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ESTRUTURAS DE CLIVAGEM COMO ESTRATÉGIA DE FOCALIZAÇÃO MARCADA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Damaris Matias Silveira

ESTRUTURAS DE CLIVAGEM COMO ESTRATÉGIA DE FOCALIZAÇÃO

MARCADA

Florianópolis

2019

(2)

Damaris Matias Silveira

ESTRUTURAS DE CLIVAGEM COMO ESTRATÉGIA DE FOCALIZAÇÃO

MARCADA

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Bacharela em Letras.

Orientadora: Drª. Sandra Quarezemin.

Florianópolis

2019

(3)
(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus, sobretudo.

À minha mãe, pelo apoio incondicional.

Aos meus amigos, pela companhia em momentos bons e por me ouvirem em momentos delicados.

À minha orientadora Sandra Quarezemin, pela sua parceria.

Aos membros da banca, pela leitura atenciosa e pelos comentários construtivos.

(5)

RESUMO

O objetivo deste estudo é mostrar, com base no quadro teórico da gramática gerativa, algumas características das estruturas de foco, bem como discutir possíveis motivações das línguas para o uso de certas estratégias de focalização, em particular, as sentenças clivadas. Iremos assumir, à esteira de Lambrecht (2001), que a clivada é uma estratégia de último recurso. Assim, iremos propor, de acordo com trabalhos anteriores, que as línguas utilizam mais sentenças clivadas quando outras estratégias de focalização mais simples não são suficientes para a interpretação do foco ou para fornecer uma maior ênfase a esse constituinte. Discordando do panorama categórico de alguns autores que defendem que alguns sistemas gramaticais restringem estruturas de clivagem, vamos assumir que não se trata de restringir tais sentenças, mas de dispor ou não de outros recursos na língua, o que faz a clivagem mais ou menos requerida.

(6)

ABSTRACT

The aim of this monograph is to show, based on the theoretical framework of the generative grammar, some characteristics of focus structures, as well as to discuss possible motivations of the languages for the use of certain focus strategies, in particular cleft sentences. We will assume, following Lambrecht (2001), that the cleft sentence is a last resort strategy. Thus, we will propose, according to previous works, that the languages use more cleft sentences when another more simple focus strategies are not sufficient to the interpretation of the focus or to give more emphasis to this constituent. We will disagree with the categorical panorama of some authors, that argue that some grammatical systems constrain cleft structures, and assume that it is not a question of restricting this sentences, but of disposing or not of another resorts in the language, making the cleft strategy more or less required.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1 A NOÇÃO DE FOCO...10

1.1 O QUE É FOCO?...10

1.2 FOCO LARGO VERSUS FOCO ESTREITO...12

1.3 FUNÇÃO DO FOCO...13

1.4 DIFERENÇAS ENTRE TÓPICO E FOCO...14

2 ESTRATÉGIAS DE FOCALIZAÇÃO...16 2.1 PROSÓDIA...16 2.2 ORDEM DE PALAVRAS...18 2.3 PARTÍCULAS FOCALIZADORAS...19 2.4 ESTRUTURAS DE CLIVAGEM...21 2.4.1 Clivadas...21

2.4.1.1 Estrutura sintática das clivadas...23

2.4.2 Pseudoclivadas...25

2.4.2.1 Pseudoclivada ambígua?...27

2.4.2.2 Estrutura sintática das pseudoclivadas...28

3 A CLIVAGEM COMO ESTRATÉGIA DE FOCALIZAÇÃO...31

3.1 O PORTUGUÊS V2 RESTRINGIA CLIVADAS?...32

3.2 O ALEMÃO RESTRINGE CLIVADAS?...33

3.3 MOTIVAÇÃO PROSÓDICA NA FOCALIZAÇÃO...37

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...41

(8)

INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo, com base no quadro teórico da gramática gerativa, revisar e levantar uma breve discussão em torno das estratégias de focalização, em especial das estruturas clivadas. Considerando a complexidade desse tipo de estrutura, bem como a quantidade de aspectos a serem investigados, a clivagem figura como um campo produtivo de análise. Pensando nisso, realizamos o presente estudo através da revisão bibliográfica de trabalhos em torno da clivagem enquanto estratégia de focalização, bem como dos assuntos que são essenciais para a compreensão do funcionamento das clivadas e pseudoclivadas.

A clivagem é um dos possíveis recursos utilizados para a focalização de constituintes sintáticos, a partir do qual são geradas as sentenças clivadas e pseudoclivadas. Nesse tipo de estrutura, o elemento focalizado é movido para uma posição não argumental (A-barra)1 onde é interpretado e posto em evidência.

No caso das clivadas, além do movimento do foco, a cópula e o complementizador

que também operam na focalização dos constituintes. Essas estruturas são caracterizadas, a priori, pela sequência ser – FOCO – que – IP. Entretanto, a clivada pode apresentar uma

outra organização de seus elementos, como veremos no capítulo 2 desde estudo. Já as pseudoclivadas apresentam a ordem sentença wh – ser – FOCO. Assim como as clivadas, as pseudoclivadas também podem apresentar uma ordem diferente da canônica2.

Além das estruturas de clivagem, outras estratégias de focalização possíveis são: a modalização prosódica (com foco in situ), a alteração da ordem canônica das palavras da sentença e o uso de partículas focalizadoras. A focalização prosódica é a estratégia mais utilizada pelas línguas para enfatizar constituintes (cf. REICH, 2008).

No âmbito do uso mais ou menos crucial de tais estratégias, Kato e Ribeiro (2007) mostram que as línguas não apresentam o mesmo comportamento e apontam para um panorama que será questionado neste estudo, com base em trabalhos anteriores. No que diz respeito às clivadas canônicas, as autoras defendem que essa não é uma estratégia possível em línguas V2 como o alemão e o português até o século XVIII. Já o francês, para veicular foco contrastivo, por exemplo, dispõe apenas dessa estratégia de focalização. As autoras apontam o seguinte:

1 Uma posição não argumental ou A-barra é aquela que não possui função gramatical específica. 2 No capítulo 2, serão apresentados os diferentes tipos de clivadas e pseudoclivadas.

(9)

“a depender do contexto, as línguas podem apresentar variação em relação ao tipo de estratégia possível para indicar o foco contrastivo: (i) mudança da estrutura prosódica em inglês, em alemão e em PB [...]; (ii) inversão da ordem canônica entre sujeito e predicado (VXS em lugar de SVX, em italiano); (iii) it-cleft3, opcional em inglês, em italiano e em PB, mas obrigatório em francês.”

(Kato e Ribeiro, 2007) Além de reunir algumas características de foco, clivagem e outras estratégias de focalização, pretendemos discutir como algumas línguas utilizam tais estratégias. Partiremos do postulado das autoras apontando para uma visão menos categórica do panorama acima.

Este trabalho de conclusão de curso está organizado em 3 capítulos. No capítulo 1, abordaremos brevemente a noção de foco sentencial e algumas de suas particularidades. Trataremos das estratégias de focalização, com especial atenção para as estruturas de clivagem, no capítulo 2. Por fim, no capítulo 3, discutiremos a clivagem enquanto opção de focalização e possíveis motivações para o uso mais ou menos crucial dessa estratégia.

3 Clivada canônica.

(10)

1 A NOÇÃO DE FOCO

1.1 O QUE É FOCO?

Em termos de carga informacional, uma sequência sentencial pode carregar, por um lado, uma parte contida no contexto, ou seja, uma informação pressuposta, e outra parte que configura um dado novo e não pressuposto, que chamamos de foco. A sentença (1b) abaixo exemplifica tal afirmação:

(1) a. Quem escreveu essa carta?

b. Quem escreveu essa carta foi a Ana.

