge da tentativa de diagnosticar quando e como pode haver uma relação sexista nas estrturas do grupo. Pelo contrário, meu trabalho segue na direção de encontrar, descobrir e fazer visível o que há de mais pessoal no trabalho das quatro atrizes segundo minha perspectiva. Faço isso sem estabelecer comparações ou desmerecer o trabalho dos homens do grupo.

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1 - A TRAJETÓRIA DA ESCRITA - BREVE DESCRIÇÃO DE UM CONTEXTO PESSOAL

Depois de aceita como aluna regular do Curso de Mestrado da UDESC, utilizei o mesmo eixo temático e objetivos do meu projeto de pesquisa, para a criação de uma proposta que foi aprovada no contexto do edital Bolsa de Residências em Artes Cênicas 2010 da FUNARTE. Estes recursos me permitiram viajar até a sede do Odin Teatret na Dinamarca – onde residi por três meses -, e acompanhá-los durante o Festival de Teatro de Cali na Colômbia.

Durante o desenvolvimento do projeto chamado Atriz do grupo, que durou seis meses (dezembro de 2010 a junho de 2011), vivi na sede do grupo, utilizei seu acervo bibliográfico e audiovisual para minhas pesquisas. Também acompanhei os ensaios do novo espetáculo A vida crônica, fiz entrevistas com as atrizes Julia Varley e Roberta Carreri e realizei treinamentos com Else Marie Laukvik.

Na Colômbia fiz oficinas com Tage Larsen3 e Jan Ferslev, assisti três espetáculos e nove demonstrações4 de trabalho do grupo, e participei de conversas com Eugenio Barba5.

De volta ao país, ministrei, como contrapartida ao apoio financeiro da FUNARTE, seis oficinas pelo sul do Brasil, nas cidades de Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas, no Rio Grande do Sul e em Joinville, Itajaí e Joaçaba, em Santa Catarina. Foi durante estas oficinas que surgiram dúvidas, principalmente no que dizia respeito ao que seria importante falar sobre as quatro atrizes

                                                                                                                         

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 Tage Larsen: Oficina de atuação. Jan Ferslev: Oficina de treinamento. 12 a 15 de abril de 2011. Cali - Colômbia

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Espetáculos: Em el esqueleto de la balena, Las grandes ciudades bajo la luna, Sal.

Demonstrações de trabalho: Huellas em la nieve, Antropologia Teatral, Casi Orfeo, Los vientos que sussurran em el teatro y la danza, El eco del silencio, Blanca como el jazmin, Carta al viento, El hermano muerto, La alfombra voladora.

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do Odin Teatret, partindo de uma experiência e contato tão pessoais. Também me questionei sobre como abordar o trabalho do grupo para um público brasileiro.

As oficinas tinham o propósito de discutir minha experiência teatral e cultural no contato com o grupo. Através delas tratei de resituar meu olhar sobre o objeto da minha pesquisa com o fim de refletir sobre o lugar das atrizes dentro do grupo dinamarquês. Desta forma a interação proporcionada pelas conversas com atores e atrizes participantes das atividades me permitiu reestruturar meu ponto de vista.

Nestas oficinas procurei descrever diferentes aspectos do meu contato com o grupo, relatando a complexidade da experiência que representa conhecer um projeto teatral tão reconhecível no nosso imaginário, mas ao mesmo tempo tão distante do nosso dia a dia. O processo desses relatos me demandou assumir uma posição crítica quanto à experiência relatada, e também me exigiu evitar colocar-me em uma posição de simples admiradora do trabalho das atrizes estudadas. Por isso, em cada uma das oficinas, propus que os participantes apontassem elementos de maior interesse ou dúvida sobre meus relatos, de modo a problematizar meu olhar. Os dois temas mais citados nestas ocasiões foram a relação entre vida pessoal e profissional das atrizes e a capacidade de trabalhar de maneira solitária, seja nos treinamentos ou nos processos de criação.

Somado à experiência dos intercâmbios que as oficinas propiciaram, estão os contatos feitos a partir do blog atrizdogrupo.wordpress.com. Mantive essa ferramenta virtual durante seis meses como contrapartida do projeto FUNARTE. Neste blog publiquei textos sobre a residência e busquei oferecer referências às atrizes leitoras, delimitando o temário na prática de treinamento e de criação de cada uma das atrizes estudadas. Neste período li todo o material sobre e das atrizes que estava disponível no acervo do grupo em português, e materiais ainda não traduzidos ou publicados no Brasil. Baseei meus textos publicados no blog nas experiências empíricas proporcionadas pelos ensaios do espetáculo ou assistências às apresentações de espetáculos, bem como nas demonstrações de trabalho, além do meu contato pessoal com as atrizes.

O contexto da minha pesquisa me pediu um exercício de objetividade no olhar e no registro, além de um processo permanente de autocrítica, de forma a equillibrar meu envolvimento pessoal com uma análise ponderada.

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dinamarquês, praticamente encerrada em um teatro na cidade de trinta e dois mil habitantes, na região da Jutlândia, no interior da Dinamarca, mexeu com meu corpo e minha predisposição psicológica. Meus relatos, e a mediação dos mesmos por minhas leituras e trocas realizadas no conjunto do projeto, me permitem assegurar que o estudo está envolvido pelo pessoal, mas também tem ressonâncias de um olhar crítico.

