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Luta operária: trabalhadores (as) da companhia de fiação e tecidos alliança na "greve geral" de 1903"

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 437 Isabelle Cristina da Silva Pires Resumo: O objetivo deste texto é analisar o contexto, as possíveis condições para a eclosão do movimento que ficou conhecido como a “greve geral” de 1903 e a atuação dos (as) trabalhadores (as) da Companhia de Fiação e Tecidos Aliança nessa greve. Os operários desta fábrica ocuparam um papel de destaque na expansão das paralisações entre as demais fábricas têxteis e outras categorias importantes para a economia no Distrito Federal. Utilizando, sobretudo, o periódico “O Paiz” como fonte, procuro acompanhar o decorrer diário da greve e ressaltar as ações e modos de reivindicação dos (as) trabalhadores (as) da fábrica Aliança.

Palavras-chave: Greve; Primeira República; trabalhadores (as) têxteis; fábrica Aliança.

WORKERS’ STRUGGLE: WORKERS OF ALLIANÇA SPINNING AND WEAVING COMPANY IN THE “GENERAL STRIKE" OF 1903

Abstract: The purpose of this paper is to analyze the context, the possible conditions for the outbreak of what became known as the "general strike" of 1903 and the actions of employees of the Alliança Spinning and Weaking Company in this strike. This workers occupied a prominent role in the expansion of the strike among the other textile mills and other important categories for the economy in the Federal District.Using mainly the periodical "O Paiz" as the source, I try to follow the daily course of the strike and highlight the actions and claim modes of workers of factory Alliança.

Keywords: Strike; First Republic; textile workers; factroy Aliança

Introdução

A Companhia de Fiação e Tecidos Alliança localizava-se no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e era a principal fábrica têxtil brasileira em 1905 segundo boletim do Centro Industrial do Brasil, tanto em número de funcionários (as) (1637) e quantidade de teares quanto em produção anual2.

1 Mestranda em História, Política e Bens Culturais pelo Centro de Pesquisa e Documentação

em História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV. Bolsista CPDOC.

2 Centro Industrial do Brasil. Boletim. 1905 Fascículo III. Quadros referentes às indústrias

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 438 A fábrica Alliança era um complexo fabril: além de ser um empreendimento de grande porte com diversos prédios, também possuía vila operária, escola noturna, farmácia, consultório médico, casa de pasto, botequim, etc. A fábrica contava ainda com uma banda de música formada por funcionários que chegou a tocar em vários eventos da cidade3. Em pesquisas anteriores, pude perceber que o administrador da Alliança, o senhor Oliveira e Silva gerenciava a fábrica com mão de ferro e procurava exercer controle sobre os operários e operárias que trabalhavam em sua fábrica e moravam na vila operária da Alliança4.

Neste sentido, a presente pesquisa apresenta-se como uma análise da chamada “greve geral” de 1903, procurando ressaltar a atuação dos (as) operários (as) da Fábrica Alliança para expandir o movimento e reivindicar suas pautas, assim como buscarei destacar as estratégias de Oliveira e Silva, das forças policiais e do governo para reprimir a parede grevista.

Movimento grevista no início da República

A partir de 1880, as greves se generalizaram no Rio de Janeiro, passando a se constituir na principal arma da luta de classes. Marcelo Badaró afirma que entre os anos de 1890 e 1899, foram encontradas 37 greves, já na década seguinte, 1900 e 1909, foram registradas 109 greves. É notável que a utilização da greve como forma de protesto teve um crescimento expressivo a partir do século XX5.

Marta. O fio da meada: estratégia de expansão de uma indústria têxtil; Companhia América Fabril 1878-1930. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, Confederação Nacional da Indústria, 1986.

3 Ver: Notas diversas. O Paiz, Rio de Janeiro. 16 de novembro de 1908.

4 Um exemplo disso foi relatado pelo jornal Gazeta Operaria nos dias 2 e 9 de novembro de

1902. GARCIA, Mariano. Fabrica de Tecidos Aliança. Gazeta Operaria. Rio de Janeiro. 09 nov. 1902. Folha 2.

5 MATTOS, Marcelo Badaró. Greves e repressão policial aos sindicatos no processo de

formação da classe trabalhadora carioca (1850-1910). In: MATTOS, Marcelo Badaró (Coord.).

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 439 É importante ressaltar que de acordo com a legislação, o fenômeno da greve variou entre uma transgressão e um direito. O artigo 206 do Código Penal de 1890 estipulava punição de prisão celular de um a três meses para quem causasse ou provocasse a interrupção do trabalho, como meio de defesa de aumento salarial ou diminuição de serviço. No entanto, o Centro do Partido Operário organizou uma campanha e conquistou a supressão da norma desse artigo no Código Penal, através do decreto nº 1.162, de 12 de dezembro de 18906. Podemos perceber que a supressão do artigo 206 do Código Penal foi uma importante conquista para os trabalhadores, visto que a partir desse momento a greve se tornava o principal instrumento reivindicatório do operariado.

Em um levantamento elaborado por Marcela Goldmacher foram encontradas entre os anos de 1890 a 1906, 106 greves. A autora ainda constatou que as categorias que mais se utilizaram dessa manobra foram os sapateiros e os tecelões com 12 greves cada7. De acordo com essa pesquisa, durante o período analisado, o ano que teve maior número de paralisações foi o de 1903, com 39 greves. Segundo Goldmacher, é característica desse período o maior grau de mobilização, compreendendo categorias inteiras ou mais de uma categoria.

A ação direta era um forte artifício para as classes trabalhadoras defenderem suas demandas fora dos canais políticos de participação, visto que o próprio sistema excluía grande parte dessa população do direito político de escolher seus governantes, em decorrência do voto restringir a participação de mulheres, analfabetos, estrangeiros e menores de 21 anos.

Claudio Batalha aponta que o início do século XX apresentava condições favoráveis para a efervescência de movimentos reivindicatórios dos trabalhadores: primeiro, por representar um período de expansão da

6 MATTOS, Marcelo Badaró (Coord.), op. cit., p. 52.

7 GOLDMACHER, Marcela. Movimento operário: Aspirações e lutas. Rio de Janeiro

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 440 economia iniciada em 1903; segundo, em virtude da propagação de centros operários que defendiam a luta sindical. O autor destaca que o surgimento dessas organizações tinha ligação direta com os movimentos grevistas: em alguns casos as associações precedem as greves, em outros, são criadas em decorrências destas8.

Em 1903 o deputado Barbosa Lima havia apresentado no Congresso algumas propostas de leis que reivindicava direitos para os trabalhadores das empresas do Estado. Dentre estas propostas havia uma em que o deputado defendia a jornada de 8 horas diárias e o amparo à invalidez e à velhice. Como agravante, no dia 1º de maio, Vicente de Souza, na companhia de alguns operários entregou a Rodrigues Alves uma carta em que defendia as 8 horas diárias de trabalho. O presidente, então, resolveu apoiar tal demanda e enviou o pedido ao Congresso, no entanto, a solicitação foi feita em benefício dos funcionários das oficinas do Estado. Para Angela de Castro Gomes, esse acontecimento foi fundamental para a ocorrência da greve que se ampliou para outras categorias em agosto desse ano. Segundo a autora, a descrença no poder público foi muito significativa para a generalização do movimento9. Batalha defende que se até então, as greves se caracterizavam pela redução, muitas vezes a uma única fábrica, a partir desse momento o movimento grevista começa a atingir proporções maiores, compreendendo categorias inteiras e até a união de diferentes categorias. A greve que será analisada nesta argumentação, iniciada pela indústria têxtil na Capital Federal em 1903, segundo Batalha foi um marco no sentido de cooptação de diferentes categorias para adesão em uma greve, principalmente por ter sido iniciada e expandida pelos trabalhadores do setor têxtil, categoria submetida ao trabalho mecânico, com forte presença de mulheres e crianças, e que não tinha a experiência de mobilização das categorias artesanais qualificadas. A

8 BATALHA, Claudio. Breve história do movimento operário. In: BATALHA, Claudio. O

movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000. p. 39.

