• Nenhum resultado encontrado

A pesquisa que o país precisa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "A pesquisa que o país precisa"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

A pesquisa que o país precisa

o mesmo tempo em que a capacidade brasileira de fazer ciência tem crescido e aumentado de peso no cenário in- ternacional, a capacidade de produzir tecnologia mostra- se substancialmente menor no país. A análise das atividades de pes- quisa e desenvolvimento – P&D – no Brasil, com ênfase no papel de cada uma das instituições envolvidas – a universidade, a empresa e o governo – pode definir caminhos para impulsionar esse importante fator de desenvolvimento.

A

por Carlos Henrique de Brito Cruz UNICAMP ECONOMIA

O conhecimento, que sempre foi um dos principais insumos para a geração de riqueza e bem-estar social, passou a ser reconhecido como tal a partir da recente revolução da infor- mação. Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve dos EUA, tem destacado que “os avanços tecnológicos dos últi- mos anos permitiram às indústrias norte-americanas operar

com maior produtividade, contribuindo para a maior pros- peridade já experimentada pelo mundo”. David Landes, au- tor de A riqueza e a pobreza das nações, destaca mais contun- dentemente o valor do conhecimento, referindo-se à neces- sidade de um país ter criadores de conhecimento para se desenvolver: “se você não tiver cérebros, está acabado”.

(2)

A capacidade de uma nação gerar e converter conheci- mento em riqueza e desenvolvimento social depende da ação de alguns agentes institucionais. Os principais agentes que compõem um sistema nacional de geração e apropriação de conhecimento são as empresas, as universidades e o gover- no. “Que papel se deve esperar de cada um” e “qual é o papel desempenhado por eles em nosso país” são as questões para as quais este artigo busca contribuir com respostas, ainda que parciais.

No Brasil, o debate em torno da importância das ativida- des de pesquisa científica e tecnológica tem, historicamente, ficado restrito ao ambiente acadêmico. Esse fato, por si só, já é um indicador da principal distorção que sofremos, qual seja: em nosso país, a quase totalidade da atividade de pes- quisa e desenvolvimento ocorre em ambiente acadêmico ou em instituições governamentais. Ao se focalizar a atenção quase que exclusivamente no componente acadêmico do sis- tema, deixa-se de lado aquele que é o componente capaz de transformar ciência em riqueza – o setor empresarial.

Internacionalmente, a categoria “cientistas e engenhei- ros” – C&E – é usada para descrever as pessoas que condu- zem atividades de pesquisa e desenvolvimento. Uma esti- mativa do número de cientistas e engenheiros atuantes em

P&D no Brasil deve necessariamente incluir todos os pro- fissionais envolvidos em cada instituição brasileira que rea- liza atividade de pesquisa científica ou desenvolvimento tec- nológico. São 893 instituições de ensino superior, 55 insti- tutos de pesquisa federais e estaduais, 48 centros de pes- quisa e desenvolvimento estatais e 651 empresas privadas que mantêm atividades de P&D. Este último grupo, segundo levantamento da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvol- vimento e Engenharia das Empresas Inovadoras – Anpei –, é responsável por 49,75% do PIB industrial brasileiro.

Vê-se no Quadro 1 a dis- tribuição, nessas instituições, dos cientistas e engenheiros que fazem P&D no Brasil, compa- rativamente aos EUA. Nota-se que, além dos 77.861 C&E contabilizados no quadro, há no Brasil 62.613 estudantes de pós-graduação que, entretanto, não se dedicam em tempo integral à atividade de P&D por estarem ainda em formação.

O número total de profissionais ativos em P&D no Brasil pode ser considerado muito pequeno quando comparado com os números de outros países, constituindo apenas 0,1%

do total da força de trabalho brasileira.

Em uma comparação internacional, vemos que nos EUA e no Japão quase 0,8% da força de trabalho atua em P&D, enquanto na Coréia do Sul, um de nossos competidores por mercados de produtos de alta tecnologia, o patamar mais modesto de 0,4% corresponde a quase o quádruplo do que ocorre no Brasil. A média da força de trabalho atuante em P&D nos países industrializados é de 0,54%.