Antes de viajar para a Dinamarca, identifiquei aquilo que considero um estilo que chamei de maneira “odiniana” de escrever, isto é, textos cheios de imagens, sensações, pedaços de diários, escritas informais, textos que retratavam parte da vida do autor misturado a textos analíticos sobre exercícios e conceitos teatrais. Decidi então não escrever com esse estilo. Mas foi inevitável me encaminhar para o campo de pesquisa já imbuída de informações e sensações que as pessoas daquele lugar conheciam, viviam e dividiam comigo. Fui para a Dinamarca com um mandato, e preenchida de imagens, coisa ineludível em um encontro com um grupo que tem uma força simbólica muito grande dentro de uma corrente do teatro de grupo. Por isso nunca houve a possibilidade de um afastamento total. A aproximação já existia entre eu e o objeto.

Finalmente deixei que minha escrita fosse afetada pelas condições físicas e afetivas, ganhando voz no papel a experiência concreta, ainda que tivesse cuidado para que o formato final fosse compatível com o contexto da pesquisa universitária.

Meu contato com as atrizes do Odin Teatret está marcado pelo respeito. Um respeito que se refere ao lugar que as mesmas ocupam na tradição do teatro, na tradição das mulheres do teatro. E isso me levou a um olhar severo sobre os processos de convivência e trabalho de mulheres dentro de um gupo.

Mas esta admiração não impediu que eu estivesse atenta às imagens que podem ser propagadas pela influência destas atrizes no teatro ocidental hoje. Escrever sobre mulheres e, consequentemente, escrever sobre mim, sem exageros ou romantismos, é o passo mais perigoso deste trabalho. Por isso foi com alegria que li a introdução de As mulheres ou os silêncios da História, onde Michelle Perrot em um momento trata exatamente desta situação,

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Mas o lucro não era somente existencial. Era intelectual. A história das mulheres, ao colocar a questão das relações entre os sexos, revisitava o conjunto dos problemas do tempo: o trabalho, o valor, o sofrimento, a violência, o amor, a sedução, o poder, as representações, as imagens e o real, o social e o político, a criação, o pensamento simbólico. (2005, p 25)

Antes de iniciar meus estudos teóricos sobre mulheres e atrizes na universidade, minha trajetória no teatro já estava marcada pela preocupação com as questões que envolvem as mulheres.6 Para mim estas questões relacionadas ao fazer teatral nunca estiveram fora da discussão, pois, como atriz, experimento em meu cotidiano situações que me levam a pensar sobre o que sou, e como construo este “ser e estar” na sociedade brasileira como mulher, e para além disso, como conduzo meus ensinamentos na construção de um corpo de atriz e na construção dos personagens que surgem deste corpo feminino.

Minha abordagem se aproxima das teorias sobre mulheres que emergem dos fatos históricos, teorias que relatam momentos e a partir deles traçam análises. Por isso, livros como os da historiadora francesa Michelle Perrot, que recuperam a história feminina, a partir de uma visão crítica feminista, ou pelo menos influenciada pela trajetória do pensamento feminista, se colocam a repensar a mulher nos períodos relatados e, consequentemente, na contemporaneidade.

Justamente por ter tido contato com atrizes e diretoras que pensavam sobre esta “condição” da mulher, desde cedo aprendi a considerar como me posicionar politicamente em cena através de meus personagens. Isso se deu também quando empreendi a construção de um trabalho de conclusão de curso com fundamentos feministas, analisando minha prática teatral7 no contexto do trabalho no grupo de estudo sobre Teatro e Gênero8. Posteriormente busquei me

                                                                                                                         

6 Mesmo quando adolescente, e trabalhando em espetáculos infantis, (O casamento da Princesa Juliete, O coelho

Júlio, Pinóchio o menino de madeira, entre outros) ou contações de histórias, acabávamos discutindo sobre o lugar da mulher nos contos, e como modificar a estrtura destes contos, de maneira a tenuar as diferenças de gênero. Além das mudanças dramaturgicas muitas vezes, a atuação, o envolvimento físico das atrizes interferia totalmente nas perspectivas, por exemplo, em O casamento da princesa Juliete, a atriz Ilaine Mello, fazia o personagem Senhor Onça, que em várias cenas literalmente carregava o personagem Macaco nas costas, se mostrando tão forte quanto o ator homem com quem contracenava. A ação de descaracterizar a mulher como frágil estava também na ação de se colocar ao lado do homem nas cenas que exigiam mais resistência.

7 Meu trabalho de conclusão de curso orientado pela Prof. Dra. Maria Brígida de Miranda Aspectos Feministas em

produções teatrais: análise de três casos brasileiros, faz uma análise de posicionamentos feministas, intencionais ou não, em um grupo, o Loucas de Pedra Lilás de Pernambuco, na montagem joinvilense S.O.S Uma mulher só e no meu trabalho como atriz no espetáculo Women’s sob direção de André Carreira.

8 Período de 2006 a 2008, frequentei como participante e depois bolsista do PIBIC, no projeto Poéticas do feminino e

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aprofundar nas teorias dos estudos feministas e de gênero, fazendo mais complexas minhas discussões sobre a mulher, o que repercute na presente pesquisa9.

Assim, nos momentos em que conheci histórias de atrizes, diretoras e teóricas, e quando empreendi a construção de um trabalho de conclusão de curso, minha base prática teve um respaldo e começou a ser cada vez mais elaborada, para em seguida virar material de uma pesquisa teórica que me encanta até hoje e que, eu espero, dure até eu me sentir satisfeita.

Da mesma maneira, o treinamento que pratiquei no início de minha vida teatral estava cheio de influências de Grotowski, mas chegava a mim por outra via, através da disseminação de uma proposta originária no teatro argentino. Durante um período que foi de meus dezesseis até os dezoito anos, o trabalho sobre partituras de ações físicas, precisão, trabalho sobre “si” como pesquisa, composição de dramaturgia me chegava através da Cia. argentina Périplo, que durante este período influenciou muitos grupos de teatro do litoral norte Catarinense.

