CANTE UM POEMA, CONTE UM CORDEL
SERNÍRAMES DE MENESES MATIAS Para os alunos (...) a escola poderá ser a úni- ca referência para a construção de um mode- lo de leitor e escritor. Isso só será possível se o professor assumir sua condição de locutor privilegiado, que se coloca em disponibili- dade para ensinar fazendo.
(Ministério da Educação 1998, p. 66).
Esta proposta de oficina que tem como foco a leitura de folhe- tos da literatura de cordel, faz parte das atividades que integram o Projeto Leituras da Tradição Oral e Folclórica, coordenado pela Pro- fessora Maria Isaura Rodrigues Pinto, na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atende ao objetivo de introduzir não só o cordel, mas também outros gêneros textuais que com ele se relacionam no âmbito sala de aula em práti- cas de leitura, de modo que o professor, juntamente com os alunos, sejam sujeitos ativos no processo de leitura, receptores (ao ouvir), locutores (ao ler) e praticantes (ao escrever). Tal proposta acompa- nha e ilustra a concepção de oficina formulada por Sonia Aparecida Lopes Benites e Rony Farto Pereira: “(...) instrumento capaz de pro- piciar o desejado desenvolvimento do sujeito, que só pode ocorrer pelo processo existencial, ou seja, vivendo” (Benites e Pereira, 2004, p.128).
Quando nos dispomos a realizar uma oficina de leitura, nos co- locamos, conforme explicitado nos PCNs (p.66), como locutores privilegiados, com instrumentos para o ensino da leitura, sem que estejamos afastados do processo, sendo, portanto, parte integrante e participativa dele, fazendo e não apenas dizendo o que precisa ser feito. Distanciamo-nos, assim, daquela antiga situação contraditória em que o professor não integrado às atividades de leitura, exigia que os alunos lessem. A oficina se apresenta, então, como uma opção de
“ensinar fazendo”, pois muitas devem ser as formas integradas de ensino da leitura.
Vários podem ser os focos das oficinas, a que nos propomos a realizar e que será descrita a seguir, tem por objetivo a exploração de recursos estéticos presentes na literatura de cordel, os elementos expressivos que compõem seus versos e estrofes de métrica regular.
Tal opção se deve ao fato, freqüentemente notado, de que nos- sos livros didáticos, apesar de incluírem diversos gêneros, “ignoram a diversidade e submetem todos os textos a um tratamento uniforme”
(Ministério da Educação, 1998, p. 70), o que pode ser caracterizado como um equívoco, já que não lemos uma narrativa de cordel da mesma forma que lemos um jornal, por exemplo. Portanto, os diver- sos gêneros precisam ter um tratamento específico e apropriado, sem que isso afete a capacidade intertextual que os gêneros possuem. O fragmento abaixo deixa claro o equívoco encontrado nos livros didá- ticos e seguido por muitos:
Produzir esquemas e resumos pode ajudar a apreensão dos tópi- cos mais importantes quando se trata de textos de divulgação ci- entífica; no entanto, aplicar tal procedimento a um texto literário é desastroso, pois apagaria o essencial – o tratamento estilístico que o tema recebeu do autor. (Ministério da Educação, 1998, p.70).
O cordel, como texto literário e poético que é, não pode ficar reduzido a estudos de variação lingüística, como acontece em muitos de nossos livros didáticos. Ao invés da ênfase no enfoque exclusi- vamente lingüístico, melhor seria explorar seus recursos literários e estilísticos.
À luz dessa perspectiva, buscaremos doravante situar os pas- sos da nossa proposta de oficina. O primeiro momento da oficina objetiva a descontração e o diagnóstico, sendo composto por situa- ções estimulantes e de sedução:
(...) é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler autonomamente é que re- side a possibilidade de, com a ajuda do professor e de outros lei- tores, desenvolver a competência leitora, pela prática da leitura.
Nessas situações, o aluno deve pôr em jogo tudo o que sabe para descobrir o que não sabe. (Id., ibid., p. 70).
A oficina terá início com a montagem do cenário, que neste caso será constituído por elementos que remetam às feiras, onde os cordéis são vendidos. Para a execução dessa atividade, serão prepa- rados varais, os quais serão pendurados ao redor da sala. Também
mentos presentes nas feiras e nos cordéis, como violões e persona- gens regionais. É importante que todos colaborem com a montagem cenográfica, para que o presente momento sirva como forma de inte- gração. Terminado o contato inicial, a oficina seguirá com a chamada para que os participantes digam poemas ou quadrinhas que tenham ouvido, ou com os quais tenham brincado na infância, podendo o professor, inclusive, ser o primeiro a dizer um poema ou quadrinha para incentivar os alunos. Em seguida, o professor perguntará se além de quadrinhas e poemas, eles se recordam de músicas curtas, canções de roda, acalantos e/ou travalínguas. O material resgatado pela memória será utilizado em brincadeiras sonoras, que serão reali- zadas pelos integrantes da oficina. A brincadeira musical seguirá com o professor dando ênfase às rimas, ao ritmo e aos gestos.
Passado o primeiro momento, que prima pela brincadeira e di- versão, o professor após ter captado alguns conhecimentos já trazidos pelos participantes, pedirá a todos que anotem num papel um poema ou fragmento de poema, que eles tenham ouvido, lido e gostado. Esta fase centra-se no enfoque da poesia. Junto aos participantes, o pro- fessor procurará construir conceitos de poesia. Para isso, promoverá um debate acerca do tema, levando os alunos à reflexão sobre o que é a poesia, de que formas ela pode acontecer, quem a concebe, onde ela pode ser encontrada, já que são inúmeras as possibilidades de concebê-la. Como diz Octavio Paz:
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucioná-
ria por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro (...) Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras;
criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Idéia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância...
(Paz, 1982, p. 15).
Subseqüente às reflexões, os textos escritos serão afixados no quadro ou nas paredes da sala. Então, cada aluno escolherá um e o lerá em voz alta e, em seguida, dirá o porquê da sua escolha. Assim, tornar-se-á possível captar as sensações e emoções dos alunos diante dos poemas lidos. Então, o professor apresentará para o grupo alguns poemas da literatura de cordel e outras formas de poema, para que as diferentes realizações poéticas possam ser lidas e apreciadas. Além disso, o professor também exibirá xilogravuras – imagens ilustrativas usadas nas capas dos folhetos de cordel, cuja técnica de elaboração é assim descrita por Mapurunga: “A imagem da xilogravura é talhada em madeira com qualquer instrumento cortante, de fio afiado, com o qual o artista vai abrindo sulcos para representar anjos e demônios, vaqueiros, bichos diversos e outras personagens que habitam os fo- lhetos de cordel.” (2005, p. 22). Após a exposição das xilogravuras, o professor solicitará aos participantes que ilustrem um dos poemas.
Ao final desta etapa, os trabalhos ficarão em exibição num varal de poemas.
Terminada esta fase, o professor abordará algumas questões relacionadas à temática, e aos recursos estilísticos que compõem os textos. A partir daí, serão observados os temas mais recorrentes nos
folhetos lidos e como eles são tratados na literatura de cordel e em outros gêneros.
Para finalizar esta primeira etapa, será realizada a brincadeira de rimar e, mais uma vez, se dará ênfase aos elementos sonoros pre- sentes nos poemas de cordel. Todos os participantes, um de cada vez, em voz alta dirão um verso, inventado na hora, que rime com o dito pelo colega anteriormente. Após completar a brincadeira, o grupo ouvirá uma música em que repentistas fazem os famosos desafios ou pelejas, compondo e cantando versos improvisados.
A fase a seguir priorizará o trabalho em grupo. Os grupos se- rão formados a partir da escolha de temas abordados nos folhetos.
Divididos os grupos e escolhidos os temas, o professor distribuirá folhetos variados para leitura. Será proposto aos alunos que leiam os poemas em grupo e organizem uma atividade, que poderá ser uma leitura dramatizada, uma apresentação musical ou de dança, um sa- rau, uma amostra plástica com ilustrações (xilogravuras) do poema, brincadeiras de mímica, enfim, algo criativo feito com base no texto.
Terminada a preparação dos trabalhos, o professor proporá uma conversa sobre o que foi observado nos textos: o trabalho ex- pressivo com a linguagem, as marcas estilísticas, e a estrutura do texto poético. Também serão levantadas questões sobre as similitu- des e as diferenças entre a linguagem poética do cordel e a da litera- tura canonizada. Porém, isso será feito de maneira informal, sem a necessidade da apresentação de conceitos e/ ou regras.
Como atividade final, os estudantes apresentarão, de forma festiva e ao som de música folclórica, os trabalhos resultantes das leituras dos folhetos pelas equipes.
Referências Bibliográficas
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros curriculares nacio- nais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portu- guesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 106p.
BENITES, Sonia e PEREIRA, Rony (Orgs). À roda da leitura: lín- gua e literatura no Jornal Proleitura. São Paulo: Cultura Acadêmi- ca; Assis: ANEP, 2004.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
MAPURUNGA, José. Conhecendo o cordel. Fortaleza: SESC Ceará, 2005.