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O processo avaliativo da produção de texto e sua relação com a revisão e a reescrita

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ELAINE CRISTINA NASCIMENTO DA SILVA

O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E

SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA

RECIFE 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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ELAINE CRISTINA NASCIMENTO DA SILVA

O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E

SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação sob a orientação da Profª Drª Lívia Suassuna, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação da UFPE.

RECIFE 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E

SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA

COMISSÃO EXAMINADORA

RECIFE, 29 de junho de 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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A meu príncipe, Gilberto, cujo

encontro fez renascer a minha

vida.

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AGRADEDIMENTOS

A Deus, que esteve a frente dessa e de muitas outras conquistas;

A minha mãe, Edinalva, que soube compreender meu momento e ter paciência toda vez que eu dizia: “só depois do mestrado”;

A meu pai, Teodoro, que sempre se esforçou muito para me proporcionar uma educação de qualidade;

A minha irmã, Leila, que atuou quase como uma “co-orientadora”, discutindo, incentivando, cobrando, aconselhando...;

A meu grande amor, Gilberto, por sempre acreditar em mim mais do que eu mesma acredito;

A meus amigos, que compreenderam minha ausência em muitos momentos; em especial a minha irmã-cúmplice Eleriza Melquíades, que com sua amizade sincera e leal, esteve sempre firme e forte na torcida para que tudo desse certo;

Aos meus colegas de mestrado pelas discussões acadêmicas e pelos bons momentos que tivemos juntos; em especial a Edla Ferraz, Bárbara Elizabeth Albaneide Campos e Cristiana Vasconcelos, que compartilharam comigo dúvidas e angústias, mas também muitas risadas;

Às professoras que abriram as portas das suas salas de aula, pela dedicação e confiança no meu trabalho;

Aos seus alunos, que mesmo sem entender muito bem o que se passava na sala de aula, colaboraram da melhor forma possível para o desenvolvimento das observações;

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A Emília, diretora da escola onde trabalho (Escola Estadual Vale das Pedreiras), que mesmo sendo eu novata na instituição, deixou eu me ausentar no último mês de mestrado, o que me ajudou imensamente a concluir esta dissertação;

A REUNI, pela concessão da bolsa durante os dois anos de curso;

A Lívia, minha orientadora, que a despeito de minhas limitações e teimosias soube com seu jeitinho bem humorado e profissional abrir meus olhos para novas discussões e ser meu ponto de equilíbrio nos momentos de desespero;

A Beth Marcuschi e a Telma Ferraz pelas pertinentes observações feitas na banca de qualificação; elas que foram meu público-alvo imediato durante toda a escrita dessa dissertação;

Aos professores do PPGE pelas importantes discussões que me ajudaram a refletir melhor sobre a educação e, mais especificamente, sobre meu objeto de pesquisa;

A todos aqueles que contribuíram, de um modo ou de outro, para a realização deste trabalho ou que simplesmente torceram por mim.

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RESUMO

Esta pesquisa investigou as intervenções realizadas pelo professor nas situações de produção, revisão e reescrita textuais. Buscamos responder às seguintes questões: Que estratégias didáticas são usadas pelos professores para ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos? Como é realizada a mediação dos professores durante a execução destas estratégias avaliativas? Quais são os aspectos enfocados e priorizados por eles nas orientações dadas? As orientações são oferecidas com clareza para os alunos? Há diversificação nas orientações oferecidas pelos professores durante e após a produção? Para compreendermos melhor o nosso objeto e analisarmos os dados, nos apoiamos em uma concepção de avaliação como “estratégia de formação e como discurso” (HADJI, 2001; MÉNDEZ, 2002; PERRENOUD, 1999; SUASSUNA, 2007). Participaram da pesquisa uma professora da Rede Estadual de Ensino (A), em uma turma de 6º ano, e uma professora da Rede Municipal do Recife (B), em uma turma de 8ª ano. Cada uma desenvolveu duas sequências de atividades, envolvendo os gêneros textuais poema/notícia e notícia/currículo, respectivamente. Estas sequências tiveram um desenvolvimento semelhante: a) exploração do gênero textual; b) produção de textos à moda do gênero explorado; c) avaliação, revisão e reescrita dos textos produzidos. Através das análises, verificamos que ambas as professoras utilizaram diversas estratégias para ajudar os alunos (re) elaborar seus textos. Esse é um aspecto positivo, pois dá indícios de que elas se preocupam com a aprendizagem dos alunos e por isso utilizam formas diferentes para tentar garanti-la. Entretanto, a mediação realizada por elas durante a execução destas estratégias pode não ajudar muito o aluno a desenvolver suas habilidades de escrita. Em relação à professora A, sua mediação se configura mais numa intervenção no texto produzido (fazendo o aluno identificar o problema e/ou apontar sua solução) do que num momento de reflexão linguística. Já a professora B intervém muito no processo de produção e refacção dos textos, de tal modo que muitas vezes dá as respostas prontas. Em relação aos aspectos priorizados nas orientações, vimos que a professora A dá ênfase às convenções gramaticais. Esta evidência permanece tanto nas orientações durante, como após a produção. Já em relação à professora B, concluímos que nas orientações orais realizadas durante as produções de textos, ela focalizou sua avaliação no conteúdo textual. Nas orientações orais e nos comentários escritos após a produção, a professora praticamente continuou observando os mesmos aspectos. Entretanto, ela passou a avaliar também aspectos formais / gramaticais, através de marcações nos textos dos alunos (correções indicativa e resolutiva). No que diz respeito à clareza das orientações oferecidas, vimos que na maioria das vezes, estas são claras, pois ajudam o aluno a identificar “o que é” para ser mudado e “como” fazê-lo. Entretanto, em algumas situações notamos que não são “suficientes”, ou seja, são dadas poucas informações para ajudar o aluno a repensar seu texto. Já a professora B, ao dar muitas vezes as respostas prontas nas orientações orais e nas marcações escritas, oferece-as de forma demasiada clara e suficiente. No que diz respeito aos comentários escritos, a maioria são amplos e gerais, deixando dúvidas sobre o que modificar e como realizar tal modificação. Concluímos que as atividades de avaliação, revisão e reescrita ainda não se configuram como uma prática interlocutiva, na qual o aluno participa ativamente, refletindo sobre os diversos elementos que constituem os textos e reconstruindo seus conhecimentos sobre a escrita, sob uma mediação docente que respeite sua contrapalavra e estimule essa reflexão.

