Economia e Sociedade, Campinas, Unicamp. IE. http://dx.doi.org/10.1590/1982-3533.2017v26n2art10
Economia e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 2 (60), p. 535-537, ago. 2017.
Ampliando a imigração ou criando um novo apartheid?
∗André Luís Cabral de Lourenço**∗
Lant Pritchett é um economista estadunidense que atua como professor da cadeira de Prática do Desenvolvimento Econômico na John Kennedy School of Government, em
Harvard. Sua obra “Let their people come: breaking the gridlock on global labor mobility”
foi publicada em 2006 pelo Center for Global Development. A persistente ausência de
convergência absoluta dos níveis de renda per capita entre países ricos e pobres, e o
consequente incentivo para a migração, garantem ao leitor que seu tempo será ocupado por um tema econômico de importância crescente para o presente século, como atestam as notícias quotidianas.
Com cerca de 150 páginas distribuídas ao longo de uma Introdução e 5 capítulos, a obra aborda a questão da mobilidade internacional da mão de obra tomando posição, desde o início, em defesa da generosa ideia da redução das barreiras legais à migração para os países desenvolvidos. E o faz de forma tal que, sem deixar de despertar o interesse acadêmico especializado, permite acesso profícuo a leitores sem contato prévio com o tema.
Logo na Introdução, Pritchett avalia que o principal modo pelo qual os países ricos prejudicam os pobres é através do bloqueio à entrada em seus territórios de trabalhadores de baixa qualificação. E que embora a liberalização dessa entrada seja “a coisa certa a fazer”, ela enfrenta um desafio político monumental, posto que as populações dos países ricos, em vasta maioria, estão fortemente imbuídas da noção de que ela seria desastrosa. O autor, porém, indica que esse quadro poderia ser modificado, pois a imigração favoreceria não apenas o desenvolvimento “pró pobres”, mas também porque ela atenderia aos próprios interesses dos mais ricos. E que o modo de fazê-lo consiste em buscar essa liberação na medida, grau e forma considerados politicamente aceitáveis pelos eleitores dos países ricos.
No Capítulo 1 se argumenta que, a despeito dessa resistência política, há forças econômicas “irresistíveis” que operam no sentido de ampliar a mobilidade internacional da mão de obra: 1) o grande e crescente hiato salarial entre países ricos e pobres; 2) o crescimento demográfico diferenciado entre os mesmos; 3) a tendência da globalização dos fluxos comerciais e de capitais promover também a da mão de obra; e 4) o crescimento continuado em países ricos da demanda por trabalho não qualificado em setores de serviços não comercializáveis e com lenta evolução da produtividade. Com exceção da terceira, as demais forças são apresentadas com razoável evidência empírica em suporte.
∗ Resenha de: Pritchett, Lant. Let their people come: breaking the gridlock on international labor mobility.
Washington, DC: Center for Global Development, 2006.
** Professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, Brasil.
André Luís Cabral de Lourenço
536 Economia e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 2 (60), p. 535-537, ago. 2017. O capítulo seguinte é dedicado ao estudo de uma quinta força atuante em prol da ampliação da mobilidade do trabalho, a discrepância entre a população efetiva e a desejada nos espaços nacionais. Esta última refletiria a real capacidade de certo território absorver mão de obra. Na medida em que em muitos países pobres a primeira seria significativamente superior à segunda, operaria uma substancial força de expulsão. O autor busca fornecer operacionalidade e robustez empírica ao conceito, o que parece, aliás, sua maior contribuição ao debate acadêmico.
Dedica-se o Capítulo 3 a identificar e avaliar as principais ideias (verdadeiras ou não) que se contrapõem àquelas cinco forças e respaldam, implícita ou explicitamente, a resistência política à maior mobilidade do trabalho: a) nacionalidade é considerada uma base moral legítima para a discriminação; b) obrigações morais com outros seres humanos não transcendem fronteiras nacionais; c) o desenvolvimento diz respeito exclusivamente a espaços nacionais, não a indivíduos; d) a mobilidade da mão de obra não é necessária (ou desejável) para melhorar as condições de vida; e) a maior imigração de trabalhadores não qualificados reduz os salários nos países receptores (e/ou aumenta o desemprego), deteriorando a distribuição de renda; f) imigrantes geram custos fiscais, pois os valores dos serviços públicos a eles providos superam o dos impostos por eles recolhidos; g) a ampliação da mobilidade da mão de obra aumenta o risco de crimes e de terrorismo; e h) a imigração gera choques culturais. Os itens de “e” a “h” são considerados particularmente problemáticos para as políticas pró imigração.
O penúltimo capítulo busca propor políticas que ampliem a mobilidade de mão de obra e, simultaneamente, acomodem as pressões antiimigração. Alguns princípios regentes para tais políticas são propostos, segundo os quais elas devem: 1) resultar de acordos bilaterais; 2) ser temporárias; 3) estabelecer quotas quantitativas de imigrantes (por categoria de trabalho e/ou região de destino); 4) engajar o país emissor no esforço de cumprimento do acordo; 5) prover proteção aos direitos fundamentais dos imigrantes; 6) maximizar o impacto no desenvolvimento do país emissor. Em suma, se propõe uma ligeira e fortemente controlada ampliação na mobilidade internacional da mão de obra, considerada a única possibilidade de fazer a agenda avançar.
O Capítulo 5 é um resumo dos principais pontos do livro.
É incontestável que a obra de Pritchett cumpre a função essencial de chamar a atenção para um tema frequentemente subestimado na discussão convencional sobre desenvolvimento. Ela também constitui uma útil síntese dos principais aspectos envolvidos no debate, com uma razoável análise dos interesses e preconceitos envolvidos.
Resenha: Let their people come: breaking the gridlock on international labor mobility
Economia e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 2 (60), p. 535-537, ago. 2017. 537 adequadas para lidar com o fenômeno, aumentando a resistência política à maior liberdade de movimentação internacional.