No contexto em (1), vemos que a sentença (1b) possui uma informação já pressuposta, ou seja: alguém escreveu essa carta. Esse tipo de informação é denominada pressuposição. Além disso, a mesma sentença também contém uma informação nova, que não está disponível no contexto e figura como o foco da sentença, que seria: a Ana. Vemos, portanto, que a pressuposição abre espaço para uma variável, cujo valor vem a ser preenchido pelo foco.

Resenes (2009) discute a afirmação acima, sobre o foco ser uma informação nova e que não está contida no contexto. Isso porque é possível que o foco faça parte da informação partilhada previamente pelos falantes, como no contexto em (2):

(2) a. Quem escreveu essa carta foi a Ana ou a Paula? b. Foi a Ana.

Assim, assumimos, seguindo Zubizarreta (1998), que o foco, independente de estar ou não contido no contexto, é a informação não pressuposta pelos falantes. Já o componente pressuposto da sentença, de acordo com Zubizarreta, é o que o falante e o ouvinte assumem como conhecimento partilhado entre eles no momento em que a sentença é inserida no discurso.

À esteira de Chomsky e Jakendoff, Zubizarreta parte da pergunta-wh para identificar foco e pressuposição sentencial. De acordo com a autora, a pressuposição, no contexto de

(11)

interrogativa-wh, pode ser identificada com o uso de um indefinido no lugar do sintagma-wh. Assim, os exemplos em (3) podem ser substituídos pelos em (4):

(3) a. What happened?

O que aconteceu?

b. What did John do?

O que o João fez?

c. What did John eat?

O que o João comeu?

d. Who ate the pie?

Quem comeu a torta?

e. What happened to the pie?

O que aconteceu com a torta?

f. What did John do with the pie?

O que o João fez com a torta?

(4) a. Something happened.

Algo aconteceu.

b. John did something.

João fez algo.

c. John ate something.

João comeu alguma coisa.

d. Someone ate the pie.

Alguém comeu a torta.

e. Something happened to the pie.

Algo aconteceu com a torta.

f. John did something with the pie.

João fez algo com a torta.

(Zubizarreta, 1998, p. 2)

Ainda de acordo com a autora, os sintagmas-wh (ou os indefinidos) podem ser representados em termos de quantificação existencial conforme o exposto em (5) (tradução minha):

(5) a. há um x, tal que x aconteceu. b. há um x, tal que João fez x. c. há um x, tal que João comeu x. d. há um x, tal que x comeu a torta.

e. há um x, tal que x aconteceu com a torta. f. há um x, tal que João fez x com a torta.

(12)

Considerando que a resposta a uma interrogativa-wh tem a mesma pressuposição da pergunta, Zubizarreta aponta que o foco é o elemento que substitui o sintagma-wh no contexto interrogativo. Assim, a sentença abaixo figura como ambígua e foco e pressuposição são identificados a depender da pergunta à qual a sentença está respondendo (exemplo meu):

(6) a. Ana escreveu uma carta.

Pelo contexto interrogativo, considerando o foco como substituto do elemento-wh, a sentença acima tem as seguintes possibilidades focais:

(7) a. O que aconteceu? (Foco = toda a sentença) b. O que Ana fez? (Foco = escreveu uma carta) c. O que Ana fez com a carta? (Foco = escreveu) d. Quem escreveu a carta? (Foco = Ana)

e. O que Ana escreveu? (Foco = uma carta)

f. O que aconteceu com a carta? (Foco = Ana escreveu)

1.2 FOCO LARGO VERSUS FOCO ESTREITO

Nos contextos de focalização, temos casos de sentenças (1b) que apresentam foco e também pressuposição. Esse tipo de foco, inserido em uma sentença que contém pressuposição, é denominado foco estreito (narrow focus). Os mais variados tipos de sintagma podem figurar como foco estreito, como podemos observar nos exemplos (7b-f) acima.

Por outro lado, temos casos em que toda a sentença é o foco, como é o caso de (8b) abaixo. Assim, o contexto de identificação para esse tipo de foco é o seguinte:

(8) a. O que aconteceu? b. Ana escreveu uma carta.

(13)

Na sentença (8b), enquanto resposta a (8a), não há informação alguma que seja previamente partilhada pelos falantes, ou seja, não há pressuposição. Este contexto é chamado de out-of-the-blue. Nesse caso, toda a sentença é o foco, que é denominado foco largo (wide

focus). Neste estudo, entretanto, trataremos das estratégias de focalização estreita.

1.3 FUNÇÃO DO FOCO

Já sabemos que o foco indica uma informação não pressuposta no contexto. Entretanto, o foco pode veicular outros tipos de informação. Observe a sentença (9b):

(9) a. Quais destes sapatos a Ana comprou?

b. O sapato que a Ana comprou foi o vermelho.

No contexto acima, assim como nos demais apontados até o momento, o foco da sentença, nesse caso o vermelho, é a parte não pressuposta da sentença. Entretanto, além disso, ele também indica que: dentre as possibilidades de sapatos que a Ana poderia

comprar, ela comprou o vermelho e mais nenhum outro. Esse tipo de foco contém o traço da

exaustividade e tem a leitura „x, e somente x’. Kiss (1998) denominou esse tipo de foco como

identificacional, mas também pode ser chamado de foco exaustivo.

Além da exaustividade, o foco pode apresentar traço de contraste. A noção de foco

contrastivo foi introduzida por Zubizarreta (1998). Esse tipo de foco toma uma afirmação

prévia como falsa e realiza correção sobre ela, como no contexto em (10):

(10) a. A Paula escreveu uma bela carta.

b. Foi a Ana que escreveu a carta (e não a Paula).

A sentença (10b) mantém a pressuposição de que alguém escreveu uma carta. Entretanto, ela toma a informação veiculada anteriormente sobre a autora da carta, a nega e veicula um novo valor à variável aberta pela pressuposição. É importante salientar que o foco contrastivo possui, por natureza, o traço da exaustividade. Na sentença (10b), não há a possibilidade de interpretação de que alguém além de Ana tenha escrito a carta. Assim, o foco dessa sentença tem a leitura „x, e somente x’.

(14)

Em suma, temos, portanto, três possibilidades de foco: o foco de informação, que veicula simples informação nova e que pode ser facilmente identificado quando em resposta a uma pergunta-wh; o foco identificacional, que possui o traço da exaustividade; o foco contrastivo que apresenta contraste e exaustividade.

1.4 DIFERENÇAS ENTRE TÓPICO E FOCO

O constituinte focalizado não pode ser confundido com o tópico sentencial. Embora possam aparecer linearmente na mesma posição em alguns casos, por exemplo, quando ambos figuram na periferia esquerda da sentença, há importantes diferenças entre as relações foco-pressuposição e tópico-comentário. Na sentença abaixo, por exemplo, A Maria pode configurar tópico ou foco, a depender do contexto e da entoação:

(11) A Maria comeu um pedaço de bolo.

A Maria é o foco da sentença no contexto (12), mas tópico no contexto (13):

(12) A MARIA comeu um pedaço de bolo, e não a Ana.

(13) A Maria, comeu um pedaço de bolo, a Ana, um cachorro-quente.

O tópico veicula uma informação previamente partilhada pelos falantes no discurso. No contexto em (13), o tópico A Maria já havia sido introduzido anteriormente. Já o foco, de maneira oposta, como já mencionado anteriormente, expressa uma informação nova. No exemplo (12) é a pressuposição (Alguém comeu um pedaço de bolo) que está previamente inserida no contexto.