9 GOMES, Angela de Castro. República e Socialismo na Virada do Século. In: GOMES, Angela

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 441 adesão de outros setores conferiu à greve encabeçada pelos tecelões ares de greve geral, chegando a reunir milhares de trabalhadores10.

Podemos compreender, a partir da análise de Claudio Batalha, um desprestígio em relação aos trabalhadores têxteis, em detrimento das condições de trabalho a que estavam submetidos, ou seja, notamos a existência de uma hierarquização da classe operária em virtude da mecanização desse setor e da considerável presença feminina e infantil nesse ramo. No entanto, Batalha destaca que mesmo sendo uma categoria com as especificidades mencionadas, os trabalhadores e trabalhadoras das fábricas de tecidos conseguiram a adesão de diversas categorias operárias, até mesmo dos ramos qualificados, na greve iniciada por eles.

Marcelo Badaró salienta que entre os anos de 1890 e 1903, os tecelões organizaram dez paralisações por fábricas, compreendendo pelo menos seis fábricas distintas. Até o início de 1903, não havia uma associação que unificasse as lutas da categoria. A Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos foi fundada em 1903 e será analisada a seguir11.

Federação de Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos

O primeiro sindicato industrial fundado no Rio de Janeiro foi do setor têxtil, denominado Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, também chamado Federação de Operários em Fábricas de Tecidos.12 Este sindicato foi instituído em fevereiro de 1903 com sede na Rua

10 BATALHA, Claudio H. M., op. cit., pp. 39-40. 11 MATTOS, Marcelo Badaró (Coord.), op. cit., p. 37.

12 Os sindicatos por indústria foram, comumente, estabelecidos em atividades que não

possuíam sindicatos de ofícios consolidados, como foi o caso da indústria têxtil, que apresentava um considerável processo de desqualificação, isto é, em que o desenvolvimento da mecanização permitira a substituição da maioria das funções qualificadas. Boris Fausto argumenta que essa federação têxtil trouxe para a Capital Federal a estratégia da resistência ou do sindicalismo francês. In: FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. 3. ed. São Paulo: DIFEL, 1983.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 442 General Câmara, 153.13 Esta federação teve como influência ideológica o sindicalismo francês.

É digno de destaque a importância de conter a palavra “operárias” no título da federação. Percebemos que o sindicato se propunha a ser misto e que tinha a preocupação de convocar as mulheres à sindicalização, visto que elas estavam em número considerável nas fábricas de tecidos, mas não se sentiam confortáveis em atuar no movimento operário ao lado dos homens.

Marcela Goldmacher afirma que de acordo com o relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, a federação teve em pouco tempo uma alta adesão dos operários das fábricas têxteis do Rio de Janeiro. A Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos foi um forte centro mobilizador, não só para os operários têxteis, mas também para outras categorias, prova disso foi que essa associação teria sido o principal pilar da “greve geral” de 1903, que chegou a 40.000 grevistas, dos quais 25.000 eram tecelões14.

Angela de Castro Gomes defende que a Federação de Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos juntamente com a Liga dos Alfaiates atuaram como centros coordenadores desse movimento grevista15. Essas associações foram de extrema importância para que a paralisação do trabalho atingisse as proporções alcançadas, pois como trataremos no subtítulo seguinte, a Federação de Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos reuniu trabalhadores para discutir estratégias de atuação, o andamento da greve, formas de libertar os operários presos, entre outras práticas.

Para Claudio Batalha, apesar de ter sido derrotado, esse movimento grevista alcançou grandes proporções e lançou as bases para um sindicalismo mais pautado na ação direta na Capital Federal. Um mês após a

13 BATALHA, Claudio H. M.. Dicionário do movimento operário: Rio de Janeiro do século XIX

aos anos 1920, militantes e organizações. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009. p. 221.

14 GOLDMACHER, Marcela. A “Greve Geral” de 1903: O Rio de Janeiro nas décadas de 1890 e

1910. Niterói, 2009. Tese de doutorado - UFF. pp. 54-55.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 443 greve era instituída a Federação das Associações de Classe, que originaria a Federação Operária Regional Brasileira em 1905. Este sindicato organizou o 1º Congresso Operário Brasileiro em abril de 1906 transformando-se posteriormente na Federação Operária do Rio de Janeiro16.

Para os fins desta pesquisa atentaremos para a Federação de Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, pois foi o sindicato têxtil que esteve atuante durante o período da “Greve Geral” de 1903 e que conseguiu reunir e estimular outras categorias para esse movimento paredista.

Os (as) trabalhadores (as) da Fábrica Alliança na “Greve Geral” de 1903 A seguir, analisaremos o desenrolar diário da greve com início em agosto e término na primeira semana de setembro de 1903. Destacarei a atuação da fábrica Alliança nesse movimento. Nossa análise atentará tanto para os modos de agir dos operários deste estabelecimento quanto para os procedimentos de repressão utilizados pelo industrial Oliveira e Silva (administrador e um dos donos da fábrica Alliança). Para uma compreensão satisfatória dessa greve contemplarei o desempenho do operariado para a expansão do movimento. Apontarei a atuação das demais fábricas têxteis e das outras categorias em parede, no entanto, nosso enfoque se concentrará na fábrica Aliança.

As fábricas de tecidos tinham o hábito de vender aos operários instrumentos necessários para a realização do trabalho. Desde o dia 8 de agosto, um sábado, os trabalhadores da Fábrica de Tecidos Cruzeiro começaram a protestar contra essa prática, e no dia 11, depois do almoço, não mais voltaram ao trabalho17.

No dia 12 de agosto, os trabalhadores da fábrica Cruzeiro declararam que estavam em greve. Esses operários saíram do estabelecimento e

16 BATALHA, Claudio H. M., op. cit., p. 40. 17 GOLDMACHER, Marcela, op. cit., p. 124.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 444 procuraram se dirigir à Fabrica de Tecidos Confiança com o intuito de conseguir a adesão destes à greve. A polícia foi chamada. Apesar da atitude pacífica dos operários, a força policial os seguiu, e conseguiu impedi-los de conversar com os companheiros da Confiança18. As demissões começaram a ocorrer no início do movimento como tentativa de sucumbir a greve, mesmo assim, não foram suficientes para impedir que esta tomasse proporções maiores.

