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ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL QUEIXA DO OFENDIDO LEGITIMIDADE PARA RECORRER CASO JULGADO FORMAL

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 03P4187

Relator: OLIVEIRA GUIMARÃES Sessão: 16 Outubro 2003

Número: SJ200310160041875

Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC

RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO

FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO

ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL QUEIXA DO OFENDIDO

LEGITIMIDADE PARA RECORRER CASO JULGADO FORMAL

Sumário

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1- Os acórdãos (recorrido e fundamento) em causa:

O identificado A veio interpor recurso extraordinário para fixação de

jurisprudência, do Acórdão proferido, em 9 de Julho de 2002, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (e transitado em julgado), no âmbito do processo 10.580/01, da 5ª Secção daquela Relação.

Nesse aresto, considerou-se e decidiu-se o que passamos a certificar (cfr. Fls.

17 a 38):

Acordam em conferência, os Juízes da Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I

1- "A" veio apresentar em 18.05.99, contra B e mulher C, e D e marido E por entender que praticaram determinados factos que consubstanciam o típico ínsito no artº. 348º, nº. 2 do Código Penal (C.P.), ou seja, o crime de

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desobediência qualificada e 391º do Código de Processo Civil (C.P.C.).

Mais requereu a sua constituição como assistente.

2- Procedeu-se a inquérito tendo o denunciante sido admitido a intervir como assistente, por despacho judicial de 11.02.00.

3- Por despacho de 11.01.01, foi ordenado o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no artº. 277º, nº. 2 do C.P.P., por falta de indícios suficientes da prática pelos arguidos do denunciado delito.

4- A veio requerer a abertura de instrução, solicitando a realização de

determinadas inquirições, e pugnando pela pronúncia dos arguidos pelo crime de desobediência qualificada.

5- Declarada aberta a instrução foram realizadas diligências, procedendo-se a debate instrutório, tendo em 20 de Junho de 2001 sido lida a decisão

instrutória que entendeu:

- que o assistente carecia de legitimidade para ter sido constituído como tal, pelo que lhe era vedado requerer a abertura de instrução;

- que os factos alegados na queixa traduzem-se para além de prática de um crime de desobediência, na prática de um eventual crime de dano ou de usurpação de imóvel.

- E quanto a estes dois crimes não se pronuncia qualquer dos arguidos uma vez que o assistente ao ter intentado acção cível, renunciou nos termos do disposto no artº. 72º do C.P.P., à queixa pelo que se impõe a não pronúncia aliás já objecto de despacho de arquivamento do Ministério Público de 21.01.99.

6- Inconformado veio A interpor recurso desta decisão apresentando as seguintes conclusões de recurso (transcrição):

1º- O Recorrente foi admitido a intervir como Assistente no processo constituindo-se como tal quanto ao crime de desobediência qualificada.

2º- Tal foi assim pelo facto de na denúncia que deu casa ao presente processo apenas terem sido trazidos pelo Recorrente factos susceptíveis de serem enquadrados no tipo de crime de desobediência qualificada, sendo esse o crime identificado em tal denúncia.

3º- A admissão do Recorrente como Assistente pelo Meritíssimo Juiz a quo obteve o assentimento expresso do Digníssimo Procurador Adjunto do MP.

4º- O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo que admitiu a abertura da instrução admitiu, também expressamente o Recorrente como Assistente quanto ao crime denunciado de desobediência qualificada.

5º- O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo admitiu ainda implicitamente o recorrente a intervir nos autos como assistente, quando lhe deferiu a

reclamação apresentada a fls. ... do despacho que inicialmente indeferiu parte

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das diligências requeridas na instrução.

6º- Admitiu ainda o Recorrente como Assistente quando lhe permite intervir no interrogatório das testemunhas apresentadas, bem como quando o admitiu a intervir na discussão da produção de prova no debate instrutório e inclusive requerer outras provas.

7º- Proferiu assim o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo despacho de admissão da instrução e do próprio Recorrente como Assistente que transitou em

julgado.

8º- O trânsito em julgado de tal despacho obteve a força de caso julgado formal, com alcance a toda a fase do processo penal em que se insere.

9º- Assim o afirma o acórdão Relação de Lisboa de 1 de Outubro de 1997, publicado na CJ, tomo IV, página 147, cujo sumário é o seguinte: "A decisão que admita o assistente tem o valor de caso julgado formal subordinado à condição "rebus sic stantibus", ou seja, alterado o objecto da lide por efeito de acusação, se a relação processual de quem, até então interviera como

assistente for afectada, a sua posição processual, deve ser reapreciada em conformidade com a nova situação", "... a decisão que admitiu o assistente tem valor de caso julgado formal subordinado à condição "rebus sic stantibus". Ou seja, alterado o objecto da lide com a acusação, e a relação processual de quem interviera até então como assistente for afectada, deve ser reapreciada em conformidade com a nova situação a sua posição processual".

10º- Logo, não podia o Meritíssimo Juiz a quo ter voltado a apreciar uma questão já por si apreciada, muito menos visando alterar o sentido de tal decisão.

11º- Tal acto do Meritíssimo Juiz a quo é nulo por ofender a regra da decisão com força de caso julgado formal.

12º- Com o prosseguimento da fase da instrução no presente processo foi possível ao tribunal a quo obter indícios suficientes da prática de factos susceptíveis de serem configurados pela lei como crimes, senão mesmo foi possível descobrir a verdade material dos factos.

13º- Daí que, ainda que tivesse considerado o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo que não havia caso julgado do despacho que tinha admitido o Recorrente como Assistente, devia o tribunal ter pronunciado os Arguidos uma vez que tinha sido descoberta a verdade dos factos.

14º- Recorrente apresentou queixa nos finais de 1998 quanto a factos susceptíveis de enquadrarem o crime de dano e de usurpação de imóvel pp nos artigos 212º, 213º e 215º do CP.

15º- Os factos denunciados nessa queixa que correu seus termos junto do Ministério Público do Tribunal Judicial de Mafra sob o nº. 289/98.3GDMFR-A foram praticados antes da entrada em tribunal dessa queixa, bem como da

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providência cautelar não especificada para que os Arguidos se abstivessem de causar danos ao Recorrente.

16º- Os factos que integraram a denúncia do crime de desobediência que está na base deste processo foram praticados após a decretação e notificação aos Arguidos da providência supra referida.

17º- Na sequência da decretação da providência cautelar foi o Recorrente legalmente obrigado a propor a respectiva acção principal, nos termos do artigo 389º do C.P.C..

18º- Essa acção civil foi proposta ainda antes da prática pelos Arguidos dos factos que danificaram o património do Recorrente e que levaram à denúncia que está na base do presente processo.

19º- Tais factos encontram-se em parte confessados pelos Arguidos nos autos de declarações do inquérito.

20º- Tais factos constam dos depoimentos das testemunhas que foram ouvidas na fase da instrução.

21º- Assim não podia nem o Digníssimo Procurador Adjunto do MP, nem o Meritíssimo Juiz a quo considerar que com a proposição da acção principal, desistiu o Recorrente do seu direito de queixa quanto ao crime de dano e usurpação de imóvel.

22º- Tal argumento não serve nem para sustentar a desistência da queixa que deu azo ao processo crime com o nº. 289/98.3GDMFR-A, nem quanto aos factos praticados posteriormente à decretação da providência.

23º- No primeiro caso porque o Recorrente propôs a acção no cumprimento de um dever legal - obrigação - não propôs essa acção previamente à

apresentação da queixa, nem o pretendeu fazer com intenção de desistir do procedimento criminal.

24º- A interpretação que se faça do nº. 2 do artigo 72º do CPP em sentido contrário ao supra referido, de modo a abranger na sua previsão a desistência de queixa por efeito de proposição de uma acção civil em consequência da decretação de uma providência cautelar é inconstitucional por ofensa do acesso ao direito do Recorrente, artigo 20º da CRP.

25º- Relativamente aos factos praticados pelos Arguidos posteriormente à decretação da providência cautelar, não pode considerar-se que tenha havido desistência de queixa por efeito da proposição da acção civil (instância

principal) uma vez que a acção foi proposta antes da ocorrência de tais factos pelo que não foram os mesmos nela contemplados.

