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A reclamação constitucional como instrumento de atualização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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Academic year: 2017

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Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito

A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO

DE ATUALIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

Brasília - DF

2015

(2)

A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO DE ATUALIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Profº. Dr. Celso de Barros Correia Neto

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V614r Viana, Túlio Machado.

A reclamação constitucional como instrumento de atualização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. / Túlio Machado Viana – 2015.

103 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2015.

Orientação: Prof. Dr. Celso de Barros Correia Neto.

1. Direito. 2. Reclamação Constitucional. 3. Superação de Jurisprudência. 4. Mutação Constitucional. 5. Interpretação. I. Correia Neto, Celso de Barros, orient. II. Título.

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Dissertação de autoria de Túlio Machado Viana intitulada “A RECLAMAÇÃO

CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO DE ATUALIZAÇÃO DA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, defendida e aprovada, em 05 de dezembro de 2015, pela banca examinadora abaixo assinada:

____________________________________ Profº. Dr. Celso de Barros Correia Neto

Orientador

____________________________________ Prof. Dr.

Membro Examinador Interno

____________________________________ Prof. Dr.

Membro Examinador Externo

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“Onde o intérprete passa por cima da Constituição, ele não mais interpreta, senão ele modifica ou rompe a Constituição”

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À Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB), na pessoa do professor Tadeu Bérgamo, por ter, desde o primeiro momento, me incentivado a cursar o Mestrado em Direito, não poupando esforços para prestar todo o auxílio necessário.

Aos amigos que conquistei na FASB, indistintamente, pela compreensão e cooperação durante os anos de convivência. Esse sentimento de responsabilidade e compromisso com todos foi um grande incentivo à realização deste curso.

Ao meu professor Dr. Celso de Barros Correia Neto, por ter aceitado ser meu orientador, mesmo em condições adversas de tempo. Obrigado pelos ensinamentos, pela compreensão e por ter me incentivado a fazer uma reflexão mais ampla sobre o meu projeto.

À minha amiga-irmã Rosângela Queiroz, pelo apoio incondicional que me deu durante o todo o curso.

Ao meu amigo e sócio Bruno Alves, que durante os últimos meses acumulou, junto às suas inúmeras atividades, grande parte das minhas obrigações na nossa sociedade. Tudo para que eu pudesse desenvolver os meus estudos a contento.

Aos meus amigos Gustavo Schult e Andrea Angélica pelas palavras de incentivo; pelas brincadeiras; pela companhia e principalmente por tornarem os meus dias em Brasília mais alegres.

À Amanda Oliveira Sanfilippo e Lorranny Oliveira Martins pelo apoio e disponibilidade na obtenção de livros junto à Biblioteca da Universidade de Brasília – UNB.

Aos amigos que torcem pelo meu crescimento profissional. À minha família, que tanto espera de mim.

Aos meus pais, minha razão de viver.

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VIANA, Túlio Machado. A reclamação constitucional como instrumento de atualização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2015. 103 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

O presente trabalho discute, com base na análise da Rcl 4374/PE, o uso da reclamação constitucional como um instrumento processual apto a promover a atualização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada em sede controle abstrato de constitucionalidade das normas. Parte-se da premissa de que as decisões da Corte permanecem abertas a um constante processo de reinterpretação pelo próprio Tribunal, e que a reclamação constitucional pode ser o locus de apreciação dessas mudanças. A Constituição de um Estado, sob o pretexto de ser estável, não pode se engessar de tal forma que deixe de atender aos interesses do seu povo, levando a uma ruptura institucional. Ao mesmo tempo, não pode estar sujeita a um processo de deformação por meio de constantes alterações do seu texto, desestabilizando as relações jurídicas. A questão que urge, desse modo, é a concepção de que a Constituição deve ser interpretada no contexto temporal em que necessária a solução de uma determinada controvérsia. No mesmo sentido, as decisões judiciais que cuidem de relação entre normas, enquanto relação jurídica continuada, não estão impedidas de serem modificadas quando houver alteração de contexto relevante. Assim, ao considerar a ocorrência de mudanças substanciais nas relações fáticas ou da concepção jurídica geral, esse processo reinterpretativo pode conduzir a uma evolução da jurisprudência firmada em controle abstrato de normas e resultar na declaração de inconstitucionalidade de norma anteriormente declarada constitucional. Com isso, propõe-se a compreensão de que as normas jurídicas sofrem um processo de atualização permanente dos seus significados, razão pela qual o estudo do fenômeno da mutação constitucional e da intepretação emerge como sendo de grande relevância para que essa atualização ocorra. Reconhece a mutação constitucional como uma das discussões contemporâneas mais importantes do direito por ensejar uma mudança radical na interpretação da Constituição, permitindo sua renovação à luz da evolução social e oferecendo-lhe significados consentâneos com a realidade atual.

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This work aims to discuss, from the analysis of the Rcl 4374/PE, the use of the constitutional complaint as a instrument processual able to promote the update of the jurisprudence of the Supreme Court, which are firmed under abstract judicial review of the standards. It assumes that the Court’s decisions remain open to a constant process of reinterpretation, by itself, and the constitutional complaint can be the locus for assessment of those changes. It understands that the Constitution of a State, under the guise of being stable, can’t stifle in a way that fails to meet the interests of its people, leading to an institutional breakdown. At the same time, it cannot be subject to a process of deformation through constant changes in its text, destabilizing the legal relations. The question which arises, therefore, is the idea that the Constitution must be interpreted in a temporal context in which required the solution of a given case. Similarly, the judicial decisions which care about the relationship between the standards, whereas continuing legal relationship, aren’t precluded from being modified when there is a material change of context. So, when considering the occurrence of substantial changes in the factual relationships or general legal concept, this reinterpretative process can lead to an evolution in the jurisprudence set in an abstract control of the standards and result in an unconstitutionality, when it was considered constitutional before. Thus, it is proposed the understanding that the legal standards suffer a permanent process of updating of their meaning, which is why the study of the phenomenon of constitutional mutation and interpretation arises as being of great relevance for this update take place. The constitutional mutation is recognized as one of the most important contemporary discussions in Law, by providing a radical change in the interpretation of the Constitution, allowing its renewal, at the light of the social evolution, and offering meanings in line with the current reality.