Quadro 1:

Distribuição institucional dos C&E profissionais no Brasil e nos EUA

BRASIL EUA

73%

16%

11%

100%

Docentes em universidades Universidades Federais Universidades Estaduais Universidades Privadas

Centros e instituições de pesquisa (sem fins lucrativos) Centros de pesquisa de empresas privadas

Total

56.760 32.652 17.062 7.046 12.336 8.765 77.861

13%

7%

79%

100%

128.000

70.200 764.500 962.700

Ao contrário do que imagina o senso comum

em nosso país, a inovação tecnológica é criada

muito mais na empresa do que na universidade.

(3)

A pequena quantidade de C&E no Brasil ressalta a im- portância da continuidade à ênfase nas políticas de forma- ção dessas categorias. Mas é também relevante analisar a distribuição institucional de tais pessoas, isto é, onde atuam os C&E brasileiros. No Brasil, 73% dos C&E trabalham para instituições de ensino superior como docentes em re- gime de dedicação exclusiva ou tempo

integral, enquanto apenas 11% traba- lham para empresas.

Ao contrário do que acontece no Brasil, nos EUA a enorme maioria tra- balha para empresas, atingindo a es- pantosa cifra de 764,5 mil C&E in- dustriais. Essa distribuição repete-se, com pequenas variações, em todos os países industrializados. O Gráfico 1 re-

sume a distribuição institucional dos C&E ativos em P&D em vários países e, para efeito de comparação, também no Brasil.

A pequena quantidade de C&E nas empresas brasileiras acarreta uma série de dificuldades para o desenvolvimento econômico, como a baixa competitividade tecnológica da empresa nacional e a reduzida capacidade do país em trans- formar ciência em tecnologia e riqueza.

Pode-se argumentar que comparar o Brasil a países de industrialização consolidada é inadequado. Entretanto, mes-

mo na comparação com países de industrialização recente, a situação brasileira é extremamente desfavorável. Enquanto os sul-coreanos, por exemplo, têm quase 75 mil C&E geran- do inovação na empresa, no Brasil há menos de 9 mil. Essa deficiência causa profundos danos à capacidade de competir da empresa brasileira.

É preciso destacar que, ao contrário do que imagina o senso comum em nosso país, a inovação tecnológica é cria- da muito mais na empresa do que na universidade. No Brasil, ainda prevalece a tendência de atribuir à universi- dade a responsabilidade pela inovação que fará a empresa competitiva. Trata-se de um grave equívoco que, se leva- do a cabo, poderá causar dano profundo ao sistema uni- versitário brasileiro, desviando-o de sua missão específi- ca, que é educar profissionais e gerar conhecimentos fun- damentais.

Indústria Governo Univ. e outros 100

80 60 40 20 0

EUA Japão Alemanha França Inglaterra Itália Canadá Brasil

Gráfico 1: Distribuição dos C&E ativos em P&D em vários países

A missão da empresa na sociedade é a produção e a geração direta de riqueza, e a missão fundamental e singular da universidade é formar pessoal qualificado.

Realização de P & D

(4)

Pesquisa na universidade e na empresa. Já em 1776, Adam Smith observava que as principais fontes de inovação e aprimoramento tecnológico eram “os homens que trabalhavam com as máquinas e descobriam manei- ras engenhosas de melhorá-las, bem como os fabricantes de máquinas, que desenvolviam melhoramentos em seus produtos”.

Desde então o mundo mudou muito, mas vejamos o que nos diz o vice-presidente de Pesquisa da DuPont, Joseph Miller (aliás, quantas empresas no Brasil têm um vice-presi- dente de Pesquisa?): “A DuPont investe mais de US$ 1 bi- lhão por ano em pesquisa e desenvolvimento e emprega mais de 3 mil engenheiros e cientistas e 2 mil técnicos de suporte.

Dois terços deles trabalham em nossa Estação Experimental em Willmington, Delaware. Esse é o local de quase todas as nossas principais descobertas. Esse incrível registro de reali- zações é um tributo à vontade política da companhia de apoiar um empreendimento que é inerentemente imprevisível e ine- vitavelmente de alto risco”. O investimento da DuPont em pesquisa e desenvolvimento corresponde a 3% do faturamento da companhia.