No dia seguinte, apesar dos motivos particulares, a greve começou a receber a adesão de diversas fábricas têxteis. Os operários da fábrica de tecidos Alliança resolveram apoiar o movimento. Além dos motivos relacionados a condições de trabalho: longas jornadas de trabalho, baixas remunerações, tratamento violento por parte dos mestres e gerentes, desrespeito contra honra das trabalhadoras, houve um incidente detonador: o diretor da fábrica negou o pedido feito por uma comissão de operários para readmitir uma trabalhadora dispensada pelo mestre de teares Ferreira da Silva. A operária demitida, uma viúva polaca, de nome Ludovica, havia sofrido abuso sexual do mestre mencionado, ficou grávida e foi por ele abandonada19.

A trabalhadora afastou-se da companhia durante um mês para dar à luz no hospital da Misericórdia. Quando retornou à fábrica para retomar o trabalho, o mestre Ferreira da Silva impediu-a de ocupar sua função alegando que ela não era mulher honesta. Outro fator foram as demissões arbitrárias de dois operários que, segundo seus companheiros, cometeram falta leve20.

Era corriqueiro no ambiente de trabalho das fábricas de tecidos as operárias serem alvos das investidas “amorosas” e abusos sexuais de mestres e contramestres. No entanto, notamos que no caso de Ludovica o motivo apontado para sua demissão teria sido o fato desta já não ser mais uma

18 Ibid.

19 GOLDMACHER, Marcela, op cit., pp. 124-125.

20 AZEVEDO, Francisca Nogueira de. O diário da greve. In: AZEVEDO, Francisca Nogueira

de. Malandros desconsolados: O diário da primeira greve geral do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Prefeitura, 2005. pp. 43-44.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 445 “mulher honesta”, por ter se envolvido com um mestre. Ou seja, nesse caso, o mestre Ferreira da Silva utilizou-se das noções de comportamento socialmente aceitos para mulheres com o intuito de julgar o caráter de Ludovica. Contudo, observamos que o próprio mestre que abusou da viúva polaca a demitiu, talvez para evitar problemas para ele mesmo.

O ato dos (as) trabalhadores (as) de ameaçar parar o trabalho caso a operária não fosse readmitida, representou uma tentativa de defesa do trabalho feminino por meio do enfrentamento contra os patrões. Com a declaração de paralisação dos operários e operárias até que as readmissões fossem efetuadas, a diretoria da fábrica Alliança mandou então que fechasse o estabelecimento com o receio de atentados. Com a adesão da Alliança, se encontravam em greve 3.000 operários21.

No dia 14 de agosto, uma comissão de operários da Alliança dirigiu-se ao presidente Oliveira e Silva para novamente solicitar a revogação da demissão dos operários mencionados. O pedido foi negado sob a alegação de necessidade de manter a ordem. Nesse sentido, os diretores desta fábrica enviaram um telegrama à imprensa:

A directoria da Companhia Fiação e Tecelagem Alliança, depois de ter, com toda prudencia, attendido a exigencias dos seus operarios e que de algum tempo a esta parte lhe são impostas quazi quotidianamente, recebendo novamente hoje imposições que só visam a perturbação da boa administração de suas officinas, resolve suspender os trabalhos de suas fabricas.

Nestas condições, ajustando contas com seus operários, aguarda o restabelecimento da ordem para só recomeçar os trabalhos quando conseguir pessoal disposto a observar o regulamento interno, em vigor ha 23 annos de quase perfeita tranquilidade.

Como medida de prevenção e ordem, pediu o auxilio da policia, encontrando no Exmo. Sr. Dr. Vieira Braga, digno delegado da 17ª circumscripção, a maior competência no exercício de suas funcções, tomando as providencias necessarias em presença das reclamações apresentadas ao

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Exmo. Sr. Dr. Cardoso de Castro, muito digno chefe de policia.22

Alguns pontos nesse comunicado à imprensa merecem destaque. Não se sabe quais exigências dos operários foram atendidas pela diretoria, visto que os operários e a operária demitidos não foram aceitos de volta e as demandas referentes ao cotidiano do trabalho também não poderiam ser resolvidas em apenas um dia. Podemos entender, ao ler o pronunciamento, que restabelecer a ordem e retomar o regulamento interno “em vigor há 23 anos de quase perfeita tranquilidade” significava retornar ao cenário anterior à greve com as mesmas condições trabalho.

Mais tarde, uma comissão de operários então se dirigiu à Fábrica Carioca, no Jardim Botânico, com a intenção de convencê-los a aderir ao movimento. Assim, os trabalhadores da Carioca solicitaram ao diretor do estabelecimento que implantasse as 8 horas de trabalho diário na companhia. A diretoria negou a solicitação. Mesmo com o pedido de redução de horas não atendido, os operários da Carioca não declararam no dia se adeririam à greve ou não23.

Nesse mesmo dia, ficou decidido que uma comissão formada por seis operários das principais fábricas de tecidos envolvidas no movimento visitariam os companheiros da Fábrica de Tecidos Bangu e solicitariam-lhes a incorporação à parede24.

No dia 15 de agosto, a comissão formada pelos operários das fábricas Alliança e Cruzeiro dirigiu-se à companhia Corcovado que, apesar da indecisão dos trabalhadores em prestar solidariedade aos companheiros, o gerente, com receio de atitudes violentas, suspendeu as atividades do estabelecimento25. Situação semelhante ocorreu na fábrica São Felix, em

22 Mais uma greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 15 de agosto de 1903. 23 Mais uma greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 15 de agosto de 1903. 24 Mais uma greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 15 de agosto de 1903. 25 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., p. 47.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 447 Botafogo, onde o trabalho também foi suspenso e as fábricas receberam escolta policial26.

A atitude da comissão de percorrer outras fábricas solicitando adesão foi positiva, pois, no dia 15 de agosto já se encontravam fechadas as fábricas de tecidos Cruzeiro, Alliança, Carioca, Bonfim e Santa Heloisa. Neste mesmo dia, o chefe de polícia, Cardoso de Castro, participou de uma conferência com o Ministro do Interior, o Ministro da Guerra e o general Hermes da Fonseca, que comandava a brigada policial, para reunir forças no combate ao movimento grevista. Cardoso de Castro também se reuniu com os delegados urbanos e deu-lhes recomendações sobre como agir com os grevistas. Dentre as instruções estava a de que “qualquer atentado contra a segurança individual e contra a propriedade sejam repelidos com a máxima energia e na medida da agressão.”27

Uma comissão formada por trinta operários das fábricas Alliança e Cruzeiro continuou a busca por adesão à greve. Com um considerável número de fábricas de tecidos em parede, passaram a visitar também estabelecimentos de outros ramos, como de fósforos e de barbantes28. Podemos perceber que os grevistas começaram a ter preocupação de expandir a greve não só a outras fábricas têxteis, mas também a outros setores.

No dia seguinte, já haviam aderido à parede as fábricas Cruzeiro, Corcovado, Santa Heloísa, Carioca e Alliança, São Felix, Bonfim, Bangu, Confiança e Santa Eloisa, algumas não se declararam em greve, mas as fábricas se encontram fechadas e sob proteção policial29.

Notamos que apesar dos operários das fábricas de tecidos estarem expandindo o movimento grevista, não havia uma pauta única de reivindicação e as fábricas ingressavam no movimento por diversos motivos,

26 A gréve. O Paiz. Rio de Janeiro. 16 de agosto de 1903.

27 Jornal do Brasil, 16/08/1903, Ed. da manhã, p. 5. In: GOLDMACHER, Marcela, op. cit., p. 126. 28 GOLDMACHER, Marcela, op cit., pp. 126-127.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 448 dentre eles a jornada de 8 horas de trabalho, aumento de salários, readmissão de companheiros, mudanças no regulamento interno da fábrica, etc.