PALAVRAS-CHAVE: AVALIAÇÃO; PRODUÇÃO DE TEXTO; GÊNEROS

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ABSTRACT

This research investigated the interventions made by the teacher in production situations, textual revision and rewriting.We seek to answer the following questions: What teaching strategies are used by teachers to help students produce / review / rewrite their texts? How is the mediation of teachers during the implementation of these assessment strategies?What are the aspects focused and prioritized by them in the guidance given?The guidelines are offered to students with clarity?There is diversity in the instructions provided by teachers during and after production?To better understand our object and analyzing the data, we rely on a concept of evaluation as "training strategy and as discourse" (HADJI, 2001; MENDEZ, 2002; PERRENOUD, 1999; SUASSUNA, 2007).The participants were a teacher from a State School (A), in a class of 6th year, and a teacher of a Municipal School of Recife (B), in a class of 8th year.Each one developed two sequences of activities, involving textual genres poem/news and news/resume, respectively.These sequences had a similar development: a) exploration of the genre, b) production of texts in the style of the explored genre c) evaluation, revision and rewriting of the texts produced. Through the analysis, we found that both teachers used various strategies to help students (re) produce their texts.This represents a positive aspect because gives evidence that they care about students' learning and therefore use different ways to try to assure it. However, the mediation conducted by them during the execution of these strategies may not help much students develop their writing skills.Regarding the teacher A, her mediation is configured more as an intervention in the text produced (by having the student identify the problem and / or point its solution) than in a moment of linguistics reflection.In the other hand, the teacher B intervenes in both production and textual rewriting, in a way that often gives out the answers before the students. About the aspects prioritized in the guidelines, we found that the teacher A emphasizes the grammatical conventions.This evidence remains in both directions during and after the production.With regard to Professor B, we conclude that in the guidelines made orally during the production of texts, she focused her evaluation on the textual content.In the oral guidelines and written comments after production, the teacher just kept watching the same aspects. However, she has also evaluated the formal/grammatical aspects through marking on student writing (indicative and resoluteness correction). Regarding the clarity of the guidelines given, we saw that in most cases, these are clear, helping students to identify "what" to be changed and "how" to do so.However, in some situations we see they are not "enough", it means little information is given to help the student to rethink his/her text.In the case of the teacher B, when often giving the answers in the oral guidelines and written markings, offers them in a very clear and sufficient way.With regard to the written comments, most are broad and general, leaving doubts about what to change and how to perform this modification.We conclude that the assessment, reviewing and rewriting activities do not act as an interlocutory practice, in which the student participates actively, reflecting on the various elements that constitute the text and reconstructing their knowledge about writing, under a teacher´s mediation that respects their speeches and encourage this reflection.

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LISTA DE QUADROS

LISTA DE FIGURAS

Quadro 1 Síntese dos elementos do gênero textual currículo trabalhados pela

professora B --- 221

Quadro 2 Comentários escritos pela professora B junto às noticias produzidas --- 266

Figura 1: Gestão textual --- 78

Figura 2: Correção indicativa --- 122

Figura 3: Correção resolutiva --- 123

Figura 4: Correção classificatória --- 124

Figura 5: Correção textual-interativa --- 125

Figura 6: Correção textual-sugestiva --- 128

Figura 7: Notícia produzida por grupo de alunos --- 163

Figura 8: Correção indicativa realizada pela professora B --- 237

Figura 9: Correção resolutiva realizada pela professora B --- 238

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Caracterização das professoras e das turmas --- 135

Tabela 2 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “poema”

(professora “A”) --- 143

Tabela 3 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “notícia”

(professora “A”) --- 157

Tabela 4 Estratégias didáticas usadas pela professora “A” para ajudar os

alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos --- 170

Tabela 5 Aspectos avaliados na sequência sobre “poema” vs aspectos

avaliados na sequência sobre “notícia” (professora “A”) --- 185

Tabela 6 Aspectos avaliados durante a produção de texto vs aspectos avaliados

após a produção de texto (professora “A”) --- 204

Tabela 7 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “notícia”

(professora “B”) --- 209

Tabela 8 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “currículo”

(professora “B”) --- 219

Tabela 9 Estratégias didáticas usadas pela professora “B” para ajudar os alunos

a produzir/revisar/reescrever seus textos --- 232

Tabela 10 Aspectos avaliados oralmente pela professora “B” durante o processo

de produção de texto, revisão e reescrita de notícias --- 252

Tabela 11 Aspectos avaliados oralmente pela professora “B” durante a produção de notícias texto vs aspectos avaliados oralmente após a

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO --- 1 – 4

CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Concepções de língua --- 5 – 31

1.2 Texto e Gênero Textual

1.2.1 Concepções de texto --- 31 – 41

1.2.2 O texto e a sua relação com as atividades humanas --- 42 – 46

1.2.3 Gêneros textuais: conceitos e definições --- 46 – 68

1.3 O ensino da produção de texto na escola a partir dos gêneros textuais --- 69

1.3.1 A atividade de produção de texto em contextos extra-escolares

1.3.1.1 Produção de texto como uma atividade social e cognitiva --- 69 – 74

1.3.1.2 As atividades e operações de linguagem envolvidas na produção

de textos escritos, segundo Schneuwly (1988) --- 74 – 79

1.3.2 A atividade de produção de texto no contexto escolar --- 79 – 90

1.3.3 Limites e possibilidades do ensino da produção de texto a partir dos

gêneros textuais --- 90 – 103

1.4 Avaliação da produção de texto numa perspectiva formativo-discursiva 1.4.1 Avaliação como estratégia de formação

1.4.1.1 Procedimentos envolvidos no ato de avaliar --- 103 – 107 1.4.1.2 Avaliação como regulação do ensino-aprendizagem --- 108 – 111

1.4.2 Avaliação como linguagem/discurso --- 111 - 113

1.4.3 Avaliação da produção de texto --- 113 – 116

1.4.4 A questão dos critérios de avaliação --- 116 – 120

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CAPÍTULO 2: METODOLOGIA --- 130 – 131 2.1 Sujeitos --- 131 – 135

2.2 Material / Corpus --- 135

2.3 Procedimentos de Coleta do Material / do Corpus --- 136 – 137 2.4 Procedimentos de Análise dos Dados --- 137 – 141

CAPÍTULO 3: RESULTADOS --- 142

3.1 Professora A

3.1.1 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “poema” --- 142 – 143 3.1.1.1 Exploração das características do gênero “poema” --- 144 – 152

3.1.1.2 Condições de produção e de socialização dos poemas --- 152 – 157

3.1.2 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “notícia” --- 157

3.1.2.1 Exploração das características do gênero “notícia” --- 158 – 161 3.1.2.2 Condições de produção das notícias --- 162 - 166

3.1.3 Semelhanças e diferenças entre as sequências de atividades envolvendo os gêneros textuais “poema” e “notícia” ---

167 - 169

3.1.4 Processo de produção, avaliação, revisão e reescrita textuais

3.1.4.1 Que estratégias didáticas são usadas pela professora A para

ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos? --- 169 – 178

3.1.4.2 Como é realizada a mediação da professora A durante a

execução das estratégias avaliativas? --- 178 – 183

3.1.4.3 Quais são os aspectos enfocados e priorizados nas orientações

oferecidas professora A? --- 184 – 200 3.1.4.4 As orientações são oferecidas com clareza para os alunos pela

professora A? --- 200 – 204

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durante e após a produção? --- 204 – 206

3.1.5 Perfil avaliativo da Professora A --- 207 - 208

3.2 Professora B

3.2.1 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “notícia” --- 209 – 211