Edwin Mansfield, da Universidade da Pensilvânia, reali- zou um estudo sobre as fontes de idéias para inovação tecno- lógica. Verificou que menos de 10% dos novos produtos ou processos introduzidos por empresas nos EUA tiveram con- tribuição essencial e imediata de pesquisas acadêmicas. Por- tanto, nove em cada dez inovações nascem na empresa. Diz ele: “a maioria dos novos produtos ou processos que não poderiam ter sido desenvolvidos sem o apoio de pesquisa acadêmica não foi inventada em universidades; ao contrário, a pesquisa acadêmica forneceu novas descobertas teóricas ou empíricas e novos tipos de instrumentação que foram usados no desenvolvimento, mas nunca a invenção específi-

ca ela mesma. Isso dificilmente vai mudar. O desenvolvimento bem-sucedido de produtos ou processos exige um conheci- mento íntimo de detalhes de mercado e técnicas de produ- ção, bem como a habilidade para reconhecer e pesar riscos técnicos e comerciais que só vêm com a experiência direta na empresa. Universidades não têm essa expertise e é irrealista esperar que possam obtê-la”.

Muita ênfase tem sido posta no Brasil na questão da interação universidade-empresa, como um deus ex-machina que viria a sanar as deficiências tecnológicas da linha de pro- dução. Além disso, mitificou-se essa interação como sendo uma fonte de recursos para as universidades, em substitui- ção aos recursos do governo, invocando-se a “experiência de universidades norte-americanas”. Ambos os conceitos fazem parte dos mitos e lendas brasileiros sobre ciência e tecnolo- gia. Basta ver que, dos US$ 21 bilhões contratados para pes- quisa em todas as universidades norte-americanas em 1994, apenas US$ 1,4 bilhão, ou seja, menos do que 7%, foi prove- niente de contratos com empresas. O MIT, que é uma das instituições campeãs de interação com empresas, captou 15%

de seu orçamento de pesquisa por meio de contratos desse tipo. Por outro lado, esse US$ 1,4 bilhão con- tratado por empresas com universidades repre- senta menos de 1,4% dos quase U$ 100 bi- lhões investidos em P&D nas empresas nos EUA naquele ano. Esse pequeno percentual confirma que a pesquisa de que a empresa pre- cisa é feita na empresa, por seus próprios cien- tistas e engenheiros.

O pequeno percentual de financiamento obtido da indústria pela universidade norte- americana parece estar relacionado com as diferenças institucionais intrínsecas à natureza da universidade e da em- presa. Enquanto a missão fundamental da empresa na socie- dade é a produção e a geração direta de riqueza, a missão fun- damental e singular da universidade é formar pessoal qualifi- cado. Um projeto de pesquisa só será adequado a essa missão quando contribuir para o treinamento de estudantes, o que restringe o número de projetos que sejam atraentes por parte das universidades. Mansfield destaca: “como vários líderes de indústria têm enfatizado repetidamente, um dos principais papéis da universidade no processo de mudança tecnológica é o de prover estudantes bem preparados”.

O principal mecanismo para a interação entre universidade e empresa é a

contratação dos profissionais formados

nas universidades pelas empresas.

(5)

Um desses líderes de empre- sa, ex-pró-reitor de pesquisa da Universidade de Stanford e cien- tista de renome na área de lasers e óptica não-linear, ao ser questiona- do sobre o papel dessa universida- de no sucesso do Silicon Valley, afir- mou: “O mito é que a tecnologia de Stanford criou o sucesso do Silicon Valley. Entretanto, um le- vantamento cobrindo 3 mil peque- nas empresas encontrou apenas 20 companhias que usaram tecnolo- gia vinda, direta ou indiretamente, de Stanford. A contribuição de Stanford para o Silicon Valley fo- ram estudantes talentosos e muito bem educados”.

É verdade que a interação uni- versidade-empresa é importante para a universidade na medida em que contribui para a melhor forma- ção dos estudantes – razão suficien- te para buscar sua intensificação;

também é fato que contribui para levar a cultura de valorização do co- nhecimento à empresa. Mas não se deve alimentar a ilusão de que essa interação resolverá os problemas de financiamento da universidade e de tecnologia da empresa. A verdade é que o principal mecanismo para a interação entre a universidade e a empresa é a contratação dos pro-

fissionais formados nas universidades pelas empresas.

Ainda que os números indiquem limitações intrínsecas na intensidade da contratação de projetos de pesquisa em- presariais por universidades, é preciso destacar que há várias outras modalidades de interação que podem e precisam ser mais exploradas no Brasil. Têm especial relevância as ativi- dades de consultoria nas quais o professor – ou a própria universidade – vende parte de seu tempo à empresa, fre- qüentemente realizando atividades na própria organização.