Os estudos de gênero, ou os estudos sobre mulheres, bem como a teoria sobre o treinamento e o teatro de grupo, me chegaram depois da prática, por isso quando encontro a teoria posso recorrer às minhas experiências anteriores. Neste contexto busquei não ultrapassar os limites do triângulo: o teatro de grupo, as atrizes e o trabalho prático destas mulheres. Sempre tive curiosidade de encontrar uma maneira de falar de teatro e falar de mulheres, quando li alguns textos de Julia Varley descobri que não era só minha esta inquietação. Como trabalhar com temas tão complexos? Como passar para o papel as impressões de estar em cena, de criar um personagem e de construir um espaço político para a mulher?

É fato que não existe um teatro das mulheres no Odin Teatret, nem um teatro feito para, por ou sobre mulheres especificamente, mas as atrizes deste grupo estão fortemente responsáveis por mudanças estruturais no coletivo. Isso é claro no discurso de alguns atores e mesmo Eugenio Barba, em um dos encontros em Cali, mencionou esse poder e necessidade de mudança que, segundo ele, é característico das atrizes do grupo. São elas também, segundo Julia Varley, as maiores responsáveis pela manutenção daquilo que se configurou como a “cara” do grupo, o treinamento, os processos de criação e a escrita e análise de processos práticos.

Assim, utilizar meu percurso de pesquisa sobre estas atrizes como material de discussão, na busca de encaixar experiências teatrais, sejam elas de treinamento, criação, espectação ou                                                                                                                          

9 Além de manter uma leitura constante, busquei participar de alguns eventos, entre eles o Seminário Internacional

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estudo e teorização, dentro das palavras que levarão adiante esta vivência geradora de conhecimento, é o que resulta destas duas experiências distintas e conjugadas.

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1.1 IMPRESSÕES SOBRE O CONTEXTO DO ODIN TEATRET

Branca e silenciosa é Holstebro no longo inverno dinamarquês. Holstebro é a cidade onde nas últimas quatro décadas o grupo Odin Teatret trabalhou, e se aqueceu criando laços entre pessoas diferentes, de diversos países e culturas. Laços estabelecidos pelo trabalho rigoroso, a difícil tarefa de escolher entre seu próprio país, a família ou um trabalho significativo e instigante que é característico do grupo. O Odin Teatret é um modelo de agrupação, de administração, trabalho prático e pedagógico para muitos outros grupos de teatro, principalmente na América Latina.10

O grupo é composto atualmente por seis atores, Jan Ferslev, Kai Berdholt, Tage Larsen, Frans Winter (dinamarqueses), Augusto Omolú (brasileiro), Donald Kitt (canadense) e quatro atrizes, a inglesa Julia Varley, a italiana Roberta Carreri, a dinamarquesa Iben Nagel Rasmussen e a norueguesa Else Marie Laukvik, e um corpo administrativo composto por vinte pessoas.

Apesar do grande número de pessoas trabalhando na administração do grupo, é Eugenio Barba quem toma as decisões mais importantes, seja sobre determinada necessidade econômica, ou necessidades artísticas de um espetáculo. Eugenio Barba é o único diretor do grupo, é quem mais publica livros e artigos em diversas línguas, ministra conferências, palestras, seminários, além disso, a difusão de técnicas e os impactos de seus projetos artísticos e pedagógicos, o fazem ser considerado um dos importantes diretores do teatro de grupo contemporâneo que segue a linha das revoluções do século XX a partir de Stanislavski.

Foi ele também quem iniciou o grupo nos treinamentos que vieram de sua experiência com Jerzy Grotowski com o qual esteve durante três anos na Polônia. O diretor descreve esta                                                                                                                          

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experiência como um marco na sua formação e um privilégio: “mais uma cicatriz marca minha memória física, o período que passei em Opole, Polônia, de 1961 a 1964, seguindo o trabalho de Jerzy Grotowski e seus atores. Compartilhei uma experiência que somente poucas pessoas de nossa profissão têm o privilégio de viver: um autêntico momento de transição” (BARBA, 2009 p18).

Esta experiência deu origem à necessidade de criar seu próprio grupo, e em 1964 Eugenio Barba reuniu em Oslo um grupo de jovens entre dezessete e vinte e dois anos. Segundo Roberta Carreri11, o diretor ligou para cada um dos atores convidando para trabalhar no que viria a ser o Odin Teatret. Estes atores haviam sido recusados nos testes para a Escola Nacional de Teatro em Oslo.

Segundo Adriana Mariz a rejeição da escola seria um dos fortes motivos de união e norteamento do grupo que se iniciava:

Assim, a rejeição por parte das escolas teatrais e dos meios profissionalizantes, que de início frustrou as pretensões dos jovens aspirantes a atores, transformar-se-ia em uma bússola, cuja orientação levaria o grupo muito além do que jamais sonharam seus fundadores. O caminho da recusa, que por sinal é o título de um capítulo de Além das Ilhas Flutuantes, tornar-se-ia o grande trunfo, a palavra de ordem do Odin Teatret. Seja por não ter sido aceito, seja, mais tarde, por não aceitar. (2007, p 53)

Talvez, o “não aceitar” poderia estar relacionado ao fato de que para o Odin Teatret o ator não necessariamente estaria pronto. O trabalho cotidiano é o “formador”, e trata-se de um trabalho nunca terminado. Desta maneira o ator não pode ser avaliado a partir de uma aparente disposição, ou talento, mas sim deve ser visto no trabalho cotidiano.

Dois anos depois, após a boa aceitação de seu primeiro espetáculo Ornitofinele (1965), o grupo foi convidado pela prefeitura de Holstebro, na época com dezoito mil habitantes, a ocupar uma fazenda desativada próxima da cidade, e receber uma quantia anual para sua manutenção.

