• Nenhum resultado encontrado

Foco e cartografia: aspectos formais das estruturas clivadas do português brasileiro

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Foco e cartografia: aspectos formais das estruturas clivadas do português brasileiro"

Copied!
243
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

DAMARIS MATIAS SILVEIRA

FOCO E CARTOGRAFIA: ASPECTOS FORMAIS DAS

ESTRUTURAS CLIVADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

FLORIANÓPOLIS

2020

(2)

FOCO E CARTOGRAFIA: ASPECTOS FORMAIS DAS

ESTRUTURAS CLIVADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Doutora em Linguística.

Orientadora: Profª Drª Sandra Quarezemin

FLORIANÓPOLIS

2020

(3)
(4)

FOCO E CARTOGRAFIA: ASPECTOS FORMAIS DAS ESTRUTURAS

CLIVADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profª Drª Sandra Quarezemin Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Aquiles Tescari Neto Universidade Estadual de Campinas Profª Drª Charlotte Marie Chambelland Galves

Universidade Estadual de Campinas Prof. Dr. Humberto Borges

Universidade Federal de Santa Catarina Profª Drª Simone Lúcia Guesser Universidade Federal de Roraima

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para a obtenção do título de doutora em Linguística.

______________________________ Prof. Dr. Atilio Butturi Junior

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Linguística

______________________________ Profª Drª Sandra Quarezemin

Orientadora Florianópolis, 2020.

(5)
(6)

A Deus, sobretudo, meu guia nessa trajetória.

À minha mãe, Maria, minha fiel apoiadora, que sempre esteve ao meu lado nos momentos de alegria e de angústia, me incentivando a nunca desistir de meus objetivos. A realização deste trabalho não seria possível sem seu suporte. Você é o meu maior exemplo nessa vida.

À minha orientadora, Sandra Quarezemin, por ter aceitado me receber no Programa de Pós-graduação em Linguística, pela parceria, pela confiança, pela atenção e por acreditar em meu trabalho. Agradeço também pela sua amizade e por todo incentivo à pesquisa ao longo desses quatro anos.

À professora Charlotte Galves, por participar das bancas de qualificação e de defesa desta tese. Obrigada pelo seu profissionalismo e por toda sua participação nessa trajetória, desde o mestrado, quando me orientou na UNICAMP.

Também por ter aceitado participar da banca desta tese, agradeço aos professores Aquiles Tescari Neto – que, além disso, contribuiu com importantes indicações de leitura – Simone Guesser e Humberto Borges. Obrigada a todos pela leitura atenciosa.

Aos professores do Programa de Pós Graduação em Linguística, pelas aulas esclarecedoras, bem como aos funcionários do Centro de Comunicação e Expressão, por serem tão prestativos.

Às minhas amigas em Florianópolis, Dalila, Raquel e Suellen – por estarem presentes em momentos felizes, mas também por serem minhas ouvintes nas horas de inquietude, tornando essa trajetória mais leve – e ao Wenderson, o amigo que a pós-graduação me trouxe e que, embora não fisicamente, esteve tão presente durante todo esse tempo. Também agradeço a você pela atenciosa revisão do

abstract desta tese.

Aos colegas do Núcleo de Estudos Gramaticais, pela vivência dos últimos anos, em especial à Mônica, pelas longas conversas por vídeochamada. Agradeço também a todos os colegas e amigos linguistas da UNICAMP e da UFSC, por toda experiência trocada ao longo do mestrado e do doutorado.

(7)

ciclo nessa instituição com muita alegria e gratidão.

À CAPES, pelo apoio financeiro que possibilitou minha permanência em Florianópolis e minha dedicação à pesquisa.

(8)

Esta tese tem por objetivo investigar, com base na Teoria Gerativa, as propriedades formais das sentenças clivadas, que são construções designadas para focalizar constituintes através do movimento A-barra (A‟) do foco. O quadro teórico no qual esta pesquisa está assentada é o do Programa Cartográfico, linha de pesquisa que concebe as estruturas sintáticas como objetos complexos, hierárquicos e mais articulados. Sob essa perspectiva, iremos propor uma análise para as características das clivadas, em termos de concordância e tempo, bem como para a sua estrutura. As clivadas canônicas possuem a sequência linear „cópula-foco-complementizador-IP‟, sendo que a cópula concorda com o foco e converge em tempo com o verbo subordinado. Por outro lado, o português brasileiro (PB) licencia clivadas sem tais convergências. É proposto na literatura que esse é um caso claro de gramaticalização (KATO, 2009, 2018; KATO; RIBEIRO, 2009). Sob essa perspectiva, a cópula não seria um verbo, mas um elemento focalizador. Defenderemos, em contraste com essa hipótese, que esse fenômeno resulta de variação, uma vez que não há evidências suficientes de que o verbo esteja gramaticalizado. Assim, assumiremos que a cópula das clivadas canônicas é um verbo, mesmo quando aparentar estar na forma invariável. Outra configuração de clivada é a clivada é que. Essa construção apresenta a sequência „foco-é que-IP‟ e a cópula expressa invariabilidade – embora o português brasileiro também manifeste variação em relação a esse panorama, licenciando casos com a cópula no passado. Considerando que a cópula é invariável, diversos autores (COSTA; DUARTE, 2001; LOBO, 2006; COSTA; LOBO, 2009; AMBAR, 2005, entre outros) já propuseram que ela ocupa, juntamente com o complementizador, uma estrutura cristalizada, embora não haja consenso a respeito da posição que ela ocupa. Assumiremos que a cópula das clivadas é que é a única que expressa verdadeira invariabilidade e defender que

é que é a lexicalização do núcleo Focº, assumindo a estrutura articulada da periferia

esquerda da sentença proposta por Rizzi (1997). Em suma, forneceremos evidências, com base na perspectiva e na metodologia cartográfica, de que a clivada canônica e a clivada é que compartilham a propriedade de focalizar os mesmos tipos de constituinte, mas diferem estruturalmente: apenas a canônica possui um verbo copular que projeta uma configuração argumental, correspondendo a uma estrutura

(9)

focalizador.

(10)

Based on the Generative Theory, this dissertation aims to investigate the formal properties of the cleft sentences, a type of syntactic construction used to focus constituents through the A-bar (A‟) movement of the focus. The theoretical framework of our research is the Cartographic Program, a line of research that conceives the syntactic structures as complex, hierarchic and more articulated objects. From this perspective, we will propose an analysis for the features of the cleft structures involving agreement and tense and for their structure as well. The canonical cleft has the linear sequence „copula-focus-complementizer-IP‟ and the copula agrees with the focus and converges with the subordinate verb in terms of tense. On the other hand, Brazilian Portuguese (BP) licenses clefts without such convergences. It is proposed in the literature that this is a clear case of gramaticalization (KATO, 2009, 2018; KATO; RIBEIRO, 2009). According to this perspective, the copula is not a verb, but an element designed to focus. We will argue, in contrast to this hypothesis, that this phenomenon results from variation, since there is no sufficient evidence to postulate that the verb is gramaticalized. Therefore, we will assume that the copula of the canonical clefts is a verb, even if it appears to be invariable. Another type of cleft sentence is the „é que cleft‟. This construction has the sequence „focus-é que-IP‟ and the copula expresses invariability – although Brazilian Portuguese also manifests variation in relation to this panorama, licensing cases with the copula in the past tense. Considering that the copula is invariable, many authors (COSTA; DUARTE, 2001; LOBO, 2006; COSTA; LOBO, 2009; AMBAR, 2005, among others) have proposed that it forms, along with the complementizer, a crystallized structure, but there is no consensus regarding the position that it occupies. We will assume that the copula of the é que-clefts is the only one that manifests invariability and will defend that é que is the lexicalization of Focº, assuming the articulated structure of the left periphery proposed by Rizzi (1997). In sum, we will provide evidences, through the cartographic perspective and the cartographic methodology, that the canonical cleft and the „é que cleft‟ have the property of focusing the same types of syntactic constituents in common, but they differ structurally: only the canonical one has a copula verb, that projects an argument configuration, being a bi-clause, regardless of

(11)
(12)