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INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I – RECLAMAÇÃO 4374-STF: ANÁLISE DO JULGADO. ... 16

1.1 Reclamação Constitucional de nº 4374 – o caso concreto ... 16

1.2 Fundamentos jurídicos ... 18

1.3 A evolução jurisprudencial e o surgimento de novos critérios para concessão de benefícios assistenciais ... 23

1.4 Linhas argumentativas para análise da questão constitucional ... 30

1.4.1 Reclamação Constitucional como instrumento para a revisão da decisão em Controle Concentrado de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal ... 30

1.4.2 A Existência de uma Possível Omissão Inconstitucional Parcial em relação Ao Dever Constitucional de Efetivar a Norma do Art. 203, V, da Constituição Federal ... 36

1.4.3 As mudanças fáticas e jurídicas que conduziram à Inconstitucionalização do §3º do art. 20, da Lei nº 8.742/93 ... 42

CAPÍTULO II – ANTECEDENTES HISTÓRICOS, CONCEITO, FUNÇÕES E NATUREZA JURÍDICA DA RECLAMAÇÃO ... 45

2.1 Breve histórico da reclamação: da jurisprudência à constitucionalização ... 45

2.2 Reclamação constitucional e jurisdição ... 49

2.3 Natureza jurídica ... 56

2.3.1 Divergências quanto à Medida Jurisdicional da Reclamação ... 58

CAPÍTULO III – RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DAS DECISÕES EM CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE ... 62

3.1 Da possibilidade de nova aferição de constitucionalidade de norma já declarada constitucional em sede de controle abstrato pelo Supremo Tribunal Federal ... 67

3.2 Do processo de mutação constitucional e o trânsito para a inconstitucionalidade de norma declarada constitucional ... 71

3.3 Interpretação constitucional como instrumento para superação das decisões em controle concentrado ... 85

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INTRODUÇÃO

A Reclamação Constitucional é um relevante e singular instrumento do direito processual brasileiro posto a serviço da manutenção da própria jurisdição constitucional. Prevista no art. 102,I, l da Constituição Federal e regulamentada pelo artigo 13 da Lei n° 8.038/90 e pelos artigos 156 e seguintes do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a Reclamação Constitucional faz parte dos processos de competência originária do Tribunal.

É inegável a contribuição que a Reclamação Constitucional trouxe para o sistema de controle e preservação da competência do Supremo Tribunal Federal e da autoridade de suas decisões.

Certos da eficácia do instituto, cada vez mais os jurisdicionados recorrem ao STF com o propósito de verem sua competência e suas decisões respeitadas. Prova disso é o vertiginoso aumento de reclamações no âmbito da Suprema Corte nos últimos anos. As estatísticas extraídas do site do STF demonstram que em 1993, foram 11 reclamações registradas, 36 distribuídas e 42 julgadas. Já em 2014 esse número foi de 2375 reclamações registradas, 2353 distribuídas e 3880 julgadas1.

O crescimento vertiginoso do ajuizamento de reclamações ao longo desses 21 anos demonstra a importância do instituto no novo contexto jurisdicional brasileiro e revela o quanto o modelo de controle viabilizado pela reclamação se tornou importante para os jurisdicionados.

Proveniente de uma criação jurisprudencial, que aos poucos foi tomando importante espaço no cenário jurídico nacional, o instituto da Reclamação possui hipóteses de cabimento definidas na CF/88, mais especificamente nos artigos 102, I, l e 105, I, f, que tratam respectivamente da reclamação no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Nos dois casos objetiva oportunizar, de forma originária, a proteção de suas competências e o controle acerca da autoridade de suas próprias decisões.

Para efeito do presente estudo, iremos abordar apenas a Reclamação Constitucional processada e julgada pela Suprema Corte, tendo em vista ser este o Tribunal competente para o controle concentrado de constitucionalidade.

São três as situações de Reclamação Constitucional no Supremo. A primeira delas é preservar a competência da Corte quando um juiz ou Tribunal, usurpando a competência estabelecida no art. 102 da CF, processa ou julga ações ou recursos de competência do STF.

1 STF. Disponível em:

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Numa segunda hipótese, o STF atua para garantir a autoridade de suas decisões, ou seja, intervém quando decisões monocráticas ou colegiadas da Corte são desrespeitadas ou descumpridas por autoridades judiciárias ou administrativas. Finalmente, após a Emenda Constitucional 45/2004 também é possível ajuizar a Reclamação quando houver ofensa à autoridade das súmulas vinculantes, uma vez que seu comando subordina todas as autoridades judiciárias e administrativas do país.

Vale ressaltar entendimento do STF segundo o qual a Reclamação não pode ser manejada contra decisão do próprio Tribunal, já que ele não pode ser desobediente de si mesmo.

Descritas as hipóteses é de se notar que a Reclamação Constitucional passou a exercer papel extremamente relevante no constitucionalismo contemporâneo, garantindo mais segurança ao sistema jurídico e permitindo a preservação da competência e da autoridade das decisões da Suprema Corte, intérprete final da Constituição.

Para ilustrar esse protagonismo do instituto iremos analisar a decisão tomada no dia 18 de abril de 2013, pelo Plenário do STF, por maioria de votos, que declarou o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 inconstitucional. Tal decisão, que se deu incidentalmente e sem determinar a nulidade da norma, foi tomada no bojo da Reclamação nº 4374/PE, ajuizada com o propósito de fazer prevalecer a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232 que, ao contrário do que decidido agora, declarou este mesmo artigo constitucional.

Nesse novo contexto jurídico, percebe-se que inequivocamente a Reclamação avançou sob outros paradigmas do Direito Constitucional, assegurando uma função conformadora da jurisprudência por meio da aplicação constante do processo hermenêutico de reinterpretação, tendo por consequência uma maior adequação ao sistema jurídico, maior previsibilidade e mais garantia de efetividade ao Direito.

Como bem afirmado pelo Ministro Gilmar Mendes no julgamento da Reclamação 3.014, a ordem constitucional necessita de proteção por instrumentos processuais céleres e eficazes, e neste ponto a Reclamação revela-se um instrumento muito útil ao sistema jurídico, dado sua ampla legitimação e rito simplificado.

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Portanto, cuida-se de questão relevante, visto que não se está falando de uma nova ação de controle abstrato questionadora da norma já declarada constitucional. Em verdade, tem-se que um instrumento pensado para garantir a autoridade de uma decisão, já prolatada em controle de constitucionalidade, acaba exatamente por modificar um entendimento anterior em processo objetivo que declarou uma norma constitucional para em seguida declarar a norma inconstitucional.

Para discutir essa problemática, será analisado no primeiro capítulo o caso concreto que serviu de inspiração para a presente pesquisa. Para tanto importa que seja feita uma análise minudente da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 18 de abril de 2013, no âmbito da Reclamação 4.374/PE que cuida do direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V da CF/88. A relevância do julgado se deve ao fato de que nele o Tribunal admitiu a possibilidade de se revisar, no seu julgamento, a decisão que serviu de parâmetro para o ajuizamento da própria reclamação.

Assim, serão apresentados a origem do caso concreto reclamado; o contexto jurídico em que se deu a primeira decisão pela constitucionalidade da norma questionada e as mudanças legislativas posteriores, com o surgimento de novos critérios para concessão de benefícios assistenciais; a evolução da jurisprudência e seus desafios em fazer valer o “espírito da constituição”; e por fim, serão levantados os argumentos justificantes da decisão paradigma, bem como expostas as divergências quanto à possibilidade de se utilizar do instituto para revisar a coisa julgada constitucional.

Em seguida, no segundo capítulo apresentaremos os aspectos históricos envolvendo o surgimento da Reclamação, sua utilidade para fazer prevalecer os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal e a sua evolução legislativa, desde a previsão no Regimento Interno da Corte até o momento em que o instituto adquire status constitucional com o advento da Carta de 1988, sem esquecer as alterações posteriores em que se garantiu ainda mais importância ao tema com a previsão das súmulas vinculantes.