“O Odin Teatret foi fundado em 1964 em Oslo, na Noruega. Em 1966 transferiu-se para Holstebro, na Dinamarca, e se transformou em Nordisk Teaterlaboratorium. Seus 25

                                                                                                                         

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membros atuais, do staff artístico e administrativo, são provenientes de 9 países e três continentes”.12

Certamente a transferência do grupo de Oslo, capital da Noruega, para a pequena Holstebro, foi um fator importante no envolvimento quase “familiar” que se estabeleceu entre os membros do grupo. Este envolvimento viria a ser uma das características do grupo, e talvez um dos fatores que contribuiu na sua duradoura existência. Este compromisso propiciou um encontro entre pessoas de diferentes países, movidas pela vontade de construir um teatro e atraídas pela idéia de um trabalho grupal, baseado em um trabalho técnico cotidiano como princípio do trabalho teatral.

Em geral estes conceitos derivam do contato estabelecido entre Barba e Grotowski, mas ganharam notoriedade a partir das pesquisas do diretor italiano nos anos que trabalhou em regime laboratorial com suas atrizes e atores no Odin Teatret,

Desde a sua origem, o Odin Teatret se concentrou no treinamento dos atores, em sua capacidade de estabelecer novas relações com os espectadores e nas diferentes dramaturgias que compõem um espetáculo. O autodidatismo dos atores do Odin, com a conseqüente elaboração de um treinamento individual e o ensino aos membros mais jovens do grupo, determinou o constante interesse pela aprendizagem e pela transmissão dos conhecimentos técnicos.13

Até hoje estes fatos que marcaram a história do grupo, e que definiram a maneira de ver o trabalho e a importância do ator, funcionam como um tipo de inspiração para a continuidade do próprio grupo. As dificuldades daquele e de outros tempos sedimentaram a necessidade de trabalho único e evidentemente arrebatador para reconhecimento no meio artístico e nas instâncias administrativas governamentais.

A prática de um treinamento ritualizado e rígido, um trabalho cotidiano, fechado em sequências pré-estabelecidas, é a base para a pesquisa que estabeleceu os princípios e os conceitos de “pré-expressividade”14, “organicidade”, “presença cênica”. Essas ideias norteiam as

                                                                                                                         

12 Estas informações foram retiradas do site do Odin Teatret. Disponível em:

<http://www.odinteatret.dk/about-us/about-odin-teatret/2009/o-texto-acima-em-portugues.aspx>. Acesso em 10 de julho de 2011.

13

 Disponível em: <http://www.odinteatret.dk/about-us/about-odin-teatret/2009/o-texto-acima-em-portugues.aspx>. Acesso em 10 de julho de 2011.

14 Logo no início do livro A canoa de papel, Eugenio Barba se coloca a definir termos. Segundo o diretor, “Em uma

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técnicas que têm em seu cerne os “princípios que retornam”, e isso constitui o foco da antropologia teatral15.

Outro contato que pode ter intensificado a tomada da disciplina16 como característica e guia do comportamento dentro do grupo é o fato de o Odin Teatret ter estabelecido uma ligação intensa com as técnicas e a organização de aprendizagem orientais. Ainda hoje a figura do mestre é muito forte e importante para o grupo17, de maneira que “[Barba] faz diversas referências à aprendizagem em contextos orientais, onde esta se processa num período consideravelmente longo e sob a tutela estrita de um mestre-guru, responsável pela transmissão do repertório tradicional”(CALADO, 2007 p 7)

Neste sentido, os membros do grupo criaram um esquema onde cada ator “adota” uma pessoa de fora do grupo, ou seja, fica responsável por sua comida, seu treinamento, pela casa onde mora até que este ator esteja apto a fazer parte dos espetáculos e se tornar um indivíduo do grupo.

A adoção era uma solução inventada por Eugenio para contentar os veteranos que queriam inserir novas pessoas no grupo. Eugenio não sentia essa necessidade e exigia que quem quisesse assumisse a responsabilidade econômica e pedagógica pelo jovem que havia convidado. (VARLEY, 2010 p 41)

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          As diferentes técnicas do ator podem ser conscientes e codificadas, ou não conscientes, mas implícitas nos afazeres e na repetição da prática teatral. A análise transcultural mostra que, nessas técnicas, se podem individualizar alguns princípios-que-retornam. Esses princípios, aplicados ao peso, ao equilíbrio, ao uso da coluna vertebral e dos olhos, produzem tensões físicas pré-expressivas. Trata-se de uma qualidade extracotidiana da energia que torna o corpo teatralmente ‘decidido’, ‘vivo’, ‘crível’. Desse modo, a presença do ator, seu bios cênico, consegue manter a atenção do espectador antes de transmitir qualquer mensagem. Trata-se de um ‘antes’ lógico, não cronológico.

A base pré-expressiva constitui o nível de organização elementar do teatro.” (2009 p 25).

15 De acordo com Eugenio Barba, “A antropologia teatral é o estudo do ator em um nível comparativo entre as

diferentes tradições teatrais. De como se pode descobrir alguns princípios que estão presentes em todas as maneiras de fazer teatro, com ator, apesar de que as formas sejam diferentes. É como se as formas são diferentes, os princípios são idênticos e os valores são pessoais. De porque se faz teatro.” (2008, 2:17). Ou Ainda, “ A antropologia Teatral é o estudo do comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis e das tradições pessoais e coletivas. Por isso, lendo a palavra ‘ator’, se deverá entender ‘ator e bailarino’, seja mulher ou homem; e, ao ler ‘teatro’, se deverá entender ‘teatro e dança’”. (BARBA, 2009 p 25).