26º- Querendo ser coerente, a decisão do Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, com a posição que tomou face aos factos denunciados pelo Recorrente, devia o mesmo ter pronunciado os Arguidos quanto aos crimes de dano e usurpação de imóvel atendendo por um lado, ao testemunho que recebeu dos factos que

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lhe podiam subsumir e por outro ao facto de considerar que a decisão de

arquivamento tomada pelo MP não faz caso julgado formal (estando numa fase processual distinta - inquérito/instrução).

27º- Mas, muito mais longe poderia ter ido o tribunal a quo, é que se

considerava o Meritíssimo Juiz a quo que estavam alegados factos na denúncia e queixa do Recorrente que se podiam levar à pronúncia pelo crime de dano, tal só podia ser pelo crime de dano qualificado, atento o valor elevado do património destruído, veja-se o artigo 17º da denúncia apresentada em 18 de Maio de 1999.

28º- Sendo esse um crime de natureza pública não dependia de queixa, não podendo o respectivo processo ser arquivado pelo MP com base no argumento da desistência de queixa.

29º- O facto de um crime ser de natureza pública por não depender de queixa ou de acusação particular, não implica que o interesse tutelado seja

obrigatoriamente um interesse público.

30º- A revaloração de um ilícito de público para semi-público, não é mais do que uma mudança de gradação na sua valoração e não uma mudança

qualitativa e substancial do crime, que até mantém a sua previsão igual, não devendo assim relacionar-se obrigatoriamente crime público com interesse público directo.

31º- Na providência cautelar decretada, em que os requeridos foram obrigados a não praticarem quaisquer actos de qualquer natureza que

causassem ou provocassem danos na propriedade dos requerentes, o interesse tutelado é o interesse do particular violado no seu direito de propriedade, o qual é vítima do facto ilícito no caso concreto, ao qual não basta a tutela civil.

32º- De nada vale a decretação de uma providência cautelar, se a prática de um facto que a incumpre apenas tiver tutela civil, bem como pouco vale se não se entender que o interesse tutelado é o do particular, pois nesses casos não está o MP à altura de exercer a tutela penal do caso concreto.

33º- Se for interpretado o artigo 68º, nº. 1, alínea a) de forma a que seja legítimo impedir o particular ofendido, de se constituir como Assistente

quanto ao crime de desobediência qualificada p.p. pelo artigo 348º do CP, por remissão do artigo 391º do CPC, crime do qual o particular foi vitima, então essa interpretação é inconstitucional à luz do artigo 20º da CRP.

34º- É também inconstitucional a interpretação do artigo 77º, nº. 2 do CPP no sentido de face à obrigatoriadade legal de interposição de uma acção civil, no prazo de 30 dias após a decretação da providência cautelar, sob pena de esta caducar, tal injunção significar uma desistência de queixa do crime

denunciado e com ele relacionado.

35º- Existem indícios suficientes emergentes dos documentos juntos, bem

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como dos depoimentos registados, da prática pelos Arguidos do crime de desobediência qualificada, de dano simples, ou dano qualificado e de

usurpação de imóvel, pelo que deverão os Arguidos serem pronunciados pela prática de tais crimes."

Tendo corrigido a fls. 362 a conclusão nº. 33, por não ter indicado como pretendia a inconstitucionalidade da interpretação da norma do nº. 7 do artº.

32º da C.R.P..

7- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.

8- Na sua resposta, B e C vieram defender a manutenção do despacho que entendem não estar ferido de nulidade, nem infringir os preceitos legais invocados pelo recorrente.

9- Os denunciados D e E vieram apresentar as suas contra-alegações no mesmo sentido.

10- O Ministério Público na sua resposta veio apresentar as seguintes conclusões (transcrição):

"1ª- O facto que originou a instauração do processo de inquérito, foi a queixa de fls. 2 a 9, onde apesar de terem sido referidos danos praticados pelos denunciados, se concluiu que os factos denunciados na queixa eram

susceptíveis de integrar a prática de um crime de desobediência qualificada.

2ª- Não estando o Ministério Público vinculado à qualificação jurídica das partes, realizaram-se diligências a fim de serem colhidos elementos que permitissem a correcta delimitação dos crimes e subsunção dos factos ao direito, de modo a que a questão da legitimidade para a constituição como assistente estivesse devidamente documentada e fundamentada no processo.

3ª- De entre tais diligências, consta a inquirição do próprio ofendido perante a P.S.P., cujo auto consta a fls. 83, onde o mesmo afirmou expressamente que

"Continua a desejar procedimento criminal e ser indemnizado pelos danos causados e que os denunciados procedam à reparação e reconstrução do caminho...".

4ª- O processo passou a ter por objecto não só a prática do referido crime de desobediência, para o qual o ofendido não tem legitimidade para ser

constituído como assistente. Como ainda a prática de um crime de dano p. e p.

pelo artº. 212º do Cód. Penal, crime esse que reveste a natureza de crime semi-público, e para o qual o queixoso já possuía legitimidade para ser admitido a intervir nos autos na qualidade de assistente, dado ter alegado a sua qualidade de ofendido e lesado.

5ª- Com este enfoque que nos parece ser o correcto, não há qualquer necessidade de se entrar na discussão do efeito de caso julgado quanto à

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decisão que admitiu o ofendido a intervir nos autos como assistente. O mesmo foi bem admitido a intervir nessa qualidade, mas a sua legitimidade advém do denunciado crime de dano e circunscreve-se à actividade processual referente a este crime. Daí que toda a explanação efectuada na decisão ora sob recurso, seja inatacável.

6ª- Pelas razões doutamente referidas na decisão instrutória, que se perfilham, é de concluir que o assistente não tem legitimidade para requerer a fase de abertura de instrução quanto ao denunciado crime de desobediência.

7ª- A queixa objecto deste processo quanto a danos provocados na

propriedade do ofendido respeitariam a danos que teriam sido provocados após a prolação da decisão proferida na Providência Cautelar nº. 313/98

(decisão esta que não transitou em julgado e que acabou por ser revogada por sentença transitada em julgado cfr. fls. 259 a 263) danos esses que não teriam sido incluídos no pedido de indemnização civil deduzido na Acção Ordinária nº. 33/99.

8ª- Ora os danos referidos nos artºs. 17º e ss. da queixa - fls. 6, parecem estar já abrangidos pelo pedido de indemnização na referida Acção Ordinária, cfr.

fls. 164 a 166, danos esses que o A se propôs liquidar em execução de

sentença. E é bom de ver que estão já incluídos nestes danos, os dois cortes longitudinais, a destruição de chão datado de 1948, as miniaturas de moinhos, referidos novamente no artº. 17º e ss. da queixa de fls. 6.

9ª- Os únicos factos novos trazidos à apreciação, são os danos referidos no art.

24-A e 25 e só foram indicados após o encerramento do inquérito, com a apresentação do requerimento de abertura de instrução - cfr. fls. 209.

10ª- Mas o pedido deduzido sob a al. D) da acção principal cfr. fls. 167,

(reconstrução dos bens destruídos na propriedade com reposição da situação que existia antes dos danos, reposição esta a liquidar também em execução de sentença), é de tal forma abrangente que absorve todos os danos produzidos desde o início da prática dos factos imputados aos denunciados.

11ª- E sublinha-se ainda que os danos que teriam sido provocados no caminho respeitam a uma área de terreno em litígio, que o ofendido afirma ter

adquirido por usucapião.

12ª- Encontrando-se junto aos autos a fls. 250 a 263, a certidão da decisão da providência cautelar, com nota de trânsito em julgado de 15.01.2001, que julgou procedente a oposição deduzida pelos denunciados nestes autos e que, consequentemente, revogou a decisão de fls. 54 a 63 (e foi o alegado

incumprimento desta decisão que veio a ser revogada que deu origem à

queixa apresentada nestes autos), tendo sido relegada para a acção principal o conhecimento da alegada aquisição da parcela em litígio por usucapião.

13ª- Ora, sendo assim, bem andou o Mmo. Juiz ao concluir que tendo o

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assistente intentado a acção civil que corre termos no 2º Juízo deste Tribunal, sob. o nº. 33/99, onde deduziu pedido de indemnização civil quanto aos danos reclamados pelo ofendido, renunciou à queixa, nos termos do disposto no artº.