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Também serão abordados o conceito e as funções da Reclamação Constitucional. Pretende-se demonstrar que a Reclamação é um instrumento processual muito importante para garantir a segurança jurídica necessária à ordem constitucional e aos jurisdicionados. A garantia da autoridade dos julgados; a preservação de competências e a uniformização da jurisprudência são evidências de como a Reclamação pode se constituir em uma verdadeira garantia constitucional posta a serviço de cada indivíduo, efetivando assim o direito de acesso à justiça.

O que se nota é que não bastaria à Constituição enunciar direitos, deveria também garantir meios eficientes para resguardá-los de quaisquer abusos, a exemplo da violação das competências ou descumprimento das súmulas vinculantes.

Na esteira das funções da Reclamação, a pesquisa abordará as teorias para esclarecer a natureza jurídica do instituto em análise. Perceber-se-á que embora reste superada a divergência acerca da natureza jurisdicional da Reclamação, a doutrina e jurisprudência ainda discutem se esta teria natureza de ação; recurso ou sucedâneo recursal; direito de petição; remédio incomum; incidente processual; medida de Direito Processual Constitucional ou medida processual de caráter excepcional.

A partir dos ensinamentos lançados pela doutrina e jurisprudência será feito um levantamento sobre as críticas que repousam sobre cada uma das teorias explicitadas.

Lançadas as bases iniciais para o debate do tema central do presente trabalho, o terceiro capítulo objetiva discutir como a Reclamação constitucional pode ser utilizada para atualizar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada em sede de controle abstrato de normas.

Primeiramente demonstrar-se-á que as decisões da Corte permanecem abertas a um constante processo de reinterpretação, e que por meio da hermenêutica jurídica é possível se valer da reclamação constitucional para apreciar a ocorrência de mutação constitucional ou o processo de inconstitucionalização de normas outrora declaradas constitucionais. Assim, veremos que a fundamentação da decisão quanto à possibilidade de superação, pautou-se, acertadamente, na perspectiva da interpretação.

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CAPÍTULO I

RECLAMAÇÃO 4374-STF: ANÁLISE DO JULGADO.

Para bem ilustrar o que se propõe avaliar nesse trabalho, vale iniciar com uma análise minudente da decisão proferida pela Suprema Corte no julgamento da Reclamação nº 4.374/PE. Do voto condutor do julgamento, proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, é possível extrair a lógica segundo a qual haverá possibilidade de revisão de decisão em ação de controle de constitucionalidade quando houver mudança contextual relevante a justificar a alteração do entendimento exposto.

Essa decisão do STF tem como ratio decidendi a revisão da coisa julgada. Sua grande importância está no fato de que a Reclamação não é instituto tradicionalmente ligado à afirmação da jurisprudência dos tribunais e foi por meio da decisão proferida nesta Reclamação de nº 4374/PE que a Corte sedimentou a possibilidade de objeção de coisa julgada em reclamação2.

Vale ressaltar que a Súmula nº 734 do STF estabelece que a reclamação não é instituto voltado à impugnação de decisões transitadas em julgado, ou seja, não pode fazer as vezes de verdadeira ação rescisória.

Assim, a decisão ora destacada teve de enfrentar tema caro ao Direito Constitucional, qual seja, a possibilidade de se reconhecer a modificação de uma decisão já transitada em julgado no bojo de uma reclamação.

Ao tratar dessa possibilidade, o Ministro Gilmar Mendes destaca inúmeros precedentes do próprio Tribunal em que houve “ajustes” realizados em decisões de controle concentrado, tanto mediante reclamação, quanto por meio de Recurso Extraordinário e Mandado de Segurança. Para o Ministro, o julgamento da reclamação pode sim “levar à redefinição do conteúdo e do alcance, e até mesmo à superação, total ou parcial, de uma antiga decisão”3.

1.1 Reclamação Constitucional de nº 4374 – o caso concreto

O caso concreto que ocasionou a Reclamação Constitucional nº 4.374 teve origem nos autos do processo nº 2005.83.20.009801-7, em trâmite nos Juizados Especiais Federais do Estado de Pernambuco, órgão integrante do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

2

DIDIER, Fredie Jr. MACÊDO, Lucas Buril de. O Controle Concentrado de Constitucionalidade e revisão da coisa julgada: análise da reclamação nº 4.374/PE. Disponível em: <www4.planalto.gov.br/revistajuridica/vol-16-n-110-out-2014-jan-2015/menu-vertical/apresentacao/rjp110-integral>. Acesso em: 6 out. 2015.

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Após ser condenado ao pagamento de benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu da decisão à Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado de Pernambuco. A Turma Recursal, por sua vez, manteve a concessão do benefício assistencial pleiteado em desfavor da autarquia.

No alegado recurso, a Turma Recursal analisou as condições socioeconômicas do autor da ação previdenciária tomando por base as circunstâncias do caso concreto. Para tanto, ponderou que o laudo pericial levava a concluir que o autor era incapaz para as atividades laborativas que necessitassem de esforços físicos ou que envolvessem estresse emocional para sua realização.

Destacou-se ainda que o autor era um trabalhador rural de idade avançada, sem nenhuma instrução educacional, o que sem dúvidas tornava quase impossível sua absorção pelo mercado de trabalho, mesmo em outra atividade, dada sua condição pessoal.

Para a Turma Recursal, as provas dos autos - inclusive depoimentos de familiares e amigos - demonstravam que o recorrido não trabalhava e possuía renda familiar inferior ao limite estabelecido na lei.

Diante desse quadro fático, a Turma resolveu que a situação de hipossuficiência econômica restava evidenciada, razão pela qual dispensou o critério de comprovação conforme a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, estabelecido no §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.

Ao afastar a aplicação objetiva do limite legal de renda inferior a ¼ do salário mínimo, a Turma argumentou que tal critério apenas enunciava uma presunção absoluta de miserabilidade, mas não afastaria a possibilidade de o juiz, seguindo o princípio da persuasão racional na análise de outros meios idôneos e moralmente legítimos de prova, reconhecer a miserabilidade no caso em exame.

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Essa previsão, segundo entendimento, tornou mais vantajosa a análise das condições pessoais de hipossuficiência e, portanto, viável o seu reconhecimento em casos como o então analisado.

Insatisfeito com a decisão prolatada, o INSS recorreu do julgamento da Turma Recursal. Argumentou fundamentalmente que houve violação à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 1.232/DF.

Na mencionada ação de controle abstrato de constitucionalidade, a Suprema Corte foi instada a se manifestar acerca da constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS no Brasil. Em seu texto a norma dispõe que será considerada incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou da idosa, a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

No entendimento da autarquia previdenciária o aludido dispositivo, então declarado constitucional pelo Supremo no julgamento da ADI 1.232, estabeleceu critério objetivo a ser observado para a prestação assistencial do Estado. Ante o seu afastamento no caso concreto, tornou-se imperioso o ajuizamento de Reclamação Constitucional a fim de ver cassada a decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco.