16 Segundo Taviani et al. “A cultura do Odin está encarnada em seu treinamento. A palavra treinamento indica um

processo ininterrupto, um conhecimento que sabemos sempre e quando o exercitamos, mas que não podemos possuir e deixar de lado. É uma palavra parecida com disciplina, cuja origem não tem nada que ver com respeito pelas regras e ordens, mas que significa a ciência do aprendizado contínuo.

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Esta nova pessoa não é escolhida de maneira necessariamente técnica. São outros aspectos que contam para entrar no grupo, como disse Julia Varley durante uma das conversas promovidas pelo Festival de Cali, após uma de suas demonstrações. Os vínculos já estabelecidos anteriormente, de amizade, de casamento ou uma vivência anterior junto ao grupo são fatos importantes que levam um ator a fazer parte do treinamento ou de um espetáculo do grupo.18

1.1.1 Pessoal/profissional – fronteiras e intersecções

Hoje o Odin Teatret tem um ambiente de aconchego familiar dentro da estrutura de empresa, e luta por conservar estas características, principalmente nas reuniões semanais e nos numerosos jantares e festas que acontecem no teatro ou na casa dos atores.

A princípio pode-se utilizar a metáfora da família para descrever o grupo e suas relações, já que mesmo financeiramente ele busca dividir os recursos igualmente, sem hierarquias. De acordo com a afirmação de Barba durante uma palestra no Festival de Cali, na Colômbia, um dos fatores mais importantes que o impede de convidar novos membros para o grupo é a necessidade de pagar a todos igualmente19, o que faz necessário certa cautela na agregação de novos membros.

Podemos imaginar muitos motivos que levaram a esta conjunção do grupo em um ambiente “familiar”: os fatos anteriormente citados como a rejeição dos primeiros atores20 por parte das instituições respeitadas; a tomada do trabalho como meio de reconhecimento; a necessidade do outro para a construção de um trabalho específico de treinamento e criação; ou ainda,

No caso específico do Odin Teatret, a intensidade do trabalho cotidiano e das turnês coloca muitas dificuldades nas relações afetivas e familiares. É difícil estabelecer uma relação duradoura com alguém que não seja do grupo, pois a turnês duram, em média, oito meses, e o trabalho cotidiano implica em longas jornadas de treinamentos, ensaios, atividades de administração e outras, paralelas, que eles desenvolvem. De modo que os                                                                                                                          

18 Os atores que entraram no grupo seguindo o esquema de “adoção” foram Roberta Carreri, Julia Varley, Iben Nagel

Rasmussen, Kai Berdholt. No momento em que estive na sede do grupo Sofia Canales estava sob os cuidados de Iben. No entanto ainda não é certo que Sofia se juntará ao grupo.

19 Dilema que Barba soube contornar com a criação do que o grupo chama “adoção” de novos membros e que tratarei

mais adiante.

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casamentos, de maneira geral, são endogâmicos, acontecem dentro do próprio grupo. Quando isso não ocorre, o remédio é se conformar em manter relacionamentos fugazes, arrumar formas não muito ortodoxas de manter o casamento, ou sair do grupo. (MARIZ, 2007 pgs. 59/60).

Apesar destes laços familiares evidentes, que se estabelecem quando existem casamentos entre os integrantes do grupo, e da intimidade evidente que estas relações trazem para o convívio do grupo, a estrutura que o mantém é uma empresa bem administrada, baseada nos recursos oriundos da economia dinamarquesa estável e rica.

Barba disse, na mesma reunião no Festival de Cali, que cerca de quarenta por cento de todo o montante que o grupo dispõe vêm do governo dinamarquês e do trabalho de produção do próprio grupo, que gera os demais sessenta por cento do dinheiro que mantém o grupo.21

Certamente esta estabilidade financeira contribui para a manutenção do grupo, pois permite tranqüilidade na resolução de problemas ligados às relações. Ter uma quantidade fixa para pagar os atores e os produtores, permite ao grupo pensar com mais clareza problemas de envolvimento interno, como a cooperação na própria produção, ou na limpeza do teatro.

Barba disse em Cali que, tendo como pagar os atores mensalmente, para que não precisem se preocupar em “ganhar a vida” fora dos portões do teatro, é possível dar ao grupo, e por consequência ao diretor, a disponibilidade dos atores que o permite exigir que atendam ao máximo suas indicações nos treinamentos e nas criações. No entanto a dedicação exigida e exemplificada por Barba faz com que o entendimento de “grupo”, enquanto uma entidade democrática e com aspectos “familiares”, esteja presente mesmo com a mediação financeira.

Há um desdobramento neste ponto quando se trata da relação remuneração e comprometimento, pois Eugenio Barba faz questão de ser um exemplo para as condutas que exige dos demais membros e visitantes do grupo. Quando está em Holstebro, Barba participa ativamente da vida do teatro, desde uma conversa com uma autoridade dinamarquesa para obtenção dos recursos necessários, até a fiscalização da limpeza do teatro.22

                                                                                                                         

21 O grupo gere recursos financeiros de suas apresentações de espetáculos, demonstrações de trabalho, oficinas,

seminários, encontros e direções. É possível encontrar grupos sendo dirigidos por atores do Odin Teatret. Os recursos destes trabalhos de direção são divididos entre o ator-diretor e o grupo. Para ficar hospedado no teatro é necessário pagar uma quantia diária, que dá direito à utilização das bibliotecas, dos acervos e ao acompanhamento dos ensaios e treinamentos (isso varia de acordo com o trabalho e a disponibilidade dos participantes, eu paguei um valor diário de vinte euros).