Em 17 de agosto, mais fábricas têxteis, outros ramos industriais e uma sociedade operária declararam a adesão ao movimento iniciado pelos tecelões. Ao todo sete novas fábricas em parede, são elas, de tecidos Rink, São Lourenço, Justino Alegria, Vitória, São João, de tinturaria Salingre e de cigarro Pipinhas30. Além da Sociedade dos Artistas Chapeleiros31. Apesar das adesões de diversas fábricas, a comissão de operários, em sua maioria da fábrica Alliança, continuava a percorrer outros estabelecimentos industriais com o objetivo de expandir o movimento paredista. Segundo Francisca Azevedo, neste mesmo dia, a diretoria da fábrica Alliança divulgou um aviso no portão geral no qual anunciava o desligamento dos grevistas da companhia32.

Chegou ao conhecimento do chefe de polícia Cardoso de Castro que ocorreria às 7 horas da noite uma reunião dos operários na praça General Osório, nesse sentido, foram encaminhados agentes policiais ao local para dissolver o encontro. No entanto, a reunião efetuou-se em um prédio da Rua General Câmara, nº 153 em frente à praça General Osório, onde funciona a Sociedade dos Artistas Chapeleiros33, edifício que também abriga a sede da federação dos tecelões.

Entre as providências decididas na reunião, estava a que os chapeleiros seriam solidários à greve. No encontro estavam alguns operários da fábrica Alliança, que relataram ao repórter do jornal O Paiz serem vítimas de vexames e castigos físicos por parte de seu patrão:

Entre os presentes estavam alguns operários da fabrica Alliança, que referiram ao nosso repórter alguns dos vexames que soffrem de seus patrões. Ainda hontem, dois de seus companheiros, sendo presos, pela manhã, no Mundo Novo, foram levados a presença do Dr. Oliveira e Silva para o fim de

30 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., p. 50. 31 GOLDMACHER, Marcela, op. cit., p. 128.

32 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., pp. 51-52. 33 A gréve. O Paiz. Rio de Janeiro. 18 de agosto de 1903.

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os reconhecer. Este senhor mandou castigar os dois homens á vara de marmeleiro, por guardas do estabelecimento.34 Percebemos, com essa denúncia, que em plena República, os trabalhadores livres estavam submetidos a práticas herdadas do sistema escravista, no qual os castigos físicos representavam uma das formas de coerção por má execução do trabalho ou pela renúncia ao serviço.

Ainda neste dia, o chefe de polícia participou de uma conferência com o presidente da República. Na reunião, Cardoso de Castro informou a Rodrigues Alves o desenrolar da greve. Ficou decidido que a polícia deveria manter a atitude enérgica com que estava reprimindo o movimento e proibir reuniões operárias em praça pública35.

Francisca Azevedo afirma que diversas prisões ocorreram neste dia. O chefe de polícia determinou a prisão de todos os operários que impedissem o trabalho. Além disso, os detidos seriam processados de acordo com os artigos 204, 205 e 206 do Código Penal. De acordo com esses artigos, deveriam ser presos os operários que estavam incitando os companheiros a aderir à greve, e punidos aqueles que paralisassem o trabalho com o intuito de reivindicar melhores salários ou redução de horas. É possível compreender então, que a repressão ao movimento grevista se pautava na lei, apesar das constantes reclamações a respeito da violência com que a greve estava sendo tratada, era dessa forma que as autoridades enxergavam ser a melhor maneira de cessar o movimento.

Assim sendo, as lideranças do movimento grevista passaram a ser caçadas. Nas proximidades das fábricas, eram revistadas todas as pessoas “suspeitas”. Ao passo que a ocorrência da greve foi atribuída ao anarquismo, os estrangeiros se tornaram os alvos principais. Nessa lógica, Antonio Cabrera, uma das principais lideranças do movimento, foi preso. Cabrera era sapateiro e conhecido por ser anarquista, em sua casa os grevistas realizavam

34 A gréve. O Paiz. Rio de Janeiro. 18 de agosto de 1903. 35 GOLDMACHER, Marcela, op. cit., p. 128.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 450 reuniões secretas. O italiano Clemente Fascine, também líder da paralisação, foi detido na Gávea no mesmo horário. As autoridades policiais prenderam ainda os operários Antonio Pereira e Manuel Luís da Silva, nos arredores da fábrica Alliança, e Antonio Schitim, no Largo do Capim, que, de acordo com os agentes, portava uma navalha36.

Os industriais se aliaram ao governo para reprimir a força que a paralisação estava alcançando. Segundo Francisca Azevedo, a diretoria da fábrica Alliança publicou no Jornal do Comércio um informe que deixava claro a união empresariado e poder público:

A fábrica Alliança, que ainda continua paralisada em seus trabalhos, recebeu hoje de manhã a visita do sr. dr. chefe de polícia, que pessoalmente vem afirmar à diretoria o apoio da polícia na garantia da propriedade e da vida e da disposição em que se acha de fazer acatar as resoluções de ordem administrativa que forem tomadas. Os senhores presidente e gerente agradecerão a S. Ex. o sr. dr. chefe de polícia esse apoio moral da sua presença e material da força, que tem mandado destacar para garantir as fábricas e as propriedades e as mais acertadas providências tomadas significando também a S. Ex. o quanto a competência e acurado zelo tem mostrado o sr. delegado da 17ª delegacia, dr. Vieira Braga, que, permanecendo noite e dia na fábrica, tem sido incansável dirigindo a polícia, cujo comandante e praças se têm portado de modo mais digno37.

Com tal comunicado público divulgado pela fábrica Alliança, percebemos que o chefe de polícia, além de disponibilizar efetivo policial para assegurar a proteção dos estabelecimentos, também se colocava à disposição para “acatar as resoluções de ordem administrativas que forem tomadas”, ou seja, a quaisquer outras estratégias formuladas pelos patrões para reprimir o movimento paredista. É evidente que a força policial estava aliada aos industriais nessa conjuntura.

No final da noite do dia 17 confirmaram participação na greve os pintores e os chapeleiros, e no dia 18 de agosto, o movimento conseguiu a

36 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., pp. 55-56.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 451 adesão dos trabalhadores da fábrica de calçados Globo e dos operários charuteiros38.

Durante a greve, a grande maioria dos industriais decidiu fechar as portas de suas fábricas e deixá-las sob escolta policial. Marcela Goldmacher afirma que em diversos momentos Cardoso de Castro certificou os empresários de que poderiam reabrir seus estabelecimentos com a garantia da polícia. A autora então destaca que podemos perceber aí que empresariado e polícia, apesar de aliados na repressão ao movimento, enxergavam-no de maneiras diferentes. A força policial, preocupada com a ordem, utilizou diversas táticas para impedir a paralisação dos trabalhadores, por ter noção de que o movimento alcançava grandes proporções. Já os industriais, estavam preocupados com a defesa de suas propriedades, sem atentarem para a força que a greve operária ganhava a cada dia39.

Logo no início do movimento os trabalhadores se organizaram, reunidos em suas sociedades de ofícios e na Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos. Os empresários, por sua vez, associaram-se no Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão depois de alguns dias40.