3.2.1.1 Exploração das características do gênero “notícia” --- 211 – 216

3.2.1.2 Condições de produção e de socialização das notícias --- 217 – 218

3.2.2 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “currículo” 218 – 219

3.2.2.1 Exploração das características do gênero “currículo” --- 220 – 225

3.2.2.2 Condições de produção dos currículos --- 226 – 230

3.2.3 Semelhanças e diferenças entre as sequências de atividades envolvendo os gêneros textuais “notícia” e “currículo” ---

230 – 231

3.2.4 Processo de produção, avaliação, revisão e reescrita textuais

3.2.4.1 Que estratégias didáticas são usadas pela professora B para

ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos? --- 232 – 240

3.2.4.2 Como é realizada a mediação da professora B durante a

execução das estratégias avaliativas? --- 240 – 251

3.2.4.3 Quais são os aspectos enfocados e priorizados nas orientações

oferecidas pela professora B? --- 251 – 264

3.2.4.4 As orientações são oferecidas com clareza para os alunos pela

professora B? --- 264 – 268

3.2.4.5 Há diversificação nas orientações oferecidas pela professora B

durante e após a produção? --- 268 – 271

3.2.4.6 Perfil avaliativo da Professora B --- 271 – 273

CONSIDERAÇÕES FINAIS --- 274 – 280

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1 INTRODUÇÃO

Muitos pesquisadores têm se dedicado a verificar quais critérios o professor adota na avaliação dos textos dos seus alunos; dentre eles, podemos citar Herreira (2000), Leal e Guimarães (1999), Rodrigues (2008) e Mayrink-Sabinson (1997). De uma forma geral, esses autores perceberam uma preocupação excessiva dos professores com os aspectos formais do texto, encontrados na superfície textual, tais como ortografia, letras maiúsculas e minúsculas, parágrafo, pontuação, concordância e acentuação. Tal preocupação também foi constatada por Jesus (1995) em sua pesquisa. Nas escolas por ela observadas, a autora verificou que o trabalho de reescrita de textos caracterizava-se por uma espécie de “operação limpeza”, na qual o objetivo principal era eliminar todos “os erros gramaticais” encontrados no texto. Jesus (1995) denominou esse procedimento de “higienização do texto”. Situação idêntica foi encontrada por Ruiz (2001) em seu estudo sobre as formas de correção do texto pelo professor. A autora relata que não foi observada, em geral, uma preocupação do professor com aspectos mais profundos do discurso e os poucos docentes que se revelam atentos a tais aspectos se mostram inseguros sobre como proceder à mediação. Como podemos perceber, há ainda um apego muito grande por parte dos professores à norma padrão, demonstrando que o foco da avaliação da produção textual tem sido muitas vezes a gramática e não o texto.

O modo como se dá a prática de avaliação, revisão e reescrita textuais, a julgar pelas pesquisas acima mencionadas, aponta para professores preocupados com a linguagem em sua imanência, subtraída dos seus sentidos e de sua função social. Esse comportamento pode ser visto como consequência da forma como a produção de texto tem sido realizada na escola: o texto tem como leitor privilegiado o professor, circula apenas no espaço escolar e tem por única função desenvolver e avaliar as capacidades de escrita dos alunos (MARCUSCHI, B., 2006b).

Como salienta Góes (1993), quando a escrita não atende a demandas comunicativas, há uma centração no objeto do dizer, pois o aluno e o professor não têm motivação para se preocupar com outros aspectos inerentes à produção textual, como a adequação da linguagem ao destinatário, o atendimento à função social pretendida etc. Assim, entendemos que uma mudança na forma de avaliar o texto pelo professor e no

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modo como o aluno revisa e reescreve seu texto tem de ser precedida por uma mudança na forma global como se realiza a produção de texto na escola.

Acreditamos num ensino pautado nos gêneros textuais, segundo o qual devemos proporcionar aos alunos contextos de escrita semelhantes àqueles de que participamos fora da escola, promovendo situações em que eles possam elaborar textos de diferentes gêneros textuais para atender a variadas finalidades e diversos interlocutores (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).

Da mesma forma, defendemos um ensino da produção de textos no qual haja um deslocamento da reprodução para a produção de discursos (GERALDI, 1997). Para tanto, é necessário o professor não só assumir-se como um dos interlocutores do aluno, agindo como um real parceiro na atividade de escrita, como também respeitar a sua palavra, dando-lhe a oportunidade de ser um locutor “efetivo” em sala de aula.

Pensar num ensino de produção de texto nesses moldes significa também pensar numa avaliação, revisão e reescrita textuais diferentes. Se no ensino tradicional é ensinada de modo enfático a gramática normativa, não é de se estranhar que, na avaliação da produção de texto, seja verificado, às vezes de modo exclusivo, o atendimento às normas gramaticais.

Da mesma forma, se o objeto de ensino-aprendizagem das aulas de Língua Portuguesa forem “os gêneros textuais”, em torno dos quais são realizadas atividades de leitura, produção de texto e análise linguística, o professor avaliará o domínio de elementos relativos aos gêneros textuais abordados (seus traços linguísticos, formais e estruturais relativamente estáveis, bem como seus aspectos sociodiscursivos), de modo a ajudar o aluno a atender ao propósito interativo almejado.

Além disso, o professor deve questionar o texto do aluno como um leitor ou um coautor, apontando outros caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer e fazendo da avaliação um momento para refletir e analisar a adequação ou inadequação dos usos da língua (GERALDI, 2003; ANTUNES, 2006; MARINHO, 1997).

Assim como Perrenoud (1999), acreditamos que a avaliação deve ser pensada no âmbito de uma didática mais ampla. Ou seja, a prática avaliativa precisa ser construída a partir dos conteúdos e estruturas específicas do saber, bem como dos mecanismos de aprendizagem correspondentes. Tomando como exemplo o ensino da produção de textos, o autor defende que uma avaliação formativa nesse domínio, supõe uma “teoria do texto” e da “produção de textos”, e deve inserir-se em um conjunto de procedimentos

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didáticos coerente com esses pressupostos. Até porque há uma relação forte entre avaliação e didática, na medida em que a avaliação formativa é um dos dispositivos usados para a regulação do ensino e da aprendizagem.

Frente a essa problemática, surgiu para nós a seguinte indagação: será que o professor, ao assumir o compromisso de colocar em prática uma nova proposta de ensino da produção de texto através dos gêneros textuais, mudará sua maneira de avaliar o texto do aluno? A partir dessa questão mais geral, surgiram outras indagações.

a – será que as professoras avaliam os textos dos seus alunos em função das diversas dimensões que compõem os gêneros textuais trabalhados?

b – será que, ao realizarem as atividades de avaliação, revisão e reescrita textuais, estabelecem uma relação interlocutiva com o aluno, na qual ambos se coloquem como sujeitos e como parceiros da atividade de escrita?

c – será que as docentes se colocam como interlocutoras de seus alunos, questionando e testando os textos por eles produzidos como se fossem leitoras, bem como apontando caminhos possíveis para os alunos dizerem o que querem dizer?

d – será que elas estimulam a participação dos alunos nas atividades de revisão e reescrita, lançando questões que os impulsionem a refletir sobre o texto?