22 O teatro, que pode abrigar cinqüenta pessoas durante os seminários oferecidos pelo grupo, e que normalmente

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Esta dedicação do diretor dá aos demais a sensação de comprometimento que vai além do dinheiro recebido. Um comprometimento que lembra a divisão de tarefas de uma família, e a necessidade da limpeza como símbolo da partilha do espaço ocupado por todos, bem como o respeito pelas pessoas que ocupam o mesmo espaço23. No entanto é fato que os procedimentos de treinamento que o Odin Teatret já tinha, desde sua criação em Oslo, eram também formados por regras claras de trabalho. O ato de acordar todos os dias às sete horas da manhã para iniciar o treinamento às oito é uma das características dos tempos de treinamento do grupo.

O Odin Teatret mantém uma rotina, que varia dos momentos em que os membros do grupo de atores estão em casa, no teatro, e quando viajam com uma pequena parte do corpo administrativo (normalmente uma produtora acompanha cada viagem).

Segundo Roberta Carreri o período de viagens já foi bastante longo, chegando a oito meses por ano, fora estas viagens o grupo fica na sede onde atua diariamente na construção dos espetáculos, organização de seminários, ou ministrando oficinas. Dessa forma a freqüência dos encontros destas pessoas deixa a convivência intensa, e esse é mais um dos motivos pelo qual o grupo mantém uma rotina familiar. Cotidianamente se trabalha das oito da manhã às quatro da tarde, deixando livres os sábados e domingos. Soma-se a isso os eventos que o grupo produz, normalmente com a presença dos atores, o que faz com que a forte convivência pessoal se misture ao trabalho.

No entanto, segunda Julia Varley, o espetáculo é fruto do coletivo e deve ser protegido do exterior, o que os obriga a não deixar que questões pessoais interfiram no trabalho. Para isso usam uma imagem mental: “as questões pessoais não entram na sala de ensaios, permanecem do lado de fora da porta”.

Interessante é que o grupo possui trabalhos artísticos que expõem questões e procedimentos internos do coletivo, e ainda fazem referências a espetáculos anteriores. As

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          obsessão pelos cuidados do seu teatro, é a imagem do diretor passando os dedos pelos móveis do teatro enquanto fala, ou enquanto anda de uma sala para outra, na busca de pó, ou qualquer outro tipo de sujeira que venha a comprometer o asseamento do teatro, e assim que descobre algumas irregularidades pede ao primeiro que vê à sua frente que limpe, ou ele mesmo limpa.

23 É importante levar em consideração o distanciamento que se estabeleceu dado o encontro da minha cultura, a

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chamadas demonstrações de trabalho podem ser tanto sobre uma trajetória pessoal de um ator dentro do grupo, quanto sobre o processo criativo de determinado espetáculo. Além disso o grupo produz também espetáculos solos24 e espetáculos com outros grupos ou pessoas convidadas25. Isso normalmente ocorre dentro do ambiente da ISTA ou do Teatro Mundi Ensemble, iniciativas normalmente organizadas pelo próprio grupo juntamente com parceiros de diversos países principalmente da Europa, Ásia e América Latina.

Além das trocas culturais realizadas nestes encontros a pedagogia também é uma atividade fundamental no Odin Teatret e propicia este tipo de envolvimento cultural. Isso se deve a que os processos de aprendizagem são valorizados como prática do grupo. A experiência da criação corporal do ator, que podemos chamar treinamento, e a experiência de criação a partir deste corpo, que termina por resultar em um espetáculo, é tão importante quanto o próprio resultado final para o grupo.

É por isso que muitas pessoas ainda hoje vão até a Dinamarca simplesmente para ver os ensaios do grupo, ou para acompanhar, por algum tempo, os treinamentos dos atores. Certamente é por isso que muitos relatos de estrangeiros sobre temporadas no Odin Teatret partem principalmente de impressões pessoais, e menos de análises estéticas dos espetáculos. O Odin Teatret estabelece um convite para que o visitante submerja no cotidiano teatral do grupo, e dedique tempo a esta experiência.

1.1.2 As atrizes – contexto de formação profissional e pessoal

As atrizes do Odin Teatret foram formadas neste ritual cotidiano de trabalho físico e criativo, um cotidiano que é uma mescla de emoções, relações afetivas e profissionais, amizade, amor, desentendimentos, trabalho artístico, produção e necessidades financeiras.

Atores e atrizes deixam suas vidas pessoais para viver na sede do Odin Teatret em Holstebro, abandonando famílias, namorados e maridos, sendo “adotados” por membros mais velhos do grupo ou adotando aqueles que chegaram depois.

                                                                                                                         

24Judith (1987), O castelo de Holstebro (1999), Matando tempo, As borboletas de Dona Música (1997). 25

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Barba iniciou o grupo com uma metodologia composta por príncípios que regiam o treinamento e a criação. Estes pressupostos valem tanto para a cena como para a estética do grupo. Para o diretor, segundo Mariz, é o processo pedagógico que mantém o teatro e determinadas técnicas vivas,

Um dos aspectos que parece fasciná-lo nas tradições teatrais do Oriente é exatamente o da transmissão do saber, que se estabelece na relação mestre/discípulo. Transmissão essa que se dá por meio de um longo e rigoroso aprendizado, no qual o aspirante a ator aprende, no próprio corpo, a filosofia que orientará sua prática. A longa preparação do ator/bailarino oriental faz com que este construa sua identidade enquanto ator no próprio aprendizado, e não em relação ao espetáculo, como costuma acontecer no teatro convencional do Ocidente. (2007, p 186)

É por toda a relação, estabelecida entre a diretriz do mestre e os mecanismos de aprendizagem do grupo, que a condição do amibiente influenciou na construção da identidade destas atrizes, o que fica evidente na pedagogia do grupo.