Os operários têxteis e os trabalhadores da Companhia de Gás utilizaram estratégias diversas para terem suas reivindicações atendidas pelos patrões: enquanto os primeiros paralisaram seus trabalhos, os últimos recorreram ao apoio de Vicente de Souza para que intermediasse as reivindicações. Vicente de Souza se reuniu com os diretores da Companhia de Gás e levou as revindicações dos trabalhadores ao Ministro da Viação. Deste modo, conseguiu que alguns artigos do regulamento fossem alterados e os salários aumentados41.

38 GOLDMACHER, Marcela, op. cit., pp. 129-130. 39 GOLDMACHER, Marcela, op. cit., p. 129. 40 Ibid.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 452 Percebemos que o movimento operário se utilizou de diferentes táticas para ter suas demandas atendidas pelos patrões. Se por um lado uns procuraram defender suas reivindicações por meio da ação direta, sob a influência do sindicalismo revolucionário, por outro, havia os operários que preferiram não aderir à greve, mas buscaram efetuar suas negociações recorrendo a interlocutores de fora da classe, geralmente políticos, para que intercedessem e intermediassem o acordo entre patrões e empregados.

No dia 19 de agosto, foram publicadas no jornal O Paiz, as reivindicações de cada fábrica têxtil. De um modo geral, excetuando-se as demandas particulares, os operários pediam a implementação das oito horas de trabalho (das 7 às 16 horas), com uma hora para o almoço; aumento de 40% sobre os salários atuais; readmissão dos operários demitidos e demissão de mestres agressivos e que atentavam contra a honra das operárias42.

Além das demandas mencionadas, os operários da Alliança exigiam a retirada de um chuveiro do local em que estava localizado na seção dos teares, por ser anti-higiênico; a substituição da água de beber, que era de péssima qualidade; a troca de um assoalho na seção da tinturaria; a repreensão do chefe de teares da fábrica velha por atentar contra a moralidade e a demissão do gerente por incapacidade e por tratar mal os operários43.

O Paiz, nessa mesma edição, procurou expor seu posicionamento que se tornaria central na sua argumentação sobre a greve. O periódico defendia que o governo deveria ocupar o lugar de intermediário no conflito entre patrões e trabalhadores. Observemos um trecho:

Exactamente por não termos uma legislação operaria e estarem os trabalhadores, em taes circumstancias, entregues simplesmente ás suas boas ou más inspirações, sem estatutos que prevejam a arbitragem para desaccôrdo tão radical, é que o governo devia tentar, em nome da sua funcção primordial de garantir a tranquilidade publica e concorrer para a maior somma de bem estar de todas as classes, uma conciliação entre trabalhadores e patrões, advogando os interesses

42 O motivo da greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 19 de agosto de 1903. 43 O motivo da greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 19 de agosto de 1903.

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visivelmente justos dos primeiros e reduzindo a um meio termo razoável as pretensões que, no primeiro momento, dominados pela sêde do direito e confiantes na victoria, se formulam sempre com largueza e imperio44.

A folha argumentava que por não existir uma legislação que regulasse o trabalho operário, os trabalhadores entraram em greve para reivindicar melhores condições. Nesse sentido, seria atribuição do governo, que deve zelar pelo bem público, conciliar o conflito presente na relação patrões-empregados, ou seja, arbitrar um acordo possível entre as classes. Contudo, percebemos que esta não era a posição do governo até então. Este procurou inicialmente se aliar aos industriais para reprimir o movimento grevista.

Francisca Azevedo afirma que os industriais utilizavam a falta de legislação operária a seu favor. Assim, já que não existiam leis que discutissem tal conjuntura, cada fábrica era autônoma para resolver assuntos salariais e questões de ordem social. No tocante às demandas reivindicadas pelos operários, os industriais alegavam que essas alterações pesariam em suas receitas tanto pelo acréscimo salarial quanto pelo custo das horas extras45.

No entanto, de acordo com Marcela Goldmacher, as primeiras vitórias da greve começaram a ocorrer no dia 19 de agosto. A tinturaria São Mauricio, na Gávea, atendeu à solicitação da Sociedade Operária do Jardim Botânico e modificou seu horário de trabalho, que passou a ser das 7 da manhã às 4 horas da tarde, com 1 hora de descanso das 10 às 11 horas da manhã. Caso os trabalhadores tivessem que fazer hora extra, receberiam por hora, ¼ da diária. Na tinturaria Salingre, no Jardim Botânico, os operários também conquistaram as 8 horas de trabalho46.

Enquanto alguns obtinham êxito, outros aderiam à greve. Neste dia decidiram participar do movimento os operários chapeleiros das fábricas

44 Protesto Operario. O Paiz. Rio de Janeiro. 20 de agosto de 1903. 45 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., p. 82.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 454 Costa Braga Manuel de Araujo, Companhia costa Braga, Souza Machado & C., Fernandes Braga, Gustavo & C., Sondon & C., e da Viúva Gondin e os operários da fábrica de vidros Esberard, em São Cristóvão. Com estas adesões, somaram-se mais de 2.000 operários aos já parados47.

Após tantos dias com as fábricas fechadas, os industriais começaram a perceber que o prolongamento da greve resultava no esvaziamento de seus estoques e os colocava em uma dicotomia: ou reabririam os estabelecimentos ou perderiam seus mercados para a concorrência nacional e estrangeira48.

No final da tarde do dia 19, aconteceu uma reunião no Centro Industrial de Fiação e Tecelagem, na qual estavam presentes os senhores Cunha Vasco, diretor da Confiança; Oliveira e Silva, da Alliança, e dr. Rodrigo Otávio, advogado do Centro Industrial. Os industriais procuraram discutir com o chefe de polícia as possibilidades das fábricas filiadas ao Centro, reabrir suas portas sábado (dia 22) ou segunda-feira (dia 24). Ao término do encontro, ficou resolvido que providências seriam tomadas para atender ao pedido dos empresários49, visto que esta já era uma solicitação de Cardoso de Castro desde o início da greve, que as fábricas permanecessem abertas.

No dia 20 de agosto, após mais de uma semana de greve, ainda estavam ocorrendo adesões, desta vez, foram os operários da fábrica de tecidos Sapopemba que entraram em parede. Ainda, o Congresso União dos Operários em Pedreiras declarou-se solidário ao movimento50.

Marcela Goldmacher assegura que devido ao prolongamento da greve dos tecelões, a polícia passou a assumir uma postura ainda mais repressiva. Em meio a uma sessão na Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, o espaço foi invadido por força policial, por ordem do chefe de polícia, para dar fim à reunião e esvaziar o local. Após o ocorrido, dois policiais permaneceram na porta do prédio que era sede da federação,

47 GOLDMACHER, Marcela, op cit., p. 132.

48 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., pp. 72-73. 49 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 78.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 455 proibindo que as pessoas entrassem51. Ou seja, a partir desse momento, não só as reuniões em praças públicas foram impedidas, mas também as que ocorriam na federação dos tecelões. O intuito era que os grevistas começassem a se enfraquecer por não conseguirem se reunir.

Francisca Azevedo salienta que os jornais recebiam muitas denúncias dos operários que reclamavam da atuação arbitrária e violenta da polícia em seus locais de trabalho e fora deles. Antonio Gonçalves Melgaço, redator do jornal operário Brazil Operario e artista tipográfico, também foi vítima das prisões arbitrárias, foi preso sem explicações na Rua do Ouvidor e levado para a Repartição Central de Polícia52.