72º, nº. 2 do C.P.P..

14ª- Ao contrário do que é referido pelo assistente, não era obrigatório que o pedido de indemnização civil pelos danos fosse deduzido na referida acção civil, pois o ofendido poderia apenas ter-se limitado aos pedidos formulados sob as als. a), b), c), d) e f), de fls. 287 e 288, encaminhando o pedido de indemnização pelos danos, deduzido sob a al. e), para o processo penal, em obediência ao preceituado no artº. 71º do C.P.P..

15ª- Optou por deduzir o pedido em separado e tal opção implicou a consequência prevista no artº. 72º, nº. 2 do C.P.P..

16ª- A interpretação feita na decisão recorrida dos artºs. 72º, nº. 2, e 68º, nº.

1, al. a) do C.P.P. não viola os direitos, liberdades e garantias consagradas na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente não foi violado o direito do ofendido ao acesso ao direito e aos Tribunais, pois na verdade o mesmo recorreu aos Tribunais e expôs as suas pretensões, segundo a estratégia processual que julgou mais conveniente à defesa dos seus interesses.

17ª- As questões tratadas na douta decisão sob recurso foram, em nosso entender, correctamente decididas, não nos parecendo que tenha sido violada qualquer norma imperativa que tenha por efeito a procedência do recurso.

Razões pelas quais se entende que o recurso não merece provisão."

11- Subiram os autos a este Tribunal onde na vista a que corresponde o artº.

416º do C.P.P., a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu douto parecer, no sentido do recurso ser liminarmente rejeitado, uma vez que o demandante carece de legitimidade para se constituir como assistente nos autos, pelo que também carece de legitimidade para interpor o presente recurso.

12- Foi cumprido o artº. 417º, nº. 2 do C.P.P..

13- Efectuado exame preliminar, remeteram-se os autos para conferência.

14- Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II

1- Previamente ainda à apreciação das questões postas em recurso diremos o seguinte:

1.1- "A" veio apresentar queixa contra B e mulher C, e contra D e E

imputando-lhe a prática de factos, que na sua perspectiva, eram susceptíveis de integrar a prática de um crime de desobediência qualificada.

Procedeu-se a inquérito, tendo o Ministério Público no seu despacho de 11 de Janeiro de 2001 determinado o arquivamento dos autos por entender que não existiam indícios suficientes de que os arguidos tivessem praticado os factos

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que lhe eram imputados pelo denunciante. Este, por despacho proferido em 11 de Fevereiro de 2000, havia sido admitido a intervir nos autos como

assistente.

Inconformado com o despacho de arquivamento, veio o assistente requerer a abertura de instrução (cfr. fls. 202), a qual foi admitida, tendo sido efectuadas as diligências de instrução que então requerera.

Após estas diligências de instrução, realizou-se o debate instrutório tendo o Juiz "a quo" entendido, que por o assistente não ter legitimidade para se constituir assistente nos autos, atenta a natureza do crime denunciado, não podia requerer a abertura de instrução.

Ainda naquele despacho, Sr. Juiz pronunciou-se também quanto aos factos denunciados no inquérito, que havia corrido os seus termos sob o nº.

289/98.3GDMFR, que haviam sido já objecto de arquivamento por parte do Ministério Público, e que apesar de estarem relacionados com os factos denunciados nos presentes autos, não tinham sido apensados, pelo que não podiam ser objecto de nova apreciação, uma vez que após o despacho que determinou o seu arquivamento, não houve qualquer reacção relativamente ao mesmo.

O que na nossa opinião infringe o disposto no artº. 379º, nº. 1, al. c) do C.P.P., pelo que, tendo-se pronunciado sobre os factos de que não podia tomar

conhecimento, a sua decisão relativamente a esta questão, é nula.

Não colhe, portanto, quanto a este ponto a posição defendida pelo Ministério Público em 1ª Instância, que a decisão abrangia também factos integradores da prática de um crime de dano e não só de desobediência qualificada, pois lendo o despacho que determinou o arquivamento dos autos, (cfr. fls. 181 a 184) concluiu-se, que apenas se encontrava em análise saber se os arguidos tinham ou não praticado um crime de desobediência qualificada, por força do disposto no artº. 391º do C.P.C..

2- Apreciemos então, as questões postas em recurso, pela seguinte ordem:

- pode o denunciante, atenta a natureza do crime denunciado, constituir-se como assistente;

- uma vez admitido a intervir nos autos como assistente, se essa decisão forma caso julgado

- os factos apurados após a realização da instrução são ou não suficientes para imputar aos arguidos a prática de um crime de desobediência qualificada.

2.1- Diremos, em primeiro lugar que nos presentes autos, em que se analisa se existe ou não a prática de um crime de desobediência qualificada por força do já citado artº. 391º do C.P.C., o denunciante não tinha legitimidade para se

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constituir como assistente. Com efeito, o denunciante não é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, porque não é ofendido para efeito de constituição como assistente qualquer pessoa que tenha sido prejudicada com a prática de um delito, mas apenas e somente aquele que seja titular do interesse que constitui o objecto jurídico imediato desse delito. Ora, isto significa, que no caso presente tendo havido uma ordem ou mandado legítimo e regularmente comunicado e emanado de uma

autoridade competente, quem não obedecer a essa ordem legítima comete um crime de desobediência.

Vejamos:

Preceitua-se o artº. 68º, nº. 1, al. a) e cita-se:

"Podem constituir-se assistente no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:

a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação ..."

O conceito de ofendido, para efeitos de legitimidade para constituição de assistente, resultante da predita alínea a) coincide até com o conceito de

ofendido consagrado no artigo 113º, nº. 1, do C.P., para efeitos de legitimidade para apresentar queixa por crime cujo procedimento dela esteja dependente, nº. 1 esse em que se dispõe:

"Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a

incriminação".

Consagrando-se, pois, no citado artigo 68º, nº. 1, al. a) um conceito restrito de ofendido para efeitos de constituição de assistente (o titular do interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação), impõe-se afirmar que a pessoa ofendida para efeitos de constituição de assistente pode não coincidir com a pessoa lesada que sofre prejuízos pelo acto criminoso, bastando, para tanto, que os interesses desta pessoa não sejam os que a norma incriminatória visou especialmente proteger, e, assim sendo, nunca esta pessoa pode

constituir-se assistente mas apenas parte civil para efeitos de deduzir pedido de indemnização civil (1).

No caso, em apreço, tendo sido decidido em 18 de Dezembro de 1998, no âmbito de uma providência cautelar que os arguidos se deviam de abster de

"praticar quaisquer actos de qualquer natureza que causem ou provoquem danos na propriedade dos requerentes constituída por um prédio de habitação com a configuração de um moinho ...» e se se tivesse provado que os mesmos não acatando aquela ordem praticavam esses actos, então teríamos de

concluir que tinham praticado um crime de desobediência qualificada, pois

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tinham desobedecido a uma ordem legítima emanada de uma autoridade

competente. E assim sendo, facilmente se compreende que neste tipo de crime o que se visa proteger é o interesse do Estado no cumprimento rigoroso das ordens emanadas de quem tem legitimidade e competência para as proferir.

Ora, nos crimes contra o Estado, salvo disposição em contrário, ninguém pode constituir-se assistente, uma vez que o interesse protegido pela norma, é exclusivamente público.

Neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22/04/09, de 08/03/00 e de 25/06/97 e da Relação do Porto de 22/03/00, de 15/07/98 (2), segundo os quais no crime de desobediência "o interesse imediato que a lei quis proteger com a incriminação é a obediência às decisões judiciais que decretam uma

providência cautelar, só indirecta ou reflexamente se poderá falar em

"protecção de interesses próprios do denunciante".

E ainda:

"I- No crime de desobediência, o particular ofendido pelo incumprimento da ordem, não pode intervir nos autos como assistente, pois não é titular do

interesse que a lei especialmente quis proteger. II- No crime de desobediência tutela-se a autoridade pública ou os seus agentes e só reflexamente o

particular ofendido pelo não cumprimento da ordem dada por quem tem legitimidade para o fazer".

(...)

