Dimensão subjetiva da realidade
uma contribuição da psicologia social aos processos de avaliação de políticas
públicas
Vinicius Cesca de Lima Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (PUC-SP) viniciuscesca@gmail.com
Introdução
• Encontro de uma experiência de avaliação da prestação do Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF), com técnicos dos CRAS de um município de grande porte em SP, com uma pesquisa sobre o trabalho de psicólogas/os na política de Assistência Social.
• Compromisso político-programático do NUTAS com a defesa de políticas sociais públicas e com a produção de contribuições da psicologia e das/os psicólogas/os nestes espaços.
• Contribuição da Psicologia Sócio-Histórica: Concepção, planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas devem considerar a existência de uma dimensão subjetiva dos fenômenos sociais.
Dimensão subjetiva da realidade
Campo subjetivo produzido socialmente pela práxis humana e que se objetiva em práticas sociais específicas e também em produtos subjetivos, como representações sociais, identidade social, ideologia, valores, rituais, hábitos, costumes, leis, regras, crenças, a produção intelectual, o imaginário popular, determinados pelas bases objetivas da realidade ao mesmo tempo em que as reelaboram.
Estas produções delimitam uma ontologia cotidiana, um campo de referências, permeado de intencionalidades e disputas de sentidos, que referencia, orienta, justifica e direciona o pensamento e a ação cotidianos.
Gênero da atividade
• Regras não escritas que conservam a história e a memória coletiva do trabalho
• Conjunto de proto-significações e proto-operações que compõem um resumo proto-psicológico disponível para a realização da atividade.
• Mediação entre os sujeitos da atividade e a tarefa.
• Maneira pela qual um coletivo de trabalho assume uma tarefa, a torna sua e a redefine.
• Conjunto de pressupostos sociais da atividade, de precedentes convocados por uma situação vivida e que a antecedem.
A experiência de avaliação do PAIF
• Desenvolvida em duas etapas.
• No primeiro momento, os técnicos foram chamados a atribuir um conceito (entre “Muito insatisfatório”, “Insatisfatório”, “Regular”,
“Satisfatório” e “Muito satisfatório”) para sete dimensões do Serviço:
Usuários; Provisões; Trabalho social; Articulação em rede; Aquisições dos usuários; Cumprimento de objetivos; Impacto social.
• No segundo momento, os técnicos responderam e debateram dois tipos de questões “Qual a contribuição do meu trabalho para o enfrentamento da (...)?” e “O que poderia ser feito para aumentar o impacto do meu trabalho no enfrentamento da (...)?”.
Entre a confiança no trabalho e a descrença em seus resultados
• Contraste entre a avaliação das condições de trabalho e a avaliação do trabalho realizado
• Permite-nos concluir por um cenário em que os trabalhadores sociais acreditam no seu trabalho, na suas possibilidades de produzir os efeitos intencionados, confiam na sua capacidade de fazê-lo, reconhecendo inclusive, com bastante clareza, onde é preciso avançar mais, mas entendem que as condições precárias em que este trabalho é efetivamente realizado e os recursos disponíveis limitam estas possibilidades.
• Isso impacta a maneira pela qual avaliam os resultados e impactos do trabalho. De forma geral, a avaliação foi bastante pessimista
Remediando o que não tem solução: a saída é individual
• Contudo, a precariedade das condições e recursos para o trabalho não esgota esta descrença.
•A oficina explicitou outro elemento que determina esta avaliação: a percepção de que a realidade social é impermeável às tentativas de transformá-la e de que a política social pode ser apenas tentativa de remediar o que não tem solução. Esta questão foi formulada como a presença de processos estruturais que nenhuma política social consegue resolver e que estabelecem limites que condicionam as possibilidades de ação.
• O que poderia produzir alterações reais e não paliativas estaria fora do campo de possibilidades da política de Assistência Social.
Remediando o que não tem solução: a saída é individual
• Conclui-se pela inevitabilidade destas condições, sem que isso conduza, contudo, à negação das possibilidades de ação. A leitura pessimista não elimina o desejo e o compromisso com a mudança, que se desdobra na procura de possibilidades reais para sua efetivação, ainda que limitadas, pontuais e sem o impacto desejado.
•A singularidade e a subjetividade aparecem como o refúgio possível diante de condições objetivas que parecem inalteráveis e as soluções são remetidas ao âmbito microssocial, das relações familiares, da conquista da autoestima, da reorganização de projetos de vida etc.
•Todo o processo de trabalho nos CRAS avaliados é permeado por estas concepções de que o trabalho social é paliativo, que a “solução”
estaria na inserção na relação de assalariamento e que, diante da dureza fática de condições objetivas que parecem inalteráveis, a saída seria individual.
A dimensão subjetiva nas políticas públicas
• A oficina identificou assim um campo de significados a partir do qual os trabalhadores da assistência social podem compreender os fenômenos nos quais intervêm, quem são os usuários dos serviços, quais são as possibilidades de transformação da realidade a partir de sua intervenção, etc.
• Estas significações são determinantes do trabalho efetivamente realizado, direcionando-o ao atribuir-lhe significado e intencionalidade.
• Exatamente por isso, a ação concreta não corresponde ao prescrito na tarefa, na medida em que esta dimensão subjetiva medeia a reformulação da tarefa por parte do sujeito da atividade.
• Desta forma, o alcance dos objetivos e dos impactos intencionados não depende apenas do planejamento das operações, mas precisa considerar também este repertório de significações sobre a realidade.
• Explicitá-los e analisá-los é uma contribuição da psicologia social aos processos de avaliação de políticas públicas.