Um elemento que também diferencia o foco do tópico é a prosódia (RIZZI, 1997). No caso do foco, este recebe o acento frasal, enquanto, no caso do tópico, há uma pausa entre ele e o comentário e o acento frasal recai sobre a última sílaba tônica da sentença:

(15)

(15) a. O que a Maria fez?

b. A Maria, comeu um pedaço de BOlo

Destacamos também, ainda de acordo com Rizzi (1997), além de diferenças semânticas e prosódicas, uma diferença sintática: apenas o tópico pode ser retomado por pronome. A retomada, no caso do foco, torna a sentença agramatical4:

(16) a. A Maria, ela comeu um pedaço de bolo (a Ana, um cachorro quente). b. *A MARIA, ela comeu um pedaço de bolo (não a Ana).

Com este breve panorama em torno da natureza do foco, passaremos, no capítulo seguinte, às estratégias para a marcação deste elemento da sentença, com especial atenção à focalização via clivagem.

(16)

2 ESTRATÉGIAS DE FOCALIZAÇÃO

As línguas naturais dispõem de variados recursos para focalizar constituintes. No caso do foco largo, em português brasileiro (PB), a sentença-foco pode ser proferida como uma sentença neutra, sem marcação prosódica específica, movimento de constituinte ou uso de partículas focalizadoras. Entretanto, um recurso comumente utilizado em PB, mas não obrigatório, é o uso de é que no início da sentença-foco:

(1) a. O que aconteceu?

b. É que a Paula recebeu uma carta de Ana.

No caso do foco estreito, o PB dispõe do recurso da prosódia, do uso de partículas focalizadoras e das estruturas de clivagem. Como nosso propósito neste estudo é tratar da focalização estreita, trataremos dessas estratégias nas seções seguintes.

2.1 PROSÓDIA

De acordo com Reich (2008), o recurso mais utilizado nas línguas para marcar a estrutura informacional é a modulação da entoação. De acordo com o autor, parece haver uma tendência geral a realizar as partes “mais importantes” de um enunciado em tons altos e as partes “menos importantes” em tons baixos e isso serve para a veiculação dos variados tipos de foco.

Assim, uma das estratégias utilizadas para focalizar constituintes é a realização do foco prosódico. Nas estruturas de foco prosódico, o constituinte focalizado recebe o acento frasal in situ. Através da prosódia, os constituintes são focalizados em diferentes posições da sentença:

(2) a. A MARIA tomou uma cerveja ontem com a Paula. b. A Maria tomou UMA CERVEJA ontem com a Paula. c. A Maria tomou uma cerveja ONTEM com a Paula. d. A Maria tomou uma cerveja ontem COM A PAULA.

(17)

Este recurso é o menos marcado, uma vez que independente da estratégia, o foco já recebe esse acento.

De acordo com Kato e Ribeiro (2007), o foco prosódico é uma estratégia de focalização também contrastiva em português brasileiro juntamente com a clivagem. Entretanto, uma língua que faz o uso crucial da focalização prosódica é o alemão. Segundo Reich (2008), há características das línguas que favorecem certos recursos de focalização, e, no caso do foco prosódico, no que diz respeito à focalização contrastiva, o alemão possui características prosódicas que favorecem esse tipo de recurso, como acentos tonais em praticamente todas as palavras da sentença, a depender das necessidades do discurso. No alemão, a única restrição para a focalização prosódica é que o acento tonal recaia na sílaba na qual recai o acento lexical:

(3) a. Drei Kölner Romanisten fuhren nach Brasilien. „Três romanistas coloneses foram para o Brasil‟ b. DREI Kölner Romanisten fuhren nach Brasilien.

„TRÊS romanistas coloneses foram para o Brasil (e não quatro)‟ c. Drei KÖLner Romanisten fuhren nach Brasilien.

„Três romanistas COLONESES foram para o Brasil (os de Frankfurt ficaram lá)‟ d. Drei Kölner RomaNISten fuhren nach Brasilien.

„Três ROMANISTAS coloneses foram para o Brasil (e não germanistas)‟ e. Drei Kölner Romanisten fuhren nach BraSIlien.

„Três romanistas coloneses foram para o BRASIL (e não para Argentina)‟

(REICH, 2008)

Para Reich, focalizar contrastivamente através de acento prosódico em línguas como português, espanhol e francês não é agramatical, mas algo que resultaria em sentenças estranhas. Nessas línguas, a preferência para a focalização contrastiva seriam as estruturas que envolvem o movimento do foco para posições não canônicas, como as clivadas e pseudoclivadas. A questão da preferência pela estratégia de focalização será mais bem discutida no capítulo 3.

(18)

2.2 ORDEM DE PALAVRAS

Uma outra estratégia de focalização é a alteração da ordem canônica de constituintes da sentença. Assim, a estrutura informacional é marcada pela posição que o foco ocupa na sentença. O italiano, por exemplo, realiza inversão para a marcação do foco contrastivo sujeito.

(4) È arrivato GIANNI, non Maria. „Chegou João, não Maria‟

Olhando para o português, o movimento de constituinte já foi uma estratégia de focalização em fases passadas. Até o século XVIII, o português (antigo e clássico) era considerado uma gramática V25. Isso significa que o verbo realizava movimento para a periferia esquerda da sentença, enquanto outro elemento seria fronteado a esse verbo, a depender dos requerimentos discursivos. Assim, elementos podiam ser topicalizados ou focalizados em posição pré-verbal (cf. GIBRAIL, 2010). Os mais variados tipos de constituintes podiam ser focalizados nessa posição, uma vez que elementos diferentes de sujeito eram licenciados na posição anterior ao verbo via fronteamento:

(5) [F Na corte] andou este rei dous (sic) anos.

(GIBRAIL, 2010)6

Com a queda da gramática V2, a operação do fronteamento também se perde e, nesse contexto, as clivadas passam a ser mais utilizadas para a focalização de constituintes (cf. SILVEIRA, 2014; 2017).

Com a queda de V2, o verbo permanece nos domínios da flexão, em uma posição que fica localizada abaixo do sujeito. Assim, a ordem canônica em português, com relação a sujeito e verbo passa a ser SV. Entretanto ainda é possível realizar focalização com o deslocamento do constituinte focalizado para a periferia esquerda da sentença:

5

(Cf..RIBEIRO, 1995; TORRES MORAES, 1995; GALVES, 1997; PAIXÃO DE SOUSA, 2004; GALVES, BRITO E PAIXÃO DE SOUSA, 2005; CAVALCANTE, GALVES E PAIXÃO DE SOUSA, 2010;

GewIBRAIL, 2010; ANTONELLI, 2011; GALVES E PAIXÃO DE SOUSA, 2017) 6

Fonte: Dado extraído do corpus histórico do Português TychoBrahe:

(19)

(6) CERVEJA a Maria bebeu.

Porém, de acordo com Rizzi (1997), o foco que figura na periferia esquerda da sentença apresenta interpretação contrastiva∕corretiva. Isso pode ser verificado pela inadequação do uso desse tipo de estrutura como resposta a uma interrogativa-wh:

(7) a. O que a Maria bebeu? b. #CERVEJA a Maria bebeu.

Um contexto adequado para o emprego da estrutura em (7b) é o de correção a uma asserção prévia:

(8) a. A Maria bebeu vinho.

b. Não. CERVEJA a Maria bebeu (não vinho).