Mesmo que muitas universidades brasileiras tenham provi- sões legais para esse tipo de atividade, ela não tem sido mui- to intensa, seja porque a cultura acadêmica muitas vezes lhe impõe obstáculos, seja porque a demanda pela empresa tem sido reduzida. É claro que a atividade de consultoria só pode fazer sentido para a empresa quando esta tiver suas próprias atividades de P&D e necessitar de complementação ou co- nhecimentos específicos. Quando não existe P&D na em- presa, a consultoria tende a ser pouco efetiva.

(6)

A ciência brasileira avança, mas a competiti- vidade não. Um resultado da distorção na distribuição institucional de C&E no Brasil é que a ciência feita no país tem ocupado progressivamente mais espaço no panorama mundial, mas a competitividade da empresa e sua capacida- de de gerar riqueza não têm avançado na mesma velocidade.

Usando-se dados do Science Citation Index, verifica-se que o número de publicações de cientistas brasileiros cresceu de um patamar em torno de 2 mil por ano na década de 1980 para quase 7 mil trabalhos publicados em 1998 – valor mui- to superior ao dos vizinhos latino-americanos. Deve-se ob- servar, a esse propósito, o excepcional crescimento da pro- dução científica também na Coréia do Sul, que chegou a su- plantar o Brasil por volta de 1996. É notável que, mesmo naquele país, em que a maior parte dos C&E trabalha para empresas, a produção científica em revistas indexadas tenha experimentado crescimento intenso, saltando de menos de 200 publicações em 1980 para mais de 9 mil em 1998.

Na produção de inovação tecnológica os paralelos entre os dois países revelam distinções importantes. Uma maneira

internacionalmente reconhecida para medir a intensidade da inovação é a contagem do número de patentes registradas em mercados competitivos. No início da década de 1980, Brasil e Coréia registravam cerca de uma dezena de patentes anualmente nos EUA. A partir de 1985, o crescimento do número de patentes coreanas evoluiu de maneira fortemente correlacionada ao investimento empresarial em P&D. No ano 2000, as aproximadamente 3,5 mil patentes coreanas registradas nos EUA correspondiam a um investimento de US$ 10 bilhões em P&D. Sendo a maior parte do investi- mento em P&D a parcela correspondente ao pagamento de salários dos C&E, a curva crescente de investimento empre- sarial em P&D descreve o aumento no número de C&E tra- balhando para empresas na Coréia do Sul. É fácil imaginar que mais pesquisadores terão mais idéias e, portanto, gera- rão mais patentes. Por outro lado, as curvas correspondentes ao Brasil demonstram como o reduzido número de C&E empresariais resulta em um pequeno número de patentes – apenas 550 no ano 2000, em relação a um dispêndio empre- sarial em P&D de não mais que US$ 150 milhões.

Quadro 2:

Fontes financiadoras e executores de recursos de C&T nos EUA em 1998 (valores em milhões de dólares)

Executado por

FINANCIADO POR GOVERNO EMPRESAS UNIVERSIDADES OUTROS TOTAL Valor financiado

Governo Empresas Universidades Outros

66.930 17.189 24.589 21.075 4.077

149.653 0 146.706 1.896 1.051

4.979 0 0 4.979 0

3.542 0 0 1.840 1.702

225.104 17.189 171.295 29.790 6.830

Fonte: Science and Engineering Indicators. Washington, DC : National Science Board, 1996.

Quadro 3:

Fontes financiadoras e executores de recursos de P&D no Brasil em 1996 (valores em milhões de dólares)

Executado por

FINANCIADO POR GOVERNO EMPRESAS UNIVERSIDADES OUTROS TOTAL Valor financiado

Governo Empresas Universidades Outros

3.166,75 722,67 481,33 1.962,75 n.d.

1.874,30 0 1.874,30 0 n.d.

151,55 0 0 151,55 n.d.

n.d.

n.d.

n.d.

n.d.

n.d.

5.192,59 722,67 2.355,63 2.114,29 n.d.

Fonte: Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia, 1990-1996. MCT, 1998.

EXTERIOR n.d.

n.d.

n.d.

n.d.

n.d.