Na sexta-feira, dia 21 de agosto, o jornal O Paiz, que na publicação anterior pedia ao governo que arbitrasse o conflito, nesta edição apontava quem seria o mais preparado para essa missão:

Ninguem está em melhor condição para esse papel do que o Sr. ministro do interior, que tem sob a sua guarda a ordem publica e que faz parte de um governo que acolheu com sympathia o pedido do dia normal de 8 horas para os operários do Estado.

Infelizmente, porem, essa iniciativa, que devia ser prompta, fez-se esperar até hoje, permittindo que o movimento grevista assumisse proporções que não eram das nossas rudimentares agremiações proletárias53.

Por volta do meio-dia, estes eram os números da greve: 12.000 tecelões; 1.200 chapeleiros; 600 carpinteiros; 300 operários de fábrica de vidros; 500 alfaiates; 3.000 operários de pedreiras; 500 trabalhadores de outras categorias. Num total de 18.100 grevistas54. O governo começava a apresentar sinais de desespero, prometia maior repressão contra os grevistas, para que os industriais pudessem reabrir as fábricas no início da semana seguinte55.

51 GOLDMACHER, Marcela, op cit., p. 133.

52 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., pp. 90-91.

53 A Gréve. O Paiz. Rio de Janeiro. 21 de agosto de 1903. 54 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., pp. 98-99. 55 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 99.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 456 As queixas de prisões arbitrárias no bairro de Laranjeiras se tornavam cada vez mais frequentes. Pedro Medina foi detido quando descia o morro Novo Mundo, onde mora com a família. Um outro operário foi espancado por policiais ao entrar na fábrica Alliança, onde trabalhava. Por volta das 7 horas, já haviam sido levados para a delegacia cerca de 50 operários nos arredores da fábrica Alliança. Para fazer uma denúncia formal acerca desses abusos de poder, os tecelões formaram uma comissão com os operários Antonio Victor, da Confiança Industrial, Joaquim Ferreira Canna e José Batista Mestranja, da Aliança, e Pedro Amadeu Alexandre, da Bangu, e levaram ao conhecimento do chefe de polícia os incidentes que estavam acontecendo nas Laranjeiras, inclusive casos de espancamento de operários56.

Os industriais também começaram a ampliar suas formas de coibição ao movimento: além de demitir os grevistas, o despejo das vilas operárias passou a ser outra maneira de pressionar os operários e as operárias a dar fim à parede. Ainda, organizaram uma lista “negra” com os nomes dos trabalhadores e trabalhadoras demitidos por sua participação no movimento grevista para que ficassem fichados perante os industriais57.

A cada dia, chegavam novas denúncias de abusos policiais ocorridos nas Laranjeiras. O operário da fábrica Alliança, Alfredo dos Santos Pascoal, afirmou ter recebido um aviso de demissão e que, devido a isso, um policial teria tentado forçá-lo a ir acertar as contas no estabelecimento. Como o trabalhador se recusou, o agente intimidou-o dizendo que se não obedecesse seria considerado um desacato à ordem. Um grupo de operários da Alliança alegou que o mestre da sala de panos, Manoel Machado da Silva, há dois dias tem colocado um policial na porta da seção. Outra vítima de prisões arbitrárias foi Antonio Francisco Carvalho, que contou que estava em frente da sua casa, lendo um jornal, quando foi preso e agredido58.

56 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 105. 57 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., pp. 105-106. 58 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 122.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 457 Apesar do considerável número de mulheres operárias em alguns segmentos industriais, sobretudo, o têxtil, elas não eram mencionadas nas notícias sobre a greve veiculadas pela imprensa e, assim, não se tem registro da participação feminina no movimento.

Por isso, é preciso buscar as mulheres nessa ausência, ainda que seja pela voz dos homens. Como nesse caso, em que, segundo Francisca Nogueira, os interesses femininos foram defendidos pelos militantes operários:

No desejo de engrossar as fileiras do movimento com a participação feminina, o operário Cincinato Claúdio reclamou dos alfaiates que, ao definirem as novas tabelas, esqueceram de estabelecer preços para as operárias que fazem coletes e que ‘até hoje têm sido muito explorados pelos patrões.’59 As operárias possuíam demandas próprias de reivindicação, mas, mesmo em um movimento grevista no qual se buscava unir forças e expandir a paralisação, as solicitações eram feitas nas vozes masculinas. O trecho destacado de Francisca Nogueira sugere que as trabalhadoras estavam “ausentes” do movimento e precisaram que o operário Cincinato Claúdio defendesse suas demandas para que elas aderissem à luta. No entanto, Maria Izilda Matos e Andrea Borelli afirmam que as operárias reclamavam que não se sentiam a vontade para lutar ao lado dos homens, pois os homens as julgavam sem consciência política e incapazes para a luta ao lado deles60.

No dia 23, os industriais da Alliança e da Confiança Industrial, em conformidade com as diretrizes do Centro Industrial, decidiram que reabririam as fábricas no dia seguinte sem atender as demandas reivindicadas pelos seus empregados. Os diretores da Alliança afixaram nas dependências da fábrica uma convocação apenas para os operários “ordeiros” ao retorno ao trabalho no dia seguinte. Ao saberem dessa

59 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 124.

60 MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY,

Carla Bassnezi; PEDRO, Joana Maria (Orgs). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Editora contexto, 2013. p. 128.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 458 resolução, os operários da Alliança distribuíram boletins com réplica aos patrões:

Aos companheiros da Alliança – Os nossos companheiros, operários da fábrica de tecidos Alliança, receberam da diretoria da mesma fábrica uma representação em que fazia sentir que, em vista das resoluções tomadas pelo Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão, publicadas em jornais desta cidade, discutidas e aceitas por todas as fábricas de tecidos de algodão, resolveu recomeçar os trabalhos de suas fábricas segunda-feira, 24 do corrente, na hora habitual, nas mesmas condições com que tem trabalhado até agora. É infame tal proceder!... Quanta hipocrisia!... Esses espectadores da humanidade invocam em sua representação o nome sacrossanto do Redentor, fazendo votos para que, sendo esta greve a primeira, seja também a última.

Companheiros e companheiras: constância e firmeza, e quando chegar a hora habitual, escutares o apito, conservai-vos em conservai-vossas casas, respondendo assim ao chamado desses parasitas, que tentam sugar-nos a última gota de sangue, até nos deixarem exaustos, prostrados ao leito da morte.

Fazemos um apelo a todos os companheiros e companheiras das demais fábricas a não comparecerem ao trabalho, pois que a vitória da causa justa que encetamos será nossa61. Percebemos que neste dia uma briga de influências em relação ao operariado havia sido travada entre lideranças operárias e patrões. Os operários apelavam aos companheiros para que resistissem, pois estavam lutando para conquistar melhores condições de trabalho para a categoria. Já os industriais, convocavam os trabalhadores e trabalhadoras ao serviço nas condições anteriores. Em um cenário de demissões, prisões, agressões e despejos, muitos operários receavam perder o pouco que possuíam.

Enfim, a segunda-feira, 24 chegou, dia em que os industriais, apoiados na garantia da força policial, resolveram reabrir as fábricas têxteis, com o intuito de finalizar a greve iniciada pelos tecelões. No entanto, neste dia o operariado ainda se manteve unido e disposto a enfrentar o confronto dos industriais e da força policial.