No dia 22 de maio de 2006 a Reclamação foi distribuída e o Relator designado foi o Ministro Gilmar Mendes. Em 1º de fevereiro de 2007 foi indeferida a medida liminar. Por fim, em 18 de abril de 2013 o Tribunal finalizou o julgamento da Reclamação e concluiu pela sua improcedência.

1.2 Fundamentos jurídicos

O mérito da decisão ora referenciada não pode ser integralmente compreendido sem sua contextualização histórica, sobretudo sem a análise de como a legislação brasileira evoluiu nos últimos anos quando o assunto é a efetivação do direito a prestação da assistência social.

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juízes já vinham remediando o problema decorrente da “desencontrada relação entre a letra objetiva da lei e a vontade da Constituição”4.

De início é de destacar que o benefício assistencial objeto da demanda foi previsto incialmente pelo art. 203, inciso V da Constituição Federal que prescreve5:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Como é possível observar, cuida-se de norma de eficácia limitada, absolutamente dependente de norma regulamentadora. Essa complementação, ainda que insuficiente, só veio acontecer no ano de 1993, portanto, cinco anos após a promulgação da constituição, através da Lei nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993.

Na mencionada lei foram estabelecidos os critérios necessários para se considerar o indivíduo deficiente físico, bem como a idade a partir da qual o sujeito será considerado idoso para fins de obtenção do benefício. Da mesma forma se estabeleceu como seria possível aferir a condição econômica considerada suficiente para prover a própria manutenção.

Assim, a Lei nº 8.742/93 fixou que consideraria idoso aquele que possuísse mais de 70 anos de idade e deficiente a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Sobre a incapacidade de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa estabeleceu em seu §3º do art. 20 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”6.

No que tange à fixação de critérios para se considerar o indivíduo portador de deficiência ou idoso a legislação foi aceita sem muitos questionamentos, vindo a sofrer uma alteração substancial em 2003, com o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), que diminuiu essa idade de 70 para 60 anos.

Porém, no caso da fixação da hipossuficiência econômica, muitos obstáculos foram encontrados desde o primeiro momento da edição da lei. A grande dificuldade era que o critério objetivo de análise da renda familiar per capita não se revelava, aos olhos dos juristas,

4 RE 4.374/PE. Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJe-173 de 03-09-2013.

(20)

sobretudo de advogados e magistrados, um critério suficientemente justo a apurar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente físico que pleiteava o benefício assistencial.

Desta forma, desde o início da aplicação da lei, os casos concretos postos sob julgamento dos órgãos judiciais pareciam não ser adequadamente solucionados pela simples aplicação fria e objetiva do critério econômico então proposto. Essa situação trouxe inquietude aos operadores do direito e consequentemente, certa instabilidade quanto à aplicação dos critérios legais estabelecidos.

Menos de dois anos após a edição da Lei nº 8.742/93 foi proposta uma ADI em face do dispositivo contido no §3º do art. 20, que tratava do critério da renda familiar per capita. Assim, em 24 de fevereiro de 1995 a ADI nº 1.232 foi distribuída ao Ministro Maurício Correia, que na ocasião do julgamento do pedido liminar consignou: “o legislador ordinário, bem ou mal, mas cumprindo seu dever de editar a lei, estabeleceu um parâmetro, que teve a virtude de dar eficácia à norma constitucional”.

Posteriormente a ADI foi redistribuída ao Ministro Relator Ilmar Galvão, que em seu voto acolheu a proposta do Ministério Público que propugnava por uma interpretação conforme a constituição. Seguiu parecer da Subprocuradora-Geral da República, Anadyr de Mendonça Rodrigues, para quem o §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 apenas estabelecia uma presunção juris et de jure da efetiva falta de meios para que o deficiente ou o idoso pudesse prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

Segundo esse entendimento, a previsão da renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não excluía a possibilidade de comprovação da situação de miserabilidade por outros meios idôneos. Afirmou o Ministro7:

Entretanto, se se entender que o mesmo § 3º do art. 20 da Lei federal nº 8.742, de 1993, ao contrário de estar instituindo caso único de possibilidade de prova de tal falta de meios e de estar excluindo outras possibilidades, nada mais faz do que meramente instituir caso de PRESUNÇÃO IURES ET DE IURE de insuficiência de meios familiares, para manutenção de portador de deficiência, então nenhuma inconstitucionalidade poderá ser entrevista. (grifo do autor).

O STF, porém, preferiu seguir o voto do Ministro Nelson Jobim, que entendeu que o critério objetivo não era, por si só, incompatível com a Constituição, e que quaisquer outros requisitos para aferição dessas condições do indivíduo deveriam ser avaliados pelo legislador.

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Com isso a ADI nº 1.232 foi julgada improcedente e por consequência, o §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 foi tido por constitucional. Em razão de ter aberto a divergência, o acórdão do julgamento ficou sob a responsabilidade de redação do Ministro Nelson Jobim, que foi categórico em seu voto ao afirmar que:

Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da própria lei. O gozo do benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu de comprovar dessa forma. Portanto não há interpretação conforme possível porque, mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois depende da existência da lei, da definição8.

Do julgamento também mereceu destaque o voto do Ministro Sepúlveda Pertence. Para o Ministro, era possível avaliar que daquele caso em análise emergia uma possível inconstitucionalidade por omissão parcial, ou seja, a norma criada para efetivar o dispositivo dotado de eficácia limitada previsto no art. 203, V da CF/88, não era suficiente para suprir os propósitos do legislador constituinte e com isso dizia menos do que deveria dizer.

A meu ver, isso não a faz inconstitucional nem é preciso dar interpretação conforme a lei que estabeleceu uma hipótese objetiva de direito à prestação assistencial do Estado. Haverá, aí, inconstitucionalidade por omissão de outras hipóteses? A meu ver, certamente que sim, mas isso não encontrará remédio nesta ação direta9.

Vê-se, portanto, que para o Ministro o problema relativo à aplicação da norma não seria solucionado enquanto o legislador não se pronunciasse de forma completa sobre o tema. Com isso restou evidenciado um chamamento ao legislador para que fossem estabelecidas, com clareza, justiça e completude, as regras que definissem a concessão do benefício assistencial.

Diante do silêncio do legislativo e das dificuldades encontradas nos casos postos para análise dos órgãos judiciais, o entendimento antes apresentado no parecer do Ministério Público e acompanhado pelo Ministro Ilmar Galvão tornou-se, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes “uma imposição que se fazia presente nas situações reais multifacetárias apresentadas aos juízes de primeira instância”10.

Segundo o Ministro, apenas aplicar o critério objetivo da lei não seria suficiente para encontrar soluções condizentes com a realidade das famílias brasileiras. Foi nesse contexto

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inclusive, que surgiu a Súmula 11 da Turma Nacional de Uniformização, atualmente cancelada, prevendo que “a renda mensal per capita familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, não impediria a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante”11.

Diante desse quadro fático o INSS promoveu algumas centenas de reclamações constitucionais ao STF requerendo a cassação das decisões que contrariassem o entendimento esposado pela Suprema Corte na ADI nº 1.232.