Motivada por tais questões, investigamos intervenções realizadas por professoras em situações de produção, revisão e reescrita textuais. Mais especificamente, tivemos como objetivos:

a) investigar que estratégias didáticas são usadas pelas professoras para ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos;

b) analisar como é realizada a mediação das professoras durante a execução dessas estratégias avaliativas;

c) identificar quais são os aspectos enfocados e priorizados por elas nas orientações dadas;

d) verificar se as orientações são oferecidas com clareza para os alunos;

e) observar se há diversificação nas orientações oferecidas pelas professoras durante e após a produção.

Com base na bibliografia consultada para a elaboração desta pesquisa, cremos que nossa investigação poderá trazer inovações sobre o tema da avaliação, revisão e reescrita textuais. Primeiramente, porque as pesquisas consultadas mostram que os pesquisadores têm investigado as atividades de avaliação, revisão e reescrita de

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“redações clássicas”, segundo a categorização elaborada por Marcuschi, B. (2006a e 2006b). Ou seja, têm tomado como objeto de estudo práticas de produção textual que se distanciam daquelas que acontecem nas diversas situações extraescolares de interação comunicativa mediadas pela escrita e solicitadas ao aluno a partir da indicação do tema e/ou de um dos tipos textuais genuinamente escolares – a narração, a descrição e a dissertação. Nosso trabalho, pelo contrário, partiu de práticas de produção de texto e avaliação que se propõem seguir a perspectiva de ensino pautado nos gêneros textuais (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004), buscando verificar como essa nova perspectiva tem se refletido na prática avaliativa das professoras.

Vimos também que, na maioria dessas pesquisas, tem-se analisado apenas o texto do aluno, sem levar em conta todo o processo que lhe deu origem. Além disso, têm-se considerado a revisão e a reescrita como atividades separadas do momento da produção. Já na nossa pesquisa, analisamos todas as etapas da produção textual – a exploração do gênero a ser produzido, o encaminhamento da produção de texto, as intervenções orais e escritas realizadas pelos professores durante as atividades de (re)elaboração textual –, considerando a revisão e a reescrita como atividades constitutivas da produção textual.

A seguir, vamos discutir os pressupostos teóricos que embasaram o desenvolvimento desta pesquisa.

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5 CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Concepções de língua

Ao longo da história dos estudos linguísticos, a língua foi investigada de diversos pontos de vista. Talvez devido à complexidade desse objeto de estudo, os pesquisadores tenham sentido a necessidade de selecionar, em detrimento da unidade, os fenômenos a serem descritos. Entretanto, cada opção teórico-metodológica realizada não é gratuita nem neutra. Quem primeiramente reconheceu esse fato foi Saussure (1977), como podemos perceber na sua famosa afirmação:

Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nosso campo nada de semelhante ocorre. (...) Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior ou superior às outras. (p. 15).

Assim, vemos que o modo como numa determinada perspectiva linguística se toma uma parte da língua como objeto de estudo constrói o que é a língua para o estudioso. A grande questão é que, fazendo isso, acaba-se, num processo metonímico, tomando a parte pelo todo. Ou seja, como explica Geraldi (1997), “se cristaliza como verdade o que é apenas uma verdade dentro de certa perspectiva.” (p. 90).

Outro aspecto a ser considerado, ainda segundo Geraldi (1997), é que “as disputas na definição do objeto, do que lhe é próprio e do que lhe é exterior, produzem resíduos, recuperáveis a partir de outros postos de observação.” (p. 75). Isso porque, ao se enfocar determinados aspectos da língua, deixam-se de investigar outros, que, posteriormente, podem ser enfocados por outras perspectivas que assumam pontos de vista diferentes.

Nosso objetivo neste capítulo é, então, expor e discutir as principais concepções de língua, observando como, ao longo do tempo, o objeto dos estudos linguísticos se definiu de forma diferente. Pretendemos, assim, retratar um pouco da história das ciências da linguagem, percebendo como os resíduos deixados por uma perspectiva são recuperados por uma nova perspectiva surgida posteriormente. Até porque é esse estado provisório das opções teóricas que garante o movimento contínuo do fazer científico.

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Podemos apontar aqui quatro concepções de língua: 1) língua como expressão do pensamento; 2) língua como sistema; 3) língua como instrumento de comunicação; 4) língua como interação.

A concepção de língua como expressão de pensamento é um princípio sustentado pela tradição gramatical grega, passando pelos latinos, pela Idade Média e pela Moderna, e teoricamente só rompida no início do século XX, de forma efetiva, por Saussure (1977).

Bakhtin (2002), expondo as diretrizes dessa concepção, explica que, para seus adeptos, a expressão linguística é formada de alguma maneira no psiquismo humano e é exteriorizada objetivamente com a ajuda de um código de signos exteriores, como se fosse uma tradução: “O exterior constitui apenas a material passivo do que está no interior.” (p. 112). Sendo assim, acredita-se que se as pessoas não conseguem se expressar é porque não pensam.

Nesse sentido, a expressão admite duas facetas – o conteúdo interior e sua objetivação exterior. O conteúdo existe na mente do indivíduo sob uma determinada forma e assume uma forma diferente quando é expresso. Observamos, pois, um dualismo entre o que é interior e o que é exterior, com preferência pelo primeiro, pelo fato de a objetivação partir de dentro para fora. Bakhtin (2002) concorda com a ideia de que, ao ser exteriorizado, o conteúdo interior muda de aspecto, pois no decorrer do processo de transformação se faz necessário apropriar-se do material exterior, que possui suas próprias regras. É por isso que, para os adeptos dessa concepção, a expressão é considerada uma deformação da pureza do pensamento interior.

Além disso, como explica Travaglia (2006), essa concepção parte da hipótese de que a natureza da linguagem é racional, por se entender que existem regras universais (de classificação, de divisão e de segmentação do universo) que devem ser seguidas para a organização lógica do pensamento. Por sua vez, a exteriorização deste por meio de um texto linguisticamente organizado depende diretamente da capacidade do indivíduo de organizar logicamente seu pensamento. Dessa forma, podemos dizer que as leis que regem a produção linguística são as leis da psicologia individual: “Todas as forças criadoras e organizadoras da expressão estão no interior.” (BAKHTIN, 2002, p. 111 e 112). Essas leis, por sua vez, constituem as normas gramaticais do falar e escrever “bem”.

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Podemos, então, identificar o ponto de vista segundo o qual a língua era estudada pelos adeptos dessa concepção: focalizando-se a enunciação individual.

Com relação à segunda concepção do língua – língua enquanto sistema –, seu principal representante foi o linguista suíço Ferdinand de Saussure (1977), importante estudioso do estruturalismo europeu. As ideias aqui mencionadas derivam do livro

Cours de linguistique générale, publicado em 1916 como obra póstuma desse estudioso.

Entretanto, segundo Ilari (2007), esse livro não foi escrito por Saussure (1977), mas por alguns de seus alunos da Universidade de Genebra (Bally, Riedlinger e Sechehaye), que tomaram, como base para a escrita, notas de aulas produzidas nos anos letivos de 1907-8, 1908-9 e 1910-11. Isso fez com que o livro, apesar do seu reconhecido sucesso, levantasse a desconfiança de que as ideias nele contidas não condiziam realmente com o pensamento de Saussure (1977). Apesar das críticas sobre a veracidade da obra, é inegável a sua contribuição para os debates na área.