A fábrica Alliança abriu seus portões às 5 horas da manhã, porém, os operários e as operárias não compareceram ao serviço. O delegado da 1ª

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 459 circunscrição foi pessoalmente à vila operária induzi-los ao retorno ao trabalho, conduzindo os que queriam trabalhar com escolta. Nesse sentido, de um efetivo de 1.640 operários, compareceram 732, em sua maioria mulheres e crianças62.

Notamos que o empresariado e as forças da segurança pública formaram uma aliança sólida, pois além da polícia garantir a propriedade e assegurar o trabalho dos que compareceram ao serviço, as lideranças policiais também estavam visitando as vilas operárias para intimidar os grevistas e forçá-los ao retorno ao trabalho. Mesmo que o operariado estivesse em atitude pacífica, devido ao aparato policial montado para sucumbir a greve, os operários se encontravam com medo de represálias por permanecerem em greve e evitavam ficar pelas ruas das Laranjeiras63.

Um operário denunciou ao repórter de O Paiz que o delegado estava “obrigando os operários a irem para a fabrica”64, assim, podemos perceber as possíveis causas da maior parte do efetivo que compareceu ao trabalho já no primeiro dia ser feminina e infantil. Por serem consideradas mais frágeis, as mulheres deveriam estar sendo levadas de forma coercitiva para retornar ao serviço.

Apesar de Oliveira e Silva na Alliança estar irredutível, alguns estabelecimentos têxteis começaram a fazer concessões. Na fábrica Carioca, a diretoria se propôs a aumentar os salários das seções de cardas, fiação e outras repartições. A fábrica Confiança estipulou que o horário de entrada passaria a ser às 6 ½ da manhã e o de saída às 5 ½ da tarde, com 1 hora de almoço das 10 às 11 horas e meia hora para o café de 1 ½ da tarde às 2 horas65. Neste dia o movimento grevista ganhou a adesão de uma categoria com forte poder de mobilização: os estivadores66.

62 Na Gavea e em Laranjeiras. O Paiz. Rio de Janeiro. 25 de agosto de 1903.

63 Ver esse relato em artigo publicado no jornal O Paiz. In:Visita á Alliança. O Paiz. Rio de

Janeiro. 25 de agosto de 1903.

64 Visita á Alliança. O Paiz. Rio de Janeiro. 25 de agosto de 1903.

65 Concessões dos patrões. O Paiz. Rio de Janeiro. 25 de agosto de 1903. 66 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., p. 152.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 460 No dia seguinte, os diretores da Alliança, juntamente com o apoio da força policial, conseguiram exercer maior pressão sobre os operários. Compareceram ao trabalho 1.100 trabalhadores e o policiamento na região continuou sob a vigilância dos delegados Vieira Braga e Sylvio de Lima.

Não sabemos ao certo as práticas que a força policial estava utilizando para que o operariado da Alliança voltasse ao trabalho, mas, acreditamos que deveriam ser estratégias violentas e uso de ameaças, visto que no segundo dia de retorno obrigatório ao trabalho, compareceram à fábrica 1.100 trabalhadores, entre homens, mulheres e crianças.

Segundo informações obtidas por O Paiz, a carvoeira da fábrica estava sendo utilizada como prisão provisória, e, ás 9 da noite foram tirados desse espaço operários que estavam sendo perseguidos e foram encaminhados para a Casa de Detenção67.

Em 26 de agosto, bateram ponto na Alliança 1.350 operários, e depois do almoço, o número de trabalhadores se elevou para 1.450, o total de funcionários, contando mestres e contramestres. Antes da parede, a Alliança possuía um quadro de funcionários maior, mas esta foi uma fábrica que teve um alto nível de demissões68.

No dia seguinte, os pintores retornaram ao trabalho. Mas, o fizeram porque tiveram suas demandas atendidas. Conquistaram as 8 horas de trabalho diário e aumento de salário. Como reconhecimento, publicaram um agradecimento às demais categorias pela união que os proporcionou serem ouvidos. Os alfaiates também tiveram suas reivindicações atendidas: conseguiram impor suas tabelas a alguns estabelecimentos e permaneceram negociando com os patrões que ainda estavam em desacordo. Continuavam em parede “os marceneiros, os operários das pedreiras, os carregadores de café e os estivadores”69.

67 A Greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 26 de agosto de 1903. 68 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., pp. 165-166. 69 GOLDMACHER, Marcela, op. cit., p. 146.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 461 Uma comissão de operários se reuniu com o ministro da Justiça para que ele pudesse conciliar as demandas operárias com o que seria possível ser oferecido pelos industriais. Segundo o periódico, essa negociação teria sido fundamental para pôr fim ao movimento que já se estendia por duas semanas.

Ao longo desse período, o movimento operário mostrou seu grau de organização: em meio à exclusão do sistema político, à repressão policial e à indiferença dos industriais em atender suas reivindicações, os operários permaneceram em parede e conseguiram adesões diárias de outras categorias; quando a volta ao trabalho foi forçada com a ajuda do aparato policial, o operariado formou uma comissão para que uma autoridade política intercedesse perante os industriais.

Mesmo em meio a forte repressão e perda de grevistas em virtude da coerção policial e pressão dos industriais, o número de paredistas ainda continuava relevante e diversos setores permaneciam mobilizados aguardando a resolução de suas reivindicações por meio da negociação: Tecidos – 1300; Alfaiates – 300; Pintores – 800; Marceneiros – 300; Carpinteiros – 350; Canteiros – 500; Estivadores – 1200; Moageiros – 100; Total dos operários em greve 4.850.70

No dia 28, o ministro da Justiça J. J. Seabra convocou uma reunião com os industriais têxteis. Compareceram ao encontro os diretores das fábricas Alliança, Confiança, Corcovado, Carioca e Cruzeiro. O ministro obteve êxito no papel de intermediário das reivindicações operárias, mas não conseguiu que todas as demandas fossem atendidas. Segundo consta em O Paiz, mais de 1.000 operários foram readmitidos, no entanto, os industriais não abriram mão de 70 demissões, visto que, de acordo com eles, com essa prática, estavam visando a disciplina e o bem-estar de seus estabelecimentos71.

70 Os paredistas. O Paiz. Rio de Janeiro. 28 de agosto de 1903. 71 A Greve. O Paiz. Rio de Janeiro. 29 de agosto de 1903.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 462 Entretanto, as lideranças operárias alegavam que o número de demissões era muito superior a esse publicado e chegava a aproximadamente 500 trabalhadores e trabalhadoras. Esses representantes operários afirmaram que enviariam um requerimento ao ministro da Justiça expondo a discordância entre os números de dispensados, juntamente com os nomes desses desempregados72.

Também era alta a quantidade de operários têxteis que estavam desaparecidos. De acordo com Francisca Azevedo, os trabalhadores declararam que até então desconheciam o paradeiro de 200 operários que foram presos durante a greve. A maioria trabalhava na fábrica Alliança. Os operários ainda alegavam que durante o movimento paredista, esse estabelecimento foi um local utilizado para a prática de castigos físicos e, depois das agressões, as vítimas eram levadas presas73.