2.3 PARTÍCULAS FOCALIZADORAS

Outra estratégia para marcar foco é o uso de partículas que operam como morfemas de foco. Embora não haja um vasto número de línguas que dispõem dessa estratégia, mencionamos que Rizzi (2013) aponta, com base em Aboh (2004), o exemplo do Gungbe, língua falada no oeste africano que utiliza a partícula wè adjacente ao foco para marcá-lo:

(9) Ùnsè [dò [dàn lówè [Kòfíhù ___]]] „Eu ouvi que a cobrawèKòfi matou.‟

(ABOH, 2004 apud RIZZI, 2013, p.446)

É possível que o português brasileiro também seja um caso de língua que dispõe de partículas focalizadoras. Quarezemin (2009) destaca casos em que a cópula e o complementizador operam como morfemas de foco. No caso da cópula, ela está inserida na sentença sem operar como verbo lexical, mas possui a função de salientar o foco na sentença:

(20)

(10) a. A Maria tem vontade de desfilar na Mangueira no carnaval em 2009. (sentença neutra)

b. A Maria tem é vontade de desfilar na Mangueira no carnaval em 2009. c. A Maria tem vontade é de desfilar na Mangueira no carnaval em 2009. d. A Maria tem vontade de desfilar é na Mangueira no carnaval em 2009. e. A Maria tem vontade de desfilar na Mangueira é no carnaval em 2009. f. ?A Maria tem vontade de desfilar na Mangueira no carnaval é em 2009.

(QUAREZEMIN, 2009, p. 102-103)

Vemos em (10) que a cópula segue o constituinte focalizado, obtendo com ele uma relação de adjacência, de modo que tudo o que figura na posição pós cópula é o foco. Vemos que, com essa estratégia, podemos focalizar variados tipos de categorias de constituintes, mas acrescentamos que isso ocorre apenas quando o foco está na posição posterior ao verbo flexionado, o que torna impossível a focalização de toda a sentença ou de todo o VP, utilizando a cópula como partícula focalizadora:

(11) a. *É a Maria tem vontade de desfilar na Mangueira no carnaval em 2009. b. *A Maria é tem vontade de desfilar na Mangueira no carnaval em 2009.

Outro elemento apontado por Quarezemin (2009) como morfema de foco é o complementizador que. Nesse tipo de estrutura o foco fica adjacente ao complementizador:

(12) A Ana que viajará na próxima semana.

(QUAREZEMIN, 2009, p. 104)

Sentenças como as em (12) também já foram mencionadas na literatura como uma versão reduzida das estruturas de clivagem. A estrutura receberia essa nomenclatura por sofrer o apagamento da cópula.

(21)

2.4 ESTRUTURAS DE CLIVAGEM

A clivagem é uma estratégia de focalização complexa. Esse recurso envolve o movimento do constituinte focalizado e o uso de elementos focalizadores: a cópula e o complementizador, mencionados por Quarezemin (2009) como morfemas de foco, ambos na mesma sentença.

Clivadas e pseudoclivadas configuram orações bipartidas nas quais o foco é evidenciado por movimento para uma posição não argumental. No caso das clivadas, o foco ocupa uma posição entre o verbo ser e o complementizador (13a), ou anteposto a tais itens (13b). No segundo caso, as clivadas são comumente denominadas na literatura clivadas

invertidas.

(13) a. Foi a Ana que chegou. b. A Ana é que chegou.

As sentenças pseudoclivadas, por sua vez, possuem, no lugar de uma estrutura encabeçada pelo complementizador, uma sentença-wh. Essas construções têm as seguintes possibilidades de ordem:

(14) a. Quem chegou foi a Ana. (Pseudoclivada básica - PC) b. A Ana foi quem chegou. (Pseudoclivada inversa - PCI) c. Foi a Ana quem chegou. (Pseudoclivada extraposta - PCE)

Nas seções que seguem, trataremos com mais detalhes das características básicas de tais estruturas.

2.4.1 Clivadas

Sentenças clivadas (CL) não podem ser confundidas com pseudoclivadas (PC) ou com outras sentenças da mesma sequência que não são clivadas. Mioto e Negrão (2007) mostram que o que há em comum entre CLs e PCs é uma cópula, um foco e um CP, e o que as distingue formalmente é o preenchimento desse CP. Enquanto o CP das clivadas tem o núcleo

(22)

preenchido por um complementizador, o das pseudoclivadas tem o Spec preenchido por um elemento-wh. Além disso, a sequência das CLs só pode ter interpretação especificacional:

(15) a. É escandalosa que a Maria é. b. * É escandaloso que a Maria é.

Nas sentenças especificacionais o foco atribui valor a uma variável aberta na pressuposição: A Maria é alguma coisa. Diferentemente das pseudoclivadas, que apresentam uma sequência que pode ser ambígua, apresentando uma leitura especificacional e outra predicacional7 (sentença copular comum), a sequência das clivadas sempre possui a leitura especificacional, que converge com sua contraparte não clivada: A Maria é escandalosa. Assim, como o adjetivo aponta para uma qualidade de Maria, deve estabelecer concordância de feminino com o sintagma nominal.

Uma clivada canônica tem a sequência: cópula+ XP foco + que + IP, onde o foco tem sua função gramatical estabelecida dentro do IP encaixado. Porém, Mioto e Negrão (2007) mostram que nem toda sentença que apresenta essa sequência é uma clivada. Nesse caso (16) é ambígua:

(16) Foi a menina que comeu o bolo.

A sentença é clivada se estiver respondendo à pergunta (16a), mas não se responder a (17b):

(17) a.Quem comeu o bolo?

b. Que menina chorou na festa?

Respondendo à pergunta (17a), o XP pós-cópula a menina é o foco da sentença, requisito necessário para que a sentença seja clivada. Já enquanto resposta a (17b), ela não pode ser uma clivada, pois o XP pós-cópula que deveria ser o foco, ou seja, a informação nova, já faz parte da pergunta.

(23)

Quando não clivada, (16) apresenta uma sentença relativa com núcleo nominal. Por outro lado, o CP não pode ser do tipo relativo nas CLs. Mioto e Negrão (2007) mostram que os CPs das clivadas e da relativa são de natureza diferente. O verbo do CP das clivadas, por exemplo, apresenta concordância temporal com o verbo da sentença matriz. Nas relativas, essa concordância não é obrigatória:

(18) a. Quem chorou?

b. ? É a menina que chorou.

(19) a. Que menina é aquela?

b. É a menina que estava chorando.

Pretendemos dar atenção às clivadas em todos os seus padrões. Apesar de essas sentenças possuírem uma sequência canônica, elas também podem se organizar de forma diferente, como vimos anteriormente. É o caso da clivada invertida, que é assim chamada porque traz o foco em posição anterior à cópula:

(20) A menina é que chorou.

A sentença acima possuiria foco do tipo contrastivo, pois ele está na periferia esquerda, uma posição A-barra, que é típica do traço de contraste (cf. RIZZI, 1997; 2013).

2.4.1.1 Estrutura sintática das clivadas

Para a estrutura sintática das clivadas do Português Brasileiro, temos a proposta de Mioto e Figueiredo Silva (1995), bem como a proposta análoga de Modesto (2001). Trata-se de uma estrutura copular onde o verbo ser seleciona um CP que os primeiros autores equiparam a FP. As clivadas, nessa proposta, são derivadas por movimento, ou seja, de dentro da estrutura argumental, o foco é movido para uma posição A-barra, a de especificador de CP=FP:

(24)

(21) IP 2 proexpl I‟

2 Foii VP | V‟ 2 V CP (=FP) ti 2 [O JOÃO]j C‟ 2 C IP que 6 tj comeu a torta

A estrutura proposta pelos autores converge com o que afirmam Mioto e Negrão (2007), sobre as funções gramaticais (caso e papel temático) do foco serem compatíveis com a categoria vazia dentro da sentença encaixada, uma vez que são atribuídas na estrutura argumental. Assim, a proposta de Mioto e Figueiredo Silva dá conta da agramaticalidade de casos como:

(22) *Foi comer o bolo que o João fez.