De início o julgamento era pela cassação das decisões, como se vê do seguinte julgamento12:

Previdência Social. Benefício Assistencial. Lei 8.742/1993. Necessitado. Deficiente Físico. Renda familiar mensal per capita. Valor superior a ¼ do

salário mínimo. Concessão da verba. Inadmissibilidade. Ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI 1.232. Liminar deferida em reclamação. Agravo improvido. Ofende a autoridade do acórdão do Supremo na ADI 1.232, a decisão que concede o benefício assistencial a necessitado, cuja renda mensal familiar per capita supere o limite estabelecido pelo §3º do art. 20 da

Lei 8.742/1993. (Rcl. 4.427-MC-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 6-6-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007.)

Muitas foram julgadas procedentes, mas no julgamento da Rcl – AgR 2.303/RS, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, destacou-se o voto-vista do Ministro Ayres Britto, que defendeu não haver incompatibilidade entre as decisões que estavam sendo reclamadas e o julgamento da ADI nº 1.232, visto que nas hipóteses trazidas à análise apenas se verificava a aplicação de outros critérios para aferir o estado de miserabilidade social.

Por ocasião desse julgamento o Ministro Ayres Britto foi além e destacou13

[...] é bem de ver que o diploma legal nº 8.742 nem sequer devia eleger critério dimensionador da pobreza ocasional do idoso ou da pessoa com deficiência. E não devia eleger nenhum critério ou parâmetro dentro de aferição objetiva de pobreza porque não habilitado pela Constituição para tal mister. Quero dizer: o critério objetivo de carência material do socialmente assistível já esta na Constituição e esse critério é o fato mesmo de, num dado instante, o idoso ou deficiente econômico demonstrar que não possui meios de prover à própria manutenção, nem de tê-la provida pela respectiva família. (grifo do autor).

11 BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Súmula 11 TNU.

(23)

Para o julgador tudo se resolveria com uma análise do caso concreto, sempre tendo como primado a aplicação do preceito constitucional. Não seria impossível constatar que ainda que ultrapassado o percentual de ¼ do salário mínimo per capita, o sujeito demonstrasse haver uma situação de necessidade do auxílio estatal. Em suas próprias palavras, o objetivo da Constituição “é possibilitar ao deficiente físico e ao idoso a percepção de um salário minimamente operante como fator de promoção humana e reintegração à vida comunitária”14.

O raciocínio foi para além do que dispõe a legislação que impôs o limite objetivo de ¼ do salário mínimo como requisito à concessão do benefício assistencial. Pelos argumentos expendidos faz-se necessário entender que a constituição prevê que o benefício deve ser concedido a quem necessitar. Com a implementação da lei, apenas houve a especificação de uma hipótese mínima em que o benefício haveria de ser concedido sem, entretanto, incorrer no esvaziamento do mandamento constitucional. Reforça a tese o argumento de que a assistência social é dever do Estado previsto no art. 6º da Constituição. Dessa forma a lei apenas traria para o Estado o dever de não discutir o caso concreto na hipótese em que o critério objetivo se verificasse.

Sob o ponto de vista do indivíduo, sustentou o Ministro Ayres Britto, bastaria a comprovação da necessidade material de se socorrer da assistência estatal para que a concessão do benefício se tornasse uma imposição jurídica, sobretudo quando se tratasse do deficiente físico, dada sua específica proteção constitucional.

Em que pese os argumentos levantados o Tribunal seguiu o entendimento já consolidado na ADI que afirmava caber ao legislador e não ao aplicador da lei, criar outros critérios indicativos da miserabilidade do indivíduo e de sua família.

1.3 A evolução jurisprudencial e o surgimento de novos critérios para concessão de benefícios assistenciais

Uma certeza sempre pairou no julgamento das ações que envolvem direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Cuida-se da necessária observância do espírito constitucional, sobretudo no que tange à proteção dos direitos positivados nos textos.

Nesse sentido, a doutrina estrangeira destaca o chamado “sentimento constitucional”. Esse, segundo Verdu, pressupõe a vivência consciente das normas que integram o

(24)

ordenamento jurídico interno, pressupondo serem bons e convenientes para a integração das pessoas. Verdu expressou o que seria esse sentimento constitucional15:

...la adhesión interna a las normas e instituciones fundamentales de un país, experimententada con intensidad, más o menos consciente, porque se estiman (sin que sea necesario un conocimiento exacto de sus peculiaridades y funcionamiento) que son buenas y convenientes para la integración, mantenimiento y desarrollo de una justa convivência.

Assim, percebe-se que a unidade da constituição se faz mediante a formação de uma consciência constitucional e hermenêutica, razão pela qual o texto da Carta Magna não pode ser descuidado. É bem verdade que esse sentimento constitucional possui relação estreita com sua permanência no tempo, porém é inquestionável que a ocorrência de alterações frequentes colabora substancialmente para que este não exista. Horta sustenta que16:

O volume pletórico das emendas gera a indiferença e produz uma espécie de embotamento na consciência coletiva. O complexo mecanismo da emenda não desperta maior interesse na opinião pública e o tema fica entregue aos especialistas e às lideranças políticas que o conduzem nas Comissões e nos plenários das Câmaras.

No caso brasileiro, como ressalta José Joaquim Gomes Canotilho17, a atual

constituição é a que mais reproduz os anseios do povo no momento de sua promulgação.

A Constituinte de 1987-1988, justamente por haver sido a primeira a professar abertamente a legitimação de sua tarefa pelos vínculos estabelecidos com os direitos fundamentais da dimensão objetiva, sem embargo de criar uma carta do compromisso e da transação, e sobretudo de transição, foi sem dúvida de todas as nossas constituintes derivadas – acima, portanto, das que promulgaram as Cartas de 1934 e 1946 – aquela que mais avançou na direção de um Estado social, edificado sobre os alicerces da positividade jurídica.

Desta forma, fundado na positividade jurídica, os juízes, intérpretes da lei, paralelamente às discussões judiciais que envolviam a concessão do benefício constitucional, notaram o surgimento de novas leis prevendo outros critérios para que o Estado concedesse outros diversos benefícios assistenciais aos mais necessitados.

15 VERDÚ, Pablo Lucas. El sentimiento constitucional: aproximación al estudió del sentir constitucional como modo de integración política. Madrid: Reus, 1985, p. 71.

16 HORTA, Raul Machado. Permanência e Mudança na Constituição. Revista dos Tribunais: Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, ano 1, out./dez. 1992, p. 213.

(25)

A primeira lei com esse teor foi a Lei nº 9.533/97 que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações educativas. Em seu art. 5º, inciso I a mencionada lei estabelecia que18:

Art. 5º Observadas as condições definidas nos arts. 1º e 2º, e sem prejuízo da diversidade de limites adotados pelos programas municipais, os recursos federais serão destinados exclusivamente a famílias que se enquadrem nos seguintes parâmetros, cumulativamente: I - renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo.

Como se vê, embora outros critérios tenham sido cumulativamente adotados, fato é que no que diz respeito ao critério econômico a legislação adotou meio salário mínimo como suficiente para concessão do benefício, o que sem dúvidas, já é mais vantajoso do que o previsto na LOAS.