INTRODUÇÃO...16

i. APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: ESTRUTURAS CLIVADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO...17

ii. METODOLOGIA E HIPÓTESES...19

iii. ESTRUTURA DO TRABALHO...20

1 O PERCURSO DO PROGRAMA CARTOGRÁFICO...22

1.1 INTRODUÇÃO...22

1.2 A ABORDAGEM CARTOGRÁFICA...23

1.2.1 A expansão da estrutura da sentença...23

1.2.2 A ampliação de VP – A concha larsoniana...24

1.2.3 A expansão de IP...26

1.2.4 A expansão de CP...28

1.2.4.1 A noção cartográfica de foco...37

1.2.4.2 Diferenças entre foco e tópico...40

1.2.5 A hierarquia dos advérbios...44

1.2.6 A periferia de vP...46 1.3 CARTOGRAFIA E MINIMALISMO...48 1.4 A METODOLOGIA CARTOGRÁFICA...50 1.5 SÍNTESE DO CAPÍTULO...52 2 FOCO E CLIVAGEM...55 2.1 INTRODUÇÃO...55 2.2 TIPOS DE FOCO...55

2.3 ESTRATÉGIAS DE FOCALIZAÇÃO ESTREITA EM PB...59

2.4 A PRODUTIVIDADE DAS ESTRUTURAS CLIVADAS...61

2.5 CLIVADAS E PSEUDOCLIVADAS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO...64

2.5.1 Propriedades das estruturas clivadas...65

2.5.2 Clivadas como sentenças especificacionais...69

2.5.3 Clivadas e tipos de foco...74

(13)

3 CONCORDÂNCIA E HARMONIA TEMPORAL EM CLIVADAS: ANÁLISES

PRÉVIAS...88

3.1 INTRODUÇÃO...88

3.2 O PANORAMA PADRÃO DA FLEXÃO DA CÓPULA EM CLIVADAS CANÔNICAS E CLIVADAS É QUE...89

3.3 DIFERENÇAS ENTRE PB E PE...93

3.4 EFEITOS DE CONCORDÂNCIA NO VERBO PRINCIPAL...94

3.5 FLEXÃO DA CÓPULA: COMO AS CLIVADAS CANÔNICAS TÊM SIDO ANALISADAS...98

3.5.1 Concordância em clivadas canônicas...99

3.5.2 Harmonia temporal em clivadas canônicas...100

3.5.3 Clivadas canônicas com cópula invariável?...102

3.6 FLEXÃO DA CÓPULA: COMO AS CLIVADAS É QUE TÊM SIDO ANALISADAS...104

3.6.1. É que como lexicalizador de Iº - Costa e Duarte (2001)...104

3.6.2 É que como lexicalizador de Cº - Lobo (2006), Costa e Lobo (2009)...105

3.6.3 É que como lexicalizador de vP - Ambar (2005)...110

3.6.4 Cópula = verbo...112

3.6.5 Duas estruturas para clivadas de foco inicial – Vercauteren (2010)...114

3.7 OS ASPECTOS FORMAIS DAS CLIVADAS NÃO SÃO UNIVERSAIS...117

3.8 SÍNTESE DO CAPÍTULO...119

4 FOCALIZAÇÂO MARCADA BIORACIONAL: CLIVADAS CANÔNICAS E SUAS PROPRIEDADES FORMAIS...123

4.1 INTRODUÇÃO...123

4.2 CLIVADAS CANÔNICAS COMO ESTRUTURAS BIORACIONAIS...125

4.3 CÓPULA INVARIÁVEL E DIVERGÊNCIAS COM AS CLIVADAS É QUE...128

4.4 AS CLIVADAS DO PB ESTÃO SE GRAMATICALIZANDO?...134

4.4.1 A gramaticalização em teorias linguísticas...134

(14)

4.5.1 Divergências entre PB e PE em termos de flexão estão para além das

clivadas...145

4.6 AUSÊNCIA DE HARMONIA TEMPORAL EM CLIVADAS CANÔNICAS...154

4.7 O APAGAMENTO DA CÓPULA NÃO ESTÁ RELACIONADO À INVARIABILIDADE...161

4.8 SÍNTESE DO CAPÍTULO...165

5 FOCALIZAÇÂO MARCADA MONO-ORACIONAL: CLIVADAS É QUE E SUAS PROPRIEDADES FORMAIS...168

5.1 INTRODUÇÃO...168

5.2 O ESTATUTO DA CÓPULA...169

5.3 A CÓPULA COMO ITEM FUNCIONAL...171

5.4 UMA PROPOSTA DE ANÁLISE CARTOGRÁFICA PARA AS CLIVADAS É QUE...172

5.4.1 Clivadas é que como estruturas mono-oracionais...172

5.4.2 É que = Focº...176

5.4.3 Clivadas é que sob a perspectiva cartográfica do CP expandido...178

5.4.4 Adjacência entre foco e é que...179

5.4.5 Clivadas é que e o sistema de critérios...182

5.4.5.1 O sistema de critérios dentro da abordagem do CP expandido...184

5.4.5.2 Clivadas “é que” à luz da abordagem criterial...187

5.4.5.3 Focalizadoras “é que” e interrogativas “é que”: algumas assimetrias...188

5.4.6 Clivadas é que não derivam de estruturas de foco largo...193

5.4.7 Clivadas de foco inicial com concordância no PB: clivadas canônicas topicalizadas?...197

5.5 SÍNTESE DO CAPÍTULO...201

CONSIDERAÇÕES FINAIS...203

(15)
(16)

INTRODUÇÃO

As clivadas são uma etratégia de focalização complexa de constituintes sintáticos altamente produtiva em português brasileiro. Tais construções figuram como um campo fecundo para análises dos mais variados tipos, dada a complexidade de sua estrutura. Sendo assim, a literatura atual contém diversos estudos em torno da clivagem no português brasileiro.

Com Mioto e Figueiredo Silva (1995), Lopes-Rossi (1996) e Modesto (2001), temos propostas pioneiras para as estruturas clivadas do português brasileiro. O clássico texto de Mioto e Negrão (2007) refina a análise das propriedades sintáticas, semânticas e prosódicas das clivadas. Já estudos como os de Guesser (2011a), Guesser e Quarezemin (2013) e Quarezemin (2005, 2009) discutem a clivagem enquanto estratégia de focalização, observando a carga informacional dessas sentenças, em termos de tipo de foco e de função sintática do constituinte clivado. Há também estudos voltados para a diacronia das clivadas, como Kato e Ribeiro (2007, 2009), Kato (2009, 2018) e Silveira (2014, 2017), que se ocuparam da evolução das estruturas de foco e de seu licenciamento de acordo com a periodização da língua portuguesa.

Meu contato com a pesquisa sobre a clivagem no português brasileiro começou na iniciação científica, quando, sob a orientação do Profº Dr Carlos Mioto, realizei um estudo de cunho bibliográfico e descritivo acerca de clivadas e pseudoclivadas, sob a perspectiva da sintaxe gerativa. Mais adiante, no mestrado, sendo orientada pela Profª Drª Charlotte Galves, estendi a pesquisa sobre essas estruturas para o campo da diacronia. Investiguei a emergência das construções clivadas na história do português e as influências da gramática V2, que o português apresentava até por volta de 1700, nas estratégias de focalização utilizadas.

Já nesta tese, restringiremos o estudo às clivadas do português brasileiro, que serão analisadas também nas bases da gramática gerativa, mas dentro da abordagem e da metodologia de pesquisa da cartografia. O programa cartográfico é um construto teórico que vem se desenvolvendo desde os anos 80, mas que ganhou força a partir dos anos 90, com trabalhos de Luigi Rizzi e Guglielmo Cinque. Com base nessa abordagem, que concebe as estruturas sintáticas como objetos

(17)

complexos e articulados, analisaremos características das clivadas em termos de estrutura e aspectos formais.

i. Apresentação do objeto de estudo: estruturas clivadas do português brasileiro.

O objetivo principal desta tese é investigar, dentro da Teoria de Princípios e Parâmetros, em sua vertente cartográfica, as sentenças clivadas do português brasileiro, no que diz respeito à sua estrutura e, principalmente, às relações de concordância e de tempo nelas estabelecidas.

A clivagem é uma estratégia de focalização marcada e complexa, pois envolve movimento, elementos focalizadores e modalização prosódica, uma vez que o foco é o elemento prosodicamente mais proeminente da sentença. Através do movimento A‟ do elemento focalizado e da presença da cópula e do complementizador (ou de um sintagma-Wh), são derivadas as clivadas (1a,b) e pseudoclivadas (2a-c), como nas construções abaixo nas quais o DP Maria é o foco:

(1) a. É a Maria que ama o João. b. A Maria é que ama o João. (2) a. Quem ama o João é a Maria.

b. A Maria é quem ama o João. c. É a Maria quem ama o João.