No caso das sentenças clivadas invertidas, Modesto (2001) defende que tais estruturas são derivadas por movimento adicional do foco para a periferia mais alta da sentença. Na estrutura arbórea, considerando que a proposta do autor é análoga à de Mioto e Figueiredo Silva (1995), teríamos a seguinte representação:

(25)

(23) CP 2 O Joãoi C‟ 2 C IP 2 proexpl I‟

2 Foii VP | V‟ 2 V CP (=FP) ti 2 tj C‟ 2 C IP que 6 tj comeu a torta 2.4.2 Pseudoclivadas

As sentenças pseudoclivadas também são construções designadas para focalizar constituintes sintáticos. Em sua forma canônica, as PCs apresentam na estrutura uma sentença-wh, seguida de uma cópula e de um constituinte XP, que é o foco:

(24) Quem lê muitos livros é a Maria.

Porém, as PCs também podem ser estruturadas em outras sequências. É o caso das pseudoclivadas invertidas e das pseudoclivadas extrapostas. As primeiras são assim chamadas por apresentarem uma estrutura como (25a), onde o foco aparece à esquerda da cópula. Já as segundas têm a sentença-wh deslocada à direita como em (25b):

(26)

b. É a Maria quem lê muitos livros.

No entanto, não podemos confundir uma PC legítima com outras sentenças com a mesma sequência. As PCs apresentam propriedades específicas que devem ser levadas em conta para que uma sentença seja considerada como tal. Uma delas é que somente o XP deve ser o foco da sentença, ou seja, apenas ele é a informação nova, sendo que o restante da sentença já deve estar pressuposto no contexto.

De acordo com essa característica, a sentença (25a) é PC se responder a pergunta em (26a), mas não se responder a pergunta (26b), pois, nesse caso, o XP a Maria, que deveria ser o foco, não é mais a informação nova, mas já está pressuposto na pergunta:

(26) a. Quem lê muitos livros? b. Quem é a Maria?

Outra propriedade das PCs é que o foco tem sua função gramatical estabelecida na sentença encaixada através do elemento-wh. Isso significa que o valor do wh é atribuído pelo foco. Portanto em (24), a Maria tem sua função gramatical estabelecida através do wh Quem. Assim, nessa sentença, Quem = A Maria. Já em (27), que não é PC, isso não acontece:

(27) O que a Maria é é perigoso.

Em (27), o adjetivo perigoso (que está no mesmo lugar onde estaria o foco, considerando a sequência de uma PC) tem função de predicado de toda a sentença wh. Perigoso é uma característica não da Maria, mas daquilo que ela é.

Outra propriedade que caracteriza uma sentença como PC é o acento frasal, que recai sempre sobre o foco em todos os padrões de pseudoclivada. Em (25a), o acento recai sobre o foco a Maria quando ela é uma PC. O mesmo não acontece na mesma sentença quando ela responde à pergunta (26b).

(27)

2.4.2.1 Pseudoclivada ambígua?

Segundo a análise de Akmajian (1970), a sequência (28) é ambígua:

(28) O que o João é é importante.

A sentença em (28) pode ter duas leituras, uma especificacional e outra predicacional. Na leitura especificacional, a sentença pode ser parafraseada por ‘O João é importante’, que é a contraparte simples da PC. Nesse caso, importante é um atributo de João, e tem sua função estabelecida através do wh, pois atribui valor a ele. Já na leitura predicacional, ela pode ser parafraseada por “Aquilo que o João é é importante”, ou seja, o João é algo, e ser isso é importante. Aqui, o adjetivo é predicado de toda a sentença wh, que tem caráter referencial.

Resenes (2009) mostra que apenas as especificacionais são sentenças pseudoclivadas e as predicacionais são simples sentenças copulares. O CP das predicacionais é uma relativa livre encabeçada por um pronome. Já nas especificacionais, o elemento wh é um anafórico com valor atribuído pelo foco, ou seja, a sentença encaixada não é uma relativa.

A autora ainda aponta para testes que podem ser feitos para salientar as diferenças entre sentenças especificacionais e predicacionais. Alguns deles são:

Especificacionais Predicacionais Seleção de Adjetivo

(HIGGINS, 1973)

(29) O que o João é é orgulhoso.

Orgulhoso só pode predicar sobre João ([+humano]).

(30) O que o João é é lucrativo.

Lucrativo só pode predicar sobre a relativa ([-humano]) Inversão Aceitam (31) Orgulhoso é o que o João é. Não aceitam (32) *Lucrativo é o que o João é. Concordância Temporal (HIGGINS, 1973) Tem

(33) *O que o João é foi orgulhoso.

Não tem

(34) O que o João é foi lucrativo. Morfologia Flexional (MIOTO; NEGRÃO, 2007) (35) O que a Maria é é escandalosa (36) O que a Maria é é escandaloso

(28)

O adjetivo feminino só pode predicar sobre Maria. (leitura especificacional)

O adjetivo não concorda com Maria, portanto não está qualificando o DP, mas sim a relativa. (leitura predicacional)

Quadro 1 – Diferenças entre sentenças especificacionais e predicacionais.

Apenas as estruturas com leitura especificacional são consideradas pseudoclivadas, pois apresentam as características necessárias para essa interpretação, expostas no início desta seção (2.4.2). As sentenças que possuem a leitura predicacional configuram sentenças copulares comuns.

2.4.2.2 Estrutura sintática das pseudoclivadas

Resenes (2009) apresenta uma proposta de estrutura de clivadas do português brasileiro que diferencia sentenças especificacionais de predicacionais. Na estrutura pseudoclivada sugerida pela autora, a cópula seleciona um sintagma focalizador FP. Este, por sua vez, seleciona diretamente uma small clause:

(37) a. O que a Maria é é escandalosa. b. IP

2 [o quej a Maria é]l I‟

2 I VP ék | V‟ 2 V FP tk 2 [escandalosaj]i F‟ 2 F SC 2 CP AP 6 ti tl

(29)

Para a autora, é plausível que a cópula selecione o núcleo FP porque ela também é responsável pela focalização nas pseudoclivadas.

Com a mesma estrutura acima, as estruturas pseudoclivadas invertidas e extrapostas são derivadas. O que as diferencia é o movimento do foco. No caso das pseudoclivadas invertidas, o foco faz um movimento extra para a posição de especificador do CP mais alto, que é equiparado pela autora a FP:

(38) a. Escandalosa é o que a Maria é.

b. CP(=FP) 2 [escandalosaj]i C‟ 2 C IP 2

proexpl I‟

2 I VP ék | V‟ 2 V FP tk 2 Spec F‟ ti 2 F SC 2 CP AP 6 ti o quej a Maria é

Já para as pseudoclivadas extrapostas, Resenes propõe que o foco se move para a posição de especificador de FP, enquanto a cópula é deslocada para o núcleo flexional:

(30)

(39) a. É escandalosa o que a Maria é.

b. IP 2 proexpl I‟

2 I VP ék | V‟ 2 V FP tk 2 Spec F‟ [escandalosaj]i 2 F SC 2 CP AP 6 ti o quej a Maria é

A estrutura proposta por Resenes se diferencia das demais apontadas na literatura porque diferencia sentenças especificacionais de predicacionais. Isso é garantido pela presença de uma categoria específica (FP) para alojar o foco, projeção inexistente nas sentenças predicacionais, que figuraram como copulares comuns.

(31)

3 A CLIVAGEM COMO ESTRATÉGIA DE FOCALIZAÇÃO

De acordo com Kato e Ribeiro (2007), as línguas variam na escolha da estratégia de focalização de constituintes. Isso significa, por exemplo, que o fato de o português (PB e PE) apresentar estratégias como clivagem, prosódia e partículas focalizadoras não indica que as demais línguas irão dispor dos mesmos recursos.