Em 2001 a Lei nº 10.219 criou o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação, conhecido popularmente como Programa Bolsa Escola. Através desse programa o governo pretendeu aumentar a capacidade econômica das famílias e paralelamente a isso incluir cada vez mais crianças na escola.

Em 2003 foi editada a Lei nº 10.689 que estabeleceu que os benefícios do Programa Nacional de Acesso à Alimentação serão concedidos para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo. Assim, mais uma vez o legislador criou norma mais favorável para acesso a um determinado benefício social.

Por fim, em 2004, o legislador brasileiro criou o Programa “Bolsa Família”, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades. A Lei nº 10.836 de 09 de janeiro de 2004 unificou alguns programas de distribuição de renda até então existentes, inclusive os previstos pela lei que criou o Programa Nacional de Acesso a Alimentação e a lei instituidora da Bolsa Escola. Esse programa Bolsa Família tornou-se um grande programa de redistribuição de renda e sem dúvidas melhorou as condições de vida de centenas de famílias que se encontravam em situação de miserabilidade.

Desta forma, a partir dessas leis, muitos juízes e tribunais passaram a reconhecer o valor de meio salário mínimo como referencial para a análise da renda familiar per capita daqueles que buscavam a justiça para ver concedido o benefício previsto na LOAS.

(26)

Para se ter uma ideia, o TRF da 4ª Região chegou até mesmo a editar a Súmula nº 06, com o seguinte teor19:

O critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ (um quarto) do salário mínimo, previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, restou modificado para ½ (meio) salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, e art. 2º, § 2º, da Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação –

PNAA.

Porém, mesmo as mudanças legislativas e o surgimento de novos argumentos não foram suficientes para conduzir a uma modificação na interpretação do Supremo. Assim as reclamações propostas pelo INSS continuaram sendo julgadas procedentes, o que conduziu os órgãos judiciais a continuarem a produzir uma diversidade de novos argumentos para concederem os benefícios pleiteados sem aplicar exclusivamente o critério objetivo fixado pela LOAS.

Os novos critérios, embora não colidissem frontalmente com a decisão do Supremo, terminavam por permitir que sujeitos que em princípio não teriam o benefício deferido, conseguissem recebê-los por outros fundamentos.

Em geral, buscava-se alterar os critérios para o cálculo da renda familiar. Com isso concluiu-se, por exemplo, que o benefício previdenciário de valor mínimo, ou outro benefício assistencial percebido por idoso, deve ser excluído da composição da renda familiar; que os indivíduos maiores de 21 anos deveriam ser excluídos do grupo familiar para efeito de cálculo da renda per capita; que não se consideraria o benefício assistencial recebido por qualquer outro membro da família para efeito do cálculo da renda familiar; que os gastos inerentes às condições do beneficiário, com remédios por exemplo, seriam excluídos do cálculo da renda familiar e que considerar-se-ia componentes do grupo familiar, para fins de cálculo da renda per capita, apenas aqueles expressamente arrolados no art. 16 da Lei nº 8.213/91. Assim entendia-se que seria possível escapar do rigor do critério objetivo fixado pela LOAS.

Exemplo do quanto afirmado é o que se vê da seguinte ementa20:

Benefício de prestação continuada. Art. 203, V, da CF/1988. Critério objetivo para concessão do benefício. Art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993 c/c art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. Violação ao entendimento adotado

19 BRASIL. TRF 4ª Região. Súmula nº 06.

(27)

no julgamento da ADI 1.232/DF. Inexistência. Recurso extraordinário não provido. Não contraria o entendimento adotado pela corte no julgamento da ADI 1.232/DF, a dedução da renda proveniente de benefício assistencial recebido por outro membro da entidade familiar (art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso), para fins de aferição do critério objetivo previsto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993 (renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo). (RE 558.221, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento 15-4-2008, Segunda Turma, DJE de 16-5-2008.) no mesmo sentido: AI 688.242-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 4-6-2010. (grifo nosso)

Com tantos casos chegando à Suprema Corte, alguns ministros começaram a negar seguimento às Reclamações com fundamento em questões de natureza processual, inclusive aplicando entendimento jurisprudencial segundo o qual a Reclamação não é via adequada para se reexaminar o conjunto fático-probatório em que se baseou a decisão reclamada.

Prova disso é o julgamento das Reclamações nº 4133 e 4366 em que a Corte decidiu inexistir adequação às hipóteses do art. 102 I, I da CF/88; e o julgamento do Agravo Regimental na Reclamação 4422 do Rio Grande do Sul em que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou seguimento ao recurso, como se vê da ementa21:

E M E N T A: RECLAMAÇÃO - INOCORRÊNCIA DE SEUS

PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES - CONSEQÜENTE

INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO - BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (CF, ART. 203, V) - RECONHECIMENTO, NO CASO,

DO ESTADO DE MISERABILIDADE (E DE AFLITIVA

NECESSIDADE) QUE AFETA A PESSOA DESTINATÁRIA DE REFERIDO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

Outro argumento relevante foi ponderado pelo Eminente Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da Rcl 4280. Para ele as decisões que estavam sendo reclamadas não concluíam pela inconstitucionalidade da norma declarada constitucional na ADI 1.232, mas apenas interpretavam esse dispositivo de forma integrada com o conjunto de normas posteriores ao julgamento da Corte. Dessa forma, não havia violação à decisão do Supremo, mas simples utilização de critérios interpretativos legítimos ao deslinde das demandas.

Assim afirmou o Ministro22:

Certo, no julgamento da ADI 1232, o Tribunal declarou a constitucionalidade do critério objetivo fixado pela L. 8742/93, que regula a concessão do benefício assistencial previsto pelo art. 203, da Constituição.

(28)

Refutou-se, na ocasião, o argumento de que o dispositivo impugnado inviabilizaria o exercício do direito ao referido benefício previdenciário, não sendo vedada a possibilidade do surgimento de outras hipóteses, também mediante lei. Assim, também, quando da apreciação da RCL 2303-AgR , afastou-se a possibilidade de se emprestar ao texto impugnado interpretação segundo a (Pleno, Ellen Gracie, DJ 1º.4.05) qual não limita ele os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso. O caso, entretanto, é diverso. Não há, percebe-se, declaração de inconstitucionalidade. A questão posta é sobre a interpretação dada ao requisito previsto no § 3º do art. 20 da L. 8742/93 após a edição de outros dispositivos legais que não foram objeto da ADIn 1232. Nego seguimento à reclamação, prejudicado o pedido de medida liminar.

Após a Reclamação nº 3805/SP, de relatoria da Ministra Carmem Lúcia, ganhou força no Tribunal o entendimento de que a declaração de constitucionalidade da norma proferida na ADI 1232 não significava a impossibilidade de se aplicar outros critérios para atingir as finalidades da lei.