Nesta tese, ocuparemo-nos unicamente das clivadas propriamente ditas. Inicialmente, nosso foco era apenas a relação de concordância, estabelecida ou não, entre a cópula e o foco, bem como da convergência de seus traços formais com o verbo da oração encaixada. Entretanto, a análise desse aspecto das clivadas sob a ótica da cartografia nos obriga a olhar também para a sua estruturação.

As sentenças em (1) são comumente denominadas na literatura do português brasileiro como clivadas canônicas (1a) e clivadas invertidas (1b). No que diz respeito aos aspectos formais da cópula, é mais comum em português brasileiro, e

(18)

categórico em português europeu (PE), que haja concordância entre o verbo ser e o constituinte focalizado, quando ele for um DP, bem como convergência temporal com o verbo da oração encaixada, em clivadas canônicas.

O português brasileiro, entretanto, apresenta variação em relação a esse panorama, licenciando alguns casos em que não há concordância, com a cópula em 3ª pessoa do singular (3a), ou convergência temporal, com a cópula no presente do indicativo (3b):

(3) a. É nós que chegamos. b. É o João que chegou.

As clivadas que apresentam o foco na posição inicial, entretanto, possuem comportamento inverso ao das clivadas canônicas. Nessas estruturas, o padrão da cópula é a forma invariável é. Embora, em PB e em alguns dialetos não standard do PE (cf. VERCAUTEREN, 2010), a cópula possa aparecer flexionada – foi ou era –, a forma preferida pelo falante em ambas as variedades do português é a invariável, o que sugere que essa cópula tenha sofrido um processo de reanálise e esteja gramaticalizada.

Para dar conta dos casos de clivadas canônicas de cópula sem concordância ou convergência temporal, Kato (2009, 2018) e Kato e Ribeiro (2009), sugerem que também haja um processo de gramaticalização envolvido no fenômeno, que teria se desenvolvido apenas no português brasileiro, uma vez que o português europeu não apresenta esse tipo de variação nas clivadas. Outro fenômeno que, segundo as autoras, teria emergido apenas em PB seria a clivada sem cópula:

(4) O João que chegou.

Já para os casos de invariabilidade do verbo ser em clivadas invertidas, diversos autores (COSTA; DUARTE, 2001; LOBO, 2006; COSTA; LOBO, 2009; AMBAR, 2005, entre outros) defendem que, na verdade, a cópula não configura um verbo, mas forma, juntamente com o complementizador, a estrutura cristalizada é

(19)

projetada uma estrutura argumental para a cópula e a clivada é representada como uma sentença mono-oracional.

Há também as propostas que apontam que as clivadas é que derivam de estruturas de foco largo1, ou seja, construções onde toda a sentença é o foco e que são encabeçadas por é que:

(5) a. O que aconteceu? b. É que o João chegou.

O que converge em todas essas propostas é que as clivadas canônicas e clivadas invertidas (denominadas nos estudos que defendem a cristalização da cópula e do complementizador como „clivadas de é que‟) não são analisadas como estruturas análogas, como sugere Modesto (2001). À esteira desses autores, partiremos do mesmo pressuposto. Por isso, também não chamaremos as clivadas de foco inicial de clivadas invertidas, porque isso sugere a concepção dessas estruturas como uma versão das clivadas canônicas com uma diferença na ordem dos constituintes. Como não acreditamos que essas estruturas derivam de clivadas canônicas ou que apresentem alguma forma de inversão, iremos chamá-las doravante de „clivadas é que‟.

ii. Metodologia e hipóteses

Para analisar a concordância e, consequentemente, a estrutura de clivadas canônicas e clivadas é que, além do procedimento de ordem teórica, ou seja, da pesquisa bibliográfica, nos utilizaremos da análise empírica de dados, típica da metodologia cartográfica – que será mais bem explicada no capítulo a seguir. Para isso, iremos considerar estudos prévios em cartografia, que propuseram uma estrutura universal mais articulada para as sentenças e, com base nisso, forneceremos algumas hipóteses acerca de nosso objeto de estudo, obtidas, sobretudo, a partir de testes de precedência.

1 No estudo de Kato (2009), a autora não considera a estrutura é que como unidade cristalizada.

Nessa análise, a cópula ainda é considerada um verbo, que projeta uma estrutura argumental e o mesmo é assumido para as clivadas de foco largo.

(20)

Partindo dessa metodologia e de outros testes empíricos, apresentaremos algumas evidências que nos fazem acreditar que, diferentemente das clivadas é

que, a cópula das clivadas canônicas não seria um elemento gramaticalizado em

português brasileiro, mas ainda figuraria como um verbo, projetando uma estrutura argumental, mesmo quando não apresenta convergências formais com outros elementos da sentença.

A análise das clivadas é que seria a contribuição mais densa desta tese para os estudos da concordância e da estrutura das clivadas. Forneceremos uma proposta de análise de cunho cartográfico para essas construções, pautada na estrutura articulada da periferia esquerda proposta no trabalho clássico de Rizzi (1997).

Assumimos, à esteira de Cinque e Rizzi (2010), que o ponto de vista cartográfico não contradiz outros focos investigativos, como o programa minimalista, que emergiu aproximadamente na mesma época, resultando em uma certa tensão entre as abordagens. Entretanto, escolhemos o programa cartográfico para guiar nossa investigação, pois acreditamos que a concepção das estruturas sintáticas como construções hierárquicas e articuladas nos dão maior respaldo para dar conta de fenômenos envolvendo as clivadas, como veremos mais adiante neste estudo.

iii. Estrutura do trabalho

No primeiro capítulo desta tese, trataremos do quadro teórico no qual a pesquisa está assentada, que é o programa cartográfico. Como a cartografia configura um construto teórico, traremos os estudos que julgamos mais tradicionais e que melhor representam o histórico do programa: Chomsky (1986), Larson (1988), Pollock (1989), Rizzi (1997), Cinque (1999) e Belletti (2004). Trataremos com mais enfoque o trabalho de Rizzi (1997) sobre a expansão da periferia esquerda da sentença, pois essa é uma camada crucialmente utilizada para o alojamento e a interpretação do foco sentencial. Trataremos também de alguns aspectos da metodologia cartográfica para melhor elucidarmos nossos procedimentos nesta tese. No capítulo 2, abordaremos noções gerais de foco e clivagem. Discutiremos as propriedades das construções clivadas, os tipos de foco que elas podem veicular, a

(21)

depender do tipo de clivada e da função sintática do constituinte focalizado. Apontaremos também as análises já propostas na literatura para as estruturas clivadas canônicas e é que.

O capítulo 3 apresenta a discussão já iniciada na literatura em torno da concordância da cópula em clivadas canônicas e, de maneira mais ampla, em clivadas é que. O debate em torno dessas últimas é muito mais vasto, uma vez que o foco da maioria dos estudos está na invariabilidade da cópula, que figura como forma default tanto em PB quanto em PE. A cópula „invariável‟ em clivadas canônicas é um fenômeno muito mais recente e exclusivo do PB, sendo um assunto ainda muito pouco debatido.

No capítulo 4, apresentaremos nosso posicionamento sobre as clivadas canônicas, no que diz respeito à concordância e à harmonia temporal do verbo ser. Apontaremos algumas evidências que nos levam a crer que não existe invariabilidade na cópula dessas construções e que não há um processo de gramaticalização envolvendo o fenômeno da não convergência de traços formais do verbo ser com outros elementos da sentença. Acreditamos que as clivadas canônicas são estruturas bioracionais, nas quais a cópula projeta uma estrutura argumental.

Finalmente, no quinto e último capítulo desta tese, forneceremos uma proposta de análise em torno das estruturas que, de fato, acreditamos apresentar invariabilidade da cópula, assim como a maioria dos autores que se ocuparam dessas construções. Defenderemos, à luz do programa cartográfico, que a estrutura cristalizada é que é a lexicalização do núcleo funcional destinado a alojar o foco, considerando a estrutura proposta por Rizzi (1997).