Para a veiculação do foco contrastivo, por exemplo, Kato e Ribeiro apontam que há línguas que utilizam marcação prosódica, como o inglês, o alemão e o PB, línguas que invertem a ordem canônica entre sujeito e predicado (VXS em lugar de SVX), como o italiano e línguas que licenciam a estrutura de clivagem canônica, como o inglês, o PB, o italiano e o francês. Esse tipo de clivada também seria, de acordo com as autoras, restrito no português antigo e clássico, pois, nos dois períodos, essa língua configurava um sistema V2.

No que diz respeito à clivagem canônica, o PB possuiria essa estratégia juntamente com a da prosódia. Já o alemão não faria o uso da clivagem para foco contrastivo, enquanto o francês disporia apenas desse recurso. Entretanto, tais afirmações serão mais bem discutidas neste estudo, uma vez que, ao mesmo tempo que o alemão licencia clivadas em alguns contextos, o francês também licencia foco prosódico, o que nos leva a considerar o panorama de Kato e Ribeiro, mas não de maneira tão categórica.

Além disso, o uso não produtivo de clivadas, nas línguas que Kato e Ribeiro apontam para uma restrição a esse tipo de estrutura, ocorre não apenas com clivadas canônicas, mas com todas as estruturas de clivagem e pseudoclivagem (cf. SILVEIRA, 2014; 2017), o que indicaria que outra estratégia de focalização é mais produtiva em tais línguas, e não que a clivagem canônica é necessariamente restrita. Ainda no que diz respeito a essa restrição defendida pelas autoras, a clivagem não precisa ser reduzida às estruturas de contraste, uma vez que o foco marcado na sintaxe seria pouco produtivo nessas línguas, independente do tipo de foco que as sentenças veiculam.

Em todo caso, o que buscamos discutir é o que leva uma língua a fazer o uso mais ou menos crucial de estruturas de focalização complexas. Iremos seguir o que postula Lambrecht (2001) de que a clivagem é, de fato, uma estratégia de último recurso no que diz respeito à focalização, utilizada quando outras estratégias mais econômicas não estão mais disponíveis na língua. Assim, defenderemos que os postulados de Kato e Ribeiro poderiam ser remodelados no que diz respeito a uma preferência de uma ou outra língua pela clivagem

(32)

como estratégia de focalização quando outros recursos não são suficientes para a interpretação do foco.

3.1 O PORTUGUÊS V2 RESTRINGIA CLIVADAS?

Muitos autores (RIBEIRO, 19958; TORRES MORAES, 1995; GALVES, 1997; PAIXÃO DE SOUSA, 2004; GALVES; BRITO; PAIXÃO DE SOUSA, 2005; CAVALCANTE; GALVES; PAIXÃO DE SOUSA, 2010; GIBRAIL, 2010; ANTONELLI, 2011; GALVES; PAIXÃO DE SOUSA, 2017) defendem que o português dos períodos antigo e clássico, ou seja, até o início do século XVIII, era uma língua V2. Isso significa que o verbo realizava movimento para uma posição na periferia esquerda da sentença, enquanto outro sintagma (sujeito ou não) seria fronteado a esse verbo por requerimentos discursivos – tópico ou foco (GALVES e PAIXÃO de SOUSA, 2017).

De acordo com Kato e Ribeiro (2007) e Kato (2009), o português desse período restringia clivadas canônicas, que são estruturas V1, porque o sistema V2 bloquearia esse tipo de estrutura, assim como o alemão, que é V2 e não possuiria, segundo as autoras e à esteira de Sornicola(1988) e Lambrecht (2001), a clivada de cópula inicial.

De acordo com Kato e Ribeiro (2007), bem como com Kato (2009), a partir de 1700, o português passa a licenciar a projeção de foco no CP mais baixo, cujo complementizador não teria traço de foco no período em que o português era um sistema V2, mas passaria a ser do tipo [+foco] a partir da queda dessa gramática:

(1) a. [FP [ O ladrão]i [ é [CP que [ ti levou o meu laptop.]]]] (Período V2) b. [ É [FP [o ladrão]i [ que+F [ti levou o meu laptop]]]] (Período não V2)

(KATO, 2009)

Com base em dados do corpus Tycho Brahe, Silveira (2014; 2017) apresenta os seguintes argumentos que divergem da análise de Kato e Ribeiro (2007) e de Kato (2009), pois vão contra a restrição apontada pelas autoras:

a. a ocorrência, embora muito limitada, de clivadas no período V2 do português;

(33)

b. o fato de não só o padrão canônico ser reduzido no período V2, mas também todas as outras estruturas de clivagem serem muito escassas antes de 1700, o que pressupõe outra estratégia de focalização mais recorrente no período;

c. a alta recorrência de estruturas V1 no período V2 (Cf. CAVALCANTE; GALVES; PAIXÃO DE SOUSA, 2010);

d. a ocorrência de clivadas canônicas no alemão (como veremos na seção seguinte).

No caso do português do período V2, a clivagem também seria um recurso aceito dentro da gramática, porém, assim como o alemão, dispunha de outro recurso para fins de focalização, utilizado primordialmente (cf. seção seguinte). Esse recurso seria o fronteamento (cf. GIBRAIL, 2010), ou seja, o alçamento do sintagma focalizado para a periferia esquerda da sentença na posição pré-verbal.

Era legítimo, portanto, focalizar ou topicalizar elementos na posição pré-verbal, visto que há projeções disponíveis para tópico e foco anteriores ao verbo. Os elementos pré-verbais ocupariam suas respectivas projeções seguindo requerimentos discursivos, independente de tratar-se de sujeito ou não, como mostra o exemplo abaixo, apresentado em Gibrail (2010):

(2) [F NA CORTE] andou este rei dous (sic) anos.

Silveira (2014, 2017) sugere, portanto, que no lugar de uma restrição a estruturas clivadas, o que ocorre, na verdade, é a disponibilidade de outras estratégias de focalização. Com a queda de V2, essa estratégia não estaria mais vigente, momento no qual as clivadas passam a ser mais produtivas em português.

3.2 O ALEMÃO RESTRINGE CLIVADAS?

Considerando que Kato e Ribeiro (2007) apontam também para o alemão como uma das línguas que restringe it-clefts, bem como o fato de estarmos tentando mostrar que o panorama das autoras pode ser pensado de forma menos categórica, no sentido de haver não

(34)

uma restrição a clivadas, mas o favorecimento de outras estratégias de focalização mais econômicas, trataremos, nesta seção, da clivagem em alemão. Nosso objetivo é mostrar evidências apontadas na literatura de que o alemão dispõe da clivada canônica, entretanto, esse tipo de estrutura não é tão recorrente nessa língua.

As autoras mencionadas acima afirmam que a clivada canônica não é compatível com gramáticas V2, como o alemão. Entretanto, a focalização de constituintes via clivagem é restrita em alemão mesmo em padrões clivados que seriam compatíveis com esse tipo de gramática, como clivadas e pseudoclivadas inversas, por exemplo. Isso leva à suspeita de que não somente a clivada canônica, mas também os outros tipos de clivada são estratégias de último recurso, uma vez que o alemão possui características que favorecem outro tipo de focalização. Nesse caso, não há evidências que apontem para a hipótese de que a clivada canônica é bloqueada pela gramática V2.

Dados de Reich (2008) e de Gast e Levshina (2012) mostram que, de fato, o alemão apresenta o padrão canônico de clivada:

(3) a. Es waren die Kölner Romanisten, die nach Brasilien fuhren.

exp. foram os coloneses Romanistas que para Brasil foram

„Foram os romanistas coloneses que foram para o Brasil.‟

(REICH, 2008)

b. Es ist zweifellos der Terrorismus, der verhindert, dass die Parteien an einen

exp. é sem dúvida o Terrorismo que impede que os partidos a (prep) um

Verhandlungstisch kommen.

mesa de negociação venham

„É, com certeza, o Terrorismo que impede que os partidos cheguem a uma mesa de negociação.‟

(GAST e LEVSHINA, 2012)

As clivadas no alemão, entretanto, não são a primeira estratégia de focalização de constituintes. Para veicular foco, mesmo que seja contrastivo, é preferível o foco prosódico,

(35)

de acordo com Reich, como mostram os exemplos já mencionados no capítulo 2 em (3) e repetidos aqui em (4):

(4) a. Drei Kölner Romanisten fuhren nach Brasilien. „Três romanistas coloneses foram para o Brasil‟ b. DREI Kölner Romanisten fuhren nach Brasilien.