A Federação dos Operários e Operárias de Fábricas de Tecidos convocou os operários demitidos para que comparecessem à sede com o intuito de serem registrados. Compareceram 170 entre trabalhadores e trabalhadoras demitidos. Se os números fornecidos por industriais e operários não batiam, pelo menos é possível notar que a quantidade de demitidos é maior do que a divulgada anteriormente pelos empregadores nas colunas de O Paiz.

As lideranças operárias acreditavam que o número de demitidos era ainda mais expressivo e, então se propuseram a continuar a catalogação no dia seguinte, e aguardavam um comparecimento maior de desempregados. Pelos cálculos da Federação ainda estavam presos muitos operários, sobretudo os das fábricas Alliança e Corcovado74.

É importante destacar que os industriais afirmaram ter readmitido os operários e operárias “ordeiros”, ou seja, os que retornaram ao trabalho a partir do dia 24 e que não estavam entre as lideranças grevistas. No entanto,

72 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op. cit., p. 190. 73 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 194. 74 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 195.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 463 a federação têxtil registrou, no primeiro dia de levantamento, 170 dispensados, entre homens e mulheres. Nesse sentido, podemos verificar que havia mulheres entre esses trabalhadores que resistiram ao retorno ao trabalho e, possivelmente, até entre as lideranças do movimento.

Um operário da fábrica Alliança que havia retornado da prisão, se dirigiu à redação de O Paiz para denunciar abusos da força policial no trato com os grevistas. Antonio Pereira Areias mostrou sinais de espancamento que sofreu ao ser preso no dia 17, pelo delegado da 17ª circunscrição, Vieira Braga. O operário relatou que não havia feito nada, mas foi detido e levado para o interior da fábrica. Lá, foi açoitado na presença do gerente por alferes da brigada que estava mantendo a “ordem” no estabelecimento. Depois do espancamento, foi preso no quarto da balança, chamado de estufa, onde permaneceu das 9 horas às 13 horas. A seguir, foi levado para a 17ª e no dia seguinte para a Detenção. Somente foi solto no dia 2775.

Em decorrência dessa e de outras denúncias, percebemos que a fábrica Alliança, durante a greve, utilizou o quarto da balança como ambiente para prender os operários até que pudessem ser levados para a delegacia ou Casa de Detenção. Francisca Azevedo expõe que outros grupos relataram ter estado nesse quarto. Sob o comando do alferes Carlos Pereira dos Santos, comandante da guarda policial, o grupo ficou preso nesse calabouço por quase 10 dias, passando as maiores dificuldades. Ao ser levado para Casa de Detenção, foi posto em liberdade por uma determinação do ministro da Justiça. Os operários também denunciavam que a 17ª circunscrição estava cumprindo ordens de despejo na vila operária, mesmo que os alugueis estivessem em dia76.

No dia 30 de agosto, os catraieiros resolveram aderir ao movimento grevista, não mais comandado pelos tecelões, mas que ainda continuava angariando adesões. No dia 1º de setembro, ainda permaneciam parados os

75 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., pp. 195-196. 76 AZEVEDO, Francisca Nogueira de, op cit., p. 203.

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 464 trabalhadores das pedreiras e os estivadores. No dia seguinte, juntaram-se ao movimento os 500 operários da Companhia Edificadora, na Ponta do Caju, fábrica de carros e vagões de locomotivas.

No dia 3, mantinham-se em greve apenas os operários da Cia. Edificadora. Os estivadores conseguiram entrar em acordo com seus patrões. Francisca Azevedo ressalta que por ser uma categoria fundamental na economia nacional, a estiva obteve maior poder de barganha com o movimento grevista e o governo rapidamente se articulou para que seus patrões atendessem suas demandas. Esses operários sofreram pouca repressão policial e não tiveram companheiros presos77.

No dia 4 de setembro, o término da greve foi anunciado por um ofício do chefe de polícia endereçado ao Ministro do Interior.

Considerações finais

Ao acompanhar o desenrolar da greve iniciada pelos tecelões em 12 de agosto de 1903, podemos perceber que no início do século XX, a classe trabalhadora carioca demonstrava capacidade de organização e mobilização: um movimento que se restringia à reivindicações de demandas particulares de algumas fábricas de tecidos deu a oportunidade de outras categorias também denunciarem suas precárias condições de trabalho, aderirem à greve e transformarem o movimento paredista no que ficou conhecido como a “Greve Geral” de 1903.

A proporção que tomou a organização dos operários em parede surpreendeu tanto os industriais quando as autoridades políticas, visto que a primeira atitude dos diretores das fábricas foi ordenar que os portões dos estabelecimentos fossem fechados, visando a proteção de suas propriedades. No entanto, com esse ato, os industriais não imaginavam que a greve fosse se expandir tanto a ponto de que suas fábricas ficassem de portas fechadas por

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 465 quase duas semanas. Percebemos que os governantes também ficaram surpresos com a força do movimento, pois acreditaram que com a repressão policial e, posteriormente, as prisões arbitrárias e as ameaças de demissão e despejo fossem derrotar a greve. No entanto, apesar de todas as dificuldades, os trabalhadores resistiram até que tivessem algumas demandas atendidas. No último momento da luta dos tecelões nessa greve, a reivindicação para o retorno ao trabalho chegou a ser apenas a readmissão dos operários e operárias dispensados durante o movimento. Mas os industriais não abriram mão da demissão de uma certa quantidade de trabalhadores e trabalhadoras. Não sabemos de fato quantos foram, pois os números de demitidos fornecidos pelos patrões e pelos operários eram consideravelmente diferentes.

A greve, de um modo geral, teve pontos positivos e negativos. Algumas categorias tiveram suas pautas amplamente atendidas, como os estivadores, por exemplo. Contudo, não houve uniformidade nos acordos entre patrões e empregados nas diversas categorias. Algumas atenderam a mais demandas do que outras. No entanto, notamos que os tecelões, talvez por terem iniciado o movimento, foram os que sofreram as maiores repressões e violências. Os trabalhadores das fábricas de tecidos foram agredidos, presos, tiveram seu sindicato fechado, centenas de trabalhadores foram demitidos e despejados, entre outras formas de coerção.

Alguns industriais que se afiliaram ao Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão cederam à algumas demandas operárias, no entanto, como vimos, Oliveira e Silva “permitiu” que os trabalhadores “ordeiros” da fábrica Alliança voltassem ao serviço nas mesmas condições anteriores e com grandes perdas de companheiros de trabalho.

Observamos que, apesar das mulheres terem presença significativa nos estabelecimentos têxteis e estarem se estabelecendo também em fábricas de outros segmentos, não podemos perceber a atuação feminina por meio da cobertura da greve feita pelo jornal O Paiz. Apesar disso, podemos conjecturar que no caso da fábrica Alliança as operárias tenham se

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Espaço Plural • Ano XVII • Nº 34 • 1º Semestre 2016 •p.437-466• ISSN 1981-478X 466 mobilizado para engrossar o movimento grevista, visto que, um dos motivos da entrada deste estabelecimento na greve foi a demissão da operária Ludovica que teve um filho com o mestre Ferreira da Silva e foi posta na rua por ele. É possível que tenham apoiado a readmissão de Ludovica, pois estas se encontravam em posição semelhante à da operária demitida, uma vez que também estavam sujeitas a abusos sexuais e injustiças por parte de mestres e contramestres.

Recebido em 18.06.2016 Aprovado em 24.06.2016

Referências

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