"I- O interesse que se visa especialmente proteger no crime de desobediência é o do Estado, nele não se surpreendendo qualquer preocupação de protecção de outros interesses, designadamente os das pessoas a quem, reflexamente, em segunda linha, o acatamento da ordem possa aproveitar, as quais não gozam, por isso, da faculdade de se constituírem assistentes".

(Ac. da Rel. do Porto de 15.07.1998) E. por último:

"I. O despacho que admite um sujeito processual como assistente, ainda que não tenha sido objecto de recurso, não forma caso julgado formal.

II. Assim, tendo sido constituído um assistente num processo em que ao arguido é imputado o crime de desobediência qualificada, deve ser rejeitado liminarmente o recurso movido por tal assistente contra o despacho de não pronúncia, pois nesse crime não pode haver lugar à constituição de

assistente".

(Ac. da Rel. de Lisboa de 08.03.2000) (...)

"O denunciante de um crime de desobediência p.p. pelo artº. 388º do CP de 1982, e actualmente pelo artº. 348º do CP vigente, alegadamente prejudicado

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pela conduta do respectivo agente, não tem legitimidade para se constituir assistente".

(Ac. da Rel. de Lisboa de 25.06.1997)

Embora reconheçamos que a jurisprudência não é unânime relativamente às pessoas ou mesmo a entidades que podem fazer valer os seus direitos no processo penal, sempre diremos que também não é uniforme o

posicionamento do legislador.

Se, por um lado é assaz generoso relativamente a determinados crimes,

nomeadamente em relação aos danos decorrentes de infracção, podendo todos aqueles que se acham lesados pelo crime vir aos autos pedir o ressarcimento dos prejuízos havidos - artº. 74º - já no âmbito estritamente penal, o legislador foi mais restritivo, ao confinar a intervenção a certas e determinadas pessoas ou entidades indicando-as no artº. 68º do C.P.P..

Pensamos, no entanto, que este pensamento não invalida a nossa posição: os particulares, no crime de desobediência, não podem ser considerados

ofendidos em sentido restrito, no sentido que lhe é dado pelo artº. 68º, nº.1, al. a) do C.P.P., cabendo ao Estado a tutela do interesse público.

Considera-se, assim, que não é admissível a requerida constituição de assistente.

Conclui-se, assim, e como muito bem decidiu o Sr. Juiz, na decisão recorrida, que o denunciante não podia ser admitido a intervir nos autos como

assistente, por carecer de legitimidade para tal.

2.2- Quanto à questão de saber se a decisão que admitiu denunciante a intervir nos autos como assistente forma caso julgado, tem-se entendido na Jurisprudência, que o despacho que admite um determinado sujeito processual como assistente, ainda que não tenha sido objecto de recurso, não forma caso julgado - cfr. neste sentido os acórdãos desta Relação de 25/6/91, in Proc. nº.

492 da 5ª Secção e de 15/1/92 in Proc. nº. 27132 da 3ª Secção.

Conclui-se, desta forma, que também nesta parte a decisão recorrida não merece qualquer censura.

2.3- E, concluindo-se que o denunciante carece de legitimidade para se constituir como assistente nos autos, conclui-se que o mesmo carece igualmente de legitimidade para interpor o presente recurso - cfr. neste sentido, os Acs. desta Relação de Lisboa de 8/3/2000, in Proc. nº. 666 da 3ª Secção; 30/6/99, in Proc. nº. 2020 da 3ª Secção, pelo que o recurso por si interposto deve ser liminarmente rejeitado.

(13)

2.4- Pelo que se torna despiciendo debruçarmo-nos sobre se efectivamente existem ou não, nos autos, factos suficientes para se concluir, que os arguidos tenham praticado um crime de desobediência qualificada.

III

Por todo o exposto, acordam os Juízes deste Secção em rejeitar liminarmente o recurso interposto, uma vez que o recorrente carece de legitimidade para recorrer, decorrente da sua falta de legitimidade para intervir como assistente nos autos.

Como fundamento, ofereceu, o sobredito recorrente, um outro acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (igualmente transitado em julgado), datado este de 1 de Outubro de 1997, no qual se entendeu e decidiu o que, de seguida, certificamos (cfr. Colectânea de Jurisprudência, Tomo IV, pág. 147 e, nestes autos, fls. 43-44):

SUMÁRIO:

A decisão que admita o assistente tem o valor de caso julgado formal

subordinado à condição "rebus sic stantibus", ou seja, alterado o objecto da lide por efeito de acusação, se a relação processual de quem, até então interviera como assistente for afectada, a sua posição processual, deve ser reapreciada em conformidade com a nova situação.

Acordam, em conferência, na Relação de Lisboa:

Na sequência de participação do Banco de Portugal após inspecção directa à

"...", se instaurou inquérito, em que era referenciado o envolvimento de ..., gerente bancário na Agência do Banco ..., em Algés.

O Banco ..., apresentou queixa, em 29 de Junho de 1989, contra o referido ..., denunciando a prática em co-autoria de vários crimes de burla e de corrupção, por actos praticados como gerente daquela agência bancária e

correlacionados com a referida empresa.

O queixoso ... requereu, oportunamente, a sua constituição como Assistente nos referidos autos, tendo sido admitido a intervir nessa qualidade, por despacho proferido na fls. 8518, quando o processo estava em fase de inquérito.

Findo o inquérito, o Ministério Público ordenou o arquivamento dos autos relativamente ao arguido ... e designadamente quanto aos factos denunciados pelo ... (cfr. a certidão de fls. 67 e certificada nas fls. 103 a 452 destes autos de recurso, que subiu em separado).

Foi recebida a acusação, tendo o processo seguido a tramitação adequada.

Por despacho proferido pelo Mmo. Juiz da 2ª Secção da 1ª Vara Criminal de

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Lisboa, em 4-10-96, a fls. 16811 do processo principal, se julgou cessada nos autos a intervenção do ... como assistente (cfr. fls. 11 e 129).

Inconformado com esta decisão, o ... recorre.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A prolação do acórdão final no processo principal não representa inutilidade superveniente do presente recurso, porque a isso se opõe a circunstância de o eventual provimento do recurso poder influir naquela decisão ou para o

recorrente - cfr. artºs. 752º, nº. 2, do C.P.Civil, aplicável "ex vi" do artº. 4º do C.P.Penal.

Assim, improcede a questão prévia suscitada pelo MP, nesta Relação.

Mostram os autos que:

- Encontrando-se o processo ainda em fase de inquérito, o ... requereu e foi admitido a intervir como assistente, ou seja, antes de formulada a acusação pública.

- O MP deduziu a acusação, no dia 17 de Julho de 1996, apenas contra o arguido ..., pelos factos descritos nos 526 artºs. da acusação (cfr. certidão de fls. 103 a 383), integrantes dos crimes de falência dolosa, burla agravada e falsidade de declaração.

- A decisão impugnada neste recurso foi proferida posteriormente, em 4 de Outubro de 1996, depois de recebida a acusação e admitidos os pedidos de indemnização formulados.

- Na sequência de promoções de fls. 59v e de fls. 453, do Exmo. Representante do MP junto desta Relação, com vista a colmatar deficiências da instrução do recurso, foram solicitadas ao tribunal de primeira instância as certidões juntas aos autos.

- Entretanto, foi efectuado o julgamento na primeira instância e proferido o acórdão certificado nas fls. 458 e ss., destes autos, o qual transitou em julgado, condenando o único arguido contra que fora deduzida a acusação.

Entende o recorrente ... que, tendo sido admitido, por despacho judicial não impugnado, a intervir como assistente, ficou precludida a possibilidade de ser reapreciada essa sua posição processual. Ou seja, defende o entendimento de que adquiriu, a partir desse momento e até final do processo, aquele estatuto processual. Que tal posição processual, uma vez adquirida, não pode ser afectada pelo devir da tramitação nem pelas decisões ou tomadas de posição que outros sujeitos processuais eventualmente venham a tomar no decurso do processo. Esta - diz - é uma das características e consequências da estrutura acusatória por que se pauta o Processo Penal Português.

Considera irrelevante o facto de a acusação se não dirigir também quanto ao arguido ... .