„TRÊS romanistas coloneses foram para o Brasil (e não quatro)‟ c. Drei KÖLner Romanisten fuhren nach Brasilien.

„Três romanistas COLONESES foram para o Brasil (os de Frankfurt ficaram lá)‟ d. Drei Kölner RomaNISten fuhren nach Brasilien.

„Três ROMANISTAS coloneses foram para o Brasil (e não germanistas)‟ e. Drei Kölner Romanisten fuhren nach BraSIlien.

„Três romanistas coloneses foram para o BRASIL (e não para Argentina)‟

Nos exemplos em (4), vemos que é possível focalizar qualquer elemento da sentença, através da ênfase, via prosódia, do elemento focalizado in situ. Esse tipo de focalização é legítimo porque, de acordo com Reich, no alemão, é possível realizar acentos tonais em praticamente todas as palavras da sentença, com a única restrição de que o acento tonal recaia sobre a sílaba onde se realiza o acento lexical. Tal acentuação ocorre conforme condições requeridas pelo discurso. O alemão, portanto, pode focalizar um constituinte na prosódia, sem que haja necessidade de um movimento sintático para que o constituinte focalizado ganhe saliência.

O autor também mostra que, no alemão, ocorre a desacentuação de alguns elementos, para dar saliência ao foco. Observe o exemplo abaixo:

(5) Drei KÖLnerinnen fuhren nach Brasilien. „Três colonesas foram para o Brasil‟

A última sílaba de Kölnerinnen, que é o foco, é elidida no alemão falado, e o verbo fuhren se limita a um monossílabo.

Nesse caso, as clivadas não são restritas em alemão, segundo Reich. Elas são licenciadas, porém, é preciso que haja necessidade para o seu emprego. Se a focalização in

(36)

situ, que não move as estruturas básicas da sentença, garante a interpretação do foco, não há

necessidade do uso das clivadas. A clivagem, portanto, não é a estratégia primária de focalização no alemão, porém, pode ocorrer em contextos específicos, em que a saliência deve ser mais enfatizada, visto que a focalização in situ não foi suficiente para a compreensão semântico-pragmática da sentença:

(6) A: Die Frankfurter Romanisten fuhren nach Brasilien. „Os romanistas de Frankfurt foram para o Brasil‟

B: Nein, die KÖLner Romanisten fuhren nach Brasilien. „Não, os romanistas de Colônia foram para o Brasil‟ A: Ach so, aus Bonn waren die.

„Ah, tudo bem, eles eram de Bonn‟

B:Himmel, es waren die KÖLner Romanisten, die nach Brasilien fuhren. „Nossa senhora! Foram os romanistas de COLÔNIA que foram para o Brasil‟

(REICH, 2008)

Nos exemplos do autor, há o emprego primário da focalização prosódica. O recurso, porém, não garantiu a interpretação semântico-pragmática da sentença no emprego do foco contrastivo, na primeira sentença de B. Como recurso final para garantir a interpretação, uma sentença clivada foi empregada. O alemão, portanto, embora a gramática V2 não restrinja as estruturas clivadas, utiliza o foco prosódico como estratégia de focalização e a clivagem, focalização mais saliente, como último recurso.

Tais evidências do alemão são utilizadas por Silveira (2014; 2017) para ir contra a restrição V2 para determinados tipos de clivadas no português de fases passadas, apontada por Kato e Ribeiro (2007). Seguindo essa perspectiva, acreditamos que quanto mais recursos a língua tiver para focalizar de maneira econômica e efetiva, menos a clivagem será requisitada.

(37)

3.3 MOTIVAÇÃO PROSÓDICA NA FOCALIZAÇÃO

Com base no postulado de Kato e Ribeiro, vemos que, no que diz respeito à clivagem na veiculação do foco contrastivo temos: línguas que não dispõem desse recurso, como, segundo elas, o alemão; línguas que apenas utilizam esse recurso, como seria o caso do francês; e línguas que utilizam esse recurso, mas não exclusivamente, dispondo de outras estratégias além da clivagem, como seria o caso do português.

Com relação ao alemão, vimos que as clivadas canônicas podem ser usadas em contextos contrastivos, com o objetivo de dar maior saliência ao foco do que aquela que confere a focalização prosódica. Enquanto isso, no francês, que as autoras afirmam que dispõe apenas da clivagem para focalização contrastiva, vemos que não somente a clivada, embora esta tenda a ser o recurso primário de focalização, mas também o foco prosódico é aceito para veicular esse tipo de foco:

(7) a. C‟est LE CHIEN qui a mordu Marie. (Et pas le chat) „Foi O CACHORRO que mordeu a Maria. (E não o gato)‟ b. LE CHIEN a mordu Marie. (Et pas le chat)

„O CACHORRO mordeu a Maria. (E não o gato)‟

No caso do PB este estudo é convergente com o que é defendido em Kato e Ribeiro, visto que focalizamos contrastivamente tanto via clivagem, quanto via foco prosódico:

(8) a. É a Maria que trabalha na universidade. (e não a Marta) b. A MARIA trabalha na universidade. (e não a Marta)

Por outro lado, embora discordemos da categorização apontada em Kato e Ribeiro, tal panorama ainda é válido para este estudo, uma vez que devemos admitir que a clivagem é um recurso bem mais restrito no alemão do que em português e francês, primeiramente, porque não é a estratégia primeira de focalização, e além disso, porque tende a restringir

determinados padrões de clivada a depender das características do foco, como a pseudoclivada invertida de sujeito com traço [+humano]:

(38)

(9) ??Marie ist es, wer das Buch liest.

A Maria é quem lê o livro.

Vemos, portanto, que as clivadas não são estruturas pouco utilizadas apenas quando apresentam cópula inicial. Na verdade, todas as estruturas de clivagem e pseudoclivagem não são produtivas nessa língua, porque, na maioria das vezes, a prosódia dá conta da focalização dos constituintes.

Partindo disso, mas ainda com base no panorama de Kato e Ribeiro, porém acreditando em uma preferência maior ou menor pelo uso da clivagem – e não numa restrição ou na obrigatoriedade desse tipo de construção – suponhamos que as línguas, de fato, se utilizem da clivagem na seguinte ordem de produtividade: FRANCÊS > PORTUGUÊS > ALEMÃO. Curiosamente, de maneira exatamente inversa, tais línguas, de acordo com o foneticista do século XIX, Gonçalves Viana apud Galves e Paixão de Sousa (2017), apresentam saliência entre sílabas tônicas e átonas na ordem: ALEMÃO > PORTUGUÊS > FRANCÊS.

Outro aspecto da prosódia de tais línguas que parece seguir a ordem acima está relacionado ao ritmo das línguas: o alemão apresentaria ritmo acentual e o francês silábico (cf. ABERCROMBIE, 1965), enquanto o português manifestaria características de ambas as tipologias rítmicas (CAGLIARI e ABAURRE; 1986). Tais convergências nos levam a levantar o questionamento sobre a possibilidade de as características prosódicas das línguas influenciarem no uso das estratégias de focalização, no sentido de as línguas com menos recursos prosódicos para a focalização prosódica necessitarem de outros recursos, como a clivagem, por exemplo, para suprir tal necessidade.

