• Nenhum resultado encontrado

Cad. Saúde Pública vol.26 número6

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Cad. Saúde Pública vol.26 número6"

Copied!
2
0
0

Texto

(1)

1261

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(6):1261-1265, jun, 2010

GENETIC DISCRIMINATION. Albertson LJ, edi-tor. New York: Nova Science Publishers Inc; 2008. 113 p.

ISBN: 978-1-60456-357-3

Restringir o direito de pessoas a planos de saúde ou oportunidades de trabalho é apontado como a princi-pal conseqüência do fenômeno conhecido como “dis-criminação genética”. Os avanços da ciência no campo da genética e as descobertas obtidas com o Projeto Ge-noma Humano favorecem cada vez mais a identifica-ção precoce de doenças mediante a utilizaidentifica-ção de testes preditivos. Para uma parcela significativa das doenças precocemente identificadas ainda não há cura e o tra-tamento disponível é considerado bastante oneroso pelas empresas de planos de saúde e pelos empregado-res. Nesse sentido, a informação genética obtida pode levar à discriminação de pessoas, sendo necessárias medidas voltadas à proteção de quem tem os direitos ameaçados em virtude de diagnósticos genéticos. A criação de uma lei federal foi um dos caminhos esco-lhidos pelos Estados Unidos para lidar com o fenôme-no da discriminação genética, como discute o livro Ge-netic Discrimination, organizado por Leana Albertson.

O objetivo principal do livro foi o de descrever como o debate sobre discriminação genética ocorreu no congresso estadunidense até se chegar, em 2008, à aprovação de um projeto de lei federal remetido para sanção presidencial. Como estratégia metodológica do livro, foram reunidos cinco especialistas no tema da discriminação genética. No decorrer dos capítulos eles apresentaram, baseados na técnica de análise do-cumental e em revisão da literatura, o significado de discriminação genética construído pelo parlamento estadunidense e o modo como se delineou o debate responsável por subsidiar a redação do projeto de lei aprovado. O debate presente no livro é uma importante peça para o avanço de pesquisas ou mesmo para a cria-ção de meios destinados à protecria-ção de pessoas subme-tidas a testes genéticos no Brasil, onde já existem casos relatados de discriminação genética e um projeto de lei que se arrasta há uma década no Congresso Nacional sobre o tema. As principais questões discutidas no li-vro são: (i) a especificidade da informação genética em detrimento de outras informações no campo da saúde; (ii) os argumentos contrários e os argumentos favorá-veis à criação de uma lei de combate à discriminação genética.

Antes da elaboração da lei para o combate à discri-minação genética, os parlamentares estadunidenses discutiram em que medida uma lei com tal especifici-dade se justificaria. Nos Estados Unidos, desde a déca-da de 1960 já existia legislação protegendo direitos civis das pessoas e, nas décadas seguintes, foram criadas leis para assegurar os direitos de pessoas com deficiências. O livro sugere, entretanto, que as leis existentes não eram suficientes para a proteção de pessoas vítimas de discriminação devido a doenças e outros tipos de

ca-racterísticas genéticas. Mesmo a lei federal conhecida como Americans with Disabilities Act (ADA) foi con-siderada frágil para a resolução de conflitos na esfera judicial, pois não era explicitamente voltada à informa-ção genética. No Brasil a controvérsia sobre a real ne-cessidade desse tipo de lei também é observada. Para alguns pesquisadores, o art. 5o da Constituição Federal

seria suficiente para coibir práticas de discriminação genética.

Entre os argumentos apresentados pelos oposito-res à criação de uma lei de combate à discriminação genética, o livro apresenta os seguintes: a legislação já existente seria suficiente para a proteção dos direitos de pessoas submetidas a testes genéticos; a lei a ser criada poderia promover litígios contra empregadores; e o fenômeno da discriminação genética era bastante reduzido ou mesmo não estava ocorrendo, tendo em vista a falta de evidências (casos documentados). Em geral, os porta-vozes de tais argumentos eram mem-bros de empresas fornecedoras de seguros, cujos in-teresses econômicos se chocariam com os limites im-postos pela lei a ser criada. Apesar de frágeis, os argu-mentos dos opositores sempre mereceram cuidadosas respostas dos defensores da lei, os quais se baseavam em evidências históricas e dados de pesquisas para contra-argumentar.