No acórdão desta Relação, relatado pelo ora relator, proferido em 15 de

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Janeiro de 1992, no Recurso nº. 27132 - 3ª Secção, se entendeu que «as decisões sobre legitimidade proferidas no decurso do processo penal não fazem caso julgado formal, devendo ser reapreciadas até à decisão final».

No artº. 68º, nº. 1, do C.P.Penal, se indicam as pessoas que podem constituir- se assistentes no processo penal.

O recorrente, reconhecidamente, aceita que após a formulação da acusação, deixou de se encontrar em qualquer das situações previstas nesse preceito ou em qualquer outro que especialmente lhe conferisse o direito de intervir como assistente.

Na expressão do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, p. 512,

«a nossa lei parte do conceito estrito de ofendido na determinação do círculo de pessoas legitimadas para intervir como assistentes em processo penal».

Não sendo o ... titular de interesse directamente protegido nem afectado por qualquer dos factos descritos da acusação, carece de legitimidade de

continuar a intervir como assistente.

Os assistentes têm, como dispõe o artº. 69º, do C.P.Penal, a posição de colaboradores do MP, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo.

O teor da acusação define e delimita os poderes de cognição do tribunal. Esta pode afectar a posição processual de quem até então tenha sido admitido como assistente. Se, face à acusação, deixam de se verificar os pressupostos legais da intervenção do assistente, esta intervenção deve cessar, por para tanto carecer de legitimidade.

Nos termos do disposto no artº. 311º, do C.P.Penal, o presidente do tribunal deve pronunciar-se sobre as questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que possa desde logo conhecer.

De acordo com o preceituado no artº. 660º, do C.P.Civil, aplicável "ex vi" do artº. 4º, do C.P.Penal, relativos as "Questões a resolver - Ordem do

Julgamento", a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

A questão relativa à legitimidade do assistente é uma dessas questões a apreciar prioritariamente.

Isso equivale a dizer que a decisão que admitiu o assistente tem valor de caso julgado formal subordinado à condição "rebus sic stantibus". Ou seja, alterado o objecto da lide com a acusação, e a relação processual de quem até então interviera como assistente for afectada, deve ser reapreciada em

conformidade com a nova situação a sua posição processual.

No caso vertente, tendo deixado de subsistir, após a acusação, os pressupostos que conferiam legitimidade ao ... para intervir como assistente, foi

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correctamente decidida a cessação dessa intervenção.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

2- A questão sobre a qual se pretende ver fixada jurisprudência:

Como resulta da recursória, reconduz-se a ela, em síntese, a saber: "se a decisão que admite o ofendido a intervir nos autos como Assistente, após transitar em julgado, forma ou não caso julgado formal" (cfr. fls. 3 a 5, sublinhado nosso).

3- Resenha dos passos processuais antecedentes, das decisões proferidas, dos pareceres exarados, das respostas e alegações oferecidas e da tramitação observada:

Neste Supremo Tribunal de Justiça, começou o Exmo. Procurador Geral Adjunto, após assinalar que "O recurso é tempestivo, o recorrente tem

legitimidade e ambos os acórdãos transitaram em julgado" (sublinhado nosso), por emitir o parecer que segue reproduzido (cfr. fls. 42):

Vem A interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Lisboa de 9.7.2002 (fls. 16-39), por se encontrar em oposição, quanto à mesma questão de direito, a saber, se a decisão que admite o denunciante como assistente forma caso julgado formal no processo, com o acórdão da mesma Relação de 1.10.97 (de que se junta fotocópia).

O recurso é tempestivo, o recorrente tem legitimidade e ambos os acórdãos transitaram em julgado.

Quanto à oposição:

Decidiu o acórdão recorrido que o despacho que admite alguém como

denunciante não forma caso julgado formal no processo (fls. 37), ao passo que o acórdão invocado como fundamento entendeu que essa decisão tem valor de caso julgado formal, mas subordinado à condição «rebus sic stantibus».

As decisões são, pois, opostas e foram proferidas no domínio da mesma legislação, ou seja, o artº. 68º do CPP e o artº. 672º do CPC.

Nestes termos, entendo que o recurso deverá prosseguir.

E, transitados os autos para decisão em conferência sobre a aventada oposição de julgados (cfr. artigo 440º, nºs. 3 e 4, do Código de Processo Penal), veio a julgar-se verificada aquela oposição, como se pode ver do acórdão prolatado (cfr. fls. 46-47):

(17)

Acordam no Supremo Tribunal de Lisboa:

"A", recorrente no proc. nº. 10580/01, da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão daquela Relação de 9 de Janeiro de 2002, alegando que está em oposição com o acórdão também daquela Relação de 1 (um) de Outubro de 1997, publicado na Col. De Jurisp., daquele ano, tomo IV, pág. 147, onde se decidiu que "a decisão que admita o assistente tem o valor do caso julgado formal subordinado à condição "rebus sic stantibus", ou seja, alterado o objecto da lide por efeito da acusação, se a relação processual de quem, até então, interviera como assistente for afectado, a sua posição processual deve ser reapreciada em conformidade com a nova situação".

No acórdão recorrido decidiu-se, porém, que "o despacho que admite um determinado sujeito processual como assistente, ainda que não tenha sido objecto de recurso, não forma caso julgado".

Na sua resposta, os recorridos preconizaram a necessidade de ser proferida uma decisão que uniformize a jurisprudência.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que as decisões, em apreço, são opostas, sendo proferidas no domínio da mesma legislação, ou seja, o artº. 68º do CPP e o artº. 672º do CPC, pelo que o recurso deverá prosseguir.

No exame preliminar, perfilhou-se idêntico entendimento.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

Analisados os textos e a respectiva fundamentação dos acórdãos, em apreço, verifica-se que os mesmos adoptaram soluções opostas sobre a mesma questão de direito: o despacho que admite alguém a intervir nos autos como

assistente, ainda que não tenha sido objecto de recurso, forma ou não caso julgado formal?

O acórdão fundamento opta pela afirmativa com subordinação à condição de rebus sic stantibus.

O acórdão recorrido opta pela negativa: tal despacho não forma caso julgado,

"tout court".

Em face do exposto, se decide reconhecer a existência de oposição de

julgados, devendo o recurso prosseguir nos termos e para os efeitos previstos nos artºs. 442º e segs. do Cód. Proc. Penal.

Anote-se, contudo, que esta decisão suportou uma declaração de voto

(subscrita pelo Exmo. Conselheiro Carmona da Mota) que importa recordar (cfr. fls. 48-48v):

O ora recorrente foi admitido como assistente durante o inquérito, em cujo

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objecto se continham - além de um crime de «desobediência qualificada» - um crime de «dano» e outro de «usurpação de imóvel» (fls. 18).

No decurso do inquérito, o MP, arquivou-o em 21Set99, por caducidade da queixa, relativamente aos crimes de «dano» e de «usurpação de imóvel» e, em 11Jan01, arquivou-o, por falta de indícios, quanto ao crime sobrante (ibidem).

Ora, quanto a esta última decisão, o assistente só lhe poderia obviar,

requerendo abertura de instrução (...), se respeitasse a crime «em relação ao qual o ofendido (...) tivesse capacidade para se constituir assistente» (3).

Mas não tinha. Nem o recorrente - que apenas pretende valer-se da

subsistência do despacho que o admitira a intervir nos autos como assistente - dela se arroga.

E o mesmo se diga, aliás, da sua legitimidade para recorrer do despacho (de não pronúncia) que, devido a essa «incapacidade», não dera seguimento ao requerimento de instrução por via do qual pretendia perseguir o arguido por crime de que não era «ofendido». Já que «o problema da legitimidade para recorrer não é um problema diferente da legitimidade para a constituição de assistente, antes é um mero corolário daquela legitimidade: o assistente só pode recorrer de decisões na estrita medida da sua legitimidade (portanto, por aqueles crimes em que, podendo, se tenha constituído assistente) (4).

De qualquer modo, não interessará praticamente ao ora recorrente (agora já no âmbito, não propriamente da legitimidade, mas do «interesse em agir») que o STJ venha a assentar jurisprudência - contra a que pressupôs o tribunal recorrido («O despacho que admite alguém como assistente, ainda que não tenha sido objecto de recurso, não forma caso julgado») - no sentido de que «a decisão que admita o assistente tem o valor de caso julgado formal

subordinado à condição rebus sic stantibus».