(22)

1

O PERCURSO DO PROGRAMA CARTOGRÁFICO

1.1 INTRODUÇÃO

Neste estudo, as clivadas do português brasileiro serão analisadas à luz da cartografia sintática. O programa cartográfico não teria emergido como um quadro teórico: para Rizzi e Cinque (2010), a cartografia seria um tópico de pesquisa. Por outro lado, seguiu por diretrizes de investigação que a coloca como uma verdadeira linha de pesquisa que busca dar conta de um mapa apropriado às estruturas sintáticas, sendo que o fator propulsor desse programa foi a expansão das categorias funcionais.

Neste primeiro capítulo, trataremos da trajetória dos estudos que culminaram na expansão desse tópico de estudos sintáticos, com maior enfoque no que está relacionado às características das estruturas de clivagem que são tema deste estudo.

Uma vez que a clivagem é uma estratégia de focalização complexa que envolve o uso da periferia esquerda da sentença, ou seja, o sistema CP, onde figura a projeção de foco, abordaremos com maior enfoque essa camada sentencial. O trabalho desenvolvido em Rizzi (1997), no qual o autor refina a análise do sistema CP, guiará este estudo nesse aspecto.

O presente capítulo conta com um breve apanhado dos principais estudos que contribuíram para o desenvolvimento da cartografia na seção 1.2: Chomsky (1986), Larson (1988), Pollock (1989), Rizzi (1997), Cinque (1999) e Belletti (2004). Em 1.3, tratamos brevemente de algumas diferenças e aproximações entre o programa cartográfico e o Programa Minimalista, foco de estudos sintáticos que emergiu por volta do mesmo período. Já na seção 1.4, abordamos alguns aspectos da metodologia cartográfica dos quais nos serviremos para a análise das estruturas clivadas. Em 1.5, apresentamos a síntese do capítulo.

(23)

1.2 A ABORDAGEM CARTOGRÁFICA

O programa cartográfico concebe as estruturas sintáticas como objetos complexos, onde os sintagmas possuem uma estrutura mais rica e detalhada do que os postulados teóricos, até o início do seu desenvolvimento, apontaram. Sob essa perspectiva, o objetivo da cartografia é representar mapas das configurações sintáticas da maneira mais detalhada possível (RIZZI; CINQUE, 2010, p. 51).

A cartografia configura um construto com contribuições de diversas fontes que visaram – desde os anos 80, mas com especial força a partir da década de 90 – apresentar evidências de que as estruturas sintáticas apresentam uma configuração mais complexa e de que determinadas projeções (como IP e CP) seriam uma sequência hierárquica de mais projeções articuladas.

Num primeiro momento, com Chomsky (1986), postulou-se que as sentenças seriam compostas por uma estrutura lexical e outra funcional mais alta. De modo geral, o primeiro passo da cartografia foi, de fato, sugerir que as categorias lexicais estão subordinadas a uma camada funcional. A seguir, observou-se que a estrutura funcional parece seguir uma ordem hierárquica, organizando-se em mais de um núcleo. Ou seja, cada traço morfossintático ocuparia um núcleo de posição específica na estrutura. A seguir, discutiremos os principais trabalhos que contribuíram para o desenvolvimento dessa abordagem das estruturas sintáticas.

1.2.1 A expansão da estrutura da sentença

Chomsky (1986) propõe uma extensão da teoria X-barra às categorias funcionais. Partindo das diferenças entre itens lexicais e funcionais, onde os primeiros compreendem nomes, verbos, adjetivos e preposições, enquanto os segundos incluem o complementizador e a flexão, o autor sugere que as sentenças passem a ser representadas com as extensões funcionais CP (complementizer

(24)

(1) CP 2 IP 2 VP 5

Para Chomsky, os sintagmas referentes aos itens lexicais, que ocupam a camada mais baixa da estrutura da sentença (na estrutura acima, VP, mas também NPs, APs e PPs)2 apresentariam características referentes a seleção. O autor, portanto, extende a representação convencional sugerida para os itens lexicais aos itens funcionais. O sintagma responsável pela flexão incluiria características de T (tempo/modo/aspecto), Agree (pessoa/número), bem como alojaria os modais. Já o CP abarcaria não apenas o elemento complementizador propriamente dito, mas também seria alvo de elementos-Wh.

Considerando o movimento de constituintes e assumindo que apenas núcleos podem se mover para núcleos e apenas sintagmas podem se mover para a posição de especificador, o esquema em (1) inclui o movimento de NPs para a posição de sujeito da sentença (Spec-IP) e da raiz verbal para o núcleo desse mesmo sintagma, assim como o movimento de NPs e elementos-Wh para o especificador de CP.

1.2.2 A ampliação de VP – A concha larsoniana

Em 1988, Larson propõe a Teoria da Projeção Argumental, que sugere a ampliação de VP através do que o autor chama de concha de VP (VP Shell). Trata-se de uma projeção argumental mais alta que contém um especificador para alojar o agente da sentença e dar conta de estruturas contendo verbos triargumentais.

Para sugerir essa extensão, o autor parte do princípio de que os argumentos de um verbo devem ser realizados dentro da projeção VP. Isso é facilmente observado em verbos transitivos, onde o agente e o tema figuram dentro dos domínios do sintagma verbal:

2 Cinque e Rizzi (2010) também apontam a hipótese do DP de Abney (1987), de que os nomes

também estariam subordinados a uma estrutura funcional, como uma das primeiras contribuições para os estudos em cartografia. Na proposta do autor, essa camada funcional expressaria traços como definitude, especificidade e número.

(25)

(2) VP 2 DP V‟ 4 2 O João V DP beij- a Maria

Entretanto, como Larson parte de um ponto da teoria X-barra em que os XPs possuem apenas um especificador e um complemento, a estrutura em (2) não daria conta de acomodar o princípio mencionado acima, no caso dos verbos triargumentais como colocar, dar, entregar, etc., pois necessita de uma posição para alojar o agente da sentença.

Partindo disso, a proposta de Larson é estender o sintagma verbal, de modo que seja acrescentada acima de VP uma projeção máxima para alojar o agente do verbo: (3) VP 2 DP V‟ John 2 V VP e 2 DP V‟ salt 2 V PP put 6 on the fish (4) VP 2 DP V‟ John 2 V VP puti 2 DP V‟ salt 2 V PP ti 6 on the fish

(26)

Além da posição de especificador, a extensão de VP também contém um núcleo verbal, para o onde o verbo se move, resultando na ordem superficial da sentença.

1.2.3 A expansão de IP

Com Pollock (1989), temos a expansão da projeção flexional IP em um sistema articulado. Com base em evidências do francês, em especial sentenças contendo negação, o autor propõe que IP é composto por mais de um núcleo, já que a assunção de um núcleo único não dá conta do alojamento dos diferentes elementos morfológicos do verbo nessa língua.

Pollock aponta que, enquanto no francês o advérbio de negação pas deve seguir o verbo finito, o advérbio not deve precedê-lo no inglês:

(5) a. Jean n‟aime pas Maria. (João não gosta de Maria.) b. John does not like Mary. (João não gosta de Maria.) c. *John likes not Mary. d. *Jean ne pas aime Marie.

Com relação aos verbos no infinitivo do francês, pas deve aparecer preposto. Assim, enquanto, no francês, o advérbio de negação pode preceder ou seguir o verbo, a depender do fato de ele estar, respectivamente, na forma infinitiva ou finita, no inglês, not irá sempre preceder o verbo, independentemente da finitude.

Pollock argumenta que tais assimetrias entre francês e inglês podem ser explicadas pelo movimento do verbo, uma vez que advérbios basicamente não realizam movimento. No francês, o verbo no infinitivo pode permanecer no domínio de VP ou se mover para uma posição alta acima de pas. Já o verbo finito se moveria sempre para essa posição mais alta acima do advérbio de negação. No inglês, o verbo finito se move para dentro do complexo flexional, porém para uma posição abaixo desse advérbio.