Em sua análise a Ministra concluiu que o Supremo teve a norma por constitucional, “mas não afirmou inexistirem outras situações concretas que impusessem atendimento constitucional e não subsunção àquela norma”. Essa posição fica bastante clara no seguinte trecho do voto da Ministra23:

O exame dos votos proferidos no julgamento revela que o Supremo Tribunal apenas declarou que a norma do art. 20 e seu § 3º da Lei n. 8.742/93 não apresentava inconstitucionalidade ao definir limites gerais para o pagamento do benefício a ser assumido pelo INSS, ora Reclamante. Mas não afirmou que, no exame do caso concreto, o juiz não poderia fixar o que se fizesse mister para que a norma constitucional do art. 203, inc. V, e demais direitos fundamentais e princípios constitucionais se cumprissem rigorosa, prioritária e inescusavelmente.

Vê-se que esse cenário de amplo número de decisões aplicando outros critérios para o atendimento da Constituição tinha por escopo garantir a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde e da obrigação estatal de assegurar assistência social aos mais necessitados. Esse foi o meio encontrado pelos juízes brasileiros para fazerem justiça aos milhares de necessitados que procuraram o Poder Judiciário na esperança de verem atendidos os seus direitos básicos.

Para arrematar, no julgamento da Liminar da Reclamação nº 4374/PE, o Ministro Gilmar Mendes indeferiu a pretensão cautelar do INSS que pretendia ver cassada uma decisão da primeira instância concedendo o benefício assistencial.

(29)

Em sua manifestação sobre a cautelar pleiteada, o Ministro manteve a decisão reclamada e afirmou ser impossível deixar de reconhecer que a superveniência de legislação que estabeleceu critérios mais elásticos à concessão de benefícios assistenciais passou a exigir uma nova interpretação da Lei nº 8.742/93. Citando as manifestações anteriores dos Ministros já referenciados, o Relator da Reclamação 4374/PE explicitou24:

Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei nº 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Seguindo em seu voto, o Ministro afirma que diante da constatação de tal insuficiência, “os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova”25.

Portanto, é de se notar que a partir da grande quantidade de casos concretos levados a julgamento pelos juízes e tribunais de todo o país, e que chegam à Corte pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, restou evidenciado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei nº 8.742/93 não eram suficientes para atestar quando o idoso ou o deficiente possuía meios para prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Foi por essa razão que os Tribunais e Juízes de todo o país buscaram comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo requerente do benefício por outros meios de prova.

Em sua decisão o Ministro Gilmar Mendes rememora posição do Ministro Sepúlveda Pertence segundo o qual essas decisões que concedem o benefício por outros argumentos não declaram a inconstitucionalidade do art. 20, § 3o, da Lei nº 8.742/93, porquanto apenas reconhecem a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de miséria do cidadão.

Todo esse contexto jurisprudencial reforça a necessidade, também já apontada pela Ministra Carmem Lúcia, de que os órgãos do Poder Judiciário procedam a uma interpretação sistemática da legislação superveniente que estabeleceu critérios diferenciados, e mais consentâneos com a realidade atual, para a concessão de outros inúmeros benefícios assistenciais.

(30)

O Ministro Gilmar Mendes, ainda reconhecendo a não aplicação do dispositivo, afirma: “A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93” (grifo do autor).

Apesar de todo esse esforço interpretativo para solução das demandas apresentadas, bem como do chamamento feito ao legislador, que por diversas vezes, foi invocado a agir positivamente na elaboração de leis mais adequadas a realidade social vigente, esse dispositivo legal não sofreu alteração.

Nem mesmo a Lei nº 12.435 de 06 de julho de 2011 que altera diversos dispositivos da Lei nº 8.742/93 produziu a tão desejada mudança normativa, não restando alternativa senão impor ao Poder Judiciário o ônus de decidir a controvérsia acerca da aplicação do dispositivo.

1.4 Linhas argumentativas para análise da questão constitucional

Diante do contexto jurídico apresentado e de todos os argumentos favoráveis à concessão do benefício assistencial, coube ao Ministro Gilmar Mendes levantar os argumentos justificantes de sua decisão.

De início, três grandes questões constitucionais tiveram de ser debatidas: a possibilidade de o Tribunal Constitucional rever seu posicionamento (decisão proferida na ADI 1.232) por meio do julgamento da Reclamação Constitucional; a existência de uma possível omissão inconstitucional parcial em relação ao dever constitucional de efetivar a norma do art. 203, V, da Constituição Federal e se houve um processo de inconstitucionalização do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.

Calcado no debate acerca dessas três questões o Ministro Gilmar Mendes inicia o processo de fundamentação da decisão que resultou na declaração de inconstitucionalidade, sem redução do texto, do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.

1.4.1 Reclamação Constitucional como instrumento para a revisão da decisão em Controle Concentrado de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal

Antes de decidir de forma definitiva acerca da cassação ou não da decisão reclamada, fez-se necessário discutir acerca da possibilidade de o STF rever seu entendimento, no julgamento da própria reclamação constitucional.

(31)

do STF, essa reclamação irá se transformar em uma típica ação constitucional, tendo por fim a proteção de toda a ordem jurídica constitucional.

Isso ocorreria em função de duas ideias básicas. Primeiro, é de se observar que no exercício do controle difuso de constitucionalidade, o STF pode declarar a inconstitucionalidade de quaisquer normas que eventualmente tenham sido utilizadas como fundamento da decisão reclamada. Para tanto, basta que seja verificada a incompatibilidade formal ou material do ato normativo com a constituição.

Saliente-se que a verificação acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou outro ato normativo não é uma faculdade, mas sim uma imposição à Suprema Corte. É que sempre que o julgamento da causa depender da análise da compatibilidade da norma com o texto constitucional, o magistrado não poderá deixar de se pronunciar acerca da questão.

Assim restou consignado, por exemplo, no MS nº 20.505/DF de relatoria do Ministro Néri da Silveira. Nesse julgado, ao discorrer sobre a questão de ordem suscitada, o Ministro Djaci Falcão afirmou26:

Se o Relator considerá-la constitucional, poderá prosseguir e ficar no fundamento da legalidade do ato impugnado. Mas, desde que foi arguida, tanto pelo impetrante da segurança, como pelo Eminente Procurador-Geral da República, em seu Parecer, a ilegitimidade da lei por inteiro, o Tribunal não poderá fugir a essa apreciação. O juiz singular não poderia fugir, quanto mais o Supremo Tribunal Federal, que tem a missão maior, de dizer da legitimidade dos atos e das leis, em face da constituição.

Desta feita, não resta dúvidas de que uma vez arguida a inconstitucionalidade de norma imprescindível ao julgamento do caso analisado, torna-se imperioso que o Tribunal se manifeste sobre a questão, ainda que incidenter tantum.

De outro lado, a análise do ato impugnado em face da decisão ou súmula tida por violada já conduz, por si só, a uma natural ponderação acerca da necessidade de se reavaliar a própria decisão ou súmula. Trata-se de situação em que novos argumentos são lançados ao crivo do julgador e este não está impassível de rever seus entendimentos.