E isso justamente porque entre o momento da sua admissão como assistente (em que, no âmbito do inquérito, subsistiam crimes para cuja perseguição detinha, como ofendido, legitimidade) e o momento da decisão instrutória (em que apenas subsistia um crime - o de «desobediência» - de que o ora

recorrente não era «ofendido») se alteraram as circunstâncias (com o

despacho do MP que, em 21Set99, determinara o arquivamento do inquérito relativamente aos crimes de «dano» e de «usurpação de imóvel»).

Daí que qualquer das correntes jurisprudenciais ditas em oposição se mostre, concretamente, adversa ao interesse do ora recorrente: a do acórdão

recorrido, na medida em que recusou o efeito de caso julgado, em fase de instrução e de recurso, ao despacho que, no inquérito, o admitira como assistente; e a do acórdão fundamento, enquanto exige, para que esse efeito se protele, que entretanto se não alterem as circunstâncias que, a seu tempo, subjazeram ao despacho de admissão.

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Donde que o recorrente só gozasse, no caso, de «interesse em agir» se, na hipótese de recurso favorável, a respectiva decisão viesse a ser susceptível de se repercutir , conduzindo à sua revisão, na decisão recorrida (artº. 445º.1 e 2 do CPP). Mas, na realidade, o eventual provimento do recurso (quanto à

questão do alcance do «caso julgado» da decisão de admissão do assistente) não implicará necessariamente a revisão da decisão recorrida. E isso porque a negação do efeito de «caso julgado», no âmbito da doutrina perfilhada pela decisão recorrida, teria ocorrido igualmente se esta tivesse perfilhado a doutrina que o ora recorrente lhe opõe.

Isto é, o recorrente - ainda que viesse a obter neste recurso extraordinário uma decisão, quanto à questão controvertida, diversa da que fundamentou o acórdão recorrido - não lograria obter o resultado pretendido, ou seja, a revisão do acórdão recorrido em ordem à admissão da sua legitimidade para, desacompanhado do MP, «acusar» o arguido por «desobediência qualificada».

O recurso seria pois, creio, de rejeitar.

Na posterior sequência processual (agora já sob a égide do artigo 442º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Penal), alegou o recorrente A, nos moldes

seguintes (cfr. fls. 51 a 54):

"A", recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do douto acórdão deste Tribunal que admitiu o presente recurso, vem dar cumprimento ao disposto no artigo 442º, nº. 1 do Código de Processo Penal (CPP) o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

Alegações:

I. A contradição de julgados que há a dirimir pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça resume-se à questão de saber, se forma ou não caso julgado formal o despacho do Juiz que admite um sujeito a intervir nos autos como Assistente,

II. Em nossa opinião, tal decisão, se não tiver sido tempestivamente atacada por via de recurso jurisdicional, forma caso julgado no processo.

III. No acórdão de 1 de Outubro de 1997, o Tribunal da Relação tinha já como referencia outras decisões do mesmo Tribunal, em que se entendia que o despacho que admitia alguém como Assistente não ganhava força de caso julgado formal.

IV. Ainda assim e apesar de constar desse acórdão que tal circunstância era do conhecimento dos Digníssimos Desembargadores os mesmos entenderam reconhecer no mesmo a susceptibilidade do despacho que admite alguém a intervir nos autos como Assistente adquirir a força de caso julgado formal.

V. Serve a presente nota para frisar que foi deliberada, reflectida e bem

(20)

ponderada tal decisão.

VI. Do nosso lado concordamos com a tese defendida em tal acórdão, por nos ser sensível o problema da articulação da justiça com a segurança e certeza jurídica dos cidadãos.

VII. Tal valor é essencial num Estado de Direito Democrático atenta a

facilidade com que num sistema político desse tipo se pode alterar a ordem estabelecida, o que como é óbvio consideramos saudável desde que não leve à anarquia.

VIII. Num caso concreto, como é exemplo, o que aconteceu nos autos que trouxeram a presente questão, se se permite a quem preside ao processo, que altere a decisão já tomada de admitir a intervenção de alguém como

Assistente, é muito o prejuízo que se inculca à consciência de justiça do visado e por reflexo na comunidade em geral.

IX. Para mais quando, 1º estamos em fase de abertura de instrução e a mesma é requerida pelo Assistente, como aconteceu no caso dos autos; 2º o Ofendido foi admitido como Assistente, bem como o seu requerimento de abertura de instrução; 3º o mesmo interveio nas diligências realizadas; 4º reclamou das diligências que lhe foram negadas; 5º alegou no debate instrutório; 6º e esteve presente à decisão instrutória.

X. Acabar uma instrução como a que subjaz a estes autos com uma decisão instrutória em que não se conhece do fundo da questão porque se retira legitimidade ao Requerente da instrução para o feito, é de uma prepotência a toda a prova o que não pode ser consentido num ordenamento jurídico assente em pilares de segurança jurídica e democracia.

XI. Aceitamos que determinada decisão possa perder a força de caso julgado formal, fora de determinada fase processual, tomando como exemplo no processo penal, do inquérito, para a instrução desta para o julgamento, o que se poderá considerar como algo que altera as condições em que determinada decisão foi tomada, ou ainda alterado o objecto do processo crime, conforme referido no acórdão de 1 de Outubro de 1997.

XII. O que como supra se referiu não é o caso dos autos de onde emergiu a presente questão.

XIII. Dado que o ora Recorrente foi admitido como Assistente logo no início da Instrução por si requerida.

XIV. Ou seja, deve o despacho que admite alguém a intervir nos autos como Assistente, gozar de força de caso julgado formal subordinada à Cláusula

"rebus sic stantibus".

Conclusões:

1º- Entendemos que a jurisprudência a fixar quanto à questão em discussão e

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alvo de contradição de julgados deve seguir a linha do acórdão proferido a 1 de Outubro de 1997 pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

2º- Baseamos tal entendimento no dever de respeito pela segurança jurídica dos cidadãos e na defesa do princípio de que as decisões jurisdicionais devem primar pela coerência e estabilidade.

3º- Em caso algum se poderá deixar ao livre arbítrio do julgador a hipótese de alterar uma decisão já notificada ao destinatário e após o decurso do prazo em que este poderia legalmente reagir.

4º- Apenas no caso de existir alteração das circunstâncias de tomada de decisão, o que se verifica quando se altera o objecto em discussão num

processo, ou a fase processual do mesmo, poderá o julgador alterar a decisão tomada quanto à admissão daquele que já vinha intervindo nos autos como Assistente por razão de congruência com esta mudança de fundo.

5º- O mesmo é dizer que o despacho, transitado em julgado, que admite alguém a intervir nos autos como Assistente, goza de força de caso julgado formal, subordinado à cláusula "rebus sic stantibus".

Nestes termos requer-se a V. Exas. Se dignem proceder à fixação de

jurisprudência devendo em nosso entender optar por fazê-lo na linha do que vem defendido no âmbito do acórdão de 1 de Outubro de 1997 do Tribunal da Relação de Lisboa, pelas razões aí invocados e se nos permitem pelas que supra expusemos.

E igualmente alegou o Exmo. Procurador Geral Adjunto, o qual, revendo a posição assumida no seu parecer inicial de fls. 42, entendeu debitar o seguinte (cfr. fls. 61 a 66):

I. A questão

"A" interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (artº. 437º, nº. 1 do CPP) do Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 2002,

proferido no proc. 10580/01, da 5ª Secção (fls. 16 ss.), por se encontrar em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão da mesma Relação de 1 de Outubro de 1997, publicado na CJ, 1997, tomo IV, p. 146.

A divergência entre as decisões residiria no facto de o acórdão recorrido ter decidido que a decisão que admite o denunciante a intervir como assistente nos autos não forma caso julgado no processo, enquanto o acórdão invocado como fundamento entendeu que essa decisão tem o valor de caso julgado formal, mas subordinado à condição rebus sic stantibus.

Por acórdão de fls. 46 ss., foi julgada a existência de oposição de julgados, embora com voto de vencido.