(7)

Ocorre que patentes são um produto tí- pico do ambiente de P&D empresarial, e não do ambiente acadêmico. Em 1994, das 53.236 patentes registradas nos EUA, 1.604 são ori- ginárias de universidades – apenas 3% do to- tal. Um levantamento feito em 25 universida- des norte-americanas mostra que, em 1994, cada uma dessas instituições registrou, na média, 25 patentes ao longo do ano. Apenas seis universidades registraram mais de cem patentes naquele ano. Mesmo que as univer- sidades busquem ampliar seus registros de propriedade intelectual, ainda assim a natu- reza da instituição universitária exige abertu- ra e ampla divulgação dos resultados. Essas seis universidades norte-americanas que re- gistram cem ou mais patentes publicam, anual- mente, milhares de artigos científicos divul- gando seus resultados. Ou seja, o volume de patentes tem relação direta com o fluxo de publicações científicas. Embora o Brasil apa- reça no mapa da ciência mundial com uma participação de 0,1% no total de artigos pu- blicados, no mapa da tecnologia mundial sua presença é quase imperceptível – resultado direto do pequeno número de C&E ativos em P&D nas empresas.

O investimento em P&D no Brasil.

O primeiro cuidado neste ponto é o de iden- tificar corretamente o investimento em P&D,

que é diferente do investimento em ciência e tecnologia – C&T –, tradicionalmente divulgado no Brasil. Os manuais editados pela Organização para Cooperação e Desenvol- vimento Econômico – OCDE – estabelecem as definições das categorias de interesse relacionadas às estatísticas so- bre insumos e resultados em C&T e também em P&D.

Para estabelecer referências internacionais adequadas, é essencial cuidar da compatibilidade das definições das ca- tegorias que estão sendo medidas.

A categoria C&T é definida de maneira bem mais am- pla do que a categoria P&D. Na verdade, a categoria C&T compreende e excede a P&D. De forma simplificada, po-

demos atribuir à categoria P&D as atividades criativas re- lativas à C&T: o investimento para criar conhecimento e tecnologia pertence à categoria P&D e também à catego- ria C&T, enquanto que o investimento para comprar tec- nologia pronta pertence à C&T mas não à P&D. Muita confusão tem sido feita no Brasil entre essas duas catego- rias, e freqüentemente têm sido comparados dados brasi- leiros relativos à C&T com dados relativos à P&D de ou- tros países. Apenas recentemente o Ministério da Ciência e Tecnologia passou a divulgar os dados de investimento em P&D brasileiros.

Além do cuidado com as categorias, o levantamento

(8)

dos indicadores relativos a investimentos nacionais em P&D deve buscar a identificação das fontes e dos executores do investimento. É fácil entender que, em geral, governos são fortes investidores, mas fracos executores; a execução dos recursos investidos pelos governos ocorre freqüentemente por universidades e empresas. O mapeamento correto des- sas funções é essencial quando se pretende conhecer em detalhe um sistema nacional de C&T e também quando se realizam comparações internacionais. O Quadro 2 mostra os dados sobre setor financiador e setor executor para o caso dos EUA.

Em 1998, pela primeira vez, o governo brasileiro pu- blicou um demonstrativo de executores e financiadores de P&D, baseados em dados levantados pela equipe de

indicadores do CNPq. O Quadro 3 mostra os dados rela- tivos ao ano de 1996 para os dispêndios na categoria P&D.

Ganhos do investimento em P&D. É importante mencionar alguns exemplos que ilustram que, quando a empresa tem uma política de valorização das atividades de P&D, contratando seus próprios C&E, há ganhos a serem obtidos. Há vários desses casos no Brasil – basta lembrar a tecnologia da Petrobrás para extração de petróleo em águas profundas, ou as empresas de base tecnológica em São Carlos e Campinas, nascidas em torno das universidades ali exis- tentes, bem como várias empresas do setor de alimentos e muitas outras que, diariamente, incorporam conhecimento a seus produtos e processos. Três exem- plos específicos podem ser destacados.

O primeiro é o do antigo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebrás, hoje Fundação CPqD. Ali se desenvolvem produtos e processos relacionados aos ob- jetivos da companhia, desde fibras ópticas e antenas até softwares para tarifação e ge- renciamento de sistemas telefônicos. Um dos projetos mais bem-sucedidos e de im- pacto facilmente mensurável vem sendo a Central Telefônica Trópico, desenvolvi- da por engenheiros formados principal- mente pela Escola Politécnica da USP, pela Unicamp e pelo ITA. Trata-se de uma cen- tral telefônica de processamento armaze- nado – CPA –, capaz de vencer concor- rências com tradicionais competidores in- ternacionais desse mercado, como a Ericsson, a NEC, a Philips e outros.