(27)

Para dar conta desse contraste, o autor sugere que IP configura um sistema articulado, dotado de duas projeções funcionais para as quais o verbo pode ser movido, TP e AgrP, que estão relacionadas à morfologia verbal, envolvendo respectivamente tempo/modo/aspecto e pessoa/número (o que chamamos de traços

phi) que são interpoladas pelo sintagma contendo a negação NegP. Assim, as

diferentes posições do verbo finito em francês e inglês em relação ao advérbio de negação são explicadas com base no alvo do movimento: enquanto no francês o verbo finito se move para TP, que está acima de Neg, no inglês, ele se move para Agr, que se localiza mais abaixo, como mostra a representação a seguir, adaptada de Pollock (1989): (6) TP 2 T‟ 2 T NegP aime 2 pas Neg‟ not 2 Neg AgrP 2 Agr‟ 2 Agr VP like

Belletti (1990) contesta a estrutura proposta por Pollock partindo de uma explicação morfológica. Para a autora, a projeção AgrP domina TP. Belletti argumenta, partindo do movimento ascendente do verbo, que essa estrutura é mais compatível com a ordem dos elementos morfológicos, uma vez que o morfema de tempo/modo/aspecto precede o de pessoa/número no verbo das línguas românicas, ou seja, está mais próximo da raiz verbal, como apontam os exemplos da autora extraídos do italiano:

(7) Legg-eva-no Ler-IMP-3P (Liam)

(28)

(8) Parl-er-ò

Falar-FUT-1Sg (Falarei)

Partindo do chamado Princípio do Espelho (Mirror Principle), que prediz que as derivações morfológicas devem refletir as derivações sintáticas (e vice-versa), Belletti propõe a seguinte estrutura para o sistema IP:

(9) CP 2 AgrP 2 TP 2 AspP 2 VP

Com a proposta em (9), a autora aponta que uma configuração em que AgrP está acima de TP representa melhor a estrutura interna dos verbos finitos. Ainda partindo de dados do italiano, Belletti acrescenta mais uma projeção entre TP e VP, que é a projeção AspP, responsável por informações relacionadas ao aspecto do verbo.

1.2.4 A expansão de CP

Assumimos, à esteira de Modesto (2001), que a clivagem é uma operação sintática que envolve o movimento do constituinte focalizado para uma posição não argumental. Ao realizar tal movimento, também chamado de A-barra (A‟), o constituinte se desloca para uma posição na periferia esquerda (CP) da sentença, no caso das clivadas é que, ou para a periferia da subordinada, no caso das canônicas.

A periferia esquerda é o sistema que realiza conexão entre uma estrutura argumental, na qual as funções sintáticas e papéis temáticos são estabelecidos, e uma estrutura discursiva. A abordagem gerativa mais tradicional concebe o CP

(29)

como uma projeção única, responsável por alojar os elementos relacionados ao discurso, como tópico, foco, expressões-Wh e complementizadores. Nesse caso, cabe aos sistemas de interface fazer a interpretação dos elementos que compõem CP.

Em contrapartida a essa abordagem, estudos em cartografia, a partir de Rizzi (1997), propõem uma estrutura de periferia esquerda com base em uma hierarquia de itens funcionais, que dá conta de expressar a complexidade envolvendo a combinação desses elementos. A análise de Rizzi (1997) compreende o CP não como uma projeção única, mas como um sistema articulado que contém projeções específicas para elementos que estabelecem diferentes relações com o discurso. Assim, Rizzi concebe as estruturas das sentenças em termos de camadas. De acordo com o autor, a representação das sentenças compreende três camadas: 1) uma camada verbal (VP), encabeçada pelo verbo, onde os papéis temáticos são atribuídos; 2) uma camada flexional (IP), encabeçada por um núcleo funcional correspondente a especificações morfológicas do verbo, onde são licenciadas características argumentais, como caso e concordância; 3) uma camada complementizadora (CP) que é encabeçada por um item funcional e aloja elementos como foco, tópico, pronomes relativos e interrogativos, etc.

Evidências iniciais para uma estrutura hierárquica do sistema CP partem de Cinque (1990) que, ao analisar o comportamento dos complementizadores che (declarativo) e di (infinitivo) no italiano, observou que o primeiro precede o tópico, enquanto o segundo necessariamente o segue:

(10) a. Ho deciso che, la macchina, la comprerò quest‟anno.

(Eu decidi que, o carro, o comprarei este ano.)

b. Ho deciso, la macchina, di comprarla quest‟anno. („Eu decidi, o carro, de comprá-lo este ano.‟)

Se os diferentes complementizadores, che e di, ocupam necessariamente a posição anterior e posterior ao tópico, deve existir mais de uma posição destinada a esses elementos, bem como uma hierarquia na estrutura. Considerando a evidência apontada por Cinque, Rizzi (1997) propõe uma estrutura articulada inicial para CP –

(30)

que será revisitada posteriormente para o acréscimo de extensões (RIZZI, 2001; 2004).

Na estrutura proposta pelo autor, a periferia esquerda da sentença é encabeçada pela Especificação de Força, ForceP, que expressa, por exemplo, se uma sentença é declarativa, exclamativa, subordinada (relativa ou completiva) ou interrogativa. Também é representada dentro de CP, de acordo com Rizzi, a

Especificação de Finitude, na projeção FinP, que fecha a periferia esquerda, ou seja,

ocupa a posição mais baixa dentro do sistema CP e seleciona IP com suas propriedades de finitude. Tais projeções formam o sistema Force-Fin, no qual Force é responsável por estabelecer relação de CP com o sistema estrutural mais alto, ou seja, articula-se com o discurso, enquanto Fin articula o CP como o sistema imediatamente mais baixo.

No italiano, nesse caso, che, enquanto complementizador declarativo, responde pelo tipo de sentença, veiculando especificação de força, preenchendo ForceP. Di, por sua vez, que introduz sentenças infinitivas, é responsável por especificar finitude, e ocupa a projeção FinP. Temos, a priori, a seguinte hierarquia para os complementizadores e para o tópico:

(11) [Force che ...[Top ... [Fin di

Partindo de tais dados, é importante salientar que, para assumir uma estrutura de periferia esquerda de base cartográfica, é necessário reforçar a existência da uniformidade entre as línguas (CHOMSKY, 1981; RIZZI, 1982). Isso significa que, uma vez que o italiano, por exemplo, lexicaliza os núcleos Force e Fin, todas as demais línguas irão dispor de ambas as projeções nas estruturas. O que diferencia as línguas umas das outras é se elas irão ou não realizar foneticamente tais projeções. O mesmo vale para os traços. Dito de outra forma: se uma língua realiza foneticamente um traço, então este traço está presente nas demais línguas, mesmo que lexicalmente nulo.

A periferia esquerda da sentença também aloja outro elemento que está vinculado ao discurso e que é central neste estudo, o foco. Juntamente com o tópico, o foco forma o subsistema Tópico-Foco. Embora tais constituintes envolvam o uso da periferia esquerda da sentença e possam, em certos casos, aparecer

(31)

linearmente na mesma posição sentencial, Rizzi (1997; 2013) salienta que há importantes diferenças entre eles (cf. seção 1.2.4.2 deste capítulo).

O tópico é um elemento que fornece informação normalmente já veiculada no discurso e que se relaciona com o restante da sentença formando a articulação tópico-comentário. O comentário, segundo Rizzi, é uma espécie de predicado complexo do tópico, que veicula informação nova. Os dois segmentos da articulação são isolados por uma quebra entoacional (comma intonation):

(12) Your book, you should give to Paul (not to Bill).

(O seu livro, você deveria dar para o Paul (não para o Bill).)

(RIZZI, 1997, p. 285) Já o foco expressa informação nova, enquanto o restante da sentença carrega a pressuposição. Prosodicamente, o foco é salientado em relação à pressuposição, não por meio de uma pausa, mas por carregar o acento sentencial:

(13) YOUR BOOK3 you should give to Paul (not mine).

(O SEU LIVRO você deve dar para o Paul (não o meu).)

(RIZZI, 1997, p. 285) O foco alojado na periferia esquerda da sentença matriz apresenta, nas línguas românicas, traço de contraste/correção e configura uma projeção não recursiva, ou seja, o sistema CP pode conter apenas um foco, enquanto o tópico apresenta recursividade, conforme apontado em Rizzi (1997). A projeção destinada ao constituinte focalizado pode ser precedida ou seguida por uma sequência de tópicos, como nos exemplos do autor para o Italiano:

3 O foco alojado na periferia esquerda da sentença comumente apresenta interpretação contrastiva.

(32)

(14) a. Credo che a Gianni, QUESTO, domani, gli dovremmo dire. C Top Foc Top IP

(Acredito que, para João, ISTO, amanhã, a ele devemos dizer.)

b. Credo che domani, QUESTO, a Gianni, gli dovremmo dire. C Top Foc Top IP

(Acredito que, amanhã, ISTO, para João, a ele devemos dizer.) c. Credo che domani, a Gianni, QUESTO gli dovremmo dire. C Top Top Foc IP

(Acredito que, amanhã, para João, ISTO a ele devemos dizer.) d. Credo che a Gianni, domani, QUESTO gli dovremmo dire. C Top Top Foc IP

(Acredito que, para João, amanhã, ISTO a ele devemos dizer.) e. Credo che QUESTO, a Gianni, domani, gli dovremmo dire. C Foc Top Top IP

(Acredito que ISTO, para João, amanhã, a ele devemos dizer.) f. Credo che QUESTO, domani, a Gianni, gli dovremmo dire. C Foc Top Top IP

(Acredito que ISTO, amanhã, para João, a ele devemos dizer.)