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A questão que está aqui em causa é, pois, a de saber se o despacho que admite alguém como assistente em processo penal forma caso julgado no processo, e em que termos.

II. A questão prévia

A prolação do acórdão que se pronunciou pela oposição de julgados não obsta a que a questão seja reapreciada pelo plenário, por recurso subsidiário ao processo civil (artº. 766º, nº. 3 do CPC, na redacção anterior à reforma de 1995/96), conforme tem sido entendido uniformemente por este STJ.

E justifica-se essa reapreciação não só para análise do voto de vencido

mencionado, como para rectificação da posição assumida na promoção de fls.

42.

O voto de vencido recusa interesse em agir ao recorrente, com fundamento em que, qualquer que viesse a ser a decisão proferida, nunca o recorrente dela tiraria qualquer efeito útil, concretamente a admissão da sua legitimidade para intervir como assistente, pois está em causa apenas o crime de

desobediência qualificada, declarada que foi a caducidade da queixa contra os outros crimes indicados.

Analisado o acórdão recorrido (fls. 17-18), verifica-se, porém, que o recorrente apresentara denúncia apenas por esse crime de desobediência qualificada e que foi relativamente e esse mesmo crime que foi admitido como assistente.

Consequentemente, a procedência da tese que o recorrente defende, a do acórdão-fundamento, na forma como o recorrente o interpreta (ou seja, só a alteração das circunstâncias pode levar a retirar ao assistente essa condição), e na falta de alteração das circunstâncias que levaram à admissão do

recorrente como assistente, teria como efeito útil manter essa condição, e assim a revogação do acórdão recorrido.

Nesta perspectiva, o recorrente trá interesse em agir.

Porém, há que reanalisar os acórdãos postos em confronto em termos de apurar se a oposição entre eles é rela ou aparente.

Antes de mais, há que apurar se entre os factos de um e outro dos acórdãos existe uma similitude fundamental, pois só nessa hipótese, como se entende uniformemente neste STJ, se pode dizer que existe oposição entre as decisões contraditórias.

Analisado o acórdão recorrido, constata-se que o assistente foi admitido como tal no inquérito quando este era dirigido para a investigação de um crime de desobediência qualificada, crime esse denunciado pelo assistente. Tendo sido ordenado pelo MP o arquivamento dos autos, o assistente veio requerer a abertura da instrução, o que foi deferido. Só na decisão instrutória, o sr. JIC veio negar ao assistente legitimidade para se constituir como tal, com

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fundamento na inadmissibilidade legal de constituição de assistente no crime de desobediência, por ser crime eminentemente público, sem que tivesse havido, portanto, qualquer alteração das circunstâncias que levaram a que o assistente visse inicialmente reconhecida essa condição.

Por sua vez, o acórdão-fundamento reporta-se a uma situação em o assistente denunciara um crime de burla contra certo indivíduo, tendo sido admitido como assistente durante o inquérito. No entanto, no final do inquérito, o MP formulou acusação por burla, falência dolosa e falsificação contra outra

pessoa, deixando portanto o assistente de se encontrar numa situação que lhe conferisse legitimidade para se constituir assistente. Perante esta alteração de circunstâncias, o acórdão entendeu que deveria ser retirada ao assistente essa qualidade no processo.

Estamos assim perante factualidades muito diferentes. E em termos tais que as posições assumidas em cada um dos acórdãos só aparentemente são contraditórias. Na verdade, perante a hipótese do acórdão-fundamento, o acórdão recorrido claramente tomaria a mesma posição, ou seja, de decidir a cessação da intervenção do assistente como tal.

Por sua vez, não se pode afirmar com segurança qual seria a posição do acórdão-fundamento perante a hipótese do acórdão recorrido. Isto porque o acórdão-fundamento apreciou um caso em que a constituição como assistente, estando em causa um crime de burla, não suscitava qualquer dúvida. Porém, no caso do acórdão recorrido, estamos perante um crime de desobediência, face ao qual, conforme é entendimento unânime da jurisprudência, e também da doutrina, não é admissível a constituição de assistente. Teria o acórdão- fundamento mantido a tese da salvaguarda do caso julgado formal nestas circunstâncias? Não se sabe... A perplexidade aumenta se repararmos que nos seus considerando o acórdão-fundamento invoca uma anterior decisão do mesmo relator (acórdão de 15.1.92, proc. nº. 27132, da 3ª Secção, também da Relação de Lisboa, de que se junta fotocópia), citando a seguinte passagem:

«as decisões sobre legitimidade proferidas no decurso do processo penal não fazem caso julgado formal, devendo ser reapreciadas até à decisão final». Ora essa decisão é uma das que o acórdão recorrido invoca para fundamentar a decisão (ver fls. 37 e 44)!

A outra decisão invocada em seu apoio pelo acórdão recorrido (acórdão da Relação de Lisboa de 25.6.91, de que também se junta fotocópia) é também dúbia, pois, começando por afirmar que não se forma caso julgado sobre o despacho de admissão de assistente, decide que é de rever a decisão sobre a legitimidade quando se concluir, perante elementos subsequentes, que o assistente não é o titular do interesse protegido. Ora, essa decisão seria igualmente subscrita pelo acórdão-fundamento!

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Daqui resulta também que até os próprios considerandos e fundamentos de direito de qualquer das decisões não são inequivocamente contraditórios.

Antes parece que eles assentam na mesma perspectiva fundamental: a de que a constituição de uma das partes como assistente não forma caso julgado no processo e por isso a decisão a admitir pode ser revista em certos termos, tudo dependendo, afinal, das circunstâncias do caso.

Assim, e em conclusão, e revendo a posição anteriormente assumida, entende- se que não existe oposição de julgados.

III. Posição assumida:

Prevenindo a hipótese de a questão prévia não proceder, haverá que tomar posição sobre a questão de fundo. A dificuldade de determinação da questão de fundo é manifesta, face às considerações precedentes. Em todo o caso, poderemos talvez delimitá-la da seguinte forma: o despacho que admite uma pessoa como assistente é livremente revogável, ainda que não ocorram

quaisquer alterações de facto, ou esse despacho forma caso julgado, sujeito, no entanto, à cláusula rebus sic stantibus?

Muito breves são as considerações que se seguem. A posição descrita em último lugar afigura-se a melhor. Na verdade, sendo a constituição como assistente submetida ao contraditório das partes e sindicável por via de recurso, a decisão não pode deixar de adquirir estabilidade no processo, enquanto se mantiverem os pressupostos de facto que a motivaram.

Mantendo-se esses pressupostos, e ainda que o assistente tenha sido «mal»

admitido, ele deve manter essa condição no processo até final.

Nestes termos, entende-se que o recurso deve ser rejeitado, por falta de oposição entre os acórdãos recorrido e fundamento; caso assim se não entenda, deve ser fixada jurisprudência concordante com o acórdão- fundamento.

Alegações apresentaram, também, os recorridos B e C, concebidas nos termos que, a seguir, se relembram (cfr. fls. 101 a 113):

"B" e C, recorridos nos autos de recurso supra identificados, vêm, muito

respeitosamente, apresentar as suas alegações nos termos e para os efeitos do artº. 442º, nº. 1 do C.P.Penal:

I - Da motivação do recorrente:

Verificou o recorrente, e, em nosso entender, bem, pelo menos no que diz respeito à constatação, da existência de decisões opostas, proferidas no domínio da mesma legislação.

(25)

Assim,

Refere o recorrente, tese que aparentemente perfilha, que o Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido em 1 de Outubro de 1997

pronunciou-se, quanto à questão do valor processual da decisão que admite uma pessoa, como Assistente num processo crime, no sentido de: "a decisão que admita o assistente tem o valor de caso julgado formal subordinado à condição "rebus sic stantibus", ou seja, alterado o objecto da lide por efeito de acusação, se a relação processual de quem, até então interviera como

assistente for afectada, a sua posição processual, deve ser reapreciada em conformidade com a nova situação".