Mesmo no momento em que o diretor deixou de acompanhar cotidianamente o treinamento dos atores ele ainda estava lá. Cada um dos atores partia de necessidades pré-estabelecidas conjuntamento com o diretor para criar seu repertório pessoal de exercícios, treinamento e metodologia de criação. Isso também se deveu ao fato de que Barba, baseado em princípios da pedagogia Oriental, estabeleceu regras que delimitavam o entendimento da prática teatral em relação às necessidades artísticas do grupo. Estas regras ultrapassavam as salas de ensaio e envolviam o cotidiano do grupo. Como descreve uma das atrizes do grupo:

Tênia la posibilidad de crear máscaras, figuras, de actuar y a nível artístico también hice canciones, textos, muchas melodias las hicimos nosotros mismos. Cuando estamos fuera de la escena escribimos, traducimos, en un tiempo yo fui responsable del intercambio de las revistas. [...] También escribimos cartas, organizamos seminários. Por ejemplo, organicé uno sobre Commedia dell’arte, fui a Italia. Hice el presupuesto, concebi todo. Así que en el Odin nosotros trabajamos en todos los campos, como una fábrica donde la persona no está todo el tiempo cosiendo, sino que va cambiando de actividad. Y así como una aprende mucho más acerca del teatro. (LAUKVIK, 1998 p 30)

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característica do teatro de grupo de um modo geral. Inclusive no Brasil percebemos ressonância dessa forma de pensar, ainda que aqui seja característica a divisão democrática de tarefas, sem a preponderância da imagem e centralidade do mestre.

No caso do Odin Teatret, descrever a analisar os procedimentos de manutanção e a divisão de tarefas do grupo é uma maneira de compreender a lógica pedagógica que este busca. A estrutura de organização, iniciada por Eugenio Barba e construída ao longo do tempo pelos membros do grupo, é composta pelo esquema que envolve a todos igualmente, tornando-os parte compositora e reguladora do grupo.

É sobre estes aspectos que os olhos devem estar atentos para compreender uma conjuntura de poder que empodera o sujeito, mas continua a submetê-lo, como diz Michel Foucault “[...] em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações” (1997 p 118).

Ou ainda,

Estes métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar de “disciplinas”. [as disciplinas] não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. (FOUCAULT, 1997 p 118)

Certamente a relação entre o cotidiano pessoal e profissional, na organização “odiniana”, tem faces de um poder instaurado pela detenção do conhecimento de metodologias de como treinar seu corpo, instituído ainda no início do grupo e ampliado para todos que se aproximem dele.

A minuciosidade desta regulamentação é mais intensa sobre os corpos dos atores e das atrizes, e principalmente sobre os corpos dos atores mais jovens dentro desta condição de “adoção” que o grupo impõem como regra para aceitação de um membro novo.

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imposta ao sujeito pelas exigências estéticas do grupo, e a disciplina que o sujeito exige de si, de seu corpo, para atingir resultados esperados. 26

É neste esquema que são treinados os corpos e criados os sujeitos/atores no Odin Teatret. É certo que há um “livre-pensamento” dos membros sobre as metodologias adotadas pelo grupo, mas é certo também que, tendo partido da iniciação de Eugenio Barba, estas escolhas estão no mínimo marcadas por esta referência, ou seja, estão relacionadas com o princípio de indução inscrito na pedagogia que se espalhou e se fortaleceu pelos anos.

Neste esquema não existe imposição, existem vontades construídas a partir de uma informação que reafirma a idéia de que “não é o conscenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos” (FOUCAULT, 1979 p 146).

Como o grupo foi construído inicialmente com jovens recusados da Escola Nacional de Oslo, e se constituiu tendo como referência o modelo não canônico do teatro grotowskiano com o qual Barba conviveu, houve de fato uma fundação de novos princípios muito influenciados pela perspectiva da direção. De forma que no ínício, mesmo sem ter o renome do qual desfruta atualmente, Barba era o detentor do conhecimento.

Isso marcou o mecanismo de ensino do grupo, e permaneceu como marca ao longo dos anos. Exceto Julia Varley, que já possuia certa experiência de trabalho por sua atuação no grupo italiano El Draco, os outros atores que compõem o grupo permanente do Odin nunca fizeram teatro antes de ingressar no grupo.

O traço dessa influência não está somente no trabalho prático das atrizes. Mesmo nos textos que elas produzem é possível perceber uma linha similar à de Barba. Um estilo de escritura composto por trechos de diários e textos escritos em uma linguagem pessoal, frequentemente composta por imagens.

As influências estão também nas demonstrações de trabalho milimetricamente calculadas, para não deixar de sempre referenciar o poder do diretor, ou de reiterar a condição de trabalho

                                                                                                                         

26

 Para maior discussão sobre este tema ver: MIRANDA, Maria Brígida de. Playful Training: Towards Capoeira in the Physical Training for Actors. 2003. 366 p. Thesis (Doctor of Philosophy) Faculty of Humanities and Social Sciences, La Trobe University, Bundoora, 2003.

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árduo sob o qual seus espetáculos são construídos. Segundo Else Marie Laukvik, essa característica de Barba é evidente e também uma justificativa para a importância do diretor,

Para mí Eugenio Barba es un primus motos. Su personalidad es tan fuerte como su inteligência y su entendimiento, así que siempre es muy normal para nosotros aceptar lo que el propone. El es el que tiene la decisión final, lo cual no es una situación democrática de trabajo, pero es que el liderazgo de Eugenio es muy importante y muy bueno en señalar caminhos y em darle a las personas tareas. El te debe dar trabajo y te da trabajo y desafia. Y el actor da y entonces el exige más e y el actor da más y más y más... Y así es como uno se desarrolla. (1998, p 30)

Parece bastante normal que um diretor como Eugenio Barba exija que seus atores trabalhem de maneira compenetrada e dedicada, principalmente em uma conjuntura onde a divisão de tarefas desafia constantemente o ator para novas necessidades. O ator, nesta estrutura, não pensa em si como parte insubstituível do coletivo.