(RIZZI, 1997, p. 295 - 296) Com base nas possibilidades de ordem de tópicos e do foco, Rizzi propõe, que o subsistema tópico-foco figura entre Force e Fin da seguinte forma – onde „*‟ representa recursividade:

(15) [Top* [Foc [Top*

Assim, a estrutura inicial proposta por Rizzi (1997) para o sistema CP é a seguinte:

(33)

(16) Force P 2 2 Force TopP* 2 2 Topº FocP 2 2 Focº TopP* 2 2 Topº FinP 2 2 Finº IP (RIZZI, 1997, p. 297)

Mais adiante, Rizzi (2001; 2004), insere projeções adicionais à articulação inicial da periferia esquerda da sentença, com base em evidências envolvendo ordem e movimento de constituintes. Uma das inserções, Int (cf. RIZZI, 2001), decorre do uso de complementizadores interrogativos, como se, no português. Para o autor, esse complementizador difere dos anteriores, que ocupam Force e Fin, pois pode ser tanto precedido quanto seguido por um tópico como no exemplo abaixo, extraído de Rizzi e Bocci (2017, p. 5):

(17) Mi domando, a mio figlio, se, la macchina, gliela compreremo Top Int Top

quest‟anno.

(Me pergunto, a meu filho, se, o carro, compraremos para ele este ano.) Embora o complementizador interrogativo possa co-ocorrer com o foco, ele precisa necessariamente ser seguido por ele:

(34)

(18) Mi domando se LA MACHINA/*LA MACCHINA se gli potremmo Int Foc Foc Int

regalare (non la moto)

(Me pergunto se O CARRO/*O CARRO se devemos dar para ele. (não a moto))

(RIZZI; BOCCI, 2017, p. 5) Para Rizzi (2001) e Rizzi e Bocci (2017), portanto, o complementizador se requer uma projeção independente (Int) para ser alojado. Com a inserção de Int na estrutura de CP, chega-se à seguinte representação:

(19) [Force [Top* [Int [Top* [Foc [Top* [Fin [IP...]]]]]]]]

Ainda a partir de evidências do italiano, Rizzi (2004) e Rizzi e Bocci (2017) também dão conta de casos de advérbios que podem ser enfatizados prepostos no início da sentença:

(20) a. Gianni ha trovato rapidamente la soluzione. (João encontrou rapidamente a solução.) b. Rapidamente, Gianni ha trovato la soluzione.

(Rapidamente, João encontrou a solução.)

(RIZZI; BOCCI, 2017, p. 6) Rizzi e Bocci (2017) salientam que, embora ambos possuam o mesmo contorno entoacional, esse tipo de advérbio não pode ser confundido com tópico, visto que tais elementos possuem propriedades interpretativas e sintáticas diferentes. Os advérbios prepostos também não devem ser confundidos com foco contrastivo, que também aparece deslocado à esquerda, pois, além de possuírem diferenças em termos de entoação, eles também possuem interpretações diferentes.

O tópico, no âmbito da interpretação, apresenta conexão com um discurso anterior, o que não ocorre com os advérbios prepostos. Assim, de acordo com os autores, (20b) não significa necessariamente que no que diz respeito às maneiras

(35)

rápidas de realizar coisas que são contextualmente salientes, Gianni encontrou a solução de tal maneira.

A sintaxe de tópico, foco e advérbio preposto também é distinta em termos de movimento. O advérbio preposto possui interpretação local, ou seja, é movido a partir da sentença matriz, enquanto o tópico e o foco contrastivo podem ser extraídos a partir da sentença matriz ou subordinada:

(21) a. Rapidamente, Mario ha detto (___) che Gianni ha trovato (*___) la soluzione.

(Rapidamente, Mário disse que João encontrou a solução.)

b. RAPIDAMENTE Mario ha detto (___) che Gianni ha trovato (___) la soluzione, non lentamente.

(RAPIDAMENTE Mário disse que João encontrou a solução, não lentamente.)

(RIZZI; BOCCI, 2017, p. 6) Além do movimento, há um outro aspecto sintático a se considerar: advérbios prepostos são sensíveis à intervenção de um outro advérbio, o que não ocorre com tópico e foco:

(22) a. *Rapidamente, Gianni ha probabilmente trovato ___ la soluzione. (Rapidamente, João encontrou provavelmente a solução.)

b. RAPIDAMENTE Gianni ha probabilmente trovato la soluzione, non lentamente.

(RAPIDAMENTE João achou provavelmente a solução, e não lentamente.)

(RIZZI; BOCCI, 2017, p. 7) Ainda no âmbito da sintaxe, Rizzi e Bocci (2017) apontam, por meio de evidências do inglês, que os advérbios prepostos minimizam a violação de

(36)

(23) a. *This is the man who I think that ___ will sell his house next year. (Este é o homem que eu acho que irá vender sua casa ano que vem.) b. This is the man who I think that, next year, ___ will sell his house. (Este é o homem que eu acho que, ano que vem, irá vender sua casa.) c. * This is the man who I think that, his house, ____ will sell next year. (Este é o homem que eu acho que, sua casa, irá vender ano que vem.)

(RIZZI; BOCCI, 2017, p. 7) Considerando a natureza específica dos advérbios prepostos, Rizzi (2004) propõe uma projeção destinada a estes elementos, ModP, que se localiza na parte mais baixa da periferia esquerda da sentença, mas acima do tópico mais baixo e abaixo de Int:

(24) a. Rapidamente, i libri, li hanno rimessi a posto.

(Rapidamente, os livros, eles colocaram de volta no lugar.)

b. Mi domando se, rapidamente, / *rapidamente, se Gianni potrà trovare la soluzione.

(Me pergunto se, rapidamente/*rapidamente, se João conseguirá encontrar uma solução.)

Considerando que apenas um tópico baixo pode aparecer abaixo de Mod, Rizzi propõe a seguinte estrutura com a adição dessa extensão:

(25) [Force [Top* [Int [Top* [Foc [Top* [Mod [Top* [Fin [IP...]]]]]]]]]]

Por fim, ainda a partir de evidências do italiano, Rizzi (2004) propõe mais uma extensão para a periferia esquerda da sentença, destinada aos elementos-Wh de orações subordinadas.

(37)

No italiano, assim como no português brasileiro, foco contrastivo e elemento-Wh não podem co-ocorrer em orações principais porque estariam competindo pela mesma posição na periferia esquerda da sentença:

(26) a. *A GIANNI che cosa/*Che cosa A GIANNI hai detto, non a Pietro? (*PARA O JOÃO o que/*O que PARA O JOÃO você disse, e não para o Pedro?)

Porém, Rizzi observa que a co-ocorrência do foco contrastivo com o elemento-Wh é mais aceitável em uma ordem fixa no domínio subordinado:

(27) ?? Mi domando A GIANNI che cosa abbiano detto, non a Piero. (Me pergunto PARA O JOÃO o que eles disseram, e não para o Pedro.)

Com base na possibilidade de (27), Rizzi (2004) propõe a projeção Qemb, específica para elementos-Wh em contextos subordinados. Considerando que, em (27), o elemento-Wh não poderia ocorrer acima do foco contrastivo, Rizzi aponta que essa projeção está mais baixa que o foco. Além disso, Qemb não necessariamente deve estar adjacente a FocP, mas pode ser precedido de advérbios prepostos (Mod) e tópicos. O que sugere a seguinte periferia para sentenças subordinadas:

(28) [Force [Top* [Int [Top* [Foc [Top* [Mod [Top* [Qemb [Fin [IP...]]]]]]]]]]]] Destacamos, portanto, que, para o estudo das clivadas, que, como mencionado, envolvem a periferia esquerda da sentença, estaremos assumindo, à esteira de Rizzi (1997 e trabalhos posteriores), a articulação aqui exposta.