Para isso, retomamos, primeiramente, que tanto o português do período V2 quanto o alemão fariam o uso menos crucial de estruturas de clivagem pelo fato de possuírem estratégias mais econômicas de focalização: o fronteamento de constituintes, para o português V2, bem como o foco prosódico, no caso do alemão. No caso do português, a clivagem passou a ser um recurso mais frequente com a queda de V2 e, por consequência, com a perda da estratégia do fronteamento para veicular foco.

Considerando, assim, a clivagem como uma estratégia de último recurso para focalização de constituintes, bem como a prosódia como forma de focalização mais padrão, suponhamos que quanto mais a prosódia da língua for favorecida para que constituintes sejam

(39)

enfatizados pelo acento, menos tais línguas precisarão de estruturas de focalização visível na sintaxe, como a clivagem. Se isso for mesmo verdade, esse recurso seria utilizado quando outras estratégias mais econômicas não forem suficientes para a interpretação semântico-pragmática do foco ou quando houver a intenção de fornecer uma ênfase ainda maior ao foco. Tomando a suposição acima como verdadeira, seria necessário questionar qual característica prosódica estaria influenciando na escolha da estratégia de focalização das línguas aqui mencionadas a partir dos postulados de Kato e Ribeiro (2007). No caso do alemão, sabemos que a prosódia favorece a focalização pela acentuação, conforme aponta Reich (2008).

Entretanto, se a clivagem é uma estratégia de último recurso, por que o francês iria, de acordo com Kato e Ribeiro (2007), no caso do foco contrastivo, utilizar a clivagem obrigatoriamente? Ou, nos termos do presente estudo, utilizar a clivagem como estratégia primária de focalização? O que há na prosódia dessa língua que desfavorece a focalização pelo meio mais utilizado nas línguas para marcar foco, que é a modalização da entoação? Uma hipótese que iremos levantar, embora isso necessite de uma investigação mais aprofundada, é a possibilidade de as respostas para os questionamentos acima residirem no ritmo de tais línguas.

De acordo com Abercrombie (1965), as línguas podem ser classificadas em termos de ritmo em dois tipos: línguas de ritmo acentual e línguas de ritmo silábico, nas quais se enquadrariam o alemão e o francês, respectivamente. As línguas de ritmo acentual são caracterizadas pela isocronia de pés rítmicos. Nesse tipo de língua haveria isocronia entre o acento e os intervalos entre um acento e outro, o que inclui a tendência de compressão de sílabas para que elas caibam no intervalo. Já no caso das línguas de ritmo silábico, haveria a isocronia entre sílabas, que teriam duração fixa.

Esse panorama é bastante contestável. Por outro lado, pode-se pensar em uma tendência aos comportamentos rítmicos acima. Nesse caso, a focalização prosódica no francês iria no contrafluxo de tal tendência, uma vez que o constituinte focalizado recebe o acento frasal e, mais ainda no caso da focalização contrastiva, maior saliência e maior duração da sílaba tônica desse elemento. Nesse caso, a isocronia silábica do francês ficaria comprometida, configurando uma quebra no ritmo silábico.

Já para o alemão, a focalização prosódica não só não apresenta incongruência com relação ao ritmo, como é favorecida por características prosódicas dessa língua. Como no

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ritmo acentual há a possibilidade de compressão das sílabas átonas para caber no intervalo de tempo entre as tônicas, há a possibilidade de a estrutura prosódica ser modalizada em favor do foco prosódico. Além disso, como já exposto em Reich (2008), a desacentuação e a elipse de partes de palavras para dar maior saliência ao foco também são elementos que favorecem a focalização pela prosódia.

No caso do PB, não há consenso no que diz respeito à classificação rítmica. Entretanto Cagliari e Abaurre (1986) constatam em seu estudo que alguns falantes

apresentam ritmo acentual e outros o ritmo silábico em suas falas. Lembrando que o português focaliza tanto com prosódia, quanto com clivagem.

A hipótese que levantamos nesta monografia requer um estudo mais aprofundado no campo da prosódia e figura como um caminho possível de investigação. Como mencionamos, a classificação rítmica da qual estamos partindo já foi contestada na literatura. Entretanto, acreditamos ser um caminho válido para melhor analisar a motivação das línguas em questão para o uso mais ou menos crucial de clivadas enquanto estratégia de focalização.

(41)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para este estudo, buscamos trazer a noção de foco e algumas características de certas estratégias de focalização, entre elas, a que mais nos interessa aqui, que é a clivagem. Também discutimos o uso da clivagem como estratégia de focalização. Acreditamos que este recurso é utilizado na língua quando outras estratégias mais simples não são suficientes para a interpretação do foco.

Iniciamos este estudo apresentando, no capítulo 1, um breve apanhado sobre a noção de foco como informação não pressuposta da sentença. Vimos que o foco, no âmbito de sua função, pode apresentar, além da informação nova, traços de exaustividade e também de contraste. Além disso, vimos também que o foco pode ser largo, compreendendo toda uma sentença, ou estreito, ou seja, quando uma parte da sentença é o elemento focalizado.

No capítulo 2, tratamos de algumas estratégias de focalização. Começamos pelo foco prosódico, o mais utilizado nas línguas para a focalização de constituintes (REICH, 2008). Tratamos também da focalização envolvendo a modalização da ordem de palavras, a exemplo do italiano. Outro recurso utilizado para marcar foco são as partículas focalizadoras, exemplificadas com o wè do Gungbe e com a cópula e o complementizador no português brasileiro.

Por fim, ainda nesse mesmo capítulo, tratamos das estruturas de clivagem, que são sentenças focalizadoras pelo movimento do constituinte focalizado e pelo uso de SER e que. A partir desse recurso, são geradas as sentenças clivadas propriamente ditas, que possuem a cópula e o complementizador para enfatizar constituintes. Além das clivadas, também há as pseudoclivadas, que apresentam uma estrutura wh e a cópula para realizar a focalização.

As estruturas de clivagem e seu uso, assim como sua restrição em alguns sistemas gramaticais, são bastante discutidas nos estudos de Kato e Ribeiro (2007) e Kato (2009). No primeiro estudo, as autoras defendem que algumas línguas restringem certos tipos de clivagem, bem como há línguas, como é o caso do francês, que apenas utilizam essa estratégia para veicular foco contrastivo. No caso da restrição, em ambos os estudos, é defendido que o português de fases passadas não possuía clivadas canônicas e que essa impossibilidade decorre do fato de essa língua configurar um sistema V2.

Assim, Kato e Ribeiro (2007) afirmam que, no que diz respeito à clivada canônica e especificamente para veicular foco contrastivo, há línguas que não a utilizam (alemão,

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português até o século XVIII e outras línguas V2), línguas que a utilizam paralelamente com outra estratégia de focalização (português, espanhol) e línguas que a utilizam obrigatoriamente (francês).

Com base nos estudos de Reich (2008) e de Silveira (2014; 2017), assumimos que não existe restrição de clivadas nas línguas apontadas pelas autoras, mas sim a disponibilidade de outras estratégias de focalização nessas línguas, como o foco prosódico para o alemão e o fronteamento para o português. Do mesmo modo, também assumimos que não há obrigatoriedade no uso da clivagem no francês, mas que esse seria um recurso primário, ou seja, primordialmente utilizado pelos falantes.

Levantamos a hipótese, que ainda precisa ser mais bem elaborada e investigada, de que o ritmo dessas línguas pode (des)favorecer o foco prosódico, tornando clivagem e outros recursos mais ou menos requisitados. Mesmo concordando que a classificação do ritmo das línguas como acentual ou silábico apresenta controvérsias, acreditamos que esse é um aspecto que pode auxiliar na investigação do uso mais ou menos crucial de estruturas de clivagem.

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