O Ministro Gilmar Mendes afirma que no Supremo Tribunal Federal existem vários casos em que houve redefinição dos lindes de suas próprias decisões apontadas como parâmetro da reclamação. Cita inúmeros casos em que essa revisão se operou, dentre os quais se destaca o caso da ADI 3460, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto.

(32)

Proposta pela Associação Nacional do Ministério Público – CONAMP, a ADI 3460 questiona a constitucionalidade do art. 7º, caput e parágrafo único da Resolução nº 35/2002, com redação dada pelo art. 1º da Resolução nº 55/2004 do Conselho Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que estabelecia critérios para ingresso na carreira do Ministério Público, bem como o conceito de atividade jurídica para fins de ingresso na carreira.

Embora a ADI tenha estabelecido o conceito e fixado os requisitos para ingresso na carreira, o efetivo alcance desse conceito e dos requisitos para sua comprovação foram sendo delineados ao longo do julgamento de algumas reclamações constitucionais, especialmente as de número 4906 e 4939, ambas de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa.

Como se vê, a reinterpretação dos dispositivos questionados em ações abstratas de controle de constitucionalidade é algo absolutamente natural quando se trata da análise de reclamação constitucional. Através dessas ações poderá haver redefinição do conteúdo e do alcance de uma decisão que tenha sido considerada como violada pelo interessado.

Por essa razão o Ministro Gilmar Mendes afirma que:

Assim como no processo hermenêutico o juízo de comparação e subsunção entre norma e fato leva, invariavelmente, à constante reinterpretação da norma, na reclamação o juízo de confronto e de adequação entre objeto (ato impugnado) e parâmetro (decisão do STF tida por violada) implica a redefinição do conteúdo e do alcance do parâmetro27.

Sob esse ponto de vista é possível notar que a Reclamação Constitucional é um verdadeiro instrumento de abertura do processo hermenêutico pelo qual as decisões da própria Suprema Corte permanecem sujeitas à reinterpretação. Através dos processos de mutação constitucional e inconstitucionalização de normas, os julgadores podem concluir pela necessidade de uma redefinição do conteúdo, do alcance e até da superação, total ou parcial, de decisões judiciais pretéritas.

Não se contesta que as constituições tenham “vocação de permanência”, conforme destacou Machado Horta28, não obstante, seus significados estão sujeitos à atualização

permanente, já que o impacto da passagem do tempo e das transformações históricas sempre haverão de produzir necessidades urgentes.

27 RE 4.374/PE. Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJe-173 de 03-09-2013.

(33)

Assim, os fenômenos da mutação e da inconstitucionalização ocorrem, fundamentalmente, não só em razão da possibilidade de que tenha havido uma mudança no texto da constituição ou da norma objeto do controle, mas também de uma mudança substancial nas relações fáticas ou na concepção jurídica geral.

Cumpre assinalar, tão somente, a inegável importância assumida pela interpretação no controle de constitucionalidade, afigurando-se possível a caracterização da inconstitucionalidade superveniente como decorrência da mudança de significado do parâmetro normativo constitucional, ou do próprio ato legislativo submetido à censura judicial29.

Em seu Curso de Direito Constitucional Gilmar Mendes afirma que esse processo de inconstitucionalização das normas representa um grande desafio para a teoria do direito.

Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoria constitucional seja aquele relativo à evolução da jurisprudência e, especialmente, a possível mutação constitucional, decorrente de uma nova interpretação da Constituição. Se a sua repercussão no plano material é inegável, são inúmeros os desafios no plano do processo em geral e, sobretudo, do processo constitucional30.

Como se nota, ante os inevitáveis desdobramentos, é de grande relevância para a teoria do direito o estudo da evolução interpretativa no âmbito do controle de constitucionalidade. Uma mudança no significado do parâmetro normativo certamente acarretará a censurabilidade de preceitos até então considerados compatíveis com a ordem jurídica constitucional.

Ainda para corroborar a tese de que é possível apurar essa evolução interpretativa no bojo de uma reclamação constitucional, o Ministro Gilmar Mendes afirma31:

O “balançar de olhos” (expressão cunhada por Karl Engisch) entre a norma e

o fato, que permeia o processo hermenêutico em torno do direito, fornece uma boa metáfora para a compreensão do raciocínio desenvolvido no julgamento de uma reclamação. Assim como no processo hermenêutico o juízo de comparação e subsunção entre norma e fato leva, invariavelmente, à constante reinterpretação da norma, na reclamação o juízo de confronto e de adequação entre objeto (ato impugnado) e parâmetro (decisão do STF tida por violada) implica a redefinição do conteúdo e do alcance do parâmetro. É por meio da reclamação, portanto, que as decisões do Supremo Tribunal Federal permanecem abertas a esse constante processo hermenêutico de reinterpretação levado a cabo pelo próprio Tribunal. A reclamação, dessa forma, constitui o locus de apreciação, pela Corte Suprema, dos processos de

29 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1051.

30 Ibidem, p. 1050.

(34)

mutação constitucional e de inconstitucionalização de normas (des Prozess des Verfassungswidrigwerdens), que muitas vezes podem levar à redefinição do conteúdo e do alcance, e até mesmo à superação, total ou parcial, de uma antiga decisão.

Assim, apenas diante da substancial mudança nas circunstâncias fáticas ou de relevante alteração nas concepções jurídicas dominantes seria possível a reinterpretação da decisão tomada em sede de controle concentrado de constitucionalidade, com a consequente superação da própria decisão.

Por fim, citando Liebman, Gilmar Mendes segue sua fundamentação afirmando que as sentenças possuem como característica a possibilidade de alteração, ou seja, contêm a cláusula rebus sic stantibus “de modo que as alterações posteriores que alterem a realidade normativa, bem como eventual modificação da orientação jurídica sobre a matéria, podem tornar inconstitucional norma anteriormente considerada legítima”. 32

Isso justificaria o pedido para que uma norma já declarada constitucional em controle concentrado fosse arguida por inconstitucional. No julgamento do RE nº 105.012, de relatoria do Ministro Néri da Silveira essa possibilidade foi discutida, chegando-se a conclusão de que é possível que em caso de evolução hermenêutica, se “modifique jurisprudência consolidada, podendo censurar preceitos normativos antes considerados hígidos em face da Constituição"33.

Ao tratar desse tema, Zavascki afirma que assim como toda sentença com capacidade de irradiar efeitos no tempo futuro, aquela proferida em ação de controle abstrato de constitucionalidade também está submetida à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, a força de lei que dela decorre se justifica e se mantém enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos de fato e de direito que ensejaram sua prolação. Segundo o autor “a constitucionalidade de uma norma, reconhecida à luz de certa realidade social, poderá deixar de existir no momento em que se modificar o parâmetro fático adotado para a aferição”34.

Ocorre que Zavascki limita o que sejam essas circunstâncias de direito e da realidade social. Para o autor ocorre mudança no estado de direito a ensejar a aplicação da cláusula rebus sic stantibus quando sobrevém reforma da Constituição vigente à época da sentença. Assim caberia nova ação porque o parâmetro de validade passaria a ser o da nova ordem

32 RE 4.374/PE. Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJe-173 de 03-09-2013. 33 Ibidem.

Referências

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