1.2.4.1 A noção cartográfica de foco

Conforme já exposto na seção anterior, o foco é responsável por veicular a informação não pressuposta de uma sentença. No exemplo em (13), repetido aqui

(38)

em (29), o constituinte focalizado YOUR BOOK recebe o acento frasal e veicula informação nova, enquanto a pressuposição you should give to Paul configura a informação dada previamente no discurso, ou seja, o conhecimento que o falante pressupõe ser compartilhado com o ouvinte:

(29) YOUR BOOK you should give to Paul (not mine).

(O SEU LIVRO você deve dar para o Paulo (não o meu).)

Ainda em (29), acrescentamos, à esteira de Rizzi, que a articulação entre foco e pressuposição pode ser representada à luz do esquema X-barra de modo que o constituinte focalizado esteja em configuração Spec-núcleo com Foc, pois é atraído por ele para o especificador da projeção e deve ser interpretado pelos sistemas de interface como foco. Já o complemento do núcleo Foc deve ser interpretado por esses sistemas como a pressuposição sentencial:

(30) FocP 2 ZP Foc‟ 2 Focº WP ZP = Foco WP = Pressuposição (RIZZI, 1997, p. 287)

A configuração acima obedece ao critério foco4: (31) Critério foco5

(i) Um operador [Foc] deve estar em configuração Spec-núcleo com um núcleo [+Foc].

(ii) Um núcleo [+Foc] deve estar em configuração Spec-núcleo com um operador [Foc].

4 Sobre o Critério Foco em PB: Mioto (2001)

5 O critério foco é uma extensão do critério-Wh proposto por Rizzi (1996). O sistema de critérios será

(39)

As premissas acima prevêem que um núcleo focal necessita de um sintagma em seu Spec para que a configuração de (30) seja licenciada. Assim, o critério foco é satisfeito a partir do movimento de um determinado constituinte a ser focalizado para a posição de especificador de FocP. Para Rizzi (1997 e trabalhos posteriores), o núcleo Foc possui a função de atrair sintagmas para seu especificador, bem como fornecer instruções interpretativas para os sistemas de interface.

A projeção com a qual o constituinte focalizado estabelece relação Spec-núcleo (Focº) não necessariamente deve estar fonologicamente realizada. Entretanto, de acordo com Rizzi (1997; 2013), o estabelecimento de uma abordagem sistemática a categorias funcionais, como Foc, é plausível através de dados de línguas que manifestam realização fonológica de partículas funcionais. O gungbe, por exemplo, falado no oeste africano, possui o núcleo Foc preenchido pela partícula focalizadora

wè, como na sentença (32) analisada por Rizzi (2013) nas linhas de Aboh (2004), na

qual o foco encontra-se adjecente à partícula (tradução minha): (32) Ùn sè [dò [dàn ló wè [Kòfí hù ___]]]

Eu ouvi que a cobra FOC Kòfi matou.

Casos como o do gungbe são, na verdade, mais uma peça de evidência para postular-se a estrutura de elementos funcionais, bem como o próprio critério foco, visto que, uma vez que o núcleo Foc esteja realizado fonologicamente, ele exige que o movimento do constituinte focalizado para seu especificador ocorra na sintaxe visível.

De acordo com Rizzi (1997), se Focº estiver fonologicamente vazio, e não houver a necessidade de movimento via sintaxe, o constituinte é movido somente em forma lógica. Assim, seguindo o Princípio da Uniformidade, se uma língua como o gungbe, ou uma comunidade linguística, realiza fonologicamente o traço [+Foc] em Focº, então esse mesmo traço está presente em todas as línguas. Sob essa perspectiva, todas as línguas são uniformes em forma lógica.

(40)

1.2.4.2 Diferenças entre foco e tópico

As articulações foco-pressuposição e tópico-comentário têm em comum o uso crucial da periferia esquerda da sentença, mais especificamente, sua parte interna. Além disso, podem aparecer linearmente na mesma posição:

(33) a. A MARIA bebeu vinho (e não a Joana). b. A Maria, bebeu vinho ( a Joana, cerveja).

Entretanto, foco e tópico se distinguem não apenas em termos sintáticos, mas também em relação a som e sentido no que diz respeito à sua interpretação nos sistemas de interface (RIZZI, 1997; 2013).

No campo da prosódia, foco e tópico possuem diferentes contornos entoacionais. O constituinte focalizado possui um pitch mais acentuado do que o tópico, como apontam os diagramas abaixo referentes ao foco e ao tópico (RIZZI, 2013):

(34) A MICHELANGELO (Foc) Germanico vorrebbe presentare Pierangela. (PARA MICHELANGELO Germanico gostaria de apresentar

Pierangela.)

(41)

(35) A Michelangelo (Top), Germanico vorrebbe presentare Pierangela. (Para Michelangelo, Germanico gostaria de apresentar Pierangela.)

Figura 2: contorno de pitch da estrutura de tópico-comentário (RIZZI, 2013, p. 440).

Além da maior saliência entoacional do foco em relação ao tópico, vemos que a pressuposição possui um contorno mais baixo em relação ao comentário. Assim, o foco é o elemento mais proeminente de toda a sentença, ou seja, é ele que recebe o acento frasal. O mesmo ocorre com o foco veiculado por meio de estruturas clivadas.

Outro ponto de distinção entre foco e tópico apresentado por Rizzi (1997; 2013) é a unicidade do primeiro em contrapartida à recursividade do segundo, ou seja, uma sentença pode conter apenas um foco, mas pode apresentar mais de um tópico:

(36) a. * A MARIA (,) IL TUO LIBRO Gianni deve dare (non a Giulia, il disco).

(PARA A MARIA(,) O TEU LIVRO João deve dar (não para Júlia, o disco).)

b. A Maria, il tuo libro, Gianni glielo deve dare. (Para a Maria, o teu livro, O João deve dar pra ela.)

(42)

De acordo com Rizzi (1997), o que ocorre em sentenças como (36a) é uma restrição interpretativa. Se uma projeção de foco for encaixada a um FocP mais alto, teremos uma incongruência com relação à já mencionada interpretação de foco, repetida em (37): (37) FocP 2 ZP Foc‟ 2 Focº WP ZP = Foco WP = Pressuposição

Isso ocorre porque, no encaixamento de um segundo foco, teríamos uma projeção focal dentro do que é interpretado como pressuposto na sentença, ou seja, uma peça de informação nova dentro de uma sequência de informação dada, o que seria uma configuração contraditória. A mesma contraposição não ocorre no caso dos tópicos porque, de acordo com Rizzi (1997), não há uma restrição interpretativa no comentário que impeça que ele englobe uma estrutura de tópico-comentário, além do fato de que todo o comentário esteja veiculando uma informação nova sobre o tópico mais alto.

Em termos semântico-pragmáticos, outra diferença importante entre tópico e foco é que o primeiro não pode veicular informação requerida por uma pergunta-Wh:

(38) A: Che cosa hai dato a Gianni? (O que você deu para o João?) B: Gli ho dato il tuo libro.

(Eu lhe dei o seu livro.) B: #Il tuo libro, glielo ho dato. (O teu livro, eu lhe dei.)

(RIZZI, 2013, p. 441) O que ocorre em (38) é decorrente da própria natureza de foco e tópico. Uma vez que uma pergunta-Wh solicita uma informação nova, apenas o foco cumpre com

(43)

esse requisito porque veicula, por natureza, esse tipo de informação, enquanto o tópico expressa uma informação previamente dada no discurso.

Outra propriedade que distingue tópico e foco, de acordo com Rizzi (1997; 2013), em termos de sintaxe e interpretação, é que o tópico, mas não o foco, pode ser retomado por um pronome resumptivo, como mostram as ocorrências em (39) e (40), também do italiano:

(39) a. Il tuo libro, lo ho comprato. (O teu livro, eu o comprei.) b. *Il tuo libro, ho comprato. (O teu livro, eu comprei.)

(40) a.* IL TUO LIBRO lo ho comprato (non il suo). (O TEU LIVRO eu o comprei (não o dele).)

b. IL TUO LIBRO ho comprato (non il suo). (O TEU LIVRO eu comprei (não o dele).)

(RIZZI, 2013, p. 445) Por fim, mais um ponto de distinção entre esses dois elementos é que o foco sofre os efeitos de weak crossover, o que não ocorre com o tópico:

(41) a. Giannii, suai madre loi ha sempre apprezzato. (O João, sua mãe sempre gostou dele.)

b. ??GIANNIi suai madre ha sempre apprezzato ti (non Piero). (O JOÃO sua mãe sempre gostou (não o Piero).)