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2 ONDE VIVEM AS ATRIZES – FRONTEIRAS ENTRE VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL

 

As atuais atrizes do Odin Teatret, Julia varley, Roberta Carreri, Iben Rasmussen e Else Marie Laukvik, têm maneiras diferentes de ensinar atuação, ou de descrever os percursos práticos de suas carreiras, seus processos de treinamento diário, de definir suas escolhas de exercícios específicos para seus respectivos corpos, ou ainda de delimitar a escolha de metodologias de criação que misturam momentos na sala de ensaio e a própria vida pessoal. Cada uma dessas atrizes desenhou um mapa definindo um percurso pessoal de treinamento e criação.

Esses percurosos estão algumas vezes sugeridos por necessidades graves, ou pela imposição de situações corporais que as obrigam ou obrigaram a parar em algum momento, relaxar e pensar em mecanismos diversos. Outras vezes é a disponibilidade e a sensibilidade que as levaram a perceber, no cotidiano, ferramentas para o aprimoramento de certo aspecto da criação, ou no treinamento. E assim as atrizes criaram exercícios novos, que hoje ensinam em oficinas e seminários.

Cada exercício que as atrizes criaram surgiu a partir da tentativa de suprir necessidades muito peculiares, de forma que é possível dizer que esses exercícios não sejam aplicáveis para qualquer pessoa, tal como um sistema acabado. No entanto o que interessa neste caso específico não é dizer que existe um método das atrizes do Odin, mesmo porque o que existe pode ser melhor definido como uma metodologia do Odin Teatret, como dito anteriormente, um modelo sistematizado inicialmente por Eugenio Barba e aprimorado nos anos de treinamento pelo conjunto da equipe do grupo, no qual destaco a intervenção das atrizes.

Interessante é perceber que Eugenio Barba estabeleceu princípios de treinamento, e com o processo de suas direções estabeleceu necessidades específicas para o tipo de espetáculo que dirige, o que caracteriza finalmente sua estética. Mesmo quando deixou de acompanhar o treinamento dos atores e a criação de “materiais” para as cenas, permaneceu presente, pois já havia “codificado” ou instaurado uma necessidade específica. Cada direção ainda hoje é uma maneira de estar atento para o que “precisa” ser feito no Odin enquanto técnica.

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momentos de interferência na direção, o que é importante perguntar é até que ponto cada uma das atrizes é contemplada em sua maneira de criar e, dessa forma, de expressar suas próprias opiniões nos espetáculos.

Me parece que esse espaço é sim oferecido aos atores e atrizes do Odin, precisamente através da relação pessoal/profissional. Desta maneira, justamente quando o ator se vincula ao trabalho pessoalmente, ele possibilita que o profissional esteja transpassado pelo pessoal, criando um ambiente onde estas fronteiras não são necessárias. Por isso talvez a proximidade entre o modelo do grupo e a configuração familiar seja importante não só para a manutenção, mas para os processos de criação característicos do Odin.

A noção de um trabalho grupal, que pertence a todos, se faz concreta e operacional principalmente porque neste ambiente cada um colabora de maneira pessoal e única. Por isso interessa destacar especialmente os momentos onde as relações entre o pessoal e o profissional são bastante tramadas, de maneira que o teatro influencia a vida pessoal, e a vida pessoal é geradora da vida teatral

A análise de textos do grupo e o acompanhamento de ensaios permitem perceber que, para chegar a alguma resposta para estas questões, é preciso estar atento ao nível da relação entre o pessoal e o profissional dentro do contexto do Odin. Encontrar as formas e modos das relações que cada uma das atrizes estabelece entre o espaço de sua vida profissional e o lugar da pessoalidade é realizar uma aproximação ao funcionamento profundo do grupo, tanto em sua dimensão social como criativa.

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2.1 EXPERIÊNCIAS  

É certo que todo fazer teatral está condicionado à interface entre o pessoal e o profissional em certo nível, principalmente na configuração do teatro de grupo. Na conjuntura grupal, criar teatralmente está relacionado à manutenção e criação das condições de fazer teatro, o que envolve atores e diretores no trabalho cotidiano de produção que vai além de ensaios.

Neste sentido, quando descobrimos lugares onde se tocam a esfera profissional e a pessoal, pensamos sobre a experiência de fazer teatro neste ambiente, onde o caminho, o encontro das pessoas, a delimitação de um tema, de um texto e a criação de uma metodologia é parte do processo de criação artística, isto é, faz parte da experiência contínua de fazer teatro dentro de um grupo de maneira que, como diz Samantha Agustin Cohen:

No âmbito do TG [Teatro de grupo], de modo geral as relações se dão de maneira horizontal. Todos e cada um dos integrantes assumem funções múltiplas. Além de desempenharem suas atividades artísticas eles dividem a responsabilidade de manter a estrutura organizativa e de produção do grupo. (2010 p 77)

 

A forma de organização do Odin Teatret é percebida pelos atores como parte importante do seu fazer teatral. Segundo a perspectiva desses artistas, é o fato de se estar presente neste local, tomando-o como parte da experiência teatral no processo de criação, sem diferenciar completamente o plano das relações estruturais do território da criação, que traz uma perspectiva relacionada com o conceito de “Terceiro Teatro27”. Um exemplo disso é o depoimento de Else Marie Laukvik, quem afirma que:

                                                                                                                         

27 De acordo com Eugênio Barba, “Para os que estudam teatro, para os que querem compreender, é necessário

Referências

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