No livro são citados diferentes casos de discrimina-ção genética ocorridos no território estadunidense, tais como: restrições de direitos trabalhistas e acesso a se-guros no caso de pessoas com doença de Huntington; elevadas quantias exigidas pelos planos de saúde às fa-mílias com histórico de câncer de mama; e dificuldades ou mesmo proibição impostas pelos planos de saúde em aceitar o ingresso de indivíduos cujo histórico fami-liar marcado por doenças genéticas era conhecido. As pessoas que se dispuseram a revelar suas experiências contribuíram com evidências necessárias à criação da lei federal. É mencionado o reduzido número de casos documentados de discriminação genética no decorrer dos debates ou mesmo na literatura. Uma das hipó-teses consideradas para explicar a escassez de casos conhecidos seria a de que as vítimas de discriminação genética relutariam em compartilhar suas histórias de-vido ao receio de sofrerem ainda mais opressão.

Assim como nos Estados Unidos, o fenômeno da discriminação genética está presente no Brasil. Em 2007, por exemplo, foi realizada uma reunião inter-ministerial com a presença de profissionais de saúde, pesquisadores e representantes do governo e de mo-vimentos sociais para discutir a discriminação sofrida por brasileiros que possuem uma característica gené-tica conhecida como traço falciforme. A reunião tinha o objetivo de discutir diretrizes destinadas à proteção das pessoas com o traço falciforme que vinham sendo impedidas de trabalhar nas forças armadas ou mesmo atuar como esportistas profissionais. Como resultado da reunião, foi publicado em 2009 o primeiro docu-mento oficial brasileiro onde o tema da discriminação

(2)

1262

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(6):1261-1265, jun, 2010

genética é indiretamente discutido, ao se traçar diretri-zes voltadas a não discriminação de pessoas com traço falciforme no trabalho e nos esportes.

Muito embora o livro represente uma importante ferramenta para se pensar o fenômeno da discrimina-ção genética, faz-se necessário reconhecer as diferen-ças entre Brasil e Estados Unidos, sobretudo, em rela-ção aos sistemas de saúde disponíveis nos dois países. Um dos elementos que contribuíram para o formato da lei estadunidense de combate à discriminação ge-nética foi o sistema de saúde privado e mercantilizado existente naquele país. A lei criada buscou assegurar o acesso de pessoas aos serviços de saúde desde que capazes de pagar pelos serviços privados disponíveis. No Brasil, porém, a saúde é um direito assegurado na Constituição, e existe um sistema de saúde público com acesso universal, apesar de uma parcela da popu-lação possuir planos de saúde privados. Nesse sentido, o fenômeno da discriminação genética no contexto brasileiro tenderia a se manifestar mais intensamente no mundo do trabalho e uma futura lei deveria estar atenta a tal especificidade. Entretanto, no futuro, a dis-criminação genética pode também ser uma pauta en-volvendo as empresas brasileiras de seguros privados, entre as quais já se discute a possibilidade de utilizar informação genética para determinar condições de acesso a seguros de vida.

Considerando-se a presença da discriminação genética no Brasil e a ausência de meios eficazes de proteção de pessoas com esse tipo de vulnerabilidade, o governo e a sociedade têm como desafio criar con-dições favoráveis ao avanço da ciência combinado à preservação de direitos das pessoas submetidas a tes-tes genéticos. O livro Genetic Discrimination pode ser considerado uma provocação para que se criem dire-trizes voltadas ao uso da informação genética em bene-fício da promoção da saúde. A preservação dessa meta depende, contudo, de como os países conseguirão me-diar interesses econômicos diversos cada vez mais pre-sentes e determinantes no campo da genética.

Cristiano Guedes

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. c.guedes@anis.org.br

Referências

Documentos relacionados

1 - Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses

A doença dissemi- nou-se rapidamente pelas ilhas do Oceano Pacífico sendo detectados em outubro de 2013 os primeiros casos na Polinésia Francesa (PF), onde a situação evoluiu

Foi neste contexto que o Governo da Província de Maputo, realizou na última segunda-feira, no Distrito de Boane, o IX Fórum Provincial de Concertação da Resposta Multis-

Por lo tanto, la superación de la laguna normativa existente en relación a los migrantes climático consiste en una exigencia para complementación del sistema internacional

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação

Este relatório apresentado no Conselho de Direitos Humanos pelo Relator Especial sobre direito à alimentação pode se tornar um marco neste processo de disseminação da

Neste momento a vacina com a melhor perspetiva de disseminação pelos cuidados de saúde é a M.vaccae, pela sua ação como vacina terapêutica, aguardando-se a sua

A Ética Resolvendo Conflito Entre Direito e Moral Nesse outro estágio percebe-se que a eticidade contempla um Estado em que suas leis não são sentidas como mera coerção ao