Como apontamos anteriormente, cada uma das concepções de língua aqui definidas deriva de um ponto de vista diferente sobre o mesmo objeto científico – a língua. Então, nada mais adequado que iniciarmos nossa discussão lembrando o ponto de vista a partir do qual Saussure (1977) criou seu objeto de estudo. O linguista inicia o

Curso afirmando que a linguagem tem um lado individual e um lado social e que é

impossível conceber um sem o outro. Antes, porém, de explicitar qual dos dois lados privilegiaria como objeto, ele justifica a sua opção teórico-metodológica dizendo:

Qualquer que seja o lado por que se aborda a questão, em nenhuma parte se nos oferece integral o objeto da linguística. Sempre encontramos o dilema: ou nos aplicamos a um lado apenas de cada problema e nos arriscamos a não perceber as dualidades assinaladas acima, ou, se estudamos a linguagem sob vários aspectos ao mesmo tempo, o objeto da Linguística nos aparecerá como um aglomerado confuso de coisas heteróclitas, sem liame entre si. (p. 16).

A partir dessa citação, Saussure (1977) afirma que o pesquisador, ao assumir um determinado ponto de vista, negligencia aspectos do objeto de estudo que dizem respeito a outras formas de concebê-lo, deixando, assim, de apreendê-lo como um todo. Entretanto, quando se tenta fugir da especificidade e apreender o objeto na íntegra, não se tem uma compreensão coesa e coerente do objeto estudado. Com essas reflexões, o linguista pretendia, assim, justificar o ponto de vista escolhido por ele, mostrando que,

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por ser impossível observar a língua em sua totalidade, ele escolheu apenas um – o do sistema –, mas que não desconsiderava os outros existentes – relativos à fala.

Complementando a discussão, Saussure (1977) afirma ainda que, quando se tenta analisar a língua em todas as suas facetas:

abre-se a porta a várias ciências – Psicologia, Antropologia, Gramática Normativa, Filologia etc. – que separamos claramente da Linguística, mas que, por culpa de um método incorreto, poderiam reivindicar a linguagem como um de seus objetos. (p. 16).

Ao afirmar isso, ele defende que o ponto de vista escolhido por ele diz respeito apenas aos estudos da Linguística e que todos os outros pontos de vista deveriam ser estudados por outras disciplinas. Saussure (1977) determina, então, que a Linguística deveria se ocupar dos elementos que são “internos” à língua e deixar de lado tudo o que lhe fosse “externo”: “Nossa definição da língua supõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema, numa palavra: tudo quanto se designa pelo termo ‘Linguística externa’.” (p. 29).

Para argumentar a favor dessa posição, Saussure (1977) cita argumentos que poderiam ser emitidos para desacreditá-la e se preocupa em contra-argumentar. Fazendo uma comparação entre as plantas e a língua, lança a seguinte questão: “Do mesmo modo que a planta é modificada no seu organismo interno pelos fatores externos (terreno, clima etc.) assim também não depende o organismo gramatical constantemente dos fatores externos da modificação linguística?” (p. 30). Para responder a essa pergunta, o linguista explica que, ao contrário do que se tenta defender, é possível realizar o estudo da língua propriamente dita sem relacioná-la a questões como a história de uma raça ou civilização, a história política, as instituições de toda a espécie, como a escola e a igreja, a extensão geográfica etc., visto que esses elementos não interferem no organismo interno da língua. Usa também, como exemplo, a metáfora da língua como um jogo de xadrez:

(...) o fato de ele ter passado da Pérsia para a Europa é de ordem externa; interno, ao contrário, é tudo quanto concerne ao sistema e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de marfim, a troca será indiferente para o sistema; mas, se eu reduzir ou aumentar o número de peças, essa mudança atingirá profundamente a “gramática do jogo.” (p. 31-32).

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Tentando relativizar sua afirmação, o linguista pondera dizendo que tais estudos são muito frutuosos, mas é falso dizer que, sem eles, não seria possível conhecer o organismo linguístico interno. Entretanto, não deixa de ratificar sua posição dizendo que “em todo o caso, a separação dos dois pontos de vista se impõe, e quanto mais rigorosamente for observada, melhor será.” (p. 31).

Neste ponto vemos talvez a mais importante contribuição de Saussure (1977) para os estudos linguísticos: o seu empenho em transformar a Linguística em uma ciência autônoma. Para tanto, restringiu o objeto em estudo (a língua) àquilo que lhe cabia, àquilo que era apenas e estritamente de ordem linguística. Mais à frente vamos retomar esse assunto, quando formos tratar da semiologia.

Dentre os dois lados da linguagem, Saussure (1977) se dedicou, então, a estudar o que, segundo ele, era o lado social – a língua (langue) –, em detrimento da outra parte, concebida como individual – a fala (parole). Nessa escolha, vemos o principal ponto de oposição em relação à perspectiva de língua anteriormente descrita: os estudiosos que concebem a língua como “expressão do pensamento” estudam justamente a fala (entendida como enunciação individual oral ou escrita). Como veremos mais adiante, Saussure (1977) argumenta que, devido a sua individualidade, a fala não se presta à análise linguística.

A discussão saussuriana sobre o conceito de língua tem como ponto de partida justamente a oposição entre essas duas partes. Para Saussure (1977), a língua deve ser entendida como um sistema de signos e uma entidade abstrata. Já a fala diz respeito aos possíveis usos desse sistema e aos atos linguísticos concretos.

Além disso, para ele a língua é um ato social, enquanto que a fala é um fato individual, como podemos conferir na seguinte passagem: “Com o separar a língua da fala, separa-se também ao mesmo tempo: o que é social do que é individual”. (p. 22) Essa afirmação encontra respaldo em outras duas características da língua, de acordo com Saussure (1977). Primeiramente, a língua como uma convenção social compartilhada entre os usuários de uma mesma língua, afirmação nítida no seguinte trecho do Curso: “ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros de uma comunidade.” (p. 22). Em segundo lugar, na ideia de que a língua é adquirida socialmente pelos indivíduos por meio de escuta das falas alheias:

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Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é que se formam as marcas que chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. (...) Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a língua. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (p. 21).

Através dessa passagem, podemos concluir que, para Saussure (1977), a

aprendizagem da língua se dá de forma passiva, na medida em que o sujeito não tem

nenhuma participação na interiorização do sistema. Este é simplesmente depositado ou armazenado nas mentes dos indivíduos submetidos às práticas de fala. Dessa forma, Saussure (1977) não fala em aprendizagem da língua por meio da interação social, mas de uma aprendizagem unilateral e transmissiva. Entretanto, já admite o caráter social desse processo, ou seja, considera que o sistema é adquirido em meio às práticas linguísticas vivenciadas socialmente pelos indivíduos.