O segundo exemplo são os aviões da Embraer, destinados ao mercado de avali- ação regional, que vêm experimentando grande sucesso de vendas. Por trás dos projetos, estão engenheiros bem forma- dos pelo ITA e outras escolas de referên- cia, trabalhando em uma organização que valoriza P&D e gerando riqueza para o país e para a empresa.

GMB DIVULGAÇÃO

(9)

O terceiro exemplo é o da tecnologia de fabricação de fibras ópticas. Este envolve a participação da universidade, pois o projeto nasceu na Unicamp por meio de um convê- nio estabelecido em 1974 com a Telebrás. Esse projeto já foi descrito como um dos poucos exemplos, talvez o me- lhor, de programa de P&D bem-sucedido no país. Iniciado na universidade, passou para um centro de pesquisa de em- presa estatal; depois a tecnologia foi licenciada para empre- sas privadas, que passaram a cuidar dos futuros desenvol- vimentos.

Os programas da Fapesp. Desde 1995, em São Paulo, a Fapesp vem se preocupando em criar mecanismos para intensificar a disseminação do conhecimento, tornando-o

mais acessível a empresas e, mais recentemente, à adminis- tração pública.

O primeiro passo da Fapesp nesse sentido foi o Progra- ma de Parceria para Inovação Tecnológica – Pite. Tal pro- grama apóia projetos de pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos com alto conteúdo tecnológico ou no- vos processos produtivos, propostos conjuntamente por uma empresa de qualquer porte e uma instituição de pes- quisa do Estado de São Paulo. A Fapesp financia a parte do projeto a cargo da instituição universitária ou de pesquisa, enquanto a empresa parceira deve oferecer uma contrapartida financeira para custear a parte da pesquisa que lhe cabe desenvolver.

Desde sua implantação, já foram aprovados 48 proje- tos. É importante destacar que, para esse programa, a Fapesp desenvolveu uma nova série de critérios de análise, voltada à natureza específica de tais projetos, nos quais a relevância tecnológica, a aplicabilidade e o interesse da empresa par- ceira são itens novos de qualificação, que não existiam na análise dos projetos de natureza acadêmica. Nos 48 proje- tos contratados, a Fapesp está investindo quase R$ 10 mi- lhões, valor semelhante ao comprometido pelas empresas parceiras, implicando uma contrapartida empresarial mé- dia em torno de 50%. Esse percentual varia de projeto a projeto em função da análise feita pela Fapesp sobre o risco intrínseco da pesquisa a ser desenvolvida. A contrapartida empresarial varia de 84% a 25% do total. O valor médio de cada projeto é de R$ 400 mil e os projetos envolvem 12 instituições acadêmicas ou institutos de pesquisa, entre as quais, a USP – 21 projetos –, a Unicamp – nove projetos – e a Unesp – seis projetos.

O segundo programa, o de Ino- vação Tecnológica na Pequena Em- presa – Pipe –, foi iniciado em 1997 e apóia a pesquisa de inovação tec- nológica, diretamente na empresa, por meio da concessão de financia- mento ao pesquisador a ela vincu- lado ou associado. O alvo do Pipe são empresas com até cem empre- gados, dispostas a investir na pes- quisa de novos produtos de alto Tabela 1:

Distribuição das localidades-

sede das pequenas empresas com projetos contratados no programa Pipe da Fapesp (até março de 2002)

MUNICÍPIO QUANTIDADE

São Paulo 66

Campinas e região 48

São José dos Campos e região 26

São Carlos e região 19

Ribeirão Preto e região 6

Outras 30

Total 195

Tabela 2:

Formação dos líderes dos projetos do Pipe da Fapesp

GRADUAÇÃO DOUTORADO

USP 44 32 28

Unicamp 10 16 6

Unesp 5 2 3

Ifes e outras estaduais 20 18 8

Univ. Particulares 16 0 0

Univ. Exterior 5 6 16

Outras 1 0 0

Total 101 74 61

UNIVERSIDADE MESTRADO

(10)

conteúdo tecnológico ou processos produtivos inovadores, capazes de aumentar sua competitividade e sua contribui- ção socioeconômica para o país. O programa destina-se a apoiar pequenas empresas no desenvolvimento de pesqui- sas inovadoras sobre problemas em ciência, engenharia ou em educação científica e tecnológica que, em caso de su- cesso, tenham alto potencial de retorno comercial ou social.