(44)

Com as propriedades de foco e periferia esquerda da sentença até o momento mencionadas, analisaremos, à luz da cartografia do foco, as propriedades das sentenças clivadas, com o objetivo de fornecer análises a respeito da estrutura e das relações de concordância e de harmonia temporal nessas construções focalizadoras.

1.2.5 A hierarquia dos advérbios

Além da contribuição de Pollock para a cartografia de IP, Cinque (1999), também trabalha com a estrutura articulada do sintagma flexional, onde os advérbios estariam alojados, com base na ordem na qual esses elementos aparecem na sentença. Como advérbios não são essenciais na estrutura argumental, Cinque postula que eles devem ser alojados na posição de especificador de uma projeção funcional do sistema IP – cujo núcleo pode estar ou não vazio – mantendo uma ordem relativamente fixa, a depender da classe semântica à qual pertencem.

O autor observou uma relativa distribuição que sugere que eles não ocorrem livremente na sentença, mas de maneira ordenada na estrutura. Cinque também aponta que os advérbios se organizam de acordo com as funções gramaticais que eles expressam: modo (evidencial, epistêmico...), tempo, aspecto, modo (root) e voz que, nessa ordem compõem a categorização hierárquica universal de advérbios:

(42) Modo 2 Tempo 2 Aspecto 2 Modo 2 Voz

Partindo da categorização acima, Cinque (1999) propõe uma hierarquia universal de advérbios alojados em especificadores de IP. Para chegar a essa distribuição, o autor testou combinações de advérbios de classes semânticas

(45)

diferentes, utilizando pares de sentenças que diferiam apenas com relação à ordem dos (dois) advérbios testados:

(43) a. Honestly I am unfortunately unable to help you.

(Honestamente, eu sou infelizmente incapaz de ajudar você.) b. *Unfortunately I am honestly unable to help you.

(*Infelizmente, eu sou honestamente incapaz de ajudar você.) (44) a. Fortunately, he had evidently had his own opinion of the matter.

(Felizmente, ele evidentemente tinha sua própria opinião sobre o assunto.)

b. *Evidently, he had fortunately had his own opinion of the matter. (* Evidentemente, ele felizmente tinha sua própria opinião sobre o assunto.)

(CINQUE, 1999, p. 33) Com base nos testes de precedência e transitividade – que serão mais bem explicados em 1.4 – Cinque observou, por exemplo, que advérbios referentes a atos de fala necessariamente precedem os avaliativos (44), que, precedem os evidenciais (45) e assim por diante. A partir desse procedimento, o autor chegou à seguinte distribuição universal de advérbios – adaptada para o português por Tescari Neto (2013):

(45) [francamente MoodSpeechAct > [surpreendentemente MoodEvaluative > [supostamente MoodEvidential > [provavelmente ModEpistemic > [uma

vez TPast > [então TFuture > [talvez MoodIrrealis > [necessariamente

ModNecessity > [possivelmente Modpossibility > [normalmente AspHabitual > [finalmente AspDelayed > [tendencialmente AspPredispositional > [novamente AspRepetitive(I) > [frequentemente AspFrequentative(I) > [de/com gosto ModVolition > [rapidamente AspCelerative(I) > [já TAnterior > [não … mais AspTerminative > [ainda AspContinuative > [sempre AspContinuous > [apenas AspRetrospective > [(dentro) em breve AspProximative > [brevemente AspDurative > [(?) AspGeneric/Progressive >

(46)

[quase AspProspective > [repentinamente AspInceptive(I) > [obrigatoriamente ModObligation > [em vão/à toa AspFrustrative > [(?) AspConative > [completamente AspSgCompletive(I) > [tudo AspPlCompletive > [bem Voice > [cedo AspCelerative(II) > [do nada AspInceptive(II) > [de novo AspRepetitive(II) > [frequentemente AspFrequentative(II) >…

A partir da hierarquia acima, Cinque postula que os advérbios sempre aparecem na sentença através das línguas seguindo essa distribuição. O que estaria em variação seriam as diferentes posições que o verbo pode ocupar, movendo-se para o núcleo das projeções.

1.2.6 A periferia de vP

Belletti (2004) apresenta a proposta de uma extensão de vP. Essa extensão não deve ser confundida com a concha larsoniana, que configura uma expansão do sintagma verbal para o alojamento do argumento externo de verbos triargumentais. A extensão de Belletti refere-se a uma camada periférica a vP, contendo projeções para alojar tópico e foco de informação.

A partir de dados do italiano, a autora observa que o sujeito na posição pré-verbal tem interpretação contrastiva. Isso é observável pelo fato de esse tipo de estrutura não ser uma resposta adequada a uma interrogativa-Wh, que requer mero foco de informação:

(46) a. Chi è partito? (Quem saiu?)

b. # Gianni è partito. (João saiu.)

A estrutura em (46b), embora seja uma sequência gramatical, não é apropriada ao contexto em (46), mas é perfeitamente compatível com um quadro contrastivo:

(47)

(47) a. Pedro è partito. (Pedro saiu.) b. Gianni è partito. (João saiu.)

No caso de (47b), como vimos anteriormente, Gianni, sendo foco contrastivo, estaria alojado na periferia esquerda da sentença (RIZZI, 1997).

Voltando ao contexto em (46), para responder à pergunta em (a), é utilizada em italiano uma estrutura de sujeito posposto, ou seja, a ordem VS:

(48) a. Chi è partito? (Quem saiu?) b. È partito Gianni. (Saiu o João.)

Com base nos dados acima, Belletti propõe que há uma posição mais baixa na estrutura para alojar o sujeito foco de informação, que estaria abaixo da flexão, mas acima do domínio argumental. Trata-se de uma periferia com projeções para tópico e foco, análoga ao sistema Top-Foc proposto por Rizzi (1997):

(49) TopP 2 FocP 2 TopP 2 vP

Nessa configuração, o sujeito foco de informação seria alçado para a posição de especificador de FocP e o verbo para o núcleo que contém a flexão:

(48)

(50) TP 2 pro T‟ 2 T TopP È partito 2 FocP 2 Gianni Foc‟ 2 Foc TopP 2 vP

Na estrutura acima, há um pro na posição canônica de sujeito, o que satisfaz o EPP, já que Gianni não se move para a posição de especificador de TP. Nesse caso, ocorre concordância dinâmica, o que significa que a marcação das funções gramaticais se dá à distância pela cadeia.

1.3 CARTOGRAFIA E MINIMALISMO

Os programas cartográfico e minimalista emergiram em meados dos anos 1990. A abordagem minimalista das estruturas sintáticas surgiu a partir de Chomsky (1993) e, ao contrário da cartografia, que advoga em direção à representação mais detalhada possível das construções sintáticas, visa olhar para a simplicidade dessas estruturas, representando-as de maneira econômica e com forte adequação explanatória, abrindo mão da riqueza estrutural prezada pelos estudos cartográficos.

Nessa perspectiva, as estruturas são representadas de baixo para cima, através da operação merge, e são suscetíveis à checagem de traços (cf. CHOMSKY, 1995). Esse mecanismo ocorre via movimento de um traço atraído por um alvo que contenha traços não interpretáveis, como caso e traços phi. Os traços não interpretáveis, ao serem checados são apagados, resultando em uma derivação ótima, uma vez que apenas traços interpretáveis devem ser enviados aos sistemas de desempenho - Articulatório-perceptual e Conceitual-intencional.

Embora tanto a cartografia quanto o minimalismo prezem pela economia e naturalidade de representações que sejam formadas a partir do menor número

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Foi apresentada, pelo Ademar, a documentação encaminhada pelo APL ao INMETRO, o qual argumentar sobre a PORTARIA Nº 398, DE 31 DE JULHO DE 2012 E SEU REGULAMENTO TÉCNICO

Neste trabalho avaliamos as respostas de duas espécies de aranhas errantes do gênero Ctenus às pistas químicas de presas e predadores e ao tipo de solo (arenoso ou

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Por isso, quando a quantidade de Oxigênio Dissolvido na água diminui, os peixes não conseguem compensar esta.. Diminuição, ficando prejudicados e,

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, por intermédio da Divisão Multidisciplinar de Assistência ao Estudante (DIMAE/PROAES) torna público o lançamento do presente edital