Essa passagem também nos mostra outra percepção de Saussure (1977) sobre a língua: a língua, depois de aprendida, é igual para todos. Ignora-se, assim, a capacidade construtiva e inventiva dos indivíduos. Em outra passagem, o autor ratifica mais uma vez essa ideia: “Entre todos os indivíduos assim unidos pela linguagem, estabelecer-se-á uma espécie de meio- termo: todos reproduzirão – não exatamente, sem dúvida, mas aproximadamente – os mesmos signos unidos aos mesmos conceitos”. (p. 21) Através dela, também podemos retomar a primeira característica mencionada acima – da língua como sistema abstrato –, na medida em que Saussure (1977) a caracteriza como um sistema virtual existente apenas na mente dos indivíduos e não concretamente.

Já a fala é sempre diferente, na medida em que está sujeita às intervenções do indivíduo que a produz. Por isso, para Saussure (1977), seu estudo seria muito difícil: ela não se deixa classificar, pois não se sabe como inferir sua unidade.

Continuando a distinção, o linguista afirma que a língua é algo externo ao sujeito e que escapa à sua consciência: “A língua não constitui, pois, uma função do falante: é produto que o indivíduo registra passivamente; não supõe jamais premeditação, e a reflexão nela intervém somente para atividade de classificação (...)”. (p. 22. De acordo com essa passagem, vemos que, para Saussure (1977), o sujeito falante, por si só, não pode nem criar, nem modificar a língua. Isso porque ela é algo produzido fora do sujeito

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e que lhe é dado pronto, cabendo-lhe apenas reproduzi-la. Além disso, ignora-se a capacidade do falante de refletir sobre o sistema conscientemente, por se acreditar que o usuário utiliza-o sem planejar essa utilização.

Em contraposição, a fala é interna ao sujeito e é usada conscientemente por ele: “A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1°, as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2°, o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações.” (p. 22). O uso da fala é, então, decorrente de uma iniciativa pessoal do indivíduo: ele tem um pensamento em mente e sente o desejo ou a necessidade de externá-lo. Então, utiliza o código linguístico e opera combinações sobre ele para atingir esse objetivo. Entretanto, como falamos anteriormente, esse manejo do sistema não é consciente, muito menos premeditado ou intencional.

Saussure (1977) também define a língua como um objeto acabado, fechado e homogêneo. Vejamos duas passagens em que essas ideias aparecem claramente: “Ela é um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos da linguagem.” (p. 22). E complementa o autor, dizendo: “Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim delimitada é de natureza homogênea.” (p. 23). Ao defini-la como um objeto acabado, Saussure (1977) defende que a língua já está pronta, não podendo mais sofrer mudanças no decorrer da história. Da mesma forma, ao afirmar que a língua é um objeto fechado, o linguista considera que ela está isolada e não sofre influências de elementos externos a ela, bastando-se a si mesma. Por fim, ao afirmar que a língua é homogênea, considera que ela é sempre igual, ou seja, é usada da mesma forma em qualquer situação e por qualquer indivíduo.

Com base nas caracterizações e distinções acima descritas, Saussure (1977) considera que a língua é mais importante do que a fala: “Com o separar a língua da fala, separa-se também ao mesmo tempo: (...) o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental.” (p. 22). Isso porque, como explica Ilari (2007), a ação verbal do sujeito (a fala) só tem os efeitos que tem por causa da existência de um sistema que o indivíduo compartilha com os outros membros da sua comunidade linguística. Ou seja, a fala não existiria se não existisse o sistema; o sistema precede a fala e esta dele depende.

Por tudo isso, Saussure (1977) estabeleceu que o objeto a ser estudado pela Linguística é o sistema e não a fala: “A língua, distinta da fala, é objeto que pode ser

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estudado separadamente.” (p. 22). Principalmente porque, como vimos, a língua seria homogênea e acabada, sendo, portanto, de fácil apreensão para estudo, ao contrário da fala, que seria multiforme e de difícil classificação. Além disso, o estudo da fala dependeria do sujeito que a emite, pois ambos estão intimamente relacionados; já o estudo da língua, não, visto que a língua seria independente do sujeito que a utiliza. Dessa forma, Saussure (1977) aconselha: “(...) é necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem. De fato, entre tantas dualidades, somente a língua parece suscetível duma definição autônoma (...).” (p. 16-17).

Ao se dedicar totalmente ao estudo interno da língua, Saussure (1977) chegou à definição de que esta seria um sistema de signos que exprimem ideias e que figura entre outros diversos sistemas de signos existentes, tais como o alfabeto dos surdos e os sinais militares. Entretanto, para Saussure (1977) a língua é o principal desses sistemas. Nesse sentido, “(...) a tarefa do linguista é definir o que faz da língua um sistema especial no conjunto dos fatos semiológicos.” (p. 24). Para tanto, contar-se-ia com a ajuda de uma disciplina chamada Semiologia, que “nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem.” (p. 24).

A união da Linguística à Semiologia foi, para Saussure (1977), a chave para a transformação da Linguística numa ciência autônoma, como afirma o estudioso na seguinte passagem: “Se, pela primeira vez, pudemos assinalar à Linguística um lugar

entre as ciências foi porque a relacionamos com a Semiologia.” (p. 24). Segundo

Saussure (1977), a Linguística ainda não tinha sido reconhecida como tal porque, até aquele momento, sempre fora abordada em função de outra coisa e de outros pontos de vista. Entretanto, ele argumenta que o estudo da língua seria o caminho mais adequado para fazer-se compreender a natureza do problema semiológico. Mas, para formulá-lo convenientemente, seria necessário, estudar “a língua em si”, tomando como ponto de partida o próprio sistema de signos. Dessa forma, a Linguística acaba ganhando seu objeto próprio e passa a não depender das contribuições das outras disciplinas, tornando-se, assim, uma ciência independente, da mesma forma que todas as outras.

Mas em que consiste esse especial sistema de signos? Para responder a essa pergunta, Saussure (1977) começa a discussão contrapondo-se à primeira concepção de língua anteriormente apresentada – língua como expressão do pensamento –, segundo a qual a língua é uma nomenclatura, uma lista de termos que correspondem às coisas.

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Essa concepção supõe que existam ideias completamente feitas, que preexistem às palavras. Da mesma forma, passa a ideia de que o vínculo que une um nome a uma coisa constitui uma operação muito simples, o que, para o linguista, está longe da verdade.

Para desfazer essas ideias, Saussure (1977) argumenta que “O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.” (p. 80). Essa “imagem acústica”, explica o estudioso:

não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial, e se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (p. 80).

O signo se caracteriza, então, como uma unidade linguística constituída de dois elementos intimamente unidos: o conceito e a imagem acústica. Esses dois termos que se combinam no signo linguístico são psíquicos, na medida em que estão unidos em nosso cérebro por um vínculo de associação. Saussure (1977) propõe conservar o termo

signo para designar o total e substituir os termos “conceito” por significado e “imagem

acústica” por significante. O signo linguístico assim concebido é definido por dois princípios: a arbitrariedade e a linearidade.