Os pesquisadores envolvidos podem ser vinculados às em- presas ou estar de algum modo a elas associados para a realização do projeto.

O programa justifica-se por ser a inovação tecnológica um instrumento reconhecido para o aumento da competiti- vidade das empresas – condição para o desenvolvimento eco- nômico e social do Estado de São Paulo. Trata-se de criar condições para incrementar a contribuição do sistema esta- dual de pesquisa para esse desenvolvimento. Dispensando contrapartida e, por isso, dirigido exclusivamente a peque- nas empresas, o programa é complementar ao de financia- mento de projetos de pesquisa em parceria entre universida- de e empresa. Por meio desse conjunto de programas, a Fapesp busca induzir um aumento significativo do investi- mento privado em pesquisa tecnológica.

É interessante observar que há uma concentração notá- vel das localidades onde têm sede as empresas com projetos contratados em torno de universidades, o que é consistente com a discussão feita sobre o papel da universidade como formadora de pessoal e, por isso, habilitadora do desenvolvi- mento tecnológico. A Tabela 1 mostra que, dos 101 primei- ros projetos consolidados, 84 estão em municípios onde há tradicionais instituições públicas de ensino superior, co- nhecidas por sua qualidade.

Há limitações na contratação de

projetos de pesquisa empresariais por universidades, mas ainda assim há várias modalidades de interação que podem e precisam ser mais exploradas no Brasil.

O papel da universidade pública na formação do pessoal- líder desses projetos também é facilmente verificável. Dos 101 contratos do Pipe, 79 são encabeçados por profissionais que obtiveram sua graduação em universidades públicas. Obser- va-se também que, nesse programa, a Fapesp não exige titula- ção de doutor para os líderes de projeto, mas capacidade e experiência comprovadas no tema do projeto – Tabela 2.

O papel das empresas. A análise apresentada sobre as atividades e investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil permite concluir que, além de haver poucos cientistas e engenheiros atuantes em P&D, há um percentual muito reduzido dos que trabalham para empresas. Essa é uma das razões por que a competitividade tecnológica da empre- sa no Brasil ainda é pequena, o que pode ser verificado por meio da contagem do número de patentes nacionais registradas nos EUA. O pequeno número de C&E empresariais no Brasil correlaciona-se ao reduzido investimento empresarial em P&D. Nesse contexto, o esforço do poder público para a for- mação de recursos humanos qualificados – esforço que, mes- mo sofrendo descontinuidades, não pode ser considerado pequeno – acaba por ter pouca efetividade em trazer benefí- cios econômicos e sociais. A ciência brasileira tem avançado e obtido mais destaque internacional, mas a tecnologia não tem acompanhado essa evolução.

O grande desafio em P&D no Brasil hoje é criar um ambiente que leve a empresa a investir no conhecimento para aumentar a competitividade. O Estado brasileiro já realiza vultosos investimentos na formação de pessoal qualificado – o país forma atualmente 6 mil doutores por ano – e em pro- jetos de pesquisa fundamental e aplicada. Cabe à empresa aproveitar essas condições e convertê-las em competitivida- de, riqueza e desenvolvimento.

Para uma análise mais detalhada, ver capítulo do mesmo autor publicado no livro Ciência, tecnologia e sociedade – O desafio da interação, de Lucy Woellner dos Santos, Elisa Yoshie Ichikawa, Paulo Varela Sendin e Doralice de Fátima Cargano (Orgs.). Londrina: Iapar, 2002.

Referências

Documentos relacionados

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

São por demais conhecidas as dificuldades de se incorporar a Amazônia à dinâmica de desenvolvimento nacional, ora por culpa do modelo estabelecido, ora pela falta de tecnologia ou

Excluindo as operações de Santos, os demais terminais da Ultracargo apresentaram EBITDA de R$ 15 milhões, redução de 30% e 40% em relação ao 4T14 e ao 3T15,

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

esta espécie foi encontrada em borda de mata ciliar, savana graminosa, savana parque e área de transição mata ciliar e savana.. Observações: Esta espécie ocorre

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi