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Sumário. Texto Integral

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 06P1955

Relator: SANTOS CARVALHO Sessão: 25 Maio 2006

Número: SJ20060525019555 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: HABEAS CORPUS

Decisão: DEFERIMENTO E SOLTURA DO REQUERENTE

HABEAS CORPUS COTA PROCESSUAL PRISÃO ILEGAL ERRO

PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE

Sumário

I - Uma ordem verbal consignada em “cota” pelo funcionário não tem

existência jurídica, já que não foi consignada em auto lavrado e assinado nos termos legais - Quod non est in acta non est in mundo.

II - Os funcionários de um estabelecimento prisional não podem alterar o

conteúdo de um mandado de libertação e têm de o cumprir, face à inexistência de outro mandado judicial que impeça ou obste tal umprimento.

III - Havendo um habeas corpus dirigido ao Presidente do STJ, o juiz do processo onde se invoca a ilegalidade da prisão esgotou o seu poder

jurisdicional nessa matéria, salvo para reconhecer o erro e ordenar a soltura imediata e, assim, evitar o prosseguimento da providência (art. 223.°, n.°s l e 2, do CPP); nunca para ordenar a prisão de quem já se

encontra ilegalmente detido.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA veio requerer ao Juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, por intermédio do seu Il. Advogado, habeas corpus em virtude de detenção ilegal, nos termos do art.º 220 e segs. do CPP, com a alegação de que não foram cumpridos no estabelecimento prisional os mandados de soltura emitidos no processo à ordem do qual cumpria prisão subsidiária de pena de multa,

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entretanto liquidada, tendo ficado em prisão à ordem de um outro processo, que se encontra em recurso no Tribunal da Relação do Porto, com o n.º

2256-06, sem que para tal tenha havido despacho judicial, nomeadamente, do Desembargador relator. A sua prisão actual deve-se, portanto, a ordem de entidade que não tem competência para tal, que se substituiu à autoridade judicial competente.

A Juíza de turno do TIC do Porto, após diligências sumárias, pronunciou-se no sentido de que não se tratava de um caso de detenção ilegal, mas de prisão ilegal, a que se aplica o disposto nos art.ºs 222.º e segs. do CPP, pelo que o requerimento deveria ter sido dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Porém, à cautela, interrogou o detido e, depois, informou que não ficou demonstrado que houvesse outro processo onde se tenha determinado a prisão preventiva do requerente para além do que corre termos no Tribunal de Santa Maria da Feira, no qual tal medida coactiva já foi substituída por outra não detentiva. E após a cessação dessa medida coactiva, o requerente cumpriu à ordem de um processo dos Juízos Criminais do Porto uma pena de prisão subsidiária da pena de multa que aí lhe fora aplicada. Mas, tendo o requerente pago a multa, foi ordenada a sua libertação, que contudo não veio a ser

concretizada, porque um Juiz Desembargador da Relação do Porto, relator de um recurso que incide sobre condenação proferida em Vila Nova de Gaia, terá informado o estabelecimento prisional de que a prisão preventiva teria de se manter até outra ordem. Contudo, não há conhecimento de que tenha sido aplicada ao requerente a medida de prisão preventiva nesse processo

proveniente de Vila Nova de Gaia. Finaliza, dizendo que não pode concluir que a prisão é ilegal, mas atendendo aos elementos recolhidos parece-lhe que o requerente terá razão, o que só pode ser decidido no habeas corpus a remeter para o Supremo Tribunal de Justiça.

Já neste Supremo, o relator remeteu fax ao Excm.º Presidente do Tribunal da Relação do Porto para que determinasse o imediato envio de cópia do

despacho ou acórdão que determinou que o requerente tenha ficado detido à ordem do recurso n.º 2256/06 da 4ª Secção dessa Relação.

O Excm.º Presidente do Tribunal da Relação do Porto, no mesmo dia (23 de Maio de 2006), “face à urgência do pedido, uma vez que o Juiz Relator não se encontra presente e a sua deslocação afigura-se difícil em tempo útil”, decidiu informar pelo seu punho os termos relevantes do processo, dos quais se

verifica que não foi ordenada a prisão preventiva do requerente, mas que, tendo o estabelecimento prisional perguntado se interessava a prisão, o M.º P.º promoveu que “deverá ser informado o E.P. de que a sua prisão preventiva terá de manter-se até que outra ordem seja transmitida” e, posteriormente, em cota lavrada no processo deu-se conhecimento, após contacto telefónico

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com o Sr. Juiz Relator, de que se devia informar o E.P. “nos precisos termos promovidos”. Então, o E.P. remeteu informação no sentido de que o arguido se encontra desde hoje (19-05-2006), preventivamente, à ordem dos vossos autos conforme mandados de desligamento. Em 22 de Maio de 2005, o M.º P.º

promoveu a manutenção da prisão preventiva, “dado que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coacção” e em 23 de Maio o processo encontrava-se concluso ao Desembargador Relator, para despacho.