Com relação ao primeiro princípio, Saussure (1977) afirma que o laço que une o significante ao significado é arbitrário ou simplesmente que o signo linguístico é arbitrário (na medida em que entendemos o signo como um todo resultante da associação de um significante com um significado). Para explicar o que significa isso, Saussure (1977) oferece como exemplo “mar”: a ideia de “mar” (o conceito ou significado) não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons (à imagem acústica ou significante) m-a-r, visto que poderia ser representada igualmente por qualquer outra. Ou seja, o significante é imotivado, é arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural e direto na realidade. Como prova disso, Saussure (1977) cita as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes.

Entretanto, o linguista esclarece que a palavra “arbitrário” “não deve dar a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que se fala ([...] não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo

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linguístico).” (p. 83). Vemos, pois, que o caráter social da língua, conforme já foi apontado, reside justamente na associação entre o significante e o significado, na medida em que a relação entre ambos está baseada e legitimada na convencionalidade social: o que define m-a-r como significante da ideia “mar” não é outra coisa senão um acordo social firmado entre os indivíduos de uma mesma comunidade linguística. É com base nesse acordo que esses indivíduos passam a utilizar esse significante para se referir a esse significado. Como afirma Saussure (1977), “todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em princípio num hábito coletivo ou, o que vem a dar na mesma, na convenção. (...) é essa regra que obriga a empregá-los [os signos], não seu valor intrínseco.” (p. 82).

Com relação ao segundo princípio – a linearidade dos significantes –, vejamos o que nos explica Saussure (1977):

O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as características que toma do tempo: a) representa

uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha. (...) Seus elementos se apresentam um após outro; formam

uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente quando os representamos [os significantes acústicos] pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos. (p. 84). Ou seja, uma vez externados (sonora ou graficamente), os significantes combinam-se em sequências, num alinhamento, o que exclui a possibilidade de pronunciarmos ou escrevermos dois elementos ao mesmo tempo.

Ao lado da noção de signo, é necessário ainda discutir sobre outro conceito muito importante para compreendermos o que é um sistema linguístico: a ideia de valor linguístico. Para Saussure (1977):

A ideia de valor (...) nos mostra que é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de certo som com certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e constituir o sistema fazendo a soma deles, quando, pelo contrário, cumpre partir da totalidade solidária para obter, por análise, os elementos que encerra. (p. 132).

A definição do signo linguístico não advém da relação interna existente entre o significante e o significado. Como o signo faz parte de um sistema, para defini-lo é necessário relacioná-lo aos demais elementos desse sistema. A noção de sistema parte

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justamente da ideia de que os elementos que o constituem não estão isolados, mas mantêm relação entre si. Assim, o valor de um signo não é intrínseco, mas externo a ele, ou seja, é decorrente da relação distintiva que se estabelece entre ele e os demais signos. Da mesma forma, o signo é definido a partir do sistema como um todo. Para Saussure (1977), isso acontece tanto do ponto de vista do significante quanto do significado.

Com relação ao significado, o linguista diz que, ao invés de a língua possuir ideias dadas de antemão, como defende a concepção a que ele se contrapõe (língua como expressão do pensamento), temos valores que emanam do sistema.

Para explicar o que seria valor para os significados das palavras, Saussure (1977) parte da distinção entre esse termo e a significação. O linguista explica que, quando tomamos uma palavra e a “trocamos” por outras, estaremos apenas constatando que elas possuem uma mesma significação (ou pelo menos significações semelhantes). Não conseguiremos ainda constatar o seu valor. Entretanto, se tomarmos esta mesma palavra e a “contrapusermos” a outras de significações bem semelhantes, poderemos perceber o valor próprio e específico de cada uma, que as distingue entre si. Isso porque, segundo Saussure (1977), “seu conteúdo só é verdadeiramente determinado pelo concurso do que existe fora dela. Fazendo parte de um sistema, está revestida não só de uma significação como também, e, sobretudo, de um valor (....)” (p. 134).

Tomemos um exemplo apresentado pelo próprio Saussure (1977): no interior de um sistema, todas as palavras que remetem a ideias muito parecidas se limitam mutuamente. Sinônimos como “recear”, “temer”, “ter medo” não possuem valor próprio, mas só o adquirem pela oposição. Se qualquer uma dessas palavras não existisse, todo o seu conteúdo iria para as suas “concorrentes”. Da mesma forma, há termos que têm seu significado enriquecido pelo contado com outros semelhantes. Saussure (1977) conclui, então, dizendo que “(...) os valores são puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema. Sua característica mais exata é ser o que os outros não são.” (p. 136).

Se a parte conceitual do valor (relativa ao significado do signo) é, segundo Saussure (1977), constituída por relações distintivas com os outros elementos da língua, o mesmo pode-se dizer de sua parte material (relativa ao significante do signo). O significante é definido não em relação à sua materialidade em si, ou seja, ao som que ele emite ou à representação gráfica correspondente, mas pelo fato de seu som ou de sua

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grafia ser diferente daqueles dos demais significantes constituintes do sistema: “O que importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras.” (p. 136-137). Tomando como base essa ideia, Saussure (1977) afirma que, além de arbitrário, o signo é diferencial.

Para o linguista suíço, esse princípio é tão essencial que se aplica a todos os elementos materiais da língua, sejam eles sonoros ou gráficos. Com relação aos fonemas, ele explica que cada língua constitui as palavras a partir de um sistema de elementos sonoros, formando, assim, uma unidade linguística bem delimitada. Entretanto, o que caracteriza este microssistema não é sua qualidade própria e positiva de possuir determinados fonemas, mas o fato de seus elementos constituintes não se confundirem entre si e, consequentemente, não se confundirem com os das outras palavras. Por isso, “os fonemas são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e negativas.” (p. 138).

Comparando o som à escrita, Saussure (1977) conclui que existe estado idêntico de coisas nesse outro sistema de signos. Isso porque: a) o sinal gráfico também é arbitrário, visto que não existe nenhuma relação entre determinada letra e o som a que ela remete; b) sua forma pouco importa, pois a mesma pessoa pode escrever uma letra de diferentes formas (cursiva, bastão etc.); a única coisa essencial é que esse signo não se confunda em sua escrita com outros signos; c) o meio de produção de um signo é totalmente irrelevante para o sistema (cor diferente, textura diferente etc.); d) os valores da escrita só funcionam pela oposição mútua das letras dentro de um sistema definido, composto de um determinado número de elementos. Os dois componentes do signo linguístico não devem, pois, sua existência a nenhum fator externo, apenas interno ao sistema.

O aspecto diferencial dos signos é um das características preponderantes para a indissolubilidade do significante e do significado. Ilari (2007), interpretando as ideias saussurianas, afirma que o significante, na medida em que se distingue de outros significantes, dá legitimidade linguística ao significado. Consideremos o seguinte exemplo, trazido por esse autor para compreendermos melhor essa ideia: se tomarmos a palavra ENVIAR e trocarmos o fonema /v/ ou a letra “v” pelo fonema /f/ ou pela letra “f”, teríamos uma outra palavra, ENFIAR, que não só é escrita/pronunciada de forma diferente, como também possui um significado totalmente distinto do da anterior. Assim, Saussure (1977) queria mostrar que, quando se muda a forma, também se muda

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a função, isto é, quando se altera o significante, também se altera o significado: as diferenças fônicas/gráficas levam à significação.