Acrescentando que,

Nos autos em que ora se levanta o presente incidente, o Tribunal a quo, com a decisão de rejeitar liminarmente o recurso interposto pelo recorrente com fundamento na falta de legitimidade deste para recorrer, decorrente da sua falta de legitimidade como assistente nos autos, não só tomou posição quanto à questão de saber, se efectivamente o denunciante, atenta a natureza do crime denunciado, poderia constituir-se assistente, como, aliás, decidiu pela não formação de caso julgado formal do despacho que admite um sujeito processual a intervir na qualidade de assistente.

II- Posição dos recorridos:

Ora,

Interessa para efeitos de uniformização de Jurisprudência, discutir apenas esta última questão, saber se efectivamente o despacho de admissão de um sujeito processual como assistente deverá formar caso julgado formal ou não.

Sempre se dirá que, efectivamente é indiferente ao recorrente assentar-se jurisprudência, quer num sentido quer em sentido oposto.

No entanto,

E porque nos parece importante reflectir sobre a flutuação de jurisprudência, por vezes geradora de incertezas no Direito, devido não só ao princípio da liberdade de interpretação, como à diversidade de opiniões, cultura e critérios, eis algumas considerações:

O caso julgado traduzindo a força obrigatória da decisão no próprio processo, é um instituto que visa a protecção das decisões jurisdicionais, sem o que essas decisões não seriam vinculativas, já que poderiam ser repetidamente modificadas.

Ora,

Por uma questão de raciocínio, in casu, resulta que o Tribunal nunca deveria ter admitido o participante a intervir como assistente nos presentes autos quanto ao crime de desobediência, uma vez que este tem natureza

(26)

exclusivamente pública, e o único titular do interesse protegido com a incriminação é o Estado, já que o bem jurídico protegido é a obediência e acatamento das ordens e decisões emanadas de autoridades públicas.

Logo,

Carecendo de legitimidade para se constituir assistente, carece, igualmente, de legitimidade para interpor o presente recurso - cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 8/03/2000.

Isto porque,

O artº. 401º, nº. 1, al. b), do CPP confere ao arguido e ao assistente,

legitimidade para recorrer das decisões contra eles proferidas, e a al. c), do mesmo normativo confere, às partes civis legitimidade para recorrer, da parte das decisões contra estas proferidas.

Ora,

De harmonia com o disposto no artº. 68º, nº. 1, al. a), do CPP:

"podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos,

considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (...)".

Não é ofendido, para este efeito, qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime.

Assim,

O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública; o imediato pode ter por titular um particular. Nem todos os crimes têm ofendido particular; só o têm aqueles cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou um direito de que é titular um particular.

De acordo com os ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias a nossa lei parte do conceito estrito de ofendido na determinação do círculo de pessoas

legitimadas para intervir como assistentes em processo penal.

Ninguém pode constituir-se como assistente relativamente a crimes públicos, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é, a qualquer luz,

exclusivamente público, como sucede com os crimes contra o Estado (vide Maia Gonçalves, in Código do Processo Penal Anotado).

O exercício da acção penal, por crimes públicos e semi públicos, pelo

assistente não pode ser desacompanhado do MP nem pode importar alteração substancial - imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (artºs. 238º, 284º, 119º, al. b), e 1º, al.

f), do CPP).

Contudo, se o MP se tiver abstido por crime público ou semi público, o

assistente pode requerer a abertura de instrução (artº. 287º, nº. 1, al. b), do

(27)

CPP) e, se não obtiver o desiderato que procura (a pronúncia) não prejudicou a possibilidade de recurso ao cível: mas, o simples facto de poder requerer a abertura de instrução, no que manifesta relevantemente a sua discordância com o MP, explica-se através do seu interesse em agir. É esta - e não outra causa - o que aqui actua (vide Assento do STJ de 8/99, de 30Out97).

Ora,

In casu, procedeu-se a inquérito tendo o denunciante sido admitido a intervir como assistente, por despacho judicial de 11.02.00.

Em 11.01.01 foi ordenado o arquivamento dos autos e o recorrente veio-o requerer a abertura de instrução.

Sendo que,

Lida a decisão instrutória conclui-se que o assistente carecia de legitimidade para requerer a abertura de instrução, atenta a natureza do crime.

A questão coloca-se, pois, no domínio do caso julgado, ou seja, a decisão que admite alguém a intervir no processo como assistente fará caso julgado neste processo, de modo a que não possa ser mais discutida?

Somos do parecer que não.

O Código actual, contrariamente ao CPP de 1929, não disciplina o caso julgado penal, salvo o seu reflexo no pedido cível (artº. 84º, do CPP).

Face ao disposto no artº. 4º, do CPP, perante a insuficiência dos dispositivos e a impossibilidade de aplicação analógica das normas deste diploma, observar- se-ão as normas do processo civil, desde que se harmonizem com o processo penal e, não as havendo ou não se harmonizando com o processo penal

aplicar-se-ão os princípios gerais do processo penal (vide Maia Gonçalves, in Código do Processo Penal Anotado, 1999, 10ª ed., pág. 97, e na mesma

orientação Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, pág. 30-35, discordando ambos da argumentação do Assento de 27Jan93, in DR I-A Série de 10Mar93, no qual se considerou que estavam ainda em vigor os dispositivos do CPP de 1929).

Assim,

Reiterando o supra exposto relativamente à noção e efeitos do caso julgado formal, isto é, a força obrigatória da decisão no próprio processo em que é proferida (artº. 672º, do CPC);

E sabendo que, em processo civil, a diversidade da posição processual não obsta à identidade de sujeitos, já em processo penal, a identidade que releva é apenas a identidade do arguido. O que importa é a identidade entre a pessoa já submetida ao processo concluído com a sentença transitada e aquela que se pretenderia submeter a novo julgamento, por força do princípio constitucional consagrado no artº. 29º, nº. 5, da CRP.

A aplicação irrestrita das regras de caso julgado no processo civil ao processo

(28)

penal, onde se defrontam interesses públicos, teria como consequência a inviabilidade a descoberta da verdade material que constitui escopo fundamental do processo penal.

Formando caso julgado do despacho de admissão do assistente, poderiam advir sérios prejuízos aos direitos de defesa dos arguidos, imagine-se que ao longo do processo eram reunidas provas, influindo na subsistência de tal estatuto, deveria manter-se inalterado devido à formação de caso julgado?

Parece não fazer sentido.

Conforme decidiu o Ac. da RP de 09Jul97, in CJ 1997, Tomo IV, pág. 230, «É de rejeitar o recurso, por falta de legitimidade do recorrente, se ele também a não tem para se constituir assistente. Não obsta a essa rejeição o facto de ele já ter sido admitido nessa qualidade, pois a respectiva decisão não formou caso julgado».

No mesmo sentido e posição inversa à do recorrente, vejam-se os Acs. da Relação de Lisboa de 25/06/2002, de 04/12/2001, de 97/10/2001, de 29/11/2001 e 30/06/99 in www.dgsi.pt.

Pelo exposto, justificar-se-ia assento de jurisprudência neste sentido.

Conclusões:

1- Constatou o recorrente da existência de decisões opostas, proferidas no domínio da mesma legislação;

2- O recorrente perfilha a tese do único Ac. da Relação proferido em 1 de Outubro de 1997 que se pronunciou quanto à questão do valor processual da decisão que admite uma pessoa, como Assistente num processo, no sentido de a decisão que admita o assistente tem o valor de caso julgado formal

subordinado à condição "rebus sic stantibus";

3- Nos autos em que ora se levanta o presente incidente, o Tribunal a quo, com a decisão de rejeitar liminarmente o recurso interposto pelo recorrente com fundamento na falta de legitimidade deste para recorrer e tomou posição pela não formação de caso julgado formal do despacho que admite um sujeito processual a intervir na qualidade de assistente;

4- Para efeitos de uniformização de Jurisprudência interessa discutir, apenas, esta última questão, saber se efectivamente o despacho de admissão de um sujeito processual como assistente deverá formar caso julgado formal ou não;

5- O caso julgado traduzindo a força obrigatória da decisão no próprio processo, é um instituto que visa a protecção das decisões jurisdicionais;

6- In casu, resulta que o Tribunal nunca deveria ter admitido o participante a intervir como assistente nos presentes autos quanto ao crime de

desobediência, uma vez que este tem natureza exclusivamente pública, e o único titular do interesse protegido com a incriminação é o Estado, já que bem

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