No dia 24 do corrente, o Desembargador relator do processo n.º 2256/06 lavrou despacho em que apresenta a sua justificação para as ocorrências processuais, nomeadamente a indicação verbal que deu por via telefónica, reconhece que “a prisão preventiva daquele arguido não havia sido

determinada nos autos”, mas, “tendo em vista a situação ora constatada, e não tendo estado nem no espírito, nem na letra das promoções que antecede, ou na intenção do signatário derrogar a prisão preventiva ao arguido AA caso estivesse determinada”, decide, face ao risco de continuação criminosa e sendo dispensável a audição prévia do arguido, “vistos os princípios da

adequação e proporcionalidade e bem assim o contemplado nos art.ºs 191.º a 195.º, 202.º, n.º 1, al. a), 204.º, al. c), do CPP”, determinar a sua prisão

preventiva.

2. Convocada a secção criminal e notificados o M.º P.º e o defensor, teve lugar a audiência, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP.

Há agora que tornar pública a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.

O habeas corpus é uma “providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente

garantido...O seu fim exclusivo e último é, assim, estancar casos de detenção ou de prisão ilegais”.(1) .

Daí que os seus fundamentos estejam taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal e, assim, a ilegalidade da prisão deve provir de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.

Tem consagração constitucional, pois o art.º 31.º da CRP dispõe que «1.

Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou

detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. 2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. 3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória».

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Estão apuradas as seguintes incidências processuais:

- ao requerente foi aplicada a medida de prisão preventiva no âmbito do processo n.º 0000/04.1 GAVFR, do 2º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, mas tal medida foi substituída, em 18 de Maio de 2006, por apresentações periódicas;

- nesta última data, o requerente foi colocado à ordem do processo

0000/00.3SJPRT, do 3º Juízo Criminal do Porto, 2ª Secção, para cumprimento de prisão subsidiária da pena de multa;

- em 19 de Maio de 2006, o requerente pagou esta multa e, por isso, foram emitidos e enviados para o E.P. de Custóias, onde o requerente está detido, mandados de libertação;

- na mesma data, o E.P. de Custóias perguntou ao processo n.º 000/06 na 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual está a ser julgado o recurso movido pelo arguido contra uma condenação em 4 anos e 2 meses de prisão, por crime de roubo, proferida no processo 0007/04.1GCVNG da 2ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia, se interessava a prisão do requerente;

- nesse processo, o requerente estava sujeito a T.I.R. e nunca fora ordenada a sua prisão preventiva, nem mesmo depois da condenação em 1ª instância, - ainda na mesma data, o M.º P.º promoveu que “deverá ser informado o E.P.

de que a sua prisão preventiva terá de manter-se até que outra ordem seja transmitida”;

- de imediato, é lavrada cota no processo, dando-se conhecimento de que, por contacto telefónico com o Sr. Juiz Relator, este transmitiu de que se devia informar o E.P. “nos precisos termos promovidos”;

- no estabelecimento prisional, um funcionário riscou dos mandados de libertação emitidos pelo Juiz do 3º Juízo Criminal do Porto a palavra

“libertação”, que substituiu pela palavra “desligamento” e uma outra

funcionária lavrou certidão, com data de 19 de Maio de 2006, de que o recluso AA não foi libertado mas sim desligado do processo n.º 1119/99.3SJPRT do 3º Juízo Criminal do Porto, 2ª Secção e colocado à ordem do processo n.º

Recurso Penal 2256/06 do Tribunal da Relação do Porto, 4ª Secção;

- em 22 de Maio, o processo n.º 2256/06 da Relação do Porto recebeu a

informação de que o requerente está preso preventivamente à sua ordem, são juntos os referidos mandados de “desligamento” e, nessa data, o M.º P.º

promove a manutenção da prisão preventiva, “dado que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coacção”;

- em 23 de Maio, o processo encontrava-se concluso ao Desembargador Relator, para despacho;