Ilari (2007) explica ainda que o mesmo acontece inversamente: um significado, na medida em que se distingue de outros significados, dá legitimidade linguística ao significante. Isso porque, como explica o autor, se tomarmos a palavra CARRO e dela tirarmos significações como “automotivo”, “para transporte de passageiros”, “com 4 rodas”, “movido à combustível” chegaríamos a palavras como CARROÇA. Ou seja, mudando-se o sentido, muda-se também a forma.

Significantes e significados seriam, então, usando uma das metáforas empregadas por Saussure (1977), dois lados da mesma folha de papel, tão unidos, que, se tentarmos cortar um lado, consequentemente cortaremos o outro, ou seja, não há como separá-los.

Ilari (2007) comenta que, ao descrever o sistema linguístico dessa forma, Saussure (1977) inaugura uma Linguística imanentista, que tenta minimizar as relações entre a língua e o mundo, dando preferência às relações lógicas estabelecidas em seu interior. O autor salienta ainda que, embora no Curso Saussure não tenha utilizado muito a palavra “estrutura”, podemos afirmar, sim, que ele descobriu na língua uma construção estrutural, na medida em que o sistema (entendido como conjunto de relações lógicas entre os objetos) é mais importante do que os próprios elementos que o compõem. O linguista suíço rompe, assim, com uma longa tradição que pregava a equivalência entre palavras e ideias e que concebia as palavras como unidades autônomas de análise.

No final dos anos 1960, segundo Ilari (2007), o paradigma estruturalista começou a dar sinais de esgotamento, que se manifestaram na forma de revisões ou de ataques diretos ao fato de que essa corrente havia deixado de levar em conta aspectos dos fenômenos linguísticos que são primordiais para a sua compreensão. Uma dessas propostas de revisão partiu do paradigma funcionalista.

Ao conceber a linguagem como instrumento de comunicação, os funcionalistas demonstraram não admitir separações entre o sistema e os usos que os indivíduos fazem desse sistema, como havia sido defendido no estruturalismo saussuriano, com a distinção entre língua e fala. Sendo assim, a Linguística Funcional se empenha em explicar as funções que as unidades linguísticas exercem em situações reais de uso da língua. Isso porque, para os adeptos dessa corrente, a linguagem é uma ferramenta cuja

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forma se adapta às funções que exerce e, portanto, só pode ser explicada com base nessas funções, que são predominantemente comunicativas. A partir desse posicionamento teórico, emerge outro, baseado na relação entre língua e contexto social: a necessidade de descrever as expressões verbais relativamente a seu funcionamento em contextos sociais específicos.

Com as informações trazidas até o momento, já podemos apontar o ponto de vista próprio do funcionalismo: o uso, a comunicação e as funções da língua. O ponto de vista funcional pode ser encontrado principalmente na Escola Linguística de Praga, a partir do seu início, nos anos 1920. Um dos maiores representantes dessa corrente é Roman Jakobson (1982). Portanto, para compreender a noção de língua como instrumento de comunicação, traremos as ideias defendidas por esse linguista em seu livro Linguística e comunicação (JAKOBSON, 1982).

De maneira simplificada, podemos afirmar que, para Jakobson (1982), a língua é entendida como um código, usado para transmitir uma mensagem de um emissor para um receptor. Esse código, por sua vez, deve ser usado de maneira semelhante, preestabelecida e convencionada por todos os falantes envolvidos na comunicação para que esta realmente se efetive com sucesso, como podemos verificar nas passagens a seguir:

Mas o problema essencial para a análise do discurso é o do código comum ao emissor e ao receptor e subjacente à troca de mensagens. Qualquer comunicação seria impossível na ausência de um certo repertório de “possibilidades preconcebidas” ou de “representações pré-fabricadas” (...). (p. 21).

A separação no espaço, e muitas vezes no tempo, de dois indivíduos, o remetente e o destinatário, é franqueada graças a uma relação interna: deve haver certa equivalência entre os símbolos utilizados pelo remetente e os que o destinatário conhece e interpreta. Sem tal equivalência, a mensagem se torna infrutífera – mesmo quando atinge o receptor, não o afeta. (p. 41).

Vemos, pois, que, para Jakobson (1982), a convencionalidade da língua é um fator preponderante para a efetivação da comunicação. Nesse ponto, suas ideias se assemelham às de Saussure (1977), pois este, como já vimos anteriormente, também concebia a língua como uma convenção social.

Traçando um paralelo entre a teoria saussuriana e a teoria da comunicação (re)criada por Jakobson (1982), podemos apontar que o código estaria para a língua (ou

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19 langue), assim como a mensagem estaria para a fala (ou parole). O próprio Jakobson

(1982) estabelece relações entre as duas teorias, na medida em que compara a dicotomia

langue-parole com a dicotomia código-mensagem:

(...) é a mesma dicotomia que encontramos sob denominações diversas, tais como langue-parole (língua-fala) (...) mas devo confessar que os conceitos de código e mensagem introduzidos pela teoria da comunicação são muito mais claros, muito menos ambíguos, muito mais operacionais do que tudo o que nos oferece a teoria tradicional da linguagem para exprimir essa dicotomia. (p. 21).

Apesar de apontar a relação código-mensagem como uma relação dicotômica, esta não possui o mesmo sentido da dicotomia saussuriana, pois Jakobson (1982), diferentemente de Saussure (1977), não se dedicou apenas ao estudo do código, colocando a mensagem em segundo plano, mas justamente interessou-se em investigar o uso que se faz desse código na produção, emissão e recepção de mensagens.

O código, bem como a mensagem, o emissor e o destinatário são apenas quatro dos fatores constitutivos de todo o processo linguístico, ou seja, de todo ato de comunicação verbal. Jakobson (1982) acrescenta ainda dois elementos – o contexto (ou referente) e o contato (ou canal). A comunicação se daria, então, da seguinte forma: o emissor tem em mente uma mensagem que quer transmitir a um receptor; para que isso ocorra, ele a transforma em código (codificação) e a remete para o outro através de um canal (um meio físico, de ondas sonoras ou luminosas, e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário que lhes permite entrar e permanecer em comunicação); este, por sua vez, recebe os sinais codificados e os transforma novamente em mensagem (decodificação); a mensagem é nova para ele e, por meio do código, ele a interpreta; por fim, para ser eficaz, a mensagem necessita de um contexto, apreensível pelo destinatário e que seja verbal ou que possa ser verbalizado. Jakobson (1982) salienta, porém, que os papéis de emissor e receptor podem confundir-se ou alternar-se.

Consideramos que um primeiro grande avanço trazido pela teoria da comunicação em relação às ideias de Saussure diz respeito à importância atribuída à interlocução, isto é, às trocas verbais entre os sujeitos envolvidos numa determinada situação de comunicação: “Penso que a realidade fundamental com que se tem de haver o linguista é a interlocução – a troca de mensagens entre emissor e receptor, entre remetente e destinatário, entre codificador e decodificador (...) qualquer discurso individual supõe uma troca.” (JAKOBSON, 1982, p. 22). Isso porque a comunicação

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