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- em 24 de Maio, o Desembargador relator lavrou despacho no processo, de que deu conhecimento a este STJ por fax, onde apresenta a sua justificação para as ocorrências processuais, nomeadamente a indicação verbal que deu por via telefónica, reconhece que “a prisão preventiva daquele arguido não havia sido determinada nos autos”, mas, “tendo em vista a situação ora constatada, e não tendo estado nem no espírito, nem na letra das promoções que antecede, ou na intenção do signatário derrogar a prisão preventiva ao arguido AA caso estivesse determinada”, decide, face ao risco de continuação criminosa e sendo dispensável a audição prévia do arguido, “vistos os

princípios da adequação e proporcionalidade e bem assim o contemplado nos art.ºs 191.º a 195.º, 202.º, n.º 1, al. a), 204.º, al. c), do CPP”, determinar a sua prisão preventiva.

*

O art.º 28.º da Constituição só permite a prisão preventiva quando ordenada ou mantida por despacho judicial, devidamente fundamentado, dado tratar-se de uma medida extrema e gravosa para o direito à liberdade de que todos os cidadãos gozam.

Ora, o simples enunciado das incidências processuais demonstra que o

requerente, desde 19 de Maio de 2006 e até, pelo menos, 24 de Maio de 2006, ficou preso preventivamente à ordem de um processo onde nunca havia sido determinada ou mantida, por despacho judicial, tal medida coactiva.

Mesmo a ordem verbal do Desembargador relator do processo n.º 2256/06, de que se devia informar o E.P. “nos precisos termos promovidos”, não configura um despacho que ordena a prisão preventiva, pois apenas visou deferir uma promoção do M.º P.º destituída de qualquer sentido face ao conteúdo do processo, já que este pretendia a manutenção de uma medida coactiva que nunca antes fora decretada.

Para além disso, os despachos judiciais em regra são escritos e nos casos em que possam ser orais, são consignados em auto (art.ºs 97.º, n.ºs 3 e 4, e 96.º, n.º 4, do CPP).

Ora, uma ordem verbal consignada em “cota” pelo funcionário não tem

existência jurídica, já que não foi consignada em auto lavrado e assinado nos termos legais. “Quod non est in acta non est in mundo”.

Por outro lado, os funcionários do E.P. de Custóias não podiam alterar o conteúdo do mandado de libertação emitido pelo 3º Juízo Criminal do Porto e tinham de o cumprir, face à inexistência de outro mandado judicial que

impedisse ou obstasse a tal cumprimento. E, assim, o requerente devia ter sido libertado no dia 19 de Maio, mas não foi.

Estamos, deste modo, perante um caso de gritante ilegalidade da prisão do requerente, pois não foi ordenada por juiz competente e foi mantida até hoje,

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apesar de no processo ter sido junto um mandado de “desligamento” que nenhum juiz emitira e de constar que o arguido passara a estar preso

preventivamente à ordem desse processo sem qualquer reparo por parte dos Magistrados.

O despacho lavrado pelo Desembargador relator da Relação do Porto em 24 de Maio, no qual ordena tardiamente a prisão preventiva do requerente, carece de legitimidade e configura uma situação próxima do abuso de poder.

Na verdade, a Constituição da República Portuguesa só admite um meio de sanar a ilegalidade da detenção ou da prisão, que é a soltura imediata do detido, se necessário com pedido de habeas corpus (art.º 31.º).

Por outro lado, havendo uma providência de habeas corpus dirigido ao

Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz do processo onde se invoca a ilegalidade da prisão esgotou o seu poder jurisdicional nessa matéria, salvo para reconhecer o erro e ordenar a soltura imediata e, assim, evitar o

prosseguimento da providência (art. 223.º, n.ºs 1 e 2, do CPP). Nunca para ordenar a prisão de quem já se encontra ilegalmente detido.

Assim, a presente providência de habeas corpus deve ser deferida, nos termos da al. a), do n.º 1, do art.º 222.º do CPP, e o requerente deve ser restituído de imediato à liberdade.

3. Termos em que, tudo visto, deliberam neste Supremo Tribunal, após

audiência, em deferir a providência de habeas corpus requerida por AA, o qual deve ser restituído de imediato à liberdade.

Dê conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Direcção Geral dos Serviços Prisionais.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Maio de 2006

Santos Carvalho (relator) Costa Mortágua

Rodrigues da Costa Arménio Sottomayor

_________________________

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.(1) “Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, 1999, I vol., págs. 